Economia de Serviços

um espaço para debate

Month: agosto 2018

Automação e Desemprego: Aspectos Microeconômicos

A automação crescente da produção e dos serviços tem sido motivo de muita preocupação nos últimos anos. O medo é o de que a computadorização em particular – ou das inovações tecnológicas em geral – desloque imensa quantidade de mão-de-obra para as hostes dos desempregados. A estimativa, feita por Frey & Osborne (2013), do Departamento de Engenharia Elétrica da Oxford University, de que 47% dos empregos nos EUA estariam em risco por causa dos avanços computacionais (robôs e automação) são um exemplo típico do Zeitgeist que aplica uma ótima Estatística a uma péssima Economia.

Essa onda alarmista, no entanto, é velha. No início do século 19, em plena Revolução Industrial, trabalhadores do setor de tecelagem destruíram as máquinas em protesto à substituição técnica. O movimento era liderado por uma personagem fictícia, Ned Ludd, criada pelos revoltosos para dar legitimidade ao movimento, o Luddismo. A gota d’água foi a destruição da tecelagem de William Cartwright em abril de 1812. Apesar da revolta, o mundo progrediu, como depois da invenção da roda, da moeda e dos direitos de propriedade.

Embora a sensação de incerteza quanto ao futuro do trabalho em situação de avanços tecnológicos seja compreensível, o que salta aos olhos é a incapacidade de enxergar o fenômeno sob as lentes da teoria econômica. A tese popular é de que a automação destrói empregos e que, portanto, medidas protetivas devem ser tomadas pelo Estado. Marchant et al (2014) propõem, por exemplo, entre outras coisas, reduzir a taxa de inovação! O que diz, porém, a teoria econômica?

Seria fácil, escreveu Armen Alchian, simplesmente dizer que o progresso tecnológico gera novos empregos em vez de destruí-los. Ele mostra, porém, que essa não é a questão econômica relevante.

Suponhamos que uma inovação tecnológica no setor de têxteis não gere qualquer novo tipo de trabalho, digamos o operador da máquina nova. Segue-se à introdução da máquina a demissão de João, que recebia $100 por semana. Ele será deslocado, por exemplo, para um emprego no setor de manufaturas, que não fora preenchido antes porque o custo de preenchê-los era alto. O benefício marginal de $91 de aumento de produto, por semana, no setor de manufaturas não compensava o custo marginal de contratação de João, cujo custo de oportunidade era $100. Porém, com a inovação no setor têxtil, o trabalho semanal de João passou a valer menos para o setor, digamos $70.

João foi demitido, mas poderia ter permanecido no emprego se aceitasse o salário de $70, com alguma redução de jornada. Ele, porém, não aceita o salário, pois sua oferta de trabalho é dada pelo trade-off entre trabalho e lazer, um termo técnico da Economia para denotar tudo aquilo que o trabalhador sacrifica quando opta pela ação de trabalhar. Ele aceitaria uma redução para $85, seu salário-reserva, mas não $70. Se você acha isso estranho, lembre que trabalhadores do setor automotivo, em momentos de crise, aceitam redução de jornada e salário para evitar a demissão. Quanto ao trade off, pergunte a si mesmo, que ganha R$18.000 por mês como engenheiro e diretor de operações, se aceitaria uma redução de salário para R$200. Certamente não. Há, portanto, algum salário que o deixa indiferente entre trabalhar ou não.

Voltemos a João. Se ele aceitar $90 no setor manufatureiro, será contratado. De fato, vale a pena para a empresa manufatureira contratar João, pois traz um lucro marginal de $1. Para João também, pois $90 é mais que seu salário-reserva, $85. O erro de muitos é não entender quais são as verdadeiras escolhas de João. O salário de $100 no setor têxtil não é mais uma alternativa. Sua escolha agora não é mais entre $100 e $90, mas entre $85 e $90. Não mais entre emprego antigo e novo, mas entre emprego novo e lazer (no sentido técnico). O problema é João e o empresário manufatureiro se encontrarem.

Portanto, mesmo que a inovação não gere um novo tipo de trabalho, ainda assim não é verdade que empregos são destruídos. Pelo contrário, empregos sempre existem. A demora na transição para novos empregos se deve à informação imperfeita, aos custos de busca e de transação, muitas vezes decorrência de restrições institucionais, e aos custos de oportunidade, que são subjetivos. Algumas pessoas reclamam que empregados da Disney recebem pouco e moram em motéis baratos, sendo que em cidades vizinhas há demanda por trabalho a salários “dignos”. Por que esses empregados não se mudam de cidade em busca de novo emprego? Porque o custo de mudança é um custo de transação que eles não estão dispostos a incorrer, talvez porque valorizem a relação com turistas ou porque na outra cidade não há cursos de Economia. Coisas não têm custos: ações têm – e quem age é o ser humano. O mercado é mediado essencialmente pelos custos de oportunidade dos seres humanos na economia.

O problema, então, não é se a inovação destrói ou cria novos empregos. A correlação positiva entre progresso tecnológico e desemprego é um falso problema econômico. O problema real que a Economia identifica é a decisão de quais trabalhos e tarefas executar e quais deixar inativos, além do reconhecimento de que o processo de transição entre empregos enfrenta custos de busca e de transação. Estes, sim, é que deveriam ser o alvo de políticas, nunca absurdos como “redução da taxa de inovação”.

Armen Alchian classifica em três grupos as pessoas afetadas pela inovação. (1) Algumas pessoas receberão maiores salários, em razão de seu capital humano ser mais escasso para as novas técnicas. Elas se beneficiam tanto do salário mais alto como da redução geral de preços e aumento de produto proporcionados pela inovação. (2) Algumas não sofrerão variação de renda, mas se beneficiarão da redução de preços e aumento de produtos. (3) Outras perderão seus empregos e deverão se mudar para empregos que paguem menos. A perda de renda destas pessoas não é compensada pela queda de preços e aumento de produto.

Inovações, de fato, criam novos tipos de trabalho, de forma que o valor do trabalho no resto da economia aumenta, pois as empresas nos outros setores têm agora que competir pelos trabalhadores com suficiente capacidade de ocupar os postos gerados pela inovação. Inovações não só substituem trabalho, mas também substituem bens de capital que obsolescem. Esse capital, então, perde lugar para trabalho e outros bens de capital. Inovações também incrementam trabalhos na cadeia de produção. A máquina nova que é produzida e substitui trabalho é, por sua vez, produzida pela utilização de capital “e” trabalho. A máquina que provocou a demissão de João foi produzida com uma combinação de capital e trabalho, digamos, com José, que foi contratado para a produção da máquina. A produção da nova máquina tem efeito positivo ao longo da cadeia sobre todos os fatores, inclusive trabalho.

Muitos advogam um sistema de compensações aos que perderam seus empregos, sob a alegação de que o incremento de valor gerado pela inovação é maior que as perdas dos trabalhadores demitidos. Essa proposta, no entanto, desconsidera tanto o fato de que a compensação altera os incentivos como o fato de que a identificação de quem perde e quem ganha envolve custos. Como dito, não só o trabalho, mas também o capital existente perde valor no setor que presencia a inovação, de modo que os detentores dos direitos de propriedade sobre esses recursos perdem riqueza. Taxá-los sem consideração dessas perdas é impor deadweight losses ainda maiores.

