Economia de Serviços

um espaço para debate

Month: novembro 2017 (page 1 of 2)

Como a Black Friday alavancou o e-commerce no Brasil

A Black Friday tornou-se uma das mais importantes datas para o varejo nacional. Importada por diversos países como forma de estimular o comércio semanas antes do Natal, a Black Friday foi adotada há sete anos pelo varejo brasileiro. O último dia 24 de novembro revelou que o costume foi, finalmente, bem aceito pelo consumidor brasileiro, mas com diferenças importantes em relação ao que se observa nos demais países.

Apesar das diversas reportagens e imagens mostrando consumidores ávidos por descontos dados pelas grandes lojas físicas, a data foi muito mais importante para o comércio eletrônico, que se aproveitou do movimento para atrair o consumidor para vendas online. O resultado impressionou: nos dois principais dias de oferta, o faturamento chegou a 2,1 bilhões de reais. As lojas físicas temem, inclusive, um menor crescimento nas compras de final de ano devido à antecipação nas compras promovidas pela Black Friday, e já se discute uma antecipação da data para agosto no próximo ano.

Na Black Friday de 2017, pode-se observar com clareza o potencial do e-commerce no mercado brasileiro. O ticketdio de compras foi duas vezes superior à média mundial. Ainda, as vendas por meio do celular representaram parcela importante das vendas: quase um terço ocorreu via mobile, crescimento superior a 80% em relação a 2016. O varejo online, que já supera o físico em diversas categorias como eletrônicos, viagens e celulares, viu na data a chance de trazer novos consumidores para o mundo virtual.

O crescimento das vendas online na Black Friday demonstra também uma maior confiança por parte do consumidor brasileiro no comércio eletrônico, algo recorrentemente apontado como uma das principais barreiras ao crescimento desse mercado. As lojas online parecem, de forma geral, ter conseguido vencer o receio dos consumidores de estarem  realizando compras com falsos descontos. Isso não significa que a prática de “maquiagem de preços” não tenha ocorrido – o site Reclame Aqui registrou mais de cem reclamações por hora durante a mega oferta, a maior parte sobre propaganda enganosa.

O e-commerce no Brasil – vantagens, oportunidades e espaço para avanço

A Black Friday explorou algumas vantagens em relação ao comércio físico ainda pouco conhecidas pelo consumidor. É o caso, por exemplo, do direito de desistência, que existe apenas quando a compra é feita fora do estabelecimento, conforme coloca o Código de Defesa do Consumidor.  As empresas virtuais aliam a isso estratégias como a devolução sem pagamento de frete ou embalagem para reenvio, bastando apenas a comunicação à loja e a entrega do produto aos Correios.

Todavia, o avanço das vendas no comércio eletrônico é refreado por uma série de entraves, alguns estruturais, e com poucas possibilidades de melhoria no curto prazo. Um deles, já levantado por este blog, refere-se aos altos fretes – um dos maiores responsáveis pela desistência na hora de se fazer o pagamento. Calcula-se que lojas online perderam quase 12 bilhões de reais por conta tanto do alto frete como da demora na entrega. Essas dificuldades reduzem sobremaneira a compra de produtos de menor valor – muitas vezes o valor do frete é superior ao valor do produto –, o que torna a compra desvantajosa. Isto inibe o crescimento de nichos de mercado importantes, como é o caso do uso do e-commerce para compras recorrentes, como produtos de limpeza e alimentos. Esse mercado, por sinal, é um dos grandes responsáveis pelo crescimento nas vendas da Amazon, por exemplo, por meio do Amazon Prime. Uma forma de se mitigar esse problema é o Click and Collect, ainda pouco usado no Brasil.

O comércio eletrônico ainda tem muito a ganhar com as tecnologias digitais

Embora surfando na onda da Black Friday (e suas variantes, como Black Weekend, Black Week ou Cyber Monday), o comércio eletrônico ainda terá que vencer muitas fronteiras para avançar em mercados mais tradicionais do varejo, como moda, itens de compra cotidiana e recorrente, mantimentos, entre outros. E a economia digital tem muito a contribuir na busca de soluções. Inteligência artificial, IoT, big data, cloud computing, realidade aumentada são algumas das tecnologias que, em um curto período, virarão serviços à disposição das plataformas de e-commerce. Elas deverão contribuir para melhorar a experiência do consumo online, reduzir custos de infraestrutura de rede e para trazer para esse mercado tanto novos usuários, como os que já compram online, mas que ainda procuram as lojas físicas para a maior parte das compras.

No caso do Brasil, muitas são as tecnologias que podem superar as desvantagens existentes numa compra online. Uma delas é a falta de contato com o produto. O Arkit, ferramenta de realidade virtual da Apple, está sendo utilizado por empresas como Ikea para que o cliente possa avaliar, por meio de um app, se o móvel que se deseja comprar se encaixa no local onde ele será colocado. O uso da automação e de algoritmos leva a quase zero o custo marginal de se adicionar novas interações, o que permite às plataformas de e-commerce suportar milhares de usuários. Ainda, o comércio eletrônico é capaz, por meio da tecnologia de RFID, de contornar questões como a informação sobre disponibilidade do produto. A coleta de big data e a posterior análise permite a extração de informações valiosas sobre o perfil dos consumidores, que possibilitam melhorar o posicionamento da marca frente às demandas presentes e futuras de seus clientes.

