Em um post anterior começamos a discutir a abordagem que a economia faz daquilo que comumente (e muito vagamente) se denomina de “corrupção”. Aceitando provisoriamente uma aproximação intuitiva ao termo (veremos em outros posts a relevância e os problemas que uma definição mais específica introduz no debate) a pergunta que nós devemos colocar é:  por que a economia deveria ter “alguma coisa a dizer” sobre um tema que, em princípio, pareceria circunscrito à ética/moral e a aspectos legais?   Por um lado, a resposta é quase unânime entre economistas:  a corrupção tem desdobramentos em quesitos que fazem a essência de seu objeto de estudo:  crescimento, alocação eficiente de recursos, distribuição de renda, trade-off eficiência/equidade, etc..  Por outro lado, no debate cotidiano a corrupção adquiriu tal relevância que em muitas ocasiões é identificada como a raiz última da estagnação conjuntural e uma variável categórica para explicar o atraso do País.  Não existem elementos que permitam classificar as práticas ilícitas que diariamente são divulgadas como o principal fator do fracasso em matéria econômica.  Contudo, existem resultados encontrados na pesquisa empírica que atestam vínculos entre economia (especialmente crescimento) e corrupção.  Vamos a resenhar alguns deles.

Em um famoso paper, Mauro (1995) conclui que a corrupção tem um impacto negativo sobre o investimento privado e sobre o crescimento.  Explicita a conclusão com um exemplo bem ilustrativo. Se a burocracia estatal de Bangladesh tivesse os níveis de integridade do Uruguai seu investimento poderia se elevar em 5% enquanto o percentual de variação do PIB aumentaria 0,5% ao ano. Weil (1997) chega à conclusão que a corrupção eleva o grau de incerteza nos investimentos estrangeiros em um país, com efeito danoso sobre os mesmos, ensaiando também uma comparação: se Singapura, um dos países que as séries indicam como sendo um dos menos corruptos do mudo, tivesse os níveis de corrupção de México, isso seria equivalente a elevar a carga tributária em 32% sobre os investimentos oriundos do exterior.  Poderíamos nos estender nas citações bibliográficas, mas os nexos serão sempre os mesmos: existiria uma relação negativa entre crescimento e índices de corrupção. Contudo, lembremos que a existência de um nexo deixa em aberto a ordem de causalidade, aspecto que trataremos neste post nos próximos parágrafos.  

A alocação de recursos seria outro dos meandros mediante os quais as práticas de corrupção afetariam o crescimento.  Neste caso as interrelações (corrupção/alocação ineficiente de recursos) são as mais difusas e, muitas vezes, surpreendentes.  Por exemplo, Mauro (1998) encontra robusta evidência empírica sugerindo que quanto maior for o nível de corrupção de um país maior será o investimento público em setores (grandes obras de infraestrutura, por exemplo) nos quais a possibilidade de cobrar propinas seja maior.  Assim, seriam penalizadas áreas como educação, nas quais os espaços para tais práticas seriam mais reduzidos. Dessa forma, a alocação de recursos não teria como prioridade a eficiência, equidade, crescimento, etc., e sim a ampliação das fontes potenciais de cobrança de propinas Sem chegar a esses extremos, mesmo políticas que teriam como objetivo induzir maior taxa de crescimento podem ter como correlato a geração de práticas de corrupção que devem ser tidas como custos que alteram o balanço custos/benefícios.  Ades e Di Tella (1997) estudam o caso das denominadas políticas industriais e a eleição dos “campeões nacionais”.  Uma vez que a corrupção reduz o investimento, as medidas tendem a induzir o mesmo e, simultaneamente, abrem espaço para práxis ilícitas que podem chegar a comprometer boa parte dos ganhos que as políticas  impulsionaram (até 84% segundo os dados desses autores).  Nesse sentido, barreiras protecionistas, cotas de importação, etc. caminhariam na mesma direção, uma vez que, ao facilitar a geração de rendas em nichos específicos, criarão incentivos e disputas em torno da sua apropriação. Apropriação que pode ser disputada tanto por agentes do setor público (mediante propinas) ou como do setor privado (contrabando, mercado negro, etc.) (Kruguer (1974)).

Vemos, assim, que as raízes podem ser as mais variadas, até mesmo nobres, como acelerar o crescimento ou encorajar a industrialização.  Podemos imaginar uma situação na qual se objetiva uma aceleração do crescimento. Assume-se, então, um diagnóstico teórico, é estabelecida uma política pública em consonância e, como correlato, temos um espaço propício para o desenvolvimento de um mercado de propinas. Mesmo assumindo como apropriada a política escolhida (aceleraria a variação do PIB), parte desses ganhos seriam neutralizados pelo impacto negativo que a corrupção teria sobre os níveis de investimento.  Nesse caso, o balanço (positivo ou negativo) fica em aberto.  Mesmo em casos nos quais o objetivo do arcabouço legal consiste na correção de falhas de mercado (externalidades), pode-se quantificar o custo de não pretender corrigir essas falhas e comparar essa magnitude com a perda que representa a formação de uma burocracia imaginada para seu reparo, mas que configura um espaço aberto para a corrupção.  

Uma dinâmica similar pode ser deslanchada quando, no lugar de pretender induzir o crescimento, se pretende corrigir falhas de mercado.  Como salientam Acemoglou e Verdier (2000), impor restrições ou induzir condutas implica em vislumbrar controles com as conseguintes estruturas burocráticas, gerando custos diretos e a possiblidade de propinas.  Reduzir a eventualidade de corrupção pode elevar os custos (por exemplo, levando ao pagamento de salários de eficiência nas estruturas burocráticas), resultando em pesados complexos administrativos que, mesmo pagando elevados salários, não necessariamente eliminarão as possiblidades de pagamento de propinas nem contornarão inexoravelmente as falhas de mercado. 