Que medidas podem ser implementadas para redução dos custos de busca e de transação na transição de empregos? Vejo pelo menos quatro. A primeira e mais óbvia é a eliminação (ou pelo menos a substancial redução) das restrições institucionais no mercado de trabalho, como salário mínimo, encargos trabalhistas, empecilhos à livre negociação e o rent-seeking de sindicatos. A segunda é uma profunda reforma tributária rumo ao IVA. Em terceiro lugar, abertura comercial e livre mercado. Finalmente, a educação, não só especializada, mas principalmente uma educação liberal que dê ao cidadão a capacidade intelectual de atuar em diversas áreas ou de enfrentar menores custos de aquisição de capital humano.

Rodrigo Peñaloza é Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade (UnB). É formado em Economia pela UnB, mestre pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e Ph.D. pela UCLA (University of California at Los Angeles). Sua área de atuação é microeconomia e métodos matemáticos.

 

Referências

Alchian, A. (1964): University Economics. 2nd ed., Wadsworth Publishing Company, Belmont, CA.

Frey & Osborne (2013): “The Future of Employment: How susceptible are jobs to computerisation?” Disponível em:

https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf

Marchant, Y. Stevens & J. Hennessy (2014): “Technology, Unemployment & Policy Options: Navigating the Transition to a Better World”. Journal of Evolution and Technology, 24: 26-44.

 

A transformação digital impulsiona o futuro sustentável da agricultura

A conjunção de condições do solo, clima, relevo, ciência, tecnologia, políticas públicas e competência dos agricultores tornou o Brasil um dos líderes mundiais na produção e exportação agrícola. Esse setor representa, aproximadamente, 25% do Produto Interno Bruto (PIB) e 50% das exportações. Significa que a cada R$ 4 que circulam no país, R$ 1 é agrícola. E, de cada US$ 2 que alimentam a nossa economia pela exportação, US$ 1 tem origem em chácaras, sítios, fazendas e estâncias brasileiras. Projeções recentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)[1] indicam que a produção de grãos poderá passar do atual patamar de 230 milhões de toneladas podendo chegar a entre 300 e 350 milhões de toneladas na safra de 2027/2028. Quanto à produção de carnes (frango, suína e bovina), projeções indicam que passaremos dos atuais 27 milhões para 34 milhões de toneladas até o final da próxima década. Há, também, crescente demanda por frutas, que ocupam cada vez mais uma posição de destaque no mercado nacional e internacional.

A modernização da agricultura brasileira e sua eficiência produtiva formam o suporte para esse desempenho. As safras recordes registradas germinaram nas instituições de pesquisa e ensino e foram plantadas no solo brasileiro na forma de inovações e tecnologias a cada ano-safra. Só nas duas últimas décadas, aumentamos a produção de grãos em aproximadamente 250% com apenas 50% na expansão da área plantada. Desse modo, produzimos mais alimentos, fibras e bioenergia com menos recursos naturais, fazendo do Brasil também uma potência ambiental com 60% de sua área ainda preservada, e menos de 30% do território do país destinado à agropecuária. Em análise desenvolvida pela Embrapa, tecnologia foi identificada como o fator mais importante para esse crescimento. Ela contribuiu com aproximadamente 60% do valor bruto da produção agropecuária e o somatório dos demais fatores — terra, mão de obra, e recursos financeiros — respondeu por 40%.

Por sua vez, o aumento da população mundial, a contínua urbanização, a maior expectativa de vida e o poder econômico elevarão ainda mais o consumo de alimentos, fibras e energia nos próximos anos e o Brasil deverá assumir um papel de ainda maior protagonismo na produção agrícola e na responsabilidade ambiental. As tecnologias digitais elevam as possibilidades de ampliar o conhecimento e a interação entre todos os elos das cadeias produtivas. Podem ajudar a resolver uma equação complexa e com inúmeras variáveis econômicas, sociais e ambientais em que é preciso produzir mais alimentos, com qualidade e com menor uso de recursos naturais.

Essa “digitalização da agricultura” pode ser entendida como interdisciplinar e transversal, não limitada a culturas agrícolas, regiões ou classe de produtores. Em um mundo cada vez mais dinâmico, a agricultura tem a possibilidade de utilizar avanços como as tecnologias de informação e comunicação (TICs), internet das coisas agrícolas (IoTA), inteligência artificial, agricultura de precisão, automação, robótica e big data e small data. Estimativas apontam que o mercado mundial da agricultura digital em 2021 será de 15 bilhões de dólares e que 80% das empresas esperam ter vantagens competitivas nesse setor[2].

O Brasil já possui papel inovador no agro focado em uma Agricultura 4.0. Novas abordagens são aplicadas no planejamento da produção, manejo, colheita, acesso a mercados, comercialização e transporte de grãos, frutas, hortaliças, carnes, leite, ovos, fibras e madeira. Os produtores já podem contar com apoio público, cooperativas, associações, sindicatos ou com serviços privados baseados em imagens de satélites, veículos aéreos não tripulados (VANTs) e sensores terrestres, sistemas de posicionamento global por satélite (GPS) e sistemas de informações geográficas (SIG).

Esses instrumentais são determinantes para o planejamento rural, redução de custos e aumento da produtividade e renda dos produtores. Já fazem parte de atividades como o cadastro ambiental rural (CAR) o zoneamentos e a aptidão agrícola. Também intensificam a aplicação da certificação ambiental de propriedades e processos, ajudam na gestão do bem-estar animal e na georrastreabilidade, elevando a qualidade e segurança dos alimentos.

A agricultura digital mostra desempenho amplificado na análise integrada de uso de insumos com a variabilidade do solo e água de sítios, fazendas e estâncias pela agricultura, pecuária e floresta de precisão. Máquinas e equipamentos conectados têm atividades gerenciadas por meio de sistemas de telemetria otimizando seu uso. Imagens de satélite e de VANTs, GPS, georreferenciamento e mapas de produtividade são termos cada vez mais frequentes no vocabulário dos produtores rurais. Esses instrumentos apoiam o planejamento do uso e ocupação da terra por práticas agrícolas mais resilientes, a exemplo da integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e do plantio direto.

Novos satélites geoestacionários e de constelações de nanossatélites do setor privado de comunicação, monitoramento de recursos naturais e agricultura já orbitam a Terra. Monitoramentos geoespaciais asseguram a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e aquáticos. Dão sustentação à implementação da gestão sustentável de florestas plantadas e restauração de florestas e pastagens degradadas. Sistemas de telemetria e GPS colaboram em medidas preventivas e corretivas envolvendo o tráfico de espécies da flora e fauna protegidas, mantendo a biodiversidade e elevando as oportunidades locais de subsistência sustentável de comunidades tradicionais. Bancos de dados armazenam informações de recursos genéticos vegetais e animais (nativos e exóticos), cadastramento de conhecimentos tradicionais, produtos locais e um catálogo de atrações que promovem o turismo rural.