O efeito-rede existe em diversos mercados, mas é ainda mais relevante para se entender o poder das plataformas digitais, entre elas, as de e-commerce. O benefício de se usar um produto ou serviço dentro de uma plataforma cresce exponencialmente conforme se aumenta o número de usuários. E quanto mais pessoas usam uma plataforma, mais atrativa ela se torna. É o que acontece com plataformas como Ebay, Mercado Livre e OLX, que só geram os benefícios esperados para os consumidores em função do efeito-rede que conseguiram criar.

Como também já exposto por este blog, as plataformas são, provavelmente, o modelo de negócios de maior valor na era digital. Juntos, o efeito-rede e plataforma reforçam o poder que gigantes do comércio eletrônico têm sobre o mercado – as empresas fazem de tudo para manter o usuário navegando em sua plataforma, ganhando na geração de uma imensa quantidade de dados, os quais fornecem informações que serão usadas para fornecer novos serviços – reforçando a predominância da plataforma.

A essa infinidade de dados alia-se o uso de ferramentas como machine learning e engenharia de dados, as quais alavancam o conhecimento sobre o usuário e reforçam o ciclo de preponderância das plataformas. Um exemplo claro é a Amazon Prime, que inclui serviço de compras, entrega rápida, delivery de restaurantes, leitura de livros, audiobooks, streaming de series e filmes, música, compra integrada com o dispositivo Alexa, serviços domésticos e de reparos, entre tantos outros.

O que fica de lição ao se observar o que acontece nos demais mercados e também no Brasil é que as lojas físicas não podem prescindir da presença online. Vide o exemplo da Toys”R”Us, uma das maiores vendedoras de artigos infantis, que entrou com pedido de falência em setembro deste ano. Atribui-se a isto a forte concorrência com o e-commerce: o mercado de brinquedos, diferentemente de vários outros, adequa-se bem às vendas online e ao público de pais millennials sem tempo para ir a lojas físicas e mais habituado a executar as mais diversas atividades na internet. A empresa tentou ser fornecedora exclusiva de brinquedos para a Amazon em 2000, a qual foi processada em 2004 por descumprir o contrato. Com isso, a Toys”R”Us perdeu a oportunidade de desenvolver a sua própria plataforma de e-commerce há mais tempo. E quando acordou, já era tarde demais.

Conclusão: ainda estamos no ‘Day One’

Jeff Bezos, CEO da Amazon, tem uma célebre frase que resume a filosofia da empresa: “this is Day One ”. Isso significa que um mundo novo ainda está por vir em relação ao comércio eletrônico, à internet e à economia digital. Há, assim, um longo caminho a ser percorrido, tanto por economias mais maduras, como também pelas emergentes, até que o comércio eletrônico seja capaz de prover a melhor experiência para o consumidor a um baixo custo.

Para o Brasil, além da necessidade de ser avançar nas questões estruturais ligadas a serviços de custos, como logística e entrega, é preciso também ser capaz de olhar para fora, buscar novos modelos de negócios, novos mercados e novos serviços capazes de agregar valor ao que se entrega. O comércio eletrônico está só começando no Brasil. Devemos aproveitar o momento para traçar estratégias de crescimento que incluam novos mercados e que se projetem sobre novos modelos de negócios. Não dá mais para seguir a rota do foco no mercado interno – e muito menos repetir os velhos erros das industrias tradicionais.

Vídeo: Economia digital e seus impactos no Brasil

No último sábado, 25 de novembro, fizemos a primeira live do blog Economia de Serviços, sobre economia digital e seus impactos no Brasil. Nós, da equipe do blog (Jorge Arbache, Rafael Moreira e Vanessa Carvalho), batemos um papo de uma hora sobre o assunto, respondendo perguntas pelo facebook. Você pode ver a live completa abaixo ou via nossa página no facebook. Faremos outras em breve. Fiquem à vontade para sugerir temas!

Live: Economia digital e seus impactos no Brasil

Acompanhe agora nossa live sobre economia digital e seus impactos no Brasil pela nossa página no Facebook: www.fb.com/economiadeservicos

Mandem suas perguntas e comentários!

Live: Economia digital e seus impactos para o Brasil

No próximo sábado, 25/11, às 15h, a equipe do Blog Economia de Serviços fará uma Live para discutir como a economia digital pode impactar a economia brasileira. A live vai acontecer aqui no site do Blog e na página do Economia de Serviços no Facebook.

Confirme a sua presença na página do evento!

Com as participações do Professor Jorge Arbache, Secretário de Assuntos Internacionais (SEAIN) do Ministério do Planejamento e Professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB); do economista Rafael Moreira, coordenador do Núcleo de Novos Negócios Digitais do Sebrae Nacional; e da economista Vanessa Santos, doutoranda em economia pela UnB e assessora da SEAIN, serão debatidas questões como:

  • Por que a economia digital é a nova face da globalização?
  • Como ela impacta modelos de negócios e padrões de consumo?
  • Como ela pode impactar a renda e o emprego?
  • Qual o impacto dessas mudanças para o Brasil?

Contamos com a participação de vocês!

A indústria 4.0 não é panaceia

A indústria 4.0 já é realidade e veio para ficar. Empresas em todos os continentes estão acelerando as suas posições nessa tecnologia e já se prevê aumento significativo dos níveis de digitalização na produção industrial.