Um caso bem diferente consiste em escolher setores prioritários ou arcabouços legais com o único propósito de gerar espaços capazes de disponibilizar rendas a serem disputadas. Nesse sentido, encontramos interpretações um tanto extremas, nas quais o objetivo último da maioria das normas legais, controles, etc. estaria associado à procura de geração de espaços nos quais é possível extrair rendas (propinas) por parte de agentes públicos (Cheung (1996)).  A hipótese de um comportamento rent-seeking é levada ao limite, uma vez que os burocratas não se aproveitariam das oportunidades abertas pela legislação para extrair rendas (propinas). Em realidade,  a própria legislação seria criada a fim de gerar rendas das quais posteriormente se assenhorariam. 

Como salientamos no post anterior, contudo, existe literatura sugerindo avaliar a corrupção dentro de um dado contexto.  Assim, em determinadas circunstâncias, o suborno à agentes públicos em âmbitos de regulamentação excessiva e mal desenhada seria benéfico para o desenvolvimento (ver bibliografia e citações no post anterior).  Nas palavras de Gray and Kauman (1998), uma frase poderia resumir esta perspectiva: a corrupção seria “….the “grease” that lubricates the “squeaky wheels” of a rigid administration”.

Contudo, se a corrupção pode afetar o crescimento através de diversos labirintos, seu perfil poderia também acentuar ou atenuar esses efeitos perversos. Assim, por exemplo, podemos estar diante de apenas um agente corrupto, de vários agentes que concorrem entre si ou de vários agentes em conluio.  Os modelos indicam que os resultados são diversos e, paradoxal ou contraintuitivamente, quanto mais caótico (menos centralizado) for o mundo dos agentes corruptos maior será o custo em termos de alocação de recursos.  Nas palavras de Canavesse (s/d): “…nos casos de corrupção estudados pode-se afirmar que o crime organizado é mau, mas o crime desorganizado é pior devido aos seus efeitos sobre a alocação de recursos”.  Um caso mencionado diversas vezes na literatura diz respeito ao desmoronamento dos países  Leste Europeu. Nos antigos regimes comunistas, um governo centralizado e forte “administrava” a corrupção.  A derrocada das estruturas do Estado na transição ampliou os agentes e desarticulou a sua centralização (devido à existência de governos frágeis e transitórios), fato que redundou em um ambiente caótico em termos de corrupção, com custos em termos de investimento (Sheilfer and Vishny (1993)).   Na medida em que as esferas de corrupção se multiplicam e superpõem, os custos de transação se elevam.  O tempo gasto nas negociações em distintas esferas governamentais (permissões, licenças, isenções, etc.)  dilata-se, aumentando custos e reduzindo investimentos.  

Além da diversidade de agentes corruptos (sua dispersão ou centralidade, sua coordenação ou não, etc.), uma outra variável que pode diferenciar a corrupção de um país (ou região) diz respeito à sua incerteza.  Em ambientes cuja corrupção é centralizada e sujeita a regras que são cumpridas, o grau de incerteza se reduz e o suposto impacto negativo da corrupção sobre o investimento é atenuado.  Campos, Lein and Pradham (2006) explicam, ao introduzir a variável incerteza, o aparente paradoxo dos milagres asiáticos.  Nessa região imperariam elevados índices de corrupção que, aparentemente, não impediriam a convivência com surpreendentes indicadores de crescimento e investimento.  Justamente, na medida em que as propinas e as regras do jogo da corrupção são conhecidas, estáveis e respeitadas, estas entram nos cálculos de investimento, elevando os custos, mas com risco reduzido.

Mas o ponto que permeia todos os trabalhos que acabamos de citar nos parágrafos anteriores implicitamente justifica o tratamento econômico da corrupção devido aos vínculos entre esta última e a alocação de recursos, investimento e crescimento.  Por diversos meandros (incerteza, custos, etc.), o pagamento de propinas acabaria reduzindo os níveis de crescimento, seja porque reduz o investimento seja porque induz uma alocação de recursos ineficiente. Nesse sentido, a relação entre os indicadores de corrupção (voltaremos sobre eles em próximos posts) e o nível de desenvolvimento é bem estreito: quanto maior for o nível de desenvolvimento de um país menor será seu grau de corrupção. Contudo, sabemos que correlação não significa ordem de causalidade ou as relações podem ser indiretas.  Assumamos, como hipótese, que o grau de corrupção tem a ver com raízes culturais como religião e existem evidências que sugerem que sociedades com tradição protestante parecem ser menos conivente com corrupção.  Nesse caso, podemos retornar, via corrupção, a Max Weber (religião→cultura→ética→investimento→crescimento). Porém, não podemos descartar, também, relações de causalidade contrárias.  Ou seja, o desenvolvimento econômico pode ter impacto sobre os indicadores de percepção de corrupção, como Treisman (2000) salienta.   Ou seja, sociedades economicamente estagnadas podem (controlando, inclusive, por fatores culturais como religião) induzir à corrupção: “Latin American countries are not significantly more corrupt than their Western European and North American counterparts once one controls for their lower economic development and less stable democracy” (Treisman (2000)).  Ou seja, a corrupção não seria a causa do baixo crescimento, senão o contrário, e existem evidências empíricas que sugerem que a relação de causalidade vai nesse sentido (Bai, Jayachandram, Malesky and Olken (2013)).

Em próximos posts direcionaremos nossas atenções a um aspecto crucial implícito (mas essencial) em todos os trabalhos empíricos: a definição de corrupção e sua medição.