Novos aplicativos, disponíveis para tablets e smartphones, são um suporte na tomada de decisão sobre inúmeras práticas envolvendo a produção animal e vegetal. Ajudam a compreender as condições meteorológicas, como secas e inundações, colaborando preventivamente na manutenção da qualidade do solo, água e ar. Permitem identificar, monitorar e reduzir a incidência de pragas e doenças. São imprescindíveis no gerenciamento de sofisticados sistemas de irrigação, minimizando desperdícios. Minimizam perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita. Auxiliam o gerenciamento técnico-financeiro de propriedades e se tornam fundamentais para a sustentabilidade do negócio rural.

Na vanguarda da inovação digital e com grande potencial para a agricultura, entram em campo as startups, com soluções disruptivas a problemas antes cristalizados. A “uberização” de máquinas e serviços já é uma realidade no meio rural, diminuindo custos de produção e aumentando postos de trabalho. Conceitos da economia digital, como fintech (finance & techonology), blockchain e criptomoedas servem de soluções para as áreas financeiras envolvendo o comércio internacional, importações e exportações de insumos e produtos agropecuários.

Os desafios estão em conferir maior dinamismo e integração entre a pesquisa, ensino, indústria, comércio, assistência técnica e extensão rural brasileira. Aproveitar o mundo rural mais conectado e fortalecer o processo de educação a distância (EAD) no campo. Atrair mais jovens, capacitar produtores rurais e profissionais para gerarem soluções cada vez mais interdisciplinares no dia a dia nas propriedades rurais elevando a produtividade e com menor pressão nos recursos naturais. Um perfil inovador, empreendedor e multiplicador é imprescindível a todos que buscam a digitalização da agricultura.

Esse ambiente digital molda agendas de desenvolvimento em várias escalas. Internacionalmente, pode ser associado à Agenda 2030 que envolve 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nesse contexto, a transformação digital na agricultura pode contribuir significativamente para o alcance desses objetivos, por meio de um maior compartilhamento de informações, aumento da produtividade, irrigação de precisão, ampliação do poder de informação, monitoramento do desperdício da produção, maior integração entre o campo e as cidades, aperfeiçoamento das cadeias produtivas, da melhoria na produção aquícola, na gestão do território e uso eficiente da terra (Figura 1).

http://breakthrough.unglobalcompact.org/site/assets/files/1332/6_9_26691_digital_agriculture_07_hr.1630x0.jpg

Exemplos de aplicações da agricultura digital aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Fonte: United Nations Global Compact. Digital Agriculture. 2017.

http://breakthrough.unglobalcompact.org/disruptive-technologies/digital-agriculture

Essa transformação possui uma velocidade exponencial, com maior amplitude na economia, governo e pessoas, tendo impactos cada vez mais sistêmicos nos indivíduos e na sociedade. A integração entre o conhecimento rural tradicional e o tecnológico inovador é fundamental para fortalecer ainda mais o desenvolvimento da agricultura. Estudo recente da Embrapa[3] destaca que, nesse paradigma, os negócios convencionais se desenvolverão sob a ótica do mercado digital, no qual o relacionamento entre consumidores e clientes será fortalecido por meio dos ecossistemas empresariais, do uso intensivo da automação e da convergência das TICs na agricultura.

Diminuir a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas devem integrar agendas públicas e privadas nas próximas décadas.

Essas condições têm impulsionado a demanda por atividades cada vez mais complexas na agricultura. O uso da tecnologia digital no dia a dia das propriedades rurais não é questão de opção, mas um caminho obrigatório para tornar a agricultura mais competitiva e com maior agregação de valor. Com a transformação digital na agricultura, o mundo rural é repleto de novas oportunidades para trabalhar, produzir e viver com qualidade. É necessário fortalecer ainda mais a geração de conhecimentos, tecnologias e inovações a serviço do desenvolvimento sustentável da agricultura brasileira.

 Édson Bolfe é Pequisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Suas áreas de pesquisa são geotecnologias, modelagem agroambiental, planejamento territorial e cenários de desenvolvimento da agricultura.  

Descubra mais em: www.embrapa.br/agropensa

Referências

  1. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Projeções do Agronegócio 2017/2018 – 2027/2028. http://www.agricultura.gov.br/assuntos/politica-agricola
  2. Parte superior do formulárioUnited Nations Global Compact. Digital Agriculture. 2017. http://breakthrough.unglobalcompact.org/disruptive-technologies/digital-agriculture
  3. Embrapa. Agropensa. Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira. Brasília, DF: Embrapa, 2018. https://www.embrapa.br/visao/o-futuro-da-agricultura-brasileira

Infraestrutura e serviços de infraestrutura: um breve olhar sobre o caso brasileiro

Tendo em vista a atual conjuntura brasileira de retomada ainda tímida de crescimento e grande restrição fiscal por parte do Estado, num contexto de teto de gastos públicos aprovado para as próximas duas décadas, o setor privado terá papel fundamental na realização de investimentos no país, em especial para os principais setores de infraestrutura, como é o caso dos setores de telecomunicações, energia, transportes e saneamento. Além disso, há ainda muito a melhorar na governança e atuação do setor público, com escolhas economicamente mais racionais de projetos, com a uniformização de práticas e a adoção de avaliações de impacto socioeconômico, por exemplo.

Mas o que é infraestrutura? Infraestrutura é “o conjunto de estruturas de engenharia e instalações – geralmente de longa vida útil – que constituem a base sobre a qual são prestados os serviços considerados necessários para o desenvolvimento produtivo, político, social e pessoal” (BID, 2000). Partindo desse conceito, podemos perceber complementariedade entre os chamados serviços de infraestrutura – que visam satisfazer às necessidades de um indivíduo ou de uma sociedade e são considerados serviços de interesse público; e a própria infraestrutura – que é a base física sobre a qual se dá a prestação destes serviços (IPEA, 2010).

Dessa forma, a infraestrutura seria representada por rodovias, ferrovias, terminais portuários e aeroviários, torres de telecomunicação, cabos de transmissão de energia elétrica (entre outros exemplos) que dão a possibilidade de oferta/prestação de serviços de infraestrutura. Já os serviços de infraestrutura são o frete rodoviário, ferroviário, aquaviário, aeroviário (transporte de mercadorias e/ou pessoas de um ponto a outro do território), o transporte urbano de uma cidade (linhas de ônibus, metrô e trens usados pelos cidadãos), os planos oferecidos por uma operadora de celular, etc. Todos esses exemplos de serviços se utilizam do capital físico instalado.

No setor de transportes, por exemplo, quando uma concessionária ganha uma licitação para a exploração da infraestrutura rodoviária e, portanto, passa a ter direitos e deveres contratuais firmados com o poder concedente (o Estado ou um representante do mesmo), todas as obras de manutenção, restauração e ampliação da capacidade da rodovia estarão incrementando os investimentos em infraestrutura, gerando então potencialmente maior estoque de capital fixo e adicionando estrutura física que será utilizada e usufruída pelos prestadores de serviço daquele setor e seus usuários de modo geral.

O setor de transportes, assim como outras áreas da infraestrutura – transportes, energia, saneamento e telecomunicações – possuem grande impacto no crescimento econômico de um país. Há vasta literatura que comprova que maiores investimentos em infraestrutura (fluxo) e maior estoque de capital fixo no setor (mais rodovias, maior capacidade energética instalada, etc.), ou seja, maior estoque de infraestrutura, levam a maior crescimento do produto e também elevam a produtividade, além de reduzirem a desigualdade de renda (Aschauer, 1989; Calderón e Servén, 2004; Ferreira e Maliagros, 1998).

Ainda, no caso específico do setor de transportes, os impactos são bastante relevantes, com efeitos de encadeamento para frente e para trás, relacionando-se ainda de modo importante com outros setores da economia. Para alguns produtos – como a soja e o milho – o valor final no porto é composto em mais da metade pelo chamado custo logístico. Portanto, mais uma vez, voltamos ao fato de que a infraestrutura física e seus serviços acessórios compõem o preço final dos produtos que produzimos e consumimos, seja para o consumo interno, seja para o consumo externo (por meio de exportações).

Dada a má qualidade média das rodovias brasileiras (comprovada pela série histórica das pesquisas anuais da CNT, com exceção das rodovias concedidas à inciativa privada, em especial as do estado de São Paulo) e sua relativa escassez (baixa densidade rodoviária quando comparada a outros países, com exceção também do estado de São Paulo), fatores esses somados ao fato de que cerca de 60% das cargas no Brasil são transportadas via modo rodoviário, percebemos que ainda temos muito a avançar nessa área.

A questão dos fretes, seu valor, sua rapidez, sua segurança, seu adequado manejo das mercadorias, o cumprimento de prazos, entre outros aspectos, ganhou notoriedade recentemente por conta da “greve dos caminhoneiros”, tendo já sido reportados impactos negativos dessa situação sobre o crescimento econômico do país (que foi revisado para baixo esse ano) e sobre a taxa oficial de inflação (que aumentou e elevou o índice esperado para o ano como um todo).

Isto posto, a infraestrutura (base física) precisa ser ampliada. Isso será feito, provavelmente e em grande parte, com a atuação do setor privado. Os programas de concessões foram intensificados nos últimos anos e muitos avanços foram feitos nos desenhos dos editais, contratos e regulamentos, como é o caso dos modos rodoviário e aeroviário. Aprimoramentos interessantes foram incorporados ao longo do tempo, como os gatilhos de demanda, o fator X, o fluxo de caixa marginal, entre outros. Ademais, maior participação do capital privado estrangeiro também tem sido verificada nos últimos 2 anos, tanto no setor de transportes quanto no setor elétrico. Nesse ponto, o papel maior do Estado daqui em diante seria de proporcionar condições macroeconômicas, institucionais e regulatórias apropriadas, robustas e condizentes com o objetivo de gerar incentivos e apoiar o investidor privado – seja ele de dentro ou de fora do país.

Em relação aos serviços de transporte de carga, em especial no caso dos fretes rodoviários, deveria tratar-se de mercado de livre concorrência, cujos preços deveriam seguir as forças de mercado (oferta e demanda). Por isso o “tabelamento de preços”, sancionado pelo Presidente da República em 09 de agosto de 2018, deve ser analisado de modo bastante crítico. O mais importante nesse caso é tentar ampliar e incentivar ganhos de produtividade no setor. Isso pode ser alcançado por meio de algumas inciativas distintas. A primeira seria aumentando o investimento na base física (melhorando a qualidade das rodovias, equipamentos, etc). A segunda forma seria ampliar a capacitação dos trabalhadores do setor (trabalhadores mais qualificados tendem a errar menos e terem melhores relações com seus clientes e fornecedores). A terceira seria promovendo melhorias institucionais, com ênfase na independência e profissionalização das agências reguladoras, tanto em âmbito federal, quanto estadual. Por fim, o incentivo à inovação permitiria o aumento na capacidade da prestação de serviços e até mesmo a abertura de novos mercados. Em resumo: avancemos na agenda de buscar maior produtividade!

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

 

Carlos Eduardo Véras Neves é formado em Engenharia Civil e Mestre em Geotecnia pela Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atua no setor público federal na área de infraestrutura desde 2009. Atualmente é Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. É aluno de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

Referências

Aschauer, D. (1989) “Is Public Expenditure Productive?” Journal of Monetary Economics, 23, pp. 177-200.

Calderón, C.; Servén, Luis. (2004). The Effects of Infrastructure Development on Growth and Income Distribution. Policy Research Working Paper; No.3400. World Bank, Washington.

Ferreira, P.C. and T. Maliagros (1998) “Impactos Produtivos da InfraEstrutura no Brasil — 1950/95”, Pesquisa e Planejamento Econômico, v.28, n.2, pp.315-338.

IPEA (2010). Infraestrutura Econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025. Livro 6, Volume 1. Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.

Comércio exterior de serviços e balança de pagamentos no Brasil

A figura 1 mostra o comércio de serviços no Brasil desde 1976. O saldo do comércio de serviços foi sistematicamente negativo no período e observam-se dois movimentos de mudança de patamar do déficit: um a partir do final dos anos 1980 e um segundo, mais intenso, a partir de 2004. Em ambos os casos, o aumento do déficit se explica majoritariamente pelo crescimento das importações, o que deu origem a uma espécie de “boca de jacaré”. Em 2014, o déficit chegou a nada menos que US$ 48 bilhões. Ao que parece, teria havido mudança estrutural no comércio de serviços.

De fato, a elasticidade do crescimento das importações de serviços com relação ao crescimento do PIB é de 2,28 para o período completo. Já a elasticidade do crescimento das exportações é de 1,11. Teste de mudança estrutural sugere quebra da série em 2004. Recalculamos as elasticidades para antes e depois daquele ano e encontramos 1,37 e 4,28, e 0,13 e 3,38, respectivamente, para importações e exportações.

Esses números sugerem, primeiro, que as importações de serviços são mais sensíveis à atividade econômica que as exportações; segundo, que, embora ambas as variáveis tenham se tornado substancialmente mais sensíveis à economia a partir de 2004, o coeficiente de importações é significativamente maior que o de exportações; e, terceiro, caso a economia volte a crescer à taxas similares à do produto potencial, que é da ordem de 2,5%, então, tudo o mais constante, observaremos considerável elevação do déficit da conta de serviços.[1]

A figura 2 mostra o saldo comercial total e, separadamente, os saldos comerciais das contas de bens e de serviços. Observa-se que a conta de serviços exerce elevada e crescente influência no saldo comercial total. Embora a corrente de comércio de serviços seja de apenas 1/5 da corrente de comércio de bens, o déficit da conta de serviços praticamente determina o saldo comercial total.

A figura 3 mostra decomposição do saldo comercial total em seus componentes —  os saldos comerciais de bens e de serviços. Conforme sugerido acima, os saldos comerciais no Brasil são “pautados” pelo desempenho da conta de comércio de serviços. Assim, anos com saldos comerciais totais mais modestos ou até negativos são anos com relativamente elevados déficits comerciais da conta de serviços, e vice-versa.

Déficit na conta de serviços não é, necessariamente, um problema. Afinal, pode-se estar importando insumos que elevam a competitividade e a produtividade. Porém, ainda assim, preocupações emergem quando a conta de serviços segue trajetória sistemática de crescimento do déficit, o que pode dar origem à um constrangimento estrutural das contas externas que, eventualmente, pode vir a se tornar um “freio” ao próprio crescimento econômico. Este poderá ser o caso do Brasil.

De fato, para além de elasticidades e de patamar de déficit comercial já elevado, há razões para se esperar aceleração do déficit da conta de serviços ao longo dos próximos anos e, dentre elas, estão as que seguem:

  1. Os serviços estão se tornando tradable e muitos serviços que tradicionalmente são providos localmente por empresas nacionais ou estrangeiras estão, e cada vez mais, sendo providos a partir de terceiros países. Ali incluem-se serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos mas, também, serviços de custos. Essa mudança já está reescrevendo a geografia dos investimentos e do comércio do setor de serviços;
  2. Liderados pelos Estados Unidos, países ricos com fortes interesses ofensivos em serviços estão fazendo intensa pressão para a liberalização dos mercados de serviços e para a convergência técnica e regulatória do setor, que é, na prática, o fator mais determinante do comércio do setor ;
  3. Os preços relativos dos serviços, incluindo os com demanda mais inelástica, seguem trajetória de forte crescimento com relação a preços de manufaturas e de commodities, aumentando a parcela dos produtores, gestores e distribuidores de serviços no valor agregado, em detrimento dos compradores de serviços. A mudança de preços relativos se deve à fatores como concentração de mercados e imposição de padrões técnicos privados em serviços, que fomentam e garantem a formação de “quase-monopólios”;
  4. Devido à mudanças tecnológicas de produção e de gestão da produção, a parcela dos serviços, incluindo os digitais, na formação do valor adicionado de bens, commodities e outros serviços já é elevada, mas seguirá aumentando, beneficiando os produtores, distribuidores e gestores de serviços (pense na smile curve de cadeias globais de valor);
  5. O consumo B2C e B2B de serviços, incluindo os digitais, que já é elevado, deverá aumentar ainda mais ao longo dos próximos anos;
  6. O efeito-rede e o efeito-plataforma conferem enormes poderes para os desenvolvedores e gestores de plataformas e têm criado espaço para práticas discriminatórias que distorcem os mercados.

A ausência, no país, de políticas industriais, políticas de financiamento, políticas de investimentos e políticas de comércio exterior para o setor de serviços deverá aumentar a dependência de serviços importados e a fragilidade das contas externas. Assim, tudo o mais constante, o país terá que fazer enorme esforço exportador de bens e commodities para mitigar os crescentes déficits comerciais de serviços.

O tema é, certamente, complexo e, infelizmente, poucas pessoas se interessam pelo assunto. Mas o tempo não para e já passou da hora de colocarmos o setor de serviços nas agendas das políticas pública e privada.

  1. A mudança na trajetória das importações e das exportações de serviços a partir de 2014 se explica, ao menos em parte, pela recessão e pelo envolvimento de grandes empresas de engenharia brasileiras em problemas de governança, o que afetou consideravelmente as exportações de projetos e de outros serviços de engenharia.

TIC Empresas 2017 e as capacitações para comércio eletrônico

O comportamento on-line das empresas vem se tornando, cada vez mais, um diferencial competitivo. Com as tecnologias de informação e comunicação (TICs)se disseminando e ficando mais acessíveis, saber usar tecnologias para melhoria de processos e rotinas é uma competência essencial. Um dos exemplos mais esclarecedores das novas possibilidades que se abrem para as empresas é o comércio eletrônico: segundo a UNCTAD (2017), o comércio eletrônico gerou mundialmente, em 2015, U$ 22, 4 trilhões, sendo que 88% deste montante foram de comércio B2B e 12% de transações B2C. Portanto, há um mercado em expansão, tendo o ambiente digital como importante palco do comércio mundial. Estar on-line é uma obrigação e não mais uma opção.

E como se dá o contexto do comércio eletrônico no Brasil?

Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2016, o Brasil possui cerca de 107 milhões de usuários de Internet. Destes, cerca de 41 milhões (38%) compraram ou encomendaram pela Internet.

Gráfico 1- Proporção de usuários de Internet que realizaram atividades de comércio eletrônico nos últimos 12 meses – 2012 a 2016 – Percentual sobre o total de usuários de Internet

Fonte: TIC Domicílios, 2016, Percentual sobre o total de usuários de Internet

No caso das transações B2C, há desafios a serem superados: como podemos ver abaixo, na maioria dos casos a Internet é usada como suporte da tomada de decisão, mas para a efetivação da compra.

Gráfico 2- Motivos para não comprar pela Internet nos últimos 12 meses (2016) – Percentual sobre o total de usuários de Internet que não adquiriram produtos e serviços pela Internet nos últimos 12 meses

Fonte: TIC Domicílios, 2016

Segundo os dados da pesquisa TIC Empresas 2017, 22% das empresas brasileiras afirmaram que venderam pela Internet, enquanto 66% disseram que compraram pela Internet. Ainda que o indicador de venda pela Internet aumente ao longo dos anos, é razoável supor que se trata de uma proporção baixa, havendo espaço para crescimento.

Gráfico 3 – Proporção de empresas que compraram e venderam pela Internet – Percentual sobre o total de empresas com acesso à Internet (%)

Fonte: TIC Empresas, 2017

Podemos relacionar essa baixa proporção justamente com a presença online: 55% das empresas brasileiras afirmaram possuir um website, sendo que esta proporção se concentra em empresas de grande porte e mercados de atuação específicos.

Gráfico 4 – Empresas que possuem website, 2017 – Percentual sobre o total de empresas com acesso à Internet (%)

Fonte: TIC Empresas, 2017

Quando perguntamos sobre as funcionalidades dos websites das empresas brasileiras, temos a seguinte constatação: os websites possuem informações, mas poucos canais de relação. Em sua maioria, as empresas possuem páginas estáticas, que oferecem informações institucionais, mas poucos canais de venda e de comunicação com os clientes.

Gráfico – 5 Empresas que possuem website por recursos oferecidos nos últimos 12 meses – 2015 e 2017 – Percentual sobre o total de empresas que possuem website (%)

 Fonte: TIC Empresas, 2017

Websites que ofereçam informações claras e bem estruturadas, aliado a canais de relacionamento rápido com o cliente são importantes para atrair o consumidor, estabelecendo uma relação de confiança na transação. Portanto, não é suficiente somente garantir a presença on-line da empresa, saber estar on-line é essencial para as empresas que buscam um diferencial competitivo no ambiente digital.

Os dados da pesquisa TIC Empresas, conduzida pelo Cetic.br, mostram que grande parte das empresas brasileiras não levam em consideração em suas estratégias a atuação no ambiente digital, bem como ainda é incipiente o cenário de comércio eletrônico no Brasil. Se problemas de infraestrutura e conexão são menores entre as empresas, cabe agora enfrentar os problemas de capacitações, isto é, tornar as empresas capazes de operar de forma qualificada com as TIC. Não se trata aqui de desenvolver uma receita para a digitalização das empresas, mas chamar a atenção para o fato que a maioria das empresas brasileiras falha em usos básicos de tecnologias que são essenciais para se inserir em um cenário que toma o ambiente digital como parte estruturante da competição.