A nova tecnologia também chegou ao Brasil. Empresas nacionais estão digitalizando áreas das suas cadeias verticais (processos operacionais) e horizontais (parceiros), aumentando seus portfólios de produtos com funcionalidades digitais e introduzindo serviços inovadores baseados em dados. Mas apenas 9% das empresas brasileiras se classificam como partícipes de alguma forma da agenda de digitalização. Estima-se que esse percentual venha a saltar para mais de 60% até 2020. Analistas indicam que este salto será mais agressivo do que o das empresas em nível global, com expectativas de ganhos substanciais resultantes da digitalização na melhoria da eficiência, custos e receitas e, portanto, na produtividade e competitividade.

A perspectiva de crescente incorporação de tecnologias avançadas é boa nova para a manufatura brasileira, que vem, já há muito, enfrentando dificuldades competitivas.

Mas a indústria 4.0 terá mesmo impactos que venham a “virar o jogo” e dar à indústria brasileira um padrão de eficiência que garanta a sua competitividade?

A resposta é: provavelmente, não. Isto porque uma coisa é a nova tecnologia aumentar a competitividade absoluta; a outra é aumentar a competitividade relativa.

De fato, grosso modo, pode-se aumentar a produtividade e a competitividade por três meios. O primeiro é turbinando a eficiência da produção; o segundo é produzindo bens e serviços de mais alto valor agregado. O terceiro é a combinação dos dois anteriores.

A indústria 4.0 pode contribuir, e muito, para aumentar a eficiência das cadeias vertical e horizontal das empresas. São alterações internas, dentro do “chão de fábrica”, e alterações externas, junto a fornecedores e colaboradores, que levam à redução de ineficiências e dos tempos, cortes de custos, otimização de processos, melhoria de gestão de recursos financeiros, humanos, estoques e de ativos, aumento da qualidade e maior flexibilidade e agilidade. Aumenta, portanto, a competitividade absoluta.

Mas a indústria 4.0 per se não leva ao aumento da agregação de valor. Pode-se, por exemplo, implantar smart factories numa unidade de carros populares 1.0, com aumento de lucros, competitividade e até qualidade. Mas, ao fim e ao cabo, a unidade seguirá produzindo carros populares. Por certo, a produção de carros de mais alto valor depende de inúmeros fatores que vão muito além da tecnologia da fábrica.

O aumento da competitividade relativa associada à indústria 4.0 depende de ao menos dois fatores que estão fora do controle das empresas que adotam a tecnologia: o primeiro é o grau de “commoditização” daquelas tecnologias; o segundo é o padrão de competição em nível global.

Em razão da migração do modelo de negócios das grandes “fábricas de fábricas”, como Bosch, Siemens, Kuka e outras, que estão se transformando em plataformas virtuais de gestão de serviços da produção, uma crescente commoditização digital está em curso. Não por acaso, observa-se popularização de robôs, sensores, impressoras 3D e de tudo aquilo necessário para fazer funcionar a fábrica do futuro.

Espera-se que o número de robôs industriais venha a passar de 1,7 milhão, em 2017, para 3,1 milhões, em 2020. De fato, já caminhamos para a cloud robotics, em que robôs são conectados a plataformas em que até mesmo seus desempenhos são monitorados e comparados remotamente e parâmetros como velocidade, ângulo e força são alterados para a otimização da produção e mapas de tarefas são atualizados em função daquilo que se quer produzir. Em última análise, o advento do big data na manufatura e a introdução das plataformas na gestão da produção estão redefinindo os limites da indústria.

Quanto mais abertos forem os mercados globais, menos impacto terá a fábrica do futuro na competitividade relativa de uma empresa local, já que, em última análise, outras tantas empresas do mesmo segmento mundo afora também têm acesso e operam com a mesma tecnologia.

Embora possa contribuir significativamente para o aumento da eficiência absoluta, a indústria 4.0 não deve ser vista como panaceia para a indústria brasileira. A eficiência relativa seguirá dependendo de uma gama de outros fatores, incluindo geografia, instituições, previsibilidade, tributação, capital humano, infraestrutura, serviços, empreendedorismo e acordos de comércio e investimentos.

A Economia Mundial como Rede Complexa

Esse é o primeiro de uma série de textos no blog que abordarão o papel da complexidade no desenvolvimento econômico. Complexidade é aquilo que se observa em um sistema composto por um grande número de agentes inter-relacionados, sem controle central, cujo comportamento global emergente não pode ser explicado ou previsto pela soma do comportamento individual dos agentes. O estudo da complexidade, bem como do mapeamento das interações em um sistema complexo, ou seja, das redes complexas, não é originário das ciências sociais. Dentre as aplicações de origem mais conhecidas, estão, por exemplo, pesquisas sobre a relação entre genes, proteínas e metabólitos para o compreender o funcionamento das células e pesquisas sobre as conexões neurológicas para entender as funções cerebrais. Nas últimas décadas, entretanto, a aplicação das redes complexas ganhou tração nas ciências sociais, sendo identificadas em cidades, na internet, no mercado financeiro, no comércio internacional, entre outros.

Aplicar conceitos de outros campos de estudo não é novidade para os economistas há um bocado de tempo: os pais do marginalismo, Walras e Jevons, revolucionaram nosso campo de estudo ao importarem da Física Mecânica as noções de equilíbrio estável e otimização restrita. Utilizando o instrumental de ciência de redes e complexidade, provavelmente o trabalho que até hoje obteve maior impacto na Economia é o de Hausmann e Hidalgo. Ao observar dados de exportação de bens, esses autores concluíram que o desenvolvimento econômico de um país está intimamente relacionado com o que ele produz. Países mais desenvolvidos seriam aqueles que produzem bens mais complexos, geralmente industriais, como máquinas e computadores, enquanto os menos desenvolvidos seriam especializados em produzir produtos primários, como soja.

Os primeiros passos dados para compreender a natureza do desenvolvimento econômico no âmbito da complexidade fizeram renascer o debate sobre o papel da indústria na trajetória virtuosa de acumulação de riqueza pelos países. Nesse primeiro artigo sobre o tema, proponho que alterar a base de dados do trabalho seminal de Hausmann e Hidalgo pode contribuir para esse debate, lançando algumas conclusões iniciais. Apesar do pioneirismo brilhante em se utilizar exportações de bens para observar o desenvolvimento de um país, esses dados ignoram as relações econômicas desempenhadas domesticamente, bem como a importância dos serviços para a geração de valor econômico, que representam quase 70% do produção mundial. Ademais, atrelar a geração de valor a bens finais também pode ser inadequado, uma vez que está cada vez mais relacionada ao conceito de atividades. Nesse sentido, observar a cadeia produtiva capturaria melhor o processo pelo qual se embute valor a produtos, levando em conta a gama complexa de conexões entre os setores ao longo do processo produtivo. A cadeia produtiva do iPhone, por exemplo, envolve pesquisa e desenvolvimento, design, desenvolvimento de plataforma e de sistema operacional, marketing, produção de semicondutores e de telas de LCD, montagem do produto e diversas outras atividades.

Para operacionalizar a análise de complexidade por meio de cadeias produtivas, utilizo uma matriz mundial de insumo-produto, a WIOD. Essa base de dados compreende as relações entre 56 setores de 43 países, totalizando 85% do PIB mundial. A WIOD apresenta a relação econômica que cada setor de cada país tem com todos os outros setores de todos os países. Para os 2408 “agentes” – setores produtivos – da economia mundial, há quase 6 milhões de conexões que compõem essa malha econômica. Após tratamento de dados*, restaram cerca de 30.000 conexões, com um número médio de conexões por setor-país igual a 18. Os dados da economia mundial de 2014 foram plotados no aplicativo de redes Gephi, via algoritmo de visualização OpenOrd. Veja o resultado abaixo.

Cada nó representa um setor de um país. O tamanho do nó é a soma das suas conexões, ou seja, tanto do que foi oferecido como do que foi demandado de insumos de outros setores. A cor de cada nó segue um algoritmo de detecção de comunidades de acordo com as relações que cada nó tem com seus pares. Como é de se esperar, a cadeia produtiva se organiza de maneira a possuir maior relacionamento entre setores do mesmo país. Dessa maneira, mesmo sem forçar tal resultado, há a formação de agrupamentos de mesma cor, que representam, ultimamente, um país. Os setores brasileiros – os nós verdes ao lado da China – possuem natureza marginal na cadeia global de valor. Estão pouco conectados a setores externos e, quando conectados, a poucos países. Curiosamente, o país mais conectado aos setores brasileiros é a China, não os Estados Unidos.

Note, também, a posição central dos setores estadunidenses na rede. Isso ocorre, em boa parte, devido à grande importância dos setores aos quais os setores americanos estão conectados. A eigencentralidade, uma das diversas medidas de importância de cada nó na rede, captura esse efeito “diga-me com quem andas que eu te direi quem és”. Já a centralidade de intermediação mede a capacidade de um nó de transmitir informação para toda a rede, como um broker. Se para “caminhar” entre dois nós quaisquer da rede, deve-se passar frequentemente por um nó específico, esse nó possuirá grande centralidade de intermediação.

De acordo com os resultados da Tabela 1 abaixo, os nós que possuem as maiores estatísticas de centralidade na rede são os setores industriais. Dessa maneira, a participação desses setores nas cadeias domésticas e globais de valor não somente revela a capacidade de contribuir diretamente à geração de valor, já que são os maiores nós da rede, como também a capacidade de conectar diversos setores ao longo do processo de produção, já que são os nós mais centrais da rede. O mais importante, certamente, é essa capacidade de servir como hubs, de conectar setores, pois ela amplifica o papel indutor que as atividades industriais possuem, similar à ideia de backward e forward linkages, proposta por Hirschman décadas atrás. Antes de fazer qualquer análise sobre a complexidade econômica das atividades industriais, é importante ressaltar, portanto, que essas atividades demandam e são demandadas por soluções que muitas vezes transbordam o seu escopo, gerando inovação e ganhos econômicos difusos. Não à toa, apesar de representar 15% do valor adicionado do PIB da União Europeia em 2015, a indústria correspondeu por 64% dos investimentos totais em P&D.

O estudo da economia mundial como rede complexa pode auxiliar a compreender a função que atividades econômicas desempenham nesse grande emaranhado produtivo. Estatísticas de redes apontam a importância das atividades industriais como conectores econômicos, podendo funcionar como catalizadores de outras atividades. Para escapar da armadilha da renda média e garantir o desenvolvimento econômico, seria suficiente, portanto, apenas industrializar um país? E qual seria o papel dos serviços? E o relacionamento entre indústria e serviços na trajetória do desenvolvimento econômico? Internalizar o instrumental de redes complexas parece ser importante para chegarmos um pouco mais perto de responder a essas perguntas. Entretanto, só conseguiremos usufruir eficientemente desse novo instrumental caso consigamos debater o problema de maneira agnóstica. Quem sabe, assim, para a ciência econômica, não se concretize a previsão de Stephen Hawking feita em 2000: I think the next century will be the century of complexity.

*O tratamento de dados consistiu em agrupar alguns setores para viabilizar a comparação entre setores de países e a aplicação de um filtro de US$200 milhões para facilitar a visualização da rede.

O Novo Trans-Pacific Partnership (TPP)

Após anos de negociações, o TPP experimentou dramático colapso com a saída dos Estados Unidos do acordo logo após a posse do Presidente Trump. Mas como Fênix, o mais ambicioso acordo de comércio jamais negociado está renascendo das cinzas e deverá ser finalizado nos próximos meses. Agora, como CPTPP (Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership). O acordo também tem sido chamado de TPP 11 em razão de seus 11, e não mais 12 membros originais.

O TPP 11 representa 15% da economia global e inclui economias importantes como Japão, Canadá, Austrália e México. Outros países já indicaram interesse de se juntar ao grupo, como Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia, Indonésia e Filipinas. Estimativas do PIIE indicam que, com a entrada desses países, haverá ganho anual de comércio de US$ 500 bilhões, valor até maior que o esperado com os países do acordo original. Isto aconteceria em razão da criação de novas cadeias de valor na Ásia associadas a Japão, Coreia do Sul e Taiwan, que ainda não têm acordos de livre comércio entre si e outros membros.

Sob a liderança do Japão, oficiais dos governos envolvidos no acordo original, à exceção dos americanos, negociaram um texto-base. O texto, ainda não divulgado para o público, não está fechado, mas os “core elements” já teriam sido definidos, quais sejam, remover apenas temporariamente pontos polêmicos com o compromisso de seu eventual restabelecimento mais para frente e manter quase intacto o acordo original.

Ainda que haja reservas a muitos pontos que teriam sido duramente defendidos pelos Estados Unidos na TPP, notadamente nas áreas de propriedade intelectual, serviços e economia digital, a principal razão das alterações minimalistas seria a de criar as condições para atrair aquele país de volta para o acordo.

Em razão da ampla e inconteste competitividade das empresas americanas nas áreas de serviços e economia digital, há consenso entre analistas e diplomatas de que o retorno dos Estados Unidos ao acordo seja apenas questão de tempo.

Do texto original de 622 páginas (fora anexos), o atual teria 584 páginas. Dos 29 capítulos, 17 tiveram nenhuma ou quase nenhuma mudança. Os demais tiveram apenas alterações pequenas, à exceção do capítulo de propriedade intelectual. Os compromissos originais de desgravação e acesso a mercados de bens e serviços, listas negativas, investimentos, movimento temporário de pessoas de negócios, compras públicas e empresas públicas, por exemplo, foram todos mantidos. Capítulos cruciais como os de comércio eletrônico, economia digital, serviços em geral, serviços financeiros, coerência regulatória, regras de origem, barreiras técnicas ao comércio, competição e temas sanitários e fitossanitários foram mantidos praticamente na sua totalidade.  Em serviços, manteve-se até mesmo o controverso requerimento de limitação de presença local; em economia digital, manteve-se até o não requerimento de se sediar dados do país no próprio país, a despeito das já reconhecidas potenciais consequências para segurança e privacidade.

Ainda que minimalistas, houve mudanças que merecem destaque, incluindo as que seguem.

  • Encomendas expressas – preservou-se espaço de competição para empresas públicas de serviços postais.
  • Mecanismo de disputa Estado-investidor – aumentaram-se os espaços para governos promoverem alterações legais e regulatórias de interesse público.
  • Investimentos – removeram-se da cobertura do acordo os chamados acordos de investimentos e autorização de investimentos, modalidades tipicamente associadas a investimentos nos setores de óleo, mineração e outras commodities.
  • Propriedade intelectual – este foi o capítulo que passou por maiores alterações. Foram removidas ou alteradas provisões de proteção a patentes biológicas (o lobby farmacêutico americano teria sido o principal responsável pela rejeição do TPP pelo Presidente Trump), testes de dados de patentes, novos meios de proteção a tecnologias da informação, incluindo medidas de proteção tecnológica (TPMs), direitos de informação, sinais criptografados de TV a cabo e satélite e portos seguros para provedores de serviços de internet, e reduziu-se o período de copyrights de 70 para 50 anos.

Ao promover a convergência regulatória em serviços e em economia digital e remover barreiras para o comércio de serviços e de dados, o CPTPP será o primeiro acordo de comércio a favorecer o livre trânsito de dados entre fronteiras.

Embora possa haver benefícios imediatos com a ampla liberalização daqueles setores, é preciso levar em conta que serviços e economia digital se tornarão  a mais importante fronteira de crescimento econômico e de geração de empregos e a face mais fundamental das relações econômicas entre países no século XXI. É a globalização 2.0, com amplas repercussões para o crescimento de países emergentes e para as perspectivas deles superarem a armadilha da renda média.

É preciso também levar em conta as assimetrias e as muitas repercussões dos efeito-rede e plataforma e as consequências da crescente consolidação de mercados em torno de algumas poucas grandes e poderosas empresas dos setores de serviços e economia digital, as superestrelas. A questão, portanto, é menos a de se e mais a de como se engajar nessas liberalizações.

Dada a abrangência de escopo das disciplinas envolvidas, a CPTPP deverá inspirar outros acordos. Na verdade, o acordo já é visto como um benchmark para futuras negociações comerciais e elementos do acordo Mercosul-EU, por exemplo, já se inspiram no TPP.

Novas rodadas de negociações acontecerão nas próximas semanas para remover obstáculos ainda remanescentes e detalhar procedimentos associados aos próximos passos. Há um acordo de assinatura do documento já no primeiro trimestre de 2018. O CPTPP entrará em funcionamento após a ratificação por pelo menos seis países. Espera-se que até o final de 2018 o acordo já esteja operacional.

Serviços e riqueza

Como os serviços contribuem para a geração de riquezas? As respostas são, naturalmente, muitas e dependem do país e do seu estágio de desenvolvimento, da sua demografia e estrutura econômica, das condições internacionais, dentre outros aspectos. Mas uma das respostas está associada à relação entre os serviços e os demais setores da economia.

Evidências empíricas mostram que não é o tamanho do setor de serviços na economia que mais importa para a geração de riquezas, mas sim a parcela dos serviços que são voltados para a produção (e não para consumo). No Brasil, o setor de serviços responde por cerca de 74% do PIB, mas os serviços técnicos comerciais profissionais (PBS), que são insumos pré- e pós-produção, respondem por 18% do PIB. Nos Estados Unidos, os serviços representam 82% do PIB e o PBS por 31%, portanto, proporção mais que o dobro da brasileira.

A diferença entre Brasil e Estados Unidos não é casual. Afinal, o padrão e a quantidade de serviços produtivos são preditores da estrutura de produção e da complexidade do país e, assim, do estágio de desenvolvimento econômico. De fato, enquanto a economia brasileira é concentrada em serviços de consumo, bens manufaturados de baixo valor adicionado e commodities, a americana é concentrada na produção de serviços de média e alta sofisticação, manufaturas de alto valor adicionado e bens de capitais.

Conforme este blog tem destacado, os serviços estão se tornando componentes cada vez mais importantes – e determinantes, até – da produção da manufatura, agricultura e até mesmo da mineração. De serviços de logística, de manutenção de máquinas e equipamentos e financeiros a serviços de P&D, TI e design, as evidências empíricas mostram que os serviços se tornaram o componente com maior participação no valor adicionado. No Brasil, os serviços respondem por 64% do valor adicionado da manufatura. Nos Estados Unidos, passam dos 75%. No caso do iPhone, por exemplo, a participação dos serviços  é largamente predominante no valor adicionado.

Se os serviços correspondem a parcela tão elevada do valor adicionado, então a capacidade de desenvolver e gerenciar serviços produtivos é condição determinante para se ter uma economia competitiva. Há que se esperar, desta forma, relação positiva entre tamanho do PBS e variáveis como densidade industrial.

O gráfico 1 abaixo mostra evidências nesta direção. Observam-se, grosso modo, dois grupos de países. De um lado (parte alta e mais à direita), estão países de alta densidade industrial e alta renda per capita e; de outro lado estão países de baixa densidade industrial e de renda per capita relativamente mais baixa (parte de baixo e mais à esquerda).

Uma economia tão avançada e dinâmica com a alemã, por exemplo, cuja densidade industrial passa dos US$ 11 mil, requer muita capacidade de desenvolvimento de softwares, serviços de gestão de redes de distribuição e de cadeias de produção globais, logística avançada e tantos outros serviços críticos para se agregar valor à sua sofisticada manufatura. Não por acaso, a participação do PBS no PIB é de 28%. Já Turquia, Rússia e México têm densidade industrial de cerca de US$ 1800 e PBS no intervalo de 11% a 14%.

Para além do tamanho do PBS e da sua relação com a densidade industrial está a composição do PBS. Este blog classifica o PBS em dois grupos: serviços de custos e serviços de agregação de valor e diferenciação de produto. O primeiro grupo é composto, grosso modo, por serviços convencionais de cadeias de valor, como logística, manutenção de equipamentos, serviços de TI, financeiros e de telecomunicações básicos e tantos outros serviços que estão nas planilhas de custos das empresas. Já os serviços de valor incluem P&D, design, marketing, distribuição, marcas, instrumentos financeiros sofisticados, softwares customizados dentre outros que diferenciam o produto e lhes agregam valor.

Evidências empíricas mostram que a parcela de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos são maiores nos países de alta densidade industrial. E mostram,  também, que aqueles serviços estão por detrás do crescimento da produtividade, em contraposição aos serviços de custos, que têm pouco ou nenhum impacto nessa variável.

Em resposta à pergunta do início, os serviços contribuem para a geração de riquezas majoritariamente através do PBS e, mais especificamente, dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos. Logo, para se ter indústria, agricultura ou mineração competitivos é também preciso que o país seja capaz de disponibilizar serviços modernos, sofisticados e competitivos.

Gráfico 1 – Densidade industrial e serviços técnicos comerciais e profissionais (PBS)

Nota: fontes primárias dos dados: densidade industrial – World Development Indicators; PBS – WIOD. Densidade industrial é expressa em dólar corrente. PBS é expresso em parcela do PIB (0-1). Densidade industrial refere-se ao valor adicionado da manufatura per capita (dividido pela população total do país). PBS (professional business services).

Os serviços de remessa expressa e o comércio eletrônico no Brasil

Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.737 de 18 de setembro de 2017 (IN RFB nº 1.737/2017) é um importante instrumento para modernizar o tratamento tributário e os procedimentos de controle aduaneiro aplicáveis aos serviços de remessas expressas internacionais. Entre as principais inovações deste novo regulamento estão a ampliação dos valores das remessas amparadas pelo regime e o aprimoramento dos trâmites aduaneiros e administrativos no processamento das cargas. Com a implementação da IN RFB nº 1.737/2017 espera-se um crescimento significativo no número de remessas e dos valores envolvidos nos próximos anos e a criação de estímulos adicionais para o crescimento do comércio eletrônico.

As principais vantagens do regime de remessa expressa é a tributação diferenciada de 60% do valor aduaneiro com base no Regime de Tributação Simplificada e a responsabilidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e das empresas de transporte expresso internacional porta a porta, conhecidas como empresas de courier, nos trâmites aduaneiros e administrativos. As operações neste regime devem obrigatoriamente ocorrer no modal aéreo, o que traz agilidade nos prazos para a entregas de cargas.

O principal indutor das alterações promovidas pela IN RFB nº 1737/2017 foi o crescimento significativo das operações de comércio eletrônico e as sinalizações que este movimento continuará em expansão. A Receita Federal estima que sejam processadas no Brasil anualmente cerca de 40 milhões de remessas postais e expressas[1]. Desta forma, visando atender a expansão do comércio eletrônico a IN RFB nº 1.737/2017 aprimorou os procedimentos aduaneiros e eliminou restrições anteriores nos valores das remessas, o que permitirá a expansão do número de remessas e os valores envolvidos nas operações.

Além da ampliação do regime, o novo regulamento estabelece o Siscomex Remessa como a ferramenta tecnológica para o processamento das remessas. Com o sistema, a totalidade das remessas passa a ser processada eletronicamente a partir de informações prestadas no sistema pela ECT ou pelas empresas de courier. O processamento eletrônico das remessas permitirá o cálculo automático dos tributos e a liberação automática das remessas que não forem selecionadas para inspeção. Outra vantagem do processamento eletrônico é a possibilidade de seleção para fiscalização aduaneira por gestão de risco, aumentando a detecção de irregularidades ao mesmo tempo que processa de forma eficiente as remessas. A modernização do Siscomex Remessa e o uso da gestão de risco oferecerá às empresas e aos cidadãos mais facilidades e segurança para o processamento das remessas no Brasil.

Adicionalmente, a IN RFB nº 1737/2017 inova ao trazer opções adicionais para as operações das empresas de courier, que poderão cumprir com as formalidades de comércio exterior por meio de duas modalidades: comum e especial. A habilitação na modalidade especial tem critérios em linha com as boas práticas internacionais e permite que essas empresas tratem de todos os procedimentos administrativos e aduaneiros no comércio exterior em nome do importador. Nesta modalidade as empresas de courier poderão ainda realizar despachos de remessas sem limite de valor, mas em contrapartida exige-se maior controle e segurança nas operações dessas empresas e elevado rigor com a infraestrutura exigida no recinto aduaneiro para o processamento eficiente das remessas. Tais requisitos elevam o nível de automação das operações e padrões de segurança aduaneira.

Levando em consideração a significativa relação de colaboração e interdependência entre o comércio eletrônico e os serviços de remessa expressa[2] espera-se o aumento da eficiência no processamento das remessas e um estímulo importante para o desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil. A regulamentação da IN RFB nº 1737/2017 é positiva, mas é importante constantemente refletir sobre o arcabouço regulatório para manter no Brasil as mesmas condições que as empresas de courier encontram em outros mercados.

Por isso é fundamental que as empresas de courier, do comércio eletrônico e o setor governamental intensifiquem a coordenação para aprimorar processos, reduzir custos e otimizar recursos. Ainda há espaço para melhorias nos serviços de remessa expressa e no comércio eletrônico e a colaboração entre os operadores é fundamental para que o setor continue crescendo no Brasil. Entre as áreas que há espaço para aprimoramentos estão a coordenação entre os órgãos anuentes e a Receita Federal, a melhoria do acesso aos dados das operações, o aprimoramento da infraestrutura logística de cargas aéreas e o constante monitoramento de prazos e custos. A modernização alcançada com a IN RFB nº 1737/2017 é muito oportuna pois traz benefícios às empresas e aos cidadãos e mais agilidade e segurança nas operações das remessas expressas no comércio exterior.

João Augusto Baptista Neto é assessor especial da Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

 

[1] De acordo com o Balanço Aduaneiro 2016, as remessas postais em 2016 foram de 4 milhões e as remessas expressas foram de 35,7 milhões. O Balanço Aduaneiro está disponível para consulta no endereço:  http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/resultados/aduana/BalanoAduaneiro2016.pdf 

[2] Por exemplo, em 2013, na China, 60% das remessas expressas ocorrem por meio do comércio eletrônico e estima-se que esta participação suba para 80% em 2014.

Uber e o impacto da concorrência na produtividade

Como se sabe, todos os países que conseguiram sustentar crescimento econômico por décadas e aumentar o bem-estar da sua população passaram por um processo de aumento de sua produtividade do trabalho. Para os não economistas, “produtividade” é a razão entre alguma medida de produto sobre algum insumo de produção. Em geral, mede-se a produtividade do trabalho dividindo-se o valor adicionado (valor da produção menos o consumo intermediário) de um dado país, setor, segmento ou empresa pelo número de pessoas envolvidas no processo de produção. Portanto, um aumento de produtividade do trabalho significa aumento na capacidade de se gerar valor adicionado por trabalhador. Em outras palavras, um aumento na eficiência.

Por ser um tópico essencial na economia, o que não faltam são estudos tentando encontrar a melhor explicação para os fatores que fazem a produtividade crescer (ou diminuir): capital humano, inovação, qualidade de gestão, ambiente de negócios, etc. O fato é que a produtividade depende de vários fatores. No entanto, um fator que está quase sempre presente é o grau de exposição das empresas à concorrência. Quanto mais protegido for o setor, via de regra, menor será a sua exposição à competição e, tudo o mais constante, menor será a sua produtividade.

O princípio é que um mercado competitivo, com livre entrada e saída de empresas, faria as empresas mais eficientes ganharem mais espaço no mercado e as menos eficientes perderem espaço, até saírem do mercado, em um processo de ganhos de eficiência alocativa (SYVERSON, 2004; GOMES & RIBEIRO, 2014). Além disso, uma forte concorrência faria as empresas investirem em melhorias de gestão, aderirem a novas tecnologias de produção, entre outros. Isso as tornaria mais eficientes e produtivas, ou seja, trata-se de um processo de ganho de produtividade interno às firmas (SCHMITZ, 2005; SYVERSON, 2011).

Um exemplo prático da importância da concorrência para o aumento da produtividade está no crescimento da produtividade do trabalho na indústria de transformação brasileira após a abertura comercial do país no começo dos anos 1990. Outro exemplo mais específico é o de Bridgman, Gomes e Teixeira (2010). Os autores estudaram como o fim do monopólio da Petrobras na produção, refino, importação e exportação de petróleo, em 1995, e a ameaça de competição decorrente levaram a aumentos significativos de produtividade na empresa. Segundo os autores, de 1976 a 1993, a produtividade do trabalho da Petrobras cresceu a uma média de 4,6% ao ano.

Os autores relatam que, com a ameaça e eventual concretização da quebra do monopólio da empresa, a Petrobras passou por grandes mudanças de gestão, mesmo sem ter perdido poder de mercado de fato. A empresa reduziu o número de empregados, fechou poços de petróleo menos produtivos e focou nos mais promissores e tomou outras medidas de gestão que diminuíram o número de insumos e, ainda assim, aumentaram a produção. Entre 1994 e 2001, a produtividade total dos fatores da Petrobras dobrou, um crescimento muito acima da média da economia brasileira. Além disso, foi registrado um crescimento médio na produtividade do trabalho três vezes maior do que o do período anterior.

Portanto, há pouca contestação na literatura econômica de que, em geral, quanto menores as barreiras de entrada e maior a exposição à concorrência, maior tenderá a ser a produtividade das empresas e da economia em geral. Isso sem contar o impacto da maior concorrência na formação dos preços e no aumento do bem-estar do consumidor.

Diante disso, nota-se que aplicativos de transporte individual, como o Uber, Cabify e 99, aumentam de forma considerável a competição nesse mercado, antes quase exclusivo dos táxis. Segundo estudo de Cramer e Krueger (2016), os motoristas de Uber são mais produtivos do que os de táxi, tanto quando se mede o tempo ocioso dos motoristas, quanto quando se medem os quilômetros dirigidos por dia. Portanto, esses aplicativos podem ser ferramentas importantes para o aumento da produtividade do segmento.

Como já discutido neste blog, as plataformas da chamada “Economia do Compartilhamento” tendem a aumentar a eficiência da economia como um todo, dando uso a recursos subutilizados e aumentando a oferta de serviços (e bens) aos consumidores, além de serem importante fonte de renda para os ofertantes dessas plataformas.

Nota técnica recente do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) mostra que o Uber criou nova demanda por seus serviços (consumidores que não usavam táxi anteriormente) e, de fato, conquistou parte dos usuários de táxi. É possível ver, no gráfico abaixo, que, de fato, o interesse por táxi e aplicativos de táxi (medido pelo Google Trends) diminuiu desde a introdução do Uber e do Cabify, mas o crescimento destes foi consideravelmente maior do que a queda do interesse por táxi. Ao fim, o estudo ressalta que “tendo em vista as inovações tecnológicas que são capazes de minimizar as falhas de mercado verificadas neste mercado, faz sentido cada vez menos regulação neste mercado de transporte individual de passageiros”.

Fonte: Google Trends, inspirado em Nota Técnica do CADE (2017). A escala de popularidade varia de 0 a 100 e é relativizada.

Não se argumenta aqui que esses aplicativos não devam ser regulamentados. E como qualquer atividade econômica privada, seus serviços devem ser tributados. Mas é preciso garantir que o processo de cadastramento de motoristas não seja burocratizado ou que um aplicativo tenha muita restrição para começar a funcionar, o que contribuiria para reduzir a competição. Isso prejudicaria consumidores, prestadores de serviços dessas plataformas e a eficiência da economia de maneira geral.

Como dito anteriormente, um dos mecanismos pelo qual o aumento da concorrência aumenta a produtividade é a melhoria dos serviços dos incumbentes, em resposta à entrada dos novos competidores. Uma resposta adequada dos legisladores ao crescimento dos serviços como Uber poderia ser a diminuição das barreiras de entrada e das exigências para se dirigir um táxi. Essa decisão beneficiaria consumidores, taxistas, uberistas e a economia como um todo.

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