Economia de Serviços

um espaço para debate

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Câmbio: a falsa discussão sobre o verdadeiro problema

Elon Musk, o visionário (e bilionário) fundador do PayPal, da Tesla Motors e da SpaceX, é considerado um verdadeiro gênio. Questionado pelo Curador do TED Talks, Chris Anderson, em um dos eventos da marca, sobre a fonte de sua genialidade, Elon Musk respondeu o seguinte:

“Well, I do think there’s a good framework for thinking. (…) that is, boil things down to their fundamental truths and reason up from there, as opposed to reasoning by analogy (…), which essentially means copying what other people do with slight variations.”

Possivelmente, esse é o melhor conselho para abordarmos questões centrais do Brasil, e aqui nos dedicaremos ao câmbio: à ideia de que os países cambiam bens e serviços (muito mais bens do que serviços, e essa é uma observação que o leitor não deve esquecer para o resto da leitura) e o que condiciona que eles sejam cambiados de uma maneira e não de outra (por uma taxa, e não por outra).

“Boiling things down to their fundamental truths…”

A intuição mais fundamental sobre câmbio é a relação entre os preços de produtos comercializáveis e os preços de produtos não-comercializáveis em uma economia. Repare: a Carros S.A. vende carros no mundo todo e concorre com outras montadoras; o preço dos carros converge em todos mercados; a diretoria está decidindo se constrói sua nova fábrica em Springfield ou em Pindorama. Numa reunião estratégica, um dos diretores diz:

“Não podemos errar na escolha do local de investimento! Uma vez localizados, não poderemos cambiar as estradas esburacadas por estradas boas; não poderemos cambiar a energia elétrica vacilante por energia estável; quando formos exportar nossos carros, não poderemos cambiar o porto de Anjos pelo porto de Los Santeles. Não poderemos também escolher sob qual sistema tributário operaremos e em qual justiça vamos pelear.”

Uma vez que a Carros S.A. venderá seus carros pelo mesmo preço em todos lugares do mundo (lei do preço único), a decisão de investimento entre Springfield e Pindorama será determinada pela relação preço/qualidade daquele conjunto de fatores não-comercializáveis que afetam diretamente o sucesso da sua fábrica, mas que são próprios de cada lugar.

A noção de paridade está implícita nessa alegoria. A Carros S.A. está investigando se condições de mercado imóveis entre territórios afetam de maneira idêntica ou não suas operações fabris. Se não forem idênticas, um dos territórios demandará mais esforço do que o outro para que a Carros S.A. produza a mesma coisa.

“… and reason up from there…”

É muito frequente a análise da relação entre a taxa de câmbio e os preços relativos internos de uma economia pela abordagem dos diferenciais de produtividade entre setores comercializáveis e não-comercializáveis. Paul Samuelson e Bela Balassa estudaram esse assunto nos anos 60 e demonstraram que o mercado de câmbio equilibrava a demanda e a oferta de divisas estrangeiras em consonância com a corrente de comércio exterior – evidentemente, com os setores comercializáveis.

Como havia nítidas diferenças de produtividade entre os setores comercializáveis dos diversos países, isso explicaria porque os preços relativos de setores não-comercializáveis eram tão discrepantes entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Uma vez que o setor comercializável dos desenvolvidos era mais produtivo que o setor comercializável dos países em desenvolvimento, o mercado de trabalho em cada grupo de países gerava uma convergência específica de salários pagos entre todos os setores da economia. Isso explicava por que serviços idênticos presentes em todo mundo, de qualidade similar, pagavam, em paridade poder de compra (PPC), salários tão díspares, e por que a taxa de câmbio raramente refletia o equilíbrio de oferta e demanda de moeda estrangeira que propiciasse o mesmo poder de compra de bens e serviços em países distintos.

William Baumol, também nos anos 60, chegou à mesma conclusão que seus colegas, porém por outros caminhos e tentando entender outro problema. Baumol previa uma crise de urbanização como consequência dos diferenciais de evolução de produtividade entre bens (comercializáveis) e serviços (não-comercializáveis). As elevações salariais do setor comercializável eram antecedidas por elevações proporcionais de produtividade – decorrentes de avanços tecnológicos –, o que não ocorria no setor não-comercializável, que tendia a uma estagnação de produtividade em função da dificuldade de substituição de trabalhadores por máquinas. Baumol percebeu que quanto maiores os avanços tecnológicos do setor de bens, maiores seriam os custos (ganhos salariais sem contrapartida de produtividade) no restante da economia.

“… as opposed to reasoning by analogy.”

Os ganhos de produtividade ocorrem no setor comercializável da economia, mas sua gênese reside em um conjunto de condições e mercados majoritariamente não-comercializáveis. Esqueçamos aqui os serviços de consumo familiar (os serviços permanentemente usados como exemplo, como cabeleireiro, encanador, etc.) e foquemos nos serviços empresariais e em condições sistêmicas de competitividade (infraestrutura e instituições) e rememoremos o caso da Carros S.A. Se todos os serviços e infraestruturas que gravitam em torno do setor industrial são paritariamente mais caros num país do que em outro (mesmo preço, mas qualidades distintas, ou mesma qualidade com preços distintos), a taxa de câmbio PPC (ou câmbio real) será estruturalmente desfavorável a empreendimentos no setor industrial.

Cada vez mais ganha espaço a teoria da complexidade econômica na explicação do desenvolvimento econômico. Quanto mais diversa e complexa uma matriz produtiva, maior a renda per capita das nações. Ou seja, quanto mais variados e sofisticados os produtos e serviços que uma sociedade é capaz de fazer, mais produtiva ela é e, portanto, mais desenvolvida. Afinal de contas, o que determina a capacidade de uma sociedade produzir uma variedade de bens e serviços sofisticados?

As capabilities – ou competências – empresariais e tecnológicas determinam a sofisticação e a variedade de bens e serviços produzidos por uma economia. Infelizmente, essas competências são tácitas, demandam muito tempo e/ou muito esforço para se desenvolverem, e não são facilmente transplantáveis entre os povos.

Voltemos à reunião estratégica da Carros S.A., na qual outro diretor argumentou o seguinte:

“Devemos observar muito atentamente os preços que nos serão cobrados, pois não se trata apenas de ter serviços bons ou ruins, mas a que preço vamos adquirí-los. Minha equipe observou que os serviços de engenharia e automação de Springfield nos custarão $ 1,2 milhões ao ano, enquanto em Pindorama os mesmíssimos serviços custarão $ 1 milhão. Contudo, a qualidade dos serviços de Springfield nos permitirá produzir 13 mil carros, enquanto a qualidade dos serviços de Pindorama nos permitirá produzir 10 mil carros. Assim, em Springfield, cambiaremos $ 92,3 por carro, enquanto em Pindorama cambiaremos $100,0 por carro. Meu voto é por Springfield!”

Então perceba a sutileza de uma análise sobre câmbio. Balassa, Samuelson e Baumol, ao exemplificarem suas teses com serviços de consumo familiar, implicitamente estão estabelecendo padrões idênticos de qualidade (e produtividade): cortar cabelo é a mesma coisa em qualquer lugar do mundo, e, portanto, basta observar o preço real do corte de cabelo para obter a informação de apreciação ou depreciação cambial de uma economia. Mas se exemplificarmos essas teses com consumo intermediário de serviços empresariais por empresas industriais, imediatamente temos que trazer a qualidade/produtividade para entender se o preço é caro ou barato, ou se o câmbio dessa economia está apreciado ou depreciado.

O câmbio real no Brasil é sobrevalorizado porque temos um setor de serviços que oferta soluções numa razão preço/qualidade superior ao de vários de nossos concorrentes. Nosso setor industrial fica estrangulado porque concorre aqui e lá fora com preços determinados globalmente, mas depende de serviços e infraestrutura prestados localmente. Então, se quisermos nos reindustrializar, só temos duas saídas: ou desvalorizamos o câmbio nominal na marra, ou criamos uma política industrial focada na criação de capabilities empresariais e tecnológicas em torno de um competitivo setor de serviços industriais.

Rafael Leão é Mestre em Economia pela UnB e integra a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.
Paulo Gala é Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP) de São Paulo, onde leciona desde 2002. Autor do blog paulogala.com.br

Quais serviços de infraestrutura e para que fim? Parte II

Em post anterior, discutimos a necessidade de se ser mais seletivo na priorização de carteiras de infraestruturas em países com grande hiato e carência de investimentos no setor. Neste post, seguimos discutindo o tema.

É consenso na literatura que infraestruturas aumentam a produtividade e o investimento. De fato, ao aumentarem o acesso e reduzirem os custos de transporte, de comunicação e de energia, investimentos em infraestruturas reduzem custos de produção e elevam o valor adicionado, o que impacta as métricas de produtividade e aumenta as margens, incentivando novos investimentos.

Mas há que se diferenciar os impactos das infraestruturas na competitividade absoluta e na relativa, bem como nos benefícios privado e social.

Infraestruturas que impactam majoritariamente custos, como uma ferrovia que transporta cargas da mina ao porto, colocam os produtores no jogo da competição ao elevar o benefício privado e a competitividade absoluta. Isto ocorre notadamente em setores comoditizados, cujo valor de mercado do bem está dado.

Já infraestruturas que incentivam a agregação de valor e a diferenciação de produtos e têm muitas externalidades, como um rodoanel ou redes de banda larga, impactam também os benefícios sociais e podem ajudar a elevar a competitividade relativa. Ou seja, além de ajudar a colocar os produtores no jogo, essa classe de infraestruturas pode ajuda-los a ganhar o jogo da competição.

Em países com forte escassez de recursos e grande demanda reprimida por infraestruturas, o custo marginal de uma determinada infraestrutura será tanto menor quanto maior for o impacto no benefício social. Pense, por exemplo, no impacto que a oferta abundante de energia elétrica pode vir a ter ao viabilizar, digamos, a agregação de valor da produção agrícola de uma região. Nesse caso, ao contribuir para a elevação do valor da produção, a oferta de energia poderá viabilizar economicamente, por exemplo, a construção de uma ferrovia ligando aquela região ao porto, já que o valor da carga transportada aumentou.

Países que buscam a convergência de renda per capita com países desenvolvidos e a participação na economia mundial em etapas mais avançadas das cadeias globais de valor deveriam, portanto, focar na relação entre infraestruturas e competitividade relativa.

Infelizmente, a equação da priorização de carteiras de investimentos em infraestruturas é ainda mais complexa do que parece. Straub (2008)[1], por exemplo, mostra que cerca de 50% dos projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento têm pouco ou nenhum impacto no PIB, o que indica graves deficiências na escolha daquelas daquelas carteiras e na implementação dos projetos.

O que fazer? Por óbvio, o problema varia de país para país, mas a atenção aos seguintes pontos pode ser útil.

Fragmentação, complementaridade e sinergias. Dentre as explicações para o modesto impacto dos investimentos em infraestrutura na economia estão a fragmentação dos projetos e a pouca ou nenhuma sinergia e complementariedade entre eles. A fragmentação ocorre, sobretudo, por falta de planejamento em níveis federal e subnacional e falta de coordenação entre unidades do próprio governo e entre os governos e o setor privado. A falta de planejamento leva não apenas à fragmentação, mas, também, ao não sequenciamento adequado dos projetos de infraestrutura para potencializar os seus impactos.

Serviços e não somente infraestrutura física. Projetos de infraestrutura têm que focar na potencialização da utilidade que geram para os agentes econômicos, sejam eles consumidores ou firmas. Isso leva a que os projetos de infraestrutura tenham que ser analisados também pelo seu componente intangível. Os benefícios de uma nova rodovia, por exemplo, serão maiores quando, para além de viabilizar a conectividade física, também viabilizarem serviços complementares, como banda larga ao longo do curso da via, serviços de energia, de segurança, de apoio logístico, dentre outros que agregam valor e façam daquela rodovia mais do que um meio para levar uma carga do ponto A para o ponto B. De fato, já há farta evidência empírica mostrando que projetos de infraestrutura intensivos em capital intangível têm maiores impactos na produtividade e na competitividade relativa.

Tecnologia e não apenas menor custo. É preciso que carteiras de infraestruturas priorizem o uso de novas tecnologias, sejam elas construtivas, de serviços de gestão, manutenção e de provisão de bens públicos e privados. Afinal, aqueles projetos são oportunidades únicas para se incentivar o emprego de novas tecnologias e podem funcionar como polo radiador de incentivos a investimentos sofisticados, geração de riquezas e capacitação.

Monitoramento e avaliação de projetos. É preciso avaliar com maior atenção o que deu certo e o que deu errado em projetos de infraestrutura, tanto no próprio país como no exterior, de forma a se evitar repetir erros e deixar de otimizar as chances de acertos.

Futuro e não apenas o passado. Mais que mirar no atendimento dos velhos gargalos de logística, é preciso que o planejamento combine esforços na provisão de serviços de conectividade física e também não física e mirem em atividades que apontem para o futuro, como serviços sofisticados e economia digital.

Implementação e pós-implementação. Para além de melhorar a implementação de projetos, é preciso maior foco na recuperação das infraestruturas já existentes e na sua manutenção, de forma a que se reduzam os custos dos projetos e se amplifiquem os seus benefícios sociais.

Por fim, é preciso se repensar as métricas convencionais de identificação dos benefícios das infraestruturas. Afinal, muitos benefícios sociais importantes nem sempre são de fácil identificação e mensuração. De outra forma, há espaço para o desenvolvimento de metodologias mais sofisticadas e flexíveis de mensuração das contribuições das infraestruturas para a economia e para a sociedade.

[1] S. Straub, Infrastructure and growth in developing countries: recent advances and research challenges, World Bank Policy Paper No. 4460, 2008.

O papel dos serviços na complexidade econômica – parte I

Este é um post de uma série no blog que abordará o papel da complexidade no desenvolvimento econômico. O primeiro texto introduziu o leitor à análise da complexidade por meio de cadeias produtivas, utilizando uma matriz mundial de insumo-produto, a WIOD. Os resultados do exercício proposto no primeiro texto apontaram para a capacidade das atividades industriais de servirem como hubs, de conectar setores, podendo funcionar como catalizadores de outras atividades. Esses resultados, entretanto, compõem apenas uma parte do quebra-cabeças do desenvolvimento econômico. O presente texto encaixará mais uma das inúmeras peças desse quebra-cabeças, respondendo (parcialmente) à seguinte questão: qual é o papel dos serviços na complexidade?

Antes de responder à questão, é importante lembrar que os serviços representam um espectro de atividades que não podem ser tratadas de maneira homogênea. Desta maneira, seguindo a proposta de Arbache, os serviços são divididos em duas categorias: serviços de valor e de custos. Serviços de valor são aqueles que contribuem para a customização e a diferenciação dos produtos, como P&D, design, projetos de engenharia, serviços técnicos especializados, serviços sofisticados de TI, softwares customizados, branding e marketing. Já o segundo grupo de serviços é composto por aqueles que afetam principalmente os custos de produção, como logística e transportes, infraestrutura, viagens e acomodação. As duas categorias de serviços se distinguem não somente pela natureza da atividade, como, também, pela função que elas desempenham na complexidade econômica.

A aplicação da metodologia de Hausmann e Hidalgo aos dados da WIOD permite identificar quais economias e quais atividades são as mais complexas sob a ótica de cadeias produtivas, levando em conta a gama complexa de conexões entre os setores ao longo do processo produtivo e capturando melhor o processo pelo qual se embute valor a produtos.

A WIOD compreende as relações de insumo-produto entre 56 setores de 43 países, totalizando 85% do PIB mundial.  Os setores foram classificados como serviços de valor, serviços de custos, industriais ou primários. Todas as economias da amostra são emergentes ou desenvolvidas. Portanto, os resultados desse exercício devem ser interpretados apenas para o estágio intermediário e o avançado de desenvolvimento.

Resumidamente, países que têm competitividade em atividades complexas tendem, também, a serem complexos. Desta maneira, é importante saber se algum dos quatro tipos de atividade é mais complexo.  A Figura 1 apresenta a complexidade média das atividades, de acordo com o setor de fornecimento e de demanda. O primeiro quadrante dessa figura é o que abarca os setores que possuem complexidade média positiva, tanto como fornecedores quanto como demandantes. Todos os serviços de valor – pintados de amarelo – estão incluídos no primeiro quadrante, indicando que essas atividades contribuem para a complexidade de um país. O segundo grupo de atividades que mais se destaca na Figura 1 são os serviços de custos, em laranja. Já os setores industriais e primários, pintados de azul e vermelho, respectivamente, apresentam, em geral, médias de complexidade negativas. Isto não significa que os setores industriais não tenham função no desenvolvimento de uma economia, algo que já foi parcialmente coberto no primeiro texto da série.

O Índice de Complexidade da Economia (ICE) revela a importância dos serviços de valor nos estágios mais avançados do desenvolvimento econômico de um país. A correlação do índice de serviços de valor* com o ICE e com o PIB per capita é de 0,82 e de 0,73, respectivamente. Os resultados não são surpreendentes, já que o desenvolvimento e a gestão de ideias e tecnologias, atividades tão importantes nas economias mais desenvolvidas, estão incluídas no bojo dos serviços de valor.

A Tabela 1 confronta, para 2014, o ranking de complexidade dos países de Hausmann e Hidalgo ao construído com os dados da WIOD. As diferenças entre esses rankings são bem representadas pelo caso do Japão. A economia japonesa é a mais complexa no exercício tradicional, que utiliza dados de exportação de bens. Entretanto, ao utilizar os dados de insumo-produto, que capturam melhor o papel dos serviços, o Japão cai para a 33ª posição de complexidade. Essa pode ser uma das razões para as quais a economia japonesa esteja encontrando dificuldades para crescer nas últimas décadas.

Os serviços de valor são uma peça-chave no quebra-cabeças do desenvolvimento econômico. Economias que têm competitividade nessas atividades tendem a ser mais complexas. Entretanto, o serviço de valor não é maná que cai do céu. Na verdade, sendo o desenvolvimento econômico resultado de um processo típico de sistemas complexos, é essencial observar que essas atividades necessariamente interagem com outras variáveis para produzir complexidade econômica.

Nesse âmbito, qual seria o papel dos serviços de custos para o desenvolvimento econômico? E o relacionamento entre indústria e serviços na trajetória do desenvolvimento econômico? A construção de um espaço-produto com dados de insumo-produto será vital para responder a estas questões, que serão elucidadas nos próximos posts sobre o tema.

*o índice de serviços de valor é a parcela dessas atividades no consumo intermediário

Fonte: Elaboração própria, WIOD. Foram calculadas as médias das complexidades da atividade de acordo com o setor de fornecimento e de demanda. A figura relaciona as complexidades médias por fornecimento e demanda, diferenciando o tipo de setor por cor. Em amarelo, estão os serviços de valor. Em laranja e azul, estão os serviços de custo e os setores industriais, respectivamente. Em vermelho, os setores primários.

Fonte: Elaboração própria, WIOD, Hausmann e Hidalgo (2014). A Tabela lista as posições das economias nos
rankings de complexidade. O Ranking WIOD é o proposto neste trabalho. Ranking HH segue a classificação de Hausmann e
Hidalgo (2014), com dados de exportação de bens. Não há disponibilidade de dados para Taiwan no ranking de Hausmann e Hidalgo.

 

Quais serviços de infraestrutura, para quem e para que fim?

O Brasil investe menos de 2% do PIB por ano em serviços de infraestrutura, quando teria que investir ao menos 5% para atender às suas necessidades correntes básicas. O acúmulo de serviços de infraestrutura não satisfeitos é elevado e têm trazido dificuldades tanto para as capitais como para o interior do país, e tanto para atender às pessoas como às empresas. Indicadores de infraestrutura do Fórum Econômico Mundial e do Banco Mundial posicionam o país entre aqueles com as maiores deficiências.

De fato, o custo de serviços logísticos tem peso anormalmente elevado nas atividades econômicas e o tempo médio de deslocamento de trabalhadores das grandes cidades de casa para o trabalho também é muito elevado. Cerca de 40% da população ainda não têm acesso à água tratada e parcela ainda maior não tem acesso a esgoto encanado.

Os serviços de infraestrutura são, portanto, um problema econômico e social a ser resolvido. Mas a infraestrutura também é uma espécie de “low hanging fruit” com substanciais benefícios potenciais de curto prazo para a produtividade e para o bem estar das pessoas. Por isto, ela pode e deve ser parte do “core” das políticas públicas.

Em razão do longo atraso no atendimento das demandas por serviços de infraestrutura, o Brasil se depara, hoje, com a premência de enfrentar tanto as necessidades do “passado” como as necessidades do “futuro”, quais sejam, as infraestruturas logísticas e de saneamento e energia, bem como as  infraestruturas de banda larga, serviços de telecomunicações avançados e cidades inteligentes.

Para muito além de ter que investir mais, planejar melhor, melhorar a eficiência e a eficácia na gestão de projetos, atrair o setor privado e desenvolver e encorajar novos modelos e fontes de financiamento, o país também terá que ser mais seletivo, já que já não há mais tempo nem recursos para avançar em todas as frentes simultaneamente. Logo, será necessário estabelecer prioridades de investimentos em serviços de infraestrutura.

Mas como priorizar?  Quais serviços, para quem e para que fim?

Sabemos que o tema da definição de prioridades dos investimentos em infraestrutura é espinhoso e perturba os governantes em razão da sua forte exposição às questões de economia política. Por isto, o emprego de um conjunto mínimo de princípios e critérios seria um bom ponto de partida para ajudar a orientar a definição das prioridades.

Obviamente, não há um conjunto de princípios e critérios inquestionáveis e imunes à criticas. Além disso, as realidades e necessidades variam não apenas entre países e entre unidades da federação mas, também, ao longo do tempo.

Parece-nos razoável partir da premissa de que, num país emergente, o principal critério de prioridade de serviços de infraestrutura deveria ser o atendimento das necessidades humanas básicas. Logo, investimentos em água, saneamento, gestão dos recursos hídricos e habitação deveriam merecer destaque.

Serviços de infraestrutura que tenham os maiores impactos em termos de externalidades positivas para mais pessoas e mais empresas e  serviços que mais encorajem a diversificação dos investimentos e a agregação de valor também deveriam ser critérios orientadores da decisão. Obras como metrôs e rodoaneis em grandes metrópoles seriam exemplos dessa classe de infraestruturas.

A garantia de fornecimento de serviços fundamentais, como energia elétrica e telecomunicações, também deveria constar do rol de critérios.

Critérios que promovam o ataque simultâneo aos hiatos de infraestrutura do passado e do futuro também deveriam ser considerados. Exemplos não faltam e, dentre eles, estão a inclusão de requisitos nos editais para que os concessionários de infraestruturas de logística enderecem a conectividade de banda larga ao longo das vias e requisitos para que as concessionárias de distribuição de energia promovam os postes inteligentes, de forma a ampliar o acesso à internet e outros serviços.

Obviamente, novas soluções podem requerer ajustes regulatórios.

Exercícios de priorização de serviços de infraestruturas devem levar em conta a coordenação e o sequenciamento de projetos com vistas a ampliar as sinergias e as complementariedades, otimizar o uso dos tempos e dos recursos e, enfim, alcançar o máximo de benefícios para o conjunto da sociedade.

Por fim, o emprego de princípios e critérios identificáveis e mensuráveis de priorização de projetos de infraestrutura permitirá o desenvolvimento de modelos e de instrumentos metodologicamente robustos úteis ao desenho das políticas públicas.

Os serviços podem substituir as manufaturas como mecanismo de desenvolvimento?

A indústria manufatureira cumpriu papel especial como veículo para a criação de empregos, aumentos de produtividade e crescimento nas economias não avançadas a partir de meados do século passado. Primeiro na América Latina, seguida pela Ásia e pela renovação dos sistemas de produção na Europa Oriental, a expansão dos níveis de produção manufatureira serviu como canal para transferir mão-de-obra de ocupações de baixa produtividade para atividades usando tecnologias mais modernas provenientes do exterior.

A facilidade de transferência através das fronteiras adquirida pelas tecnologias de fabricação, particularmente de segmentos intensivos em mão-de-obra na era recente de fragmentação da produção em cadeias de valor, tornou possível tal processo. Uma vez determinadas condições locais mínimas estivessem presentes, a convergência em direção aos níveis de produtividade nos países da fronteira na origem se dava relativamente mais rápida do que em outros setores.

Duas questões estão agora lançando dúvidas sobre as possibilidades de replicar ou aprofundar esse processo. Primeiro, a mesma natureza “descomprometida” da produção manufatureira também leva a sua alta sensibilidade em relação a pequenas mudanças nos fatores de competitividade, como custos trabalhistas, taxas reais de câmbio, ambiente de negócios, infraestrutura e outros. Ao longo do tempo, isso levou a ondas de relocalização e concentração espacial em países específicos do mundo em desenvolvimento para cada uma das camadas de sofisticação nas cadeias de valor. O gráfico 1 descreve a grande variação de experiências com o emprego e o valor agregado bruto na indústria entre os mercados emergentes.

Em segundo lugar, as mudanças tecnológicas atualmente em curso tendem a reduzir o peso dos custos do trabalho e ameaçam reverter a motivação inicial para a transferência de etapas da fabricação para economias não avançadas (Arbache, 2016) (Canuto, 2017). A experiência histórica recente de uso das exportações de manufaturados como plataforma para sustentar elevado ritmo de crescimento se tornará mais difícil de expandir, sustentar ou iniciar. No mínimo, pode-se dizer que requisitos em termos de infraestrutura, ambiente de negócios, disponibilidade local de trabalhadores qualificados e outros fatores de competitividade estão aumentando.

As atividades baseadas em recursos naturais oferecem oportunidades de atualização tecnológica, aumentos de produtividade, exportações e – volátil, mas positivo – crescimento econômico, mas não a criação maciça de empregos como na atividade fabril. Segue-se a questão sobre a possibilidade de serviços substituírem a manufatura em termos de quantidade e qualidade de criação de emprego nos países em desenvolvimento. As mudanças tecnológicas em curso levariam a uma maior transferibilidade das tecnologias de produção e comercialização dos serviços? Em que medida ter bases locais de produção manufatureira ainda importaria como condição prévia para a produção de serviços? Essas são algumas das questões abordadas por Hallward-Driemeier e Nayyar (2017).

Hallward-Driemeier e Nayyar chamam a atenção para o fato de que avanços nas tecnologias de informação e comunicação (TIC) tornaram alguns serviços – financeiros, de telecomunicações e de negócios – cada vez mais comercializáveis através das fronteiras. Esse processo viabilizou a difusão da tecnologia e a possibilidade de exportar em adição ao atendimento da demanda local.

Também destacam o alto potencial de economias de escala em serviços altamente impactados pelas TIC, especialmente porque os custos marginais incorridos pela adição de unidades à produção são muito baixos. A intensidade de P&D aumentou, podendo-se apontar como exemplo o caso das despesas com serviços empresariais, onde os gastos aumentaram de 6,7% em 1990-95 para níveis próximos de 17% em 2005-10.

Por um lado, como na atividade fabril, as oportunidades de aprendizado tecnológico local e de aumento da produtividade nas economias em desenvolvimento podem ser criadas pelo aumento das possibilidades de transferência de tecnologia e de comerciabilidade internacional. Por outro lado, ao contrário da fabricação intensiva em mão-de-obra, tais serviços não devem servir como fonte abundante de empregos para mão-de-obra não qualificada.

Os serviços de baixo custo que permanecem usuários de mão-de-obra não qualificada são menos propensos a criar oportunidades de ganhos de produtividade. Com exceções – os autores mencionam serviços de construção e turismo – há menos escopo no setor de serviços para produzir simultaneamente altos aumentos de produtividade e criação de emprego para mão-de-obra não qualificada, pelo menos em comparação com o desenvolvimento liderado por produção manufatureira nas décadas anteriores.

E quanto à conexão entre produção manufatureira e serviços? Além dos aumentos da demanda por serviços autônomos com alta elasticidade renda, quais são as perspectivas para a demanda por serviços acompanhando a atual transformação da manufatura? Em que medida a oferta e a demanda desses serviços relacionados à fabricação se beneficiam da presença local de bases manufatureiras?

Hallward-Driemeier e Nayyar chamam a atenção para a crescente “servicização” da fabricação, uma vez que a última está cada vez mais “incorporando” e “embutindo” serviços, enquanto a participação da fabricação de componentes e a montagem final no valor adicionado diminuem (Gráfico 2)

A relevância dos serviços incorporados em produtos manufaturados aumentou como insumos (design, marketing, custos de distribuição, etc.) ou facilitadores de comércio (serviços de logística ou plataformas de comércio eletrônico). Além disso, os serviços também estão crescentemente embutidos, ou seja, fornecidos mediante ou adicionados a produtos manufaturados. Servem de ilustração os aplicativos para dispositivos móveis e soluções de software para fábricas “inteligentes”. Hallward-Driemeier e Nayyar concluem (p.162):

“Embora uma gama de serviços “autônomos” e alguns serviços embutidos possa oferecer oportunidades de crescimento sem um núcleo de fabricação, a servicificação do setor manufatureiro ressalta a crescente interdependência entre os dois setores. Dada essa profunda interdependência, as políticas que melhoram a produtividade em diferentes partes da cadeia de valor resultarão no todo ser maior do que a soma de suas partes. A agenda, portanto, deve ser a de países se prepararem para usar sinergias em todos os setores de modo a participar de toda a cadeia de valor de um produto, além de explorar oportunidades individuais para além da produção manufatureira.”

Em suma, os desafios para alcançar simultaneamente o emprego de trabalhadores não qualificados e aumentos substanciais de produtividade estão se tornando mais altos. Além disso, os fatores horizontais de produtividade e competitividade – incluindo a acumulação local de capacidades, baixos custos de transação, melhoria da infraestrutura, etc. – que foram cruciais em todas as experiências de desenvolvimento industrial amplo e profundo estão agora estendidos aos serviços. Há mais complementaridade do que a substitutibilidade entre fatores de produtividade e competitividade que afetam as manufaturas e os serviços. Não há alternativa senão melhorar o suporte horizontal na economia local se um país em desenvolvimento quiser desfrutar de qualquer um destes como motores de crescimento.

Otaviano Canuto é diretor-executivo no Banco Mundial, para Brasil, Colômbia, Equador, Filipinas, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago. Foi vice-presidente no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e diretor-executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI). As opiniões expressas neste artigo são suas.

Os Mercadores das Novas Grandes Navegações

As Grandes Navegações portuguesas inauguraram o que, segundo Thomas Friedman, teria sido a primeira onda da globalização. O termo refere-se à interação e à conectividade desde então experimentadas pelas vias do comércio, do movimento de pessoas, da relação entre culturas e das trocas de ideias. Para Cesar Hidalgo, redes interativas como essas permitem a criação e incorporação de conhecimento e know-how, aumentando a capacidade de processamento de informação, o que, em última análise, leva ao desenvolvimento econômico.

Boa parte dos benefícios da primeira onda de globalização foi difusa. Mas quem, sem dúvida, mais se beneficiou das Grandes Navegações foram os mercadores, intermediários que conectaram vendedores e compradores para disponibilizar especiarias e outros produtos numa escala até então sem precedentes.

Os ganhos da intermediação se traduziriam na alavancagem política dos mercadores o que, para Acemoglu e outros, viria a se constituir num dos pilares dos modernos direitos de propriedade. Juntamente com o boom populacional, aquele desenvolvimento institucional viria a ser decisivo para a Revolução Industrial.

Não estamos mais no século XV, nem Colombo está prestes a descobrir a América. Entretanto, a era das Grandes Navegações está de volta. Assim como naquela altura, inovações tecnológicas também estão desencadeando a era das “Grandes Navegações Digitais”. Mas, ao invés de bússolas, astrolábios, quadrantes e caravelas, é a internet e os dispositivos digitais que estão nos conduzindo pelos oceanos virtuais. E busca-se, agora, intermediar outro tipo de especiaria, esta, muito, mas muito mais valiosa: a informação.

A popularização da Internet tem levado à emergência de martkeplaces, mercados digitais operados por plataformas de gigantesco alcance público. Amazon, Alibaba, WeChat, Facebook, Google, Apple, Microsoft, Linkedin, Uber, dentre outros, se tornaram os intermediários das Grandes Navegações Digitais. Ao desempenhar as funções de mercadores da informação, essas plataformas têm proporcionando ganhos difusos para a sociedade ao reduzirem assimetrias de informação e custos de transação, além de integrar compradores e vendedores que antes pouco ou nada tinham acesso aos mercados.

A distância entre compradores e vendedores diminuiu e eliminaram-se intermediários. Ficou substancialmente mais fácil achar um amigo, um emprego, um quarto de hotel, chamar um táxi, comprar uma geladeira ou até mesmo contratar um serviço empresarial.

O nivelamento das oportunidades para se competir em igualdade de condições no oceano digital ajudou a levar Thomas Friedman a considerar que “o mundo seria plano”.

Cesar Hidalgo fez argumento similar, mas a partir da lógica de redes: quanto mais conectados estiverem os agentes, mais meritocrático será o sistema econômico. Em outras palavras, quanto menor for o número de intermediários necessários para se chegar ao comprador, maior será o valor apropriado pelo produtor do bem comercializado. Com isto, recompensa-se mais quem originalmente mais gera valor. Já em redes pouco conectadas, o intermediário é o maior beneficiário, o que leva a uma topocracia.

Estaria o mundo moderno se tornando mais meritocrático? Infelizmente, não. A eliminação de intermediários veio acompanhada de elevada e crescente concentração das transações em poucas plataformas. Apesar de haver maior competição horizontal entre produtores de bens e serviços, há elevada e crescente codependência deles para com as plataformas para intermediar transações.

De fato, os efeitos-rede e plataforma tornaram quase impossível contestar os modernos mercadores. Até mesmo os unicórnios, startups tecnológicas que chegaram a valer US$ 1 bilhão ou mais, pouco ou nada conseguem competir com as grandes plataformas.

O que estamos vendo, na verdade, são os grandes mercadores se apropriarem tanto dos excedentes do consumidor, como, também, da firma, uma característica topocrática que eleva o poder daquele grupo à uma condição sem precedentes na história econômica.

Difícil negar que as grandes plataformas digitais estão revolucionando os mercados. Mas, ironicamente, se, de um lado, essas inovações digitais estão nos proporcionando uma verdadeira revolução tecnológica de acesso à informação, por outro lado, a crescente concentração da informação em poucas mãos está comprometendo a horizontalidade e a difusão dos benefícios daquela revolução.

Essa hierarquização da rede econômica está trazendo consigo características topocráticas agudas. O mundo é plano, mas não para todos.

Como disse Jeff Bezos, CEO da Amazon, ainda estamos no “day one” da era digital. É difícil prever quais serão as consequências dessa crescente concentração da informação. Mas, do pouco que já pudemos ver, pode-se dizer que, quanto mais plano for o mundo, melhor será para todos.

Brasil: líder e (ainda) perdedor no mercado de café

Em outubro deste ano, o jornalista Mauro Zafalon observou, em texto publicado pela Folha de São Paulo, que, apesar de figurar como líder mundial de produção e exportação de café, o Brasil se distanciava cada vez mais das receitas mundiais geradas pelo comércio do produto. Isto porque, segundo ele, a “industrialização e a geração de ‘blends’ (misturas) para a bebida com cafés de diferentes regiões do mundo são o que interessam hoje ao mercado internacional.”.

Tradicionalmente, empresas de torrefação, grandes distribuidores e marcas de produtos encontrados em prateleiras dos mercados consumidores capturavam a maior parcela de valor gerado neste subsetor de alimentos e também ditavam padrões de qualidade e de produção ao restante da indústria (os produtores, grosso modo). No entanto, esta dinâmica veio sofrendo drástica alteração nas últimas décadas, deslocando a percepção do consumo do produto café para o consumo do café com conteúdo social. Assim, diferem-se os segmentos consumidores de café: convencional, diferenciado e aquele consumido como experiência – também chamados, em relatório recém-publicado da World Intelectual Property Organization (WIPO), respectivamente, de café da primeira, segunda e terceira ondas (ou gerações) – e que se diferenciam em termos de público-alvo, de nuances do produto e, claro, de preço.

A figura abaixo, retirada do referido relatório (World Intelectual Property Organization Report 2017), permite visualizar essa inflexão, causada pela crescente incorporação de capital intangível na cadeia de valor do café consumido mundialmente e que permitiu aos países consumidores capturarem parcela cada vez maior da renda gerada no setor em ritmo que se acentuou a partir de fins da década de 1970.

Gráfico – Participação dos países exportadores e importadores na renda total gerada pela venda de café – 1965-2013

Fonte: World Intelectual Property Organization Report 2017.

Os consumidores tradicionais de café, que correspondem à primeira onda, eram atendidos por cerca de 65 a 80% da quantidade total de café produzida mundialmente, o que, no entanto, corresponde a apenas 45% do valor total de mercado. Por si só, esta informação já reflete o alto valor pago pelos consumidores da segunda onda – que passaram a levar em conta padrões voluntários de sustentabilidade – e da terceira onda, composta por demandantes dispostos a pagar um preço premium para terem peculiaridades de gosto atendidas por um produto que considerarem superior ao das demais ondas.

A sofisticação da demanda por café ao longo dessas décadas não só incrementou a parcela da renda capturada pelos países que mais gastam com seu consumo final. Ainda que em menor medida, os produtores de café cujo preço acompanhou a elevação dos padrões de produção – em termos de melhorias tecnológicas ou de aspectos socioambientais – também tiveram sua renda elevada. O mesmo relatório atesta que, enquanto países produtores de café da primeira geração faziam jus a US$3 por quilo do produto, os da segunda e terceira gerações o vendiam a cerca de US$6 e US$11 respectivamente. Neste sentido, é fácil inferir que a política pública ideal em um grande país produtor procuraria incrementar os ganhos “nas duas pontas”: promovendo o consumo de segunda e terceira geração por meio de táticas como o branding, para elevar o dispêndio do consumidor final local e externamente e, ao mesmo tempo, redistribuindo ao menos parte dos ganhos adicionais para segmentos de inovação (inclusive em termos de aumento da variabilidade de grãos) e padrões sustentáveis de produção (ambientais e sociais).

O relatório cita ao menos dois países que lograram melhorar sua inserção no mercado mundial de café ao perceber e promover políticas neste sentido, a ponto de terem suas marcas indissociáveis de suas nacionalidades: o café colombiano Juan Valdez e o jamaicano Blue Mountain. É digno de nota que nossos vizinhos sul-americanos contavam, ao final de 2016, com 371 cafeterias no “formato Starbucks”, das quais 120 fora da Colômbia. Ao fechar as portas para esse tipo de industrialização, o Brasil se consolida como líder em quantidade produzida, e, ao mesmo tempo, como o grande perdedor, pois não pode se orgulhar da marca, se os verdadeiros vencedores estão levando quase tudo em termos da renda total gerada.

Espera-se, no entanto, que iniciativa do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), na região das montanhas do Caparaó (entre Minas Gerais e o Espírito Santo), consolide caminho alternativo à cafeicultura nacional. Agricultores visitados por seus técnicos vêm conseguindo capturar parcela crescente do que antes seguia para atores intermediários. Isto foi possível por meio de qualificação técnica, alterações importantes em processos (principalmente pós-colheita) e aquisição de novos maquinários, como beneficiadoras. Assim, em 2016, conforme informa a Associação Brasileira de Cafés de Especialidade (BSCA), “a produção de cafés brasileiros de qualidade superior chegou a 8 milhões de sacas, 54% a mais que em 2015”.

Esta inflexão foi noticiada também na Folha de São Paulo pouco mais de 2 meses após a publicação do artigo de Zafalon, ao qual é importante contraponto. De todo modo, assim como para o café, deve-se ter em conta que mudanças de rumo como as promovidas pela Incaper devem servir de referência para outras culturas, como a soja, de modo que se contorne obstáculos como os impostos por oligopsônios (haja vista as implicações negativas da predominância do consumo chinês deste nosso grão – vide artigo de Zafalon) e ainda gerar mais renda por peso da produção. Assim, torna-se possível não somente remunerar melhor nossa produção, como garantir melhores condições de trabalho a produtores e de preservação de recursos naturais.

Breno Simonini Teixeira é economista formado pela Universidade de Brasília e mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente pelo Centro de Estudos em Economia, Meio Ambiente e Agricultura (CEEMA), vinculado ao Departamento de Economia da UnB. Atualmente, trabalha na Superintendência de Meio Ambiente na VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias.

A indústria 4.0 não é panaceia

A indústria 4.0 já é realidade e veio para ficar. Empresas em todos os continentes estão acelerando as suas posições nessa tecnologia e já se prevê aumento significativo dos níveis de digitalização na produção industrial.

A nova tecnologia também chegou ao Brasil. Empresas nacionais estão digitalizando áreas das suas cadeias verticais (processos operacionais) e horizontais (parceiros), aumentando seus portfólios de produtos com funcionalidades digitais e introduzindo serviços inovadores baseados em dados. Mas apenas 9% das empresas brasileiras se classificam como partícipes de alguma forma da agenda de digitalização. Estima-se que esse percentual venha a saltar para mais de 60% até 2020. Analistas indicam que este salto será mais agressivo do que o das empresas em nível global, com expectativas de ganhos substanciais resultantes da digitalização na melhoria da eficiência, custos e receitas e, portanto, na produtividade e competitividade.

A perspectiva de crescente incorporação de tecnologias avançadas é boa nova para a manufatura brasileira, que vem, já há muito, enfrentando dificuldades competitivas.

Mas a indústria 4.0 terá mesmo impactos que venham a “virar o jogo” e dar à indústria brasileira um padrão de eficiência que garanta a sua competitividade?

A resposta é: provavelmente, não. Isto porque uma coisa é a nova tecnologia aumentar a competitividade absoluta; a outra é aumentar a competitividade relativa.

De fato, grosso modo, pode-se aumentar a produtividade e a competitividade por três meios. O primeiro é turbinando a eficiência da produção; o segundo é produzindo bens e serviços de mais alto valor agregado. O terceiro é a combinação dos dois anteriores.

A indústria 4.0 pode contribuir, e muito, para aumentar a eficiência das cadeias vertical e horizontal das empresas. São alterações internas, dentro do “chão de fábrica”, e alterações externas, junto a fornecedores e colaboradores, que levam à redução de ineficiências e dos tempos, cortes de custos, otimização de processos, melhoria de gestão de recursos financeiros, humanos, estoques e de ativos, aumento da qualidade e maior flexibilidade e agilidade. Aumenta, portanto, a competitividade absoluta.

Mas a indústria 4.0 per se não leva ao aumento da agregação de valor. Pode-se, por exemplo, implantar smart factories numa unidade de carros populares 1.0, com aumento de lucros, competitividade e até qualidade. Mas, ao fim e ao cabo, a unidade seguirá produzindo carros populares. Por certo, a produção de carros de mais alto valor depende de inúmeros fatores que vão muito além da tecnologia da fábrica.

O aumento da competitividade relativa associada à indústria 4.0 depende de ao menos dois fatores que estão fora do controle das empresas que adotam a tecnologia: o primeiro é o grau de “commoditização” daquelas tecnologias; o segundo é o padrão de competição em nível global.

Em razão da migração do modelo de negócios das grandes “fábricas de fábricas”, como Bosch, Siemens, Kuka e outras, que estão se transformando em plataformas virtuais de gestão de serviços da produção, uma crescente commoditização digital está em curso. Não por acaso, observa-se popularização de robôs, sensores, impressoras 3D e de tudo aquilo necessário para fazer funcionar a fábrica do futuro.

Espera-se que o número de robôs industriais venha a passar de 1,7 milhão, em 2017, para 3,1 milhões, em 2020. De fato, já caminhamos para a cloud robotics, em que robôs são conectados a plataformas em que até mesmo seus desempenhos são monitorados e comparados remotamente e parâmetros como velocidade, ângulo e força são alterados para a otimização da produção e mapas de tarefas são atualizados em função daquilo que se quer produzir. Em última análise, o advento do big data na manufatura e a introdução das plataformas na gestão da produção estão redefinindo os limites da indústria.

Quanto mais abertos forem os mercados globais, menos impacto terá a fábrica do futuro na competitividade relativa de uma empresa local, já que, em última análise, outras tantas empresas do mesmo segmento mundo afora também têm acesso e operam com a mesma tecnologia.

Embora possa contribuir significativamente para o aumento da eficiência absoluta, a indústria 4.0 não deve ser vista como panaceia para a indústria brasileira. A eficiência relativa seguirá dependendo de uma gama de outros fatores, incluindo geografia, instituições, previsibilidade, tributação, capital humano, infraestrutura, serviços, empreendedorismo e acordos de comércio e investimentos.

Serviços e riqueza

Como os serviços contribuem para a geração de riquezas? As respostas são, naturalmente, muitas e dependem do país e do seu estágio de desenvolvimento, da sua demografia e estrutura econômica, das condições internacionais, dentre outros aspectos. Mas uma das respostas está associada à relação entre os serviços e os demais setores da economia.

Evidências empíricas mostram que não é o tamanho do setor de serviços na economia que mais importa para a geração de riquezas, mas sim a parcela dos serviços que são voltados para a produção (e não para consumo). No Brasil, o setor de serviços responde por cerca de 74% do PIB, mas os serviços técnicos comerciais profissionais (PBS), que são insumos pré- e pós-produção, respondem por 18% do PIB. Nos Estados Unidos, os serviços representam 82% do PIB e o PBS por 31%, portanto, proporção mais que o dobro da brasileira.

A diferença entre Brasil e Estados Unidos não é casual. Afinal, o padrão e a quantidade de serviços produtivos são preditores da estrutura de produção e da complexidade do país e, assim, do estágio de desenvolvimento econômico. De fato, enquanto a economia brasileira é concentrada em serviços de consumo, bens manufaturados de baixo valor adicionado e commodities, a americana é concentrada na produção de serviços de média e alta sofisticação, manufaturas de alto valor adicionado e bens de capitais.

Conforme este blog tem destacado, os serviços estão se tornando componentes cada vez mais importantes – e determinantes, até – da produção da manufatura, agricultura e até mesmo da mineração. De serviços de logística, de manutenção de máquinas e equipamentos e financeiros a serviços de P&D, TI e design, as evidências empíricas mostram que os serviços se tornaram o componente com maior participação no valor adicionado. No Brasil, os serviços respondem por 64% do valor adicionado da manufatura. Nos Estados Unidos, passam dos 75%. No caso do iPhone, por exemplo, a participação dos serviços  é largamente predominante no valor adicionado.

Se os serviços correspondem a parcela tão elevada do valor adicionado, então a capacidade de desenvolver e gerenciar serviços produtivos é condição determinante para se ter uma economia competitiva. Há que se esperar, desta forma, relação positiva entre tamanho do PBS e variáveis como densidade industrial.

O gráfico 1 abaixo mostra evidências nesta direção. Observam-se, grosso modo, dois grupos de países. De um lado (parte alta e mais à direita), estão países de alta densidade industrial e alta renda per capita e; de outro lado estão países de baixa densidade industrial e de renda per capita relativamente mais baixa (parte de baixo e mais à esquerda).

Uma economia tão avançada e dinâmica com a alemã, por exemplo, cuja densidade industrial passa dos US$ 11 mil, requer muita capacidade de desenvolvimento de softwares, serviços de gestão de redes de distribuição e de cadeias de produção globais, logística avançada e tantos outros serviços críticos para se agregar valor à sua sofisticada manufatura. Não por acaso, a participação do PBS no PIB é de 28%. Já Turquia, Rússia e México têm densidade industrial de cerca de US$ 1800 e PBS no intervalo de 11% a 14%.

Para além do tamanho do PBS e da sua relação com a densidade industrial está a composição do PBS. Este blog classifica o PBS em dois grupos: serviços de custos e serviços de agregação de valor e diferenciação de produto. O primeiro grupo é composto, grosso modo, por serviços convencionais de cadeias de valor, como logística, manutenção de equipamentos, serviços de TI, financeiros e de telecomunicações básicos e tantos outros serviços que estão nas planilhas de custos das empresas. Já os serviços de valor incluem P&D, design, marketing, distribuição, marcas, instrumentos financeiros sofisticados, softwares customizados dentre outros que diferenciam o produto e lhes agregam valor.

Evidências empíricas mostram que a parcela de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos são maiores nos países de alta densidade industrial. E mostram,  também, que aqueles serviços estão por detrás do crescimento da produtividade, em contraposição aos serviços de custos, que têm pouco ou nenhum impacto nessa variável.

Em resposta à pergunta do início, os serviços contribuem para a geração de riquezas majoritariamente através do PBS e, mais especificamente, dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos. Logo, para se ter indústria, agricultura ou mineração competitivos é também preciso que o país seja capaz de disponibilizar serviços modernos, sofisticados e competitivos.

Gráfico 1 – Densidade industrial e serviços técnicos comerciais e profissionais (PBS)

Nota: fontes primárias dos dados: densidade industrial – World Development Indicators; PBS – WIOD. Densidade industrial é expressa em dólar corrente. PBS é expresso em parcela do PIB (0-1). Densidade industrial refere-se ao valor adicionado da manufatura per capita (dividido pela população total do país). PBS (professional business services).

O México nas cadeias de valor e o paradoxo da sua competitividade

O fenômeno da globalização contemporânea e os benefícios da troca de bens, serviços e ideias entre países tornaram a integração de países na economia global uma demanda de certa forma generalizada – ainda que com os altos e baixos e com as pressões e expressões nacionalistas e protecionistas. A abertura política e econômica de muitos países em desenvolvimento nos anos 90 propiciou a sua integração às economias avançadas, ajudando a dar forma ao que conhecemos hoje como cadeias globais de valor.

É notório que essa integração, no entanto, não é livre de custos. Além disso, a commoditização digital aumenta os riscos dessa integração no médio e longo prazo, sobretudo quando realizada majoritariamente por meio dos setores de montagem. De forma conflitante à defesa de que seria um exemplo para as economias emergentes, são nesses dilemas e paradoxos que se encontra o México.

A economia mexicana é, de fato, muito integrada à economia internacional e às cadeias globais de valor, tal como sugere a participação do comércio exterior no PIB da ordem de mais de 78%. O país também proporciona boa facilidade de fazer negócios – ao menos para os padrões latino-americanos – em boa parte resultante das reformas liberalizantes dos anos 90. Desde a criação do NAFTA, em 1994, as exportações passaram a ser elementos-chave para a criação de emprego no país e respondem por boa parte do crescimento econômico.

Apesar dos benefícios, alguns dos resultados dessa integração podem ser questionados e seriam opostos ao argumento do presidente norte-americano Donald Trump de que o NAFTA seria muito mais vantajoso para o México do que para os Estados Unidos.

A média do crescimento do PIB per capita do México entre 2005 e 2015 foi de apenas 1%, uma das menores da América Latina. Quanto aos salários, a média salarial anual de 2016 do México foi a menor entre os 32 países da OCDE, conforme mostra a figura abaixo: US$ 15.311. Curiosamente, em 2006, a média anual dos salários do país era maior do que a de 2016: US$ 16.073. Apesar da diferença de tamanho das economias, outro país latino-americano da OCDE, o Chile, teve média bem acima, de US$ 28.434, tendo entre os dois países apenas as médias de países do leste europeu e da Grécia. O grande vizinho, os Estados Unidos, teve, em 2016, média praticamente quatro vezes maior do que a mexicana, estando na segunda posição entre os países da OCDE.

Gráfico – Média salarial anual de 2016 em dólares americanos – OCDE

Fonte: elaboração própria, com base nos dados da OCDE

Não é à toa que tem se discutido que o México competirá com a Ásia em produtos de baixo valor agregado em virtude dos aumentos salariais chineses e estagnação dos salários mexicanos.

Alguns estudos são, no mínimo, curiosos quanto à avaliação da indústria mexicana. Com o propósito de identificar quais são as nações que oferecem e oferecerão os ambientes industriais mais competitivos, a Deloitte e o Council on Competitiveness publicaram o estudo Global Manufacturing Competitiveness Index. O estudo inclui mais de 500 repostas a questionários com executivos sêniores ao redor do mundo. Em 2016, o México ocupou a honrosa oitava posição mundial no ranking e projeta-se que o país será a sétima economia mais competitiva do mundo em termos industriais em 2020.

No entanto, vemos com certa desconfiança competitividade baseada sobretudo em baixos salários. Essas avaliações e estudos entram em contradição com o avanço da economia digital, com os prospectos para a automação industrial e com a crescente importância de serviços em sinergia com a indústria, que ‘ameaçam’ ou ‘transformam’ muitos dos empregos de setores mexicanos voltados à exportação. Com a baixa densidade industrial e a baixa agregação de serviços avançados na economia doméstica e na economia global, o México se mostra, no momento, abaixo das condições de um upgrade progressivo no comércio de valor adicionado.

Apesar do potencial da sua economia de mercado, alguns outros fatores podem estar por trás do baixo crescimento econômico do país, como a grande informalidade e precariedade dos empregos na fronteira, a existência de muitas empresas de baixa produtividade e a alta dispersão da produtividade no país. Em relação a isso, há alguns questionamentos: será que o fato de estar integrado no setor industrial de montagem seria uma etapa necessária para se progredir para etapas mais nobres nas cadeias de valor de serviços? Ou mesmo, haveria alguma vantagem nisso? Haveria a possibilidade de que o país fique ‘aprisionado’ em tais camadas desses setores de produção?

Somado a isso, há quem aposte que a Aliança do Pacífico poderá, de alguma forma, vir a ser uma alternativa de maior integração do México na economia global, mas é improvável que isto seja de grande impacto no médio prazo diante da estrutura econômica voltada para etapas de baixo valor adicionado nas cadeias de valor. Por último, estar na fronteira física com o maior mercado consumidor do mundo é uma vantagem, mas a consideração do aumento da competitividade em etapas de mais alto valor adicionado se faz necessária e isto envolve serviços associados ao conhecimento e à agregação de valor em suas políticas econômicas, tanto no âmbito doméstico, como no âmbito do NAFTA.

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