 Leonardo Melo é Analista de Informação do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), onde é responsável por conduzir pesquisas sobre o uso das TIC nas empresas brasileiras. Foi pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (OIC/IEA/USP). Doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Possui experiência em pesquisas quantitativas e qualitativas. Atua em pesquisas com foco em políticas de ciência, tecnologia e inovação, mudança e aprendizado organizacional.

Referências:

Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br (2017a). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros: TIC Domicílios 2016. São Paulo: CGI.br Disponível em: http://cetic.br/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-das-tecnologias-de-informacao-e-comunicacao-nos-domicilios-brasileiros-tic-domicilios-2016/

Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br (2018). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas empresas brasileiras: TIC Empresas 2017. São Paulo: CGI.br. Disponível em: http://cetic.br/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-das-tecnologias-de-informacao-e-comunicacao-nas-empresas-brasileiras-tic-empresas-2017/

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – Unctad (2017). Information Economy Report: Digitalization, trade and development. Genebra: Nações Unidas. Disponível em: http://unctad.org/en/pages/PublicationWebflyer.aspx?publicationid=1872

Nessa Terra de Gigantes

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025”]

“Base sólida para a construção de uma sociedade mais consciente e igualitária, a educação, entretanto, possui muitos desafios em nosso país, desde o ensino básico até o superior. Um dos principais fatores que motiva o interesse dos investidores é o baixo número de adultos brasileiros que chegaram ao ensino superior: 14%”. A média dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 35%, segundo a publicação Education at a Glance 2016, da OCDE, que comparou dados de mais de 40 países, incluindo o Brasil.

No Brasil, a educação é e continuará sendo um investimento certeiro – e de baixo risco. Poucos setores da economia atravessaram a recente crise brasileira com tanta desenvoltura quanto o de ensino privado. No caminho inverso da grande maioria das empresas, as escolas particulares, tanto as de ensino básico como as de nível universitário, fizeram investimentos, intensificaram processos de consolidação e alçaram a indústria acadêmica ao topo do ranking dos mercados mais promissores e rentáveis do país, já que a mesma educação que transforma e constrói uma sociedade melhor também pode, do ponto de vista financeiro e empresarial, gerar grandes lucros a seus investidores.

Desde que o MEC publicou a portaria que acelera e flexibiliza a implementação de cursos superiores na modalidade EAD, sem o credenciamento para cursos presenciais, as instituições de ensino vislumbraram a oportunidade para expandir seus negócios para outras regiões. Nessa onda, grandes investidores passaram a aportar recursos financeiros e a se consolidarem por meio de fusões e aquisições.

Por trás deste imenso movimento estão nomes como Jorge Paulo Lemann, fundador da Escola Eleva, no bairro de Botafogo/RJ, que aportou R$ 100 milhões e ainda criou um fundo com R$ 1 bilhão para investir no setor educacional. Além de Lemann, outros investimentos têm sido capitaneados, como é o caso da Kroton e da Avenues, rede global de educação básica, fundada em New York em 2012 e que se instalará no Brasil a partir do segundo semestre de 2018.

Com o avanço da entrada de grupos internacionais no mercado brasileiro, o setor educacional passou a ser dominado e regulamentado por poucos: grandes corporações controlam a oferta de cursos presenciais e EAD no país. Com forte presença nas principais regiões brasileiras, esses grupos iniciaram o processo de expansão de suas bandeiras, “marcas”, através do ensino superior e flertam na aquisição de empresas do segmento do ensino médio.

Para alguns especialistas no assunto, esse intenso movimento de investimentos no mercado educacional levanta inúmeras discussões e dúvidas, principalmente quando o centro das questões está relacionado à qualidade do ensino x geração de lucro.

Investimento privado impulsiona o setor educacional

O crescimento do mercado de ensino privado cria oportunidades também para bancos e financeiras. Com um rigor maior do Ministério da Educação e da Caixa Econômica Federal para a liberação do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), instituições privadas de crédito se tornaram alternativas aos estudantes que não podem pagar as mensalidades da faculdade.

No campo privado, o crédito universitário é oferecido principalmente por quatro instituições: Bradesco, Ideal Invest (gestora do programa Pravaler Crédito Universitário, que tem o Itaú como sócio minoritário), Fundaplub, instituição que gere linhas de financiamento oferecidas pelas próprias universidades, e o Santander, que não oferece financiamento para a graduação, mas empresta para o pagamento de cursos de pós-graduação e MBAs.

Novo posicionamento em 2025

O ano de 2025 estará marcado pela consolidação do mercado educacional no País. Como dizem os Engenheiros do Hawaii, “Nessa terra de gigantes, que trocam vidas por diamantes, a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”.

Iniciativas apoiadas em tecnologia, principalmente com o uso de potentes Data Analytics e IA (Inteligência Artificial), permitiram a oferta de produtos e serviços sob medida, reformularam os processos e, com métodos disruptivos, as IES desenvolveram novas alternativas educacionais que lhes possibilitaram se posicionar no mercado de forma a gerar valor para seus clientes – os estudantes.

Receberam, ainda, atenção e investimentos das gigantes companhias de TI’s e, sobretudo, com o desenvolvimento e investimento em seus centros de pesquisas, produziram inúmeras startups ligadas ao segmento agindo como fomentador e investidor destes projetos. Essa iniciativa permitiu que as receitas provenientes de matrículas e mensalidades representassem cerca de 40% e os demais serviços propostos alcançassem 60% do faturamento, transformando as instituições de ensino em um hub de negócios.

Outro aspecto que provocou fortes impactos no setor educacional foi a expansão destes grupos privados na América Latina. Também percebemos que algumas instituições de ensino se fortaleceram neste período através de um posicionamento de nicho mercadológico, apostando suas estratégias em um modelo de ensino altamente profissionalizante e com parcerias internacionais e programas de intercâmbio com instituições de renome. Algumas instituições de ensino já perceberam no mercado brasileiro uma grande oportunidade e passaram então a investir fortemente no país.

 

Site da Nous: https://noussm.com/

Os principais desafios das empresas na era da Economia Digital

Uma pesquisa realizada pela Accenture Strategy com o intuito de apresentar a importância e crescimento da Economia Digital no mundo, estima que, em 2015, a economia digital representou 22,5% da economia mundial, valor considerado muito baixo para o que ainda pode ser explorado.  O estudo concluiu que ainda há muito a ser explorado por governos e empresas e que o PIB dos países será maior se os investimentos forem direcionados às suas necessidades.

Um estudo feito pela OCDE (2016) mostra o crescimento do setor de serviços e a adaptação de algumas firmas, apresentando as mudanças dos serviços exigidos em cada época. Nesse estudo foi realizado uma comparação entre as principais empresas baseadas na Internet, por capitalização de mercado, em 1995, e as principais empresas de 2015. No início, a maioria das maiores empresas comercializavam hardwares, softwares ou realizavam serviços de provedores de internet e mídia, enquanto que em 2015 as maiores empresas eram desenvolvedoras e gestoras de plataformas digitais.

As 15 principais empresas de internet por capitalização de mercado em 1995 e 2015

1995 (Dezembro) Produto Principal ou Atividade 2015 (Maio) Produto Principal ou Atividade
Netscape Software Apple Hardware, serviços
Apple Hardware Google Informação (serviços de busca)
Axel Springer Mídia, publicação Alibaba Bens (e-com)
RentPath Mídia, aluguel Facebook Informação (social, P2P)
Web.com Serviços de internet Amazon.com Bens (e-com)
PSINet Internet Service Provider Tencent Informação (social, P2P)
Netcom On-Line Internet Service Provider eBay Bens (e-com, P2P)
IAC / Interactive Mídia Baidu China Informação (serviços de busca)
Copart Leilões de veículos Priceline Group Serviços
Wavo Corporation Mídia Uber Serviços (P2P)
iStar Internet Internet Service Provider Salesforce.com Serviços
Firefox Communications Internet Service Provider JD.com Bens (e-com)
Storage Computer Corp. Software de armazenamento Yahoo! Informação (serviços de busca)
Live Microsystems Hard- e Software Netflix Serviços (mídia)
iLive Mídia Airbnb Serviços (P2P)

   Fonte: Adaptado de OCDE (2016)

Onze das 13 plataformas digitais em 2015 eram mercados para serviços que operam em diversas áreas, se inserindo em diversos mercados, como o de transporte de passageiros (Uber) e serviços de hospedagem Airbnb, por exemplo. Dentre outros, isso sugere a importância da presença do setor de serviços nas economias e como eles foram expressivos nos últimos anos.

Dado que o mercado encontra-se cada vez mais global e as fronteiras estão reduzidas, um dos principais desafios das empresas é se adaptar às novas tendências globais. As firmas necessitam inovar constantemente para que se tornem cada vez mais competitivas. Parece algo simples, pois se o consumidor está sempre esperando que as empresas lancem novos produtos, com novos serviços embutidos, então é só as empresas tentarem inovar e produzir e pronto. Porém, na prática, isso não funciona bem dessa forma. O que as empresas precisam fazer é, isto sim, lançar algo que agrade o consumidor, observando as tendências para, a partir daí, buscar inovar.

Um exemplo de preferência do consumidor por inovação tecnológica é o iPhone. Os consumidores preferem um iPhone, que possui iCloud, iTunes, Apple Music, entre outros aplicativos, do que um celular simples que apenas serve para fazer ligações e enviar SMS, como os aparelhos comercializados na década de 90. Da comparação simples entre esses dois bens se pode perceber o motivo do sucesso de um sobre o outro. Porém, a diferença entre as preferências se encontra, na verdade, na inovação do produto. No caso do iPhone, à medida que o tempo vai passando, o consumidor vai ficando mais exigente e deseja algo que seja mais atrativo do que a versão anterior, como, por exemplo. Cabe à Apple ter a preocupação de inovar para seguir como tendência de mercado.

Do ponto de vista da indústria, atender a essa demanda não é tão simples assim. Na era da economia digital, para uma empresa se tornar competitiva, ela precisa ter a capacidade de criar “O Novo Serviço”. A indústria é direcionada a uma fase de desafios, onde é preciso descobrir um produto industrial novo, com maiores serviços inseridos nesse produto e, quanto mais serviços esse produto possuir, mais caro é o valor final do bem ofertado. Esses são produtos de alto valor agregado e que de fato contribuem para o desenvolvimento econômico dos países. Para ter sucesso na produção, é preciso que o novo modelo de indústria venha acompanhado de criatividade, mão de obra qualificada, investimento em inovação, estratégias de marketing e, principalmente, elevada competitividade.

Além da necessidade de inovar e de produzir bens e serviços de alto valor agregado, os principais desafios das empresas, para que se tornem competitivas na era da economia digital, são:

  1. Possuir mão de obra qualificada: é fundamental que as empresas possuam mão de obra suficientemente qualificada, que auxiliem no desenvolvimento de novos produtos, ampliando a inovação;
  2. Velocidade da evolução tecnológica: embora possa ter toda a estrutura para produzir, se a empresa não acompanhar com rapidez a evolução das tecnologias ela pode não conseguir se manter competitiva;
  3. Burocracias: as empresas, principalmente as que estão entrando no mercado, podem ter que lidar com burocracias como, por exemplo, regras de importação e exportação;
  4. Ataques cibernéticos: esses crimes podem ser caracterizados como uma das consequências geradas pela globalização, que talvez possa ser sanada com a ampliação dos investimentos em tecnologia.

Apesar da disposição e vontade das empresas de se beneficiarem da economia digital para que elas se tornem competitivas, é fundamental que elas consigam vencer as dificuldades acima listadas.

O cobalto da República Democrática do Congo no vale da “curva sorriso”

Em texto publicado neste blog no fim do ano passado, Renan Abrantes e Jorge Arbache compararam as Grandes Navegações da metade do milênio passado ao que seriam as atuais Grandes Navegações Digitais. Para os autores, tanto nas primeiras quanto nestas últimas, os maiores beneficiários das conexões que se estabeleceram eram os intermediários – mercadores, no primeiro caso, e os atuais donos de grandes plataformas digitais no segundo. A meio caminho entre uma e outra era, os recursos naturais do interior do continente africano entraram na equação.

Sob o recorrente pretexto de levar os valores cristãos e civilidade a “pobres almas” do desconhecido continente, exploradores como o famoso inglês David Livingstone realizaram grandes feitos, como a travessia a pé de costa a costa, em meados do séc. XIX. Anos depois, em nova incursão à África, para tentar dar fim a uma rusga entre exploradores conterrâneos seus acerca de qual seria a verdadeira fonte do Rio Nilo, Livingstone desapareceu. Coube ao ambicioso jornalista americano Henry M. Stanley encontrar o explorador, moribundo, em uma aldeia da Tanzânia. O feito de Stanley chamou a atenção do Rei Leopoldo II da Bélgica, para quem o jornalista contou das abundantes riquezas naturais que encontrou na região do Rio Congo, selando o destino de milhares de vidas.

Leopoldo II nunca pisou naquelas terras – que tornou sua propriedade pessoal -, mas multiplicou sua riqueza com o marfim e a borracha retirados de lá às custas de grande devastação ambiental e de um genocídio. Pela borracha, o Congo Belga se integrava a uma das cadeias produtivas de maior valor da época; porém, a importante matéria prima para produção de pneus da nascente e promissora indústria automobilística não permitiu ao país uma inserção melhor que precária na cadeia global.

A República Democrática do Congo (RDC), atualmente, é fonte de outra matéria prima, crucial para indústrias de tecnologia: 60% do cobalto disponível no mundo encontra-se no solo do país. O metal é utilizado em baterias de celulares a carros elétricos e, conforme relatório da Anistia Internacional, sua exploração é feita de forma artesanal, insalubre e com considerável participação de mão de obra infantil.

A integração da atual República Democrática do Congo à economia mundial, por meio da borracha, permitiu que o único intermediário (o Rei Leopoldo II), se apropriasse de considerável parcela da renda gerada na produção do produto final (pneus). Isto porque esta integração se deu em momento no qual a curva sorriso de produção desse bem encontrava-se menos abaulada, de modo que a etapa da fabricação em si do bem final (pneus) representava importante parcela do valor de venda gerado. O problema de então relacionava-se mais ao total alheamento da mão de obra que coletava o látex em relação aos ganhos auferidos com a sua venda – isso para não mencionar as atrocidades cometidas.

Atualmente, observando-se a inserção da indústria de cobalto da RDC na cadeia global de produção, percebe-se que ela se encontra no vale de uma curva que, ademais, vem se tornando cada vez mais profundo. Ora, com a apropriação de parcela crescente do valor de produção por parte de etapas não produtivas (design, marketing, pós-vendas, pesquisa, desenvolvimento de software etc.), o trecho da produção física de bens com grande conteúdo de serviços agregado torna-se irrisório. Ironicamente, o que se poderia tomar apenas como triste constatação pode vir a ser um alento aos congoleses que vivem de tirar o metal do fundo de poços.

Ocorre que o recente crescimento observado e o previsto da indústria de carros elétricos permite inferir que a dependência do cobalto por parte desse segmento da indústria seguirá alta. Assim, vislumbra-se uma chance interessante de fazer com que mais benefícios da exploração do cobalto sejam destinados aos habitantes de seu país de origem, especialmente àqueles trabalhando nas minas. Ora, se produtos sofisticados tentem a se valorizar pelos serviços neles embarcados, em detrimento do material empregado em sua fabricação, é razoável supor que uma majoração no preço pago pelas matérias primas na etapa de sua produção física em pouco afetará o lucro de empresas como Apple – que admitiu o uso de cobalto vindo do Congo em pelo menos 20% suas baterias -,LG Chem, Amazon ou Samsung.

A mudança depende, no entanto, de que empresas como as citadas monitorem a origem do material utilizado na fabricação de seus produtos e que a regulação estatal na RDC incremente a proteção dos trabalhadores. Com isto, é possível distribuir melhor o quinhão, que atualmente vai para os intermediários da cadeia do metal, compostos principalmente por empresas chinesas atuantes no país.

Ao se confrontar a inserção da RDC como importante player da cadeia global de baterias elétricas (maior ofertante individual de cobalto) com a precariedade das condições em que esse minério é explorado, evidencia-se a importância da regulação e indicam-se soluções para um problema local pela integração entre estratégia de mercado do setor privado com melhorias em condições socioeconômicas. No entanto, trata-se de arena complexa a cuja abordagem deve ser dada mais atenção por parte de nações e mesmo de blocos econômicos.

À medida que se confirmam tendências como a concentração de mercado na economia digital, o avanço da mobilidade como um serviço (MaaS) e o aprofundamento do vale da curva sorriso, a concepção de arranjos regulatórios adequados mostra-se como alternativa apta a trazer ao sistema macroeconômico contrapesos aos malefícios resultantes da necessidade de economias ou setores primário-exportadores (como a RDC e a mineração no Brasil) extraírem recursos com participação decrescente, em termos relativos, na composição do valor de produtos.

No entanto, não se deve esperar que tal regulação – que já é de difícil aplicabilidade – resolva por si só os problemas, mesmo porque a escassez de determinado recurso serve como incentivo ao desenvolvimento de materiais ou de tecnologias alternativas. É preciso, como contrapartida, a efetiva emancipação de economias primárias no sentido de agregarem mais valor à sua produção, o que pode ser possível tanto pela diversificação de seu parque exportador quanto pela agregação de valor a seus produtos. Não é tarefa simples, mas auspiciosa, afinal, é de se esperar que países com a nossa biodiversidade, por exemplo, alcancem melhores níveis de desenvolvimento com a exploração de recursos caros às ciências médicas e à biotecnologia do que com a de minérios no vale de uma curva sorriso cada vez mais profunda.

 

A Desoneração Tributária da Exportação de Serviços e a Possibilidade de Eliminação de Resíduos da Cadeia

Um dos legados da famigerada greve dos caminhoneiros foi a divisão com a sociedade brasileira dos ônus da desoneração tributária do diesel. Ao afetar a meta de arrecadação e sendo pressionado para não aumentar a carga tributária, o governo federal deliberou cobrir o deficit provocado, pela redução ou eliminação, à toque de caixa, de diversos incentivos vigentes, como é o caso do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras -Reintegra.

O art. 21 da Lei nº 13.043/2014, com a disciplina do Decreto nº 9.393, de 30 de maio de 2018, reduziu a alíquota para os créditos do Reintegra de 2% para 0,1%, com vigência imediata, a despeito de a regulamentação anterior determinar que essa alíquota seria mantida até o final do exercício.

O Reintegra permite que empresas que exportam determinados produtos apurem crédito no valor de percentual fixado sobre a receita auferida na operação de exportação. A finalidade da restituição é a devolução de parte dos resíduos tributários da cadeia de produção de bens exportados, em consonância com o princípio de comércio internacional, de que não deverá haver a exportação de tributos. A Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 540/2011, convertida, posteriormente, na Lei nº 12.546/2011, discorreu sobre a necessidade de combater as dificuldades das empresas exportadoras brasileiras. Os resíduos tributários existentes na cadeia produtiva de bens manufaturados reduz a competitividade de exportações brasileiras, pois representam de 5% a 10% do custo do produto exportado, a depender de fatores tais como a extensão da cadeia produtiva.

O Reintegra não se aplica aos serviços, apenas a produtos manufaturados. Mas a discussão que veio à baila com as medidas compensatórias decorrentes da greve dos caminhoneiros, trazidos pelos contribuintes exportadores prejudicados, é a indispensabilidade da eliminação dos resíduos tributários das cadeias de bens exportados.

Note-se que se a cumulatividade tributária afeta as mercadorias exportadas, os serviços padecem de uma deficiência na estrutura de tributação muito maior, considerando que a tributação sobre os serviços brasileira não dispõe de técnicas para a eliminação dos resíduos tributários.

A base de cálculo do imposto sobre serviços -ISS é o preço bruto do serviço, com alíquotas máxima de 5%, não se permitindo a dedução de insumos empregados na prestação de serviços, nem o quanto pago nas operações anteriores, de acordo com suas normas gerais, determinadas pela Lei Complementar n. 116/2003. A única exceção é o caso de serviços de construção civil, em relação aos quais há a previsão de dedução do valor de materiais e o das subempreitadas já oneradas pelo imposto.[1]

Em regra, não há a possibilidade de dedução dos materiais empregados para a prestação dos serviços, que já são gravados pelo IPI e pelo ICMS, gerando dupla imposição econômica, situação que não ocorrerá em ordenamentos jurídicos que tributam de forma unificada mercadorias e serviços.

Uma justificativa possível para a estrutura cumulativa do ISS é o fato de sua alíquota ser relativamente baixa, aliada ao fato de sua competência ser disseminada entre 5570 competências tributárias municipais: não oneraria demasiadamente aos contribuintes, ao mesmo passo que não ofereceria maiores dificuldades de fiscalização às administrações tributárias, pela simplicidade de sua estruturação.

Entretanto, sob a perspectiva do comércio exterior, da dificuldade de quantificação da carga tributária, que dependerá da configuração da cadeia de serviços, decorre a violação do princípio da não-discriminação, em desfavor do contribuinte brasileiro, pois o importado será onerado de forma distinta do fornecido internamente, uma vez que não é possível precisar a carga tributária interna.

A despeito de a alíquota máxima do ISS ser relativamente baixa, o que poderia compensar as múltiplas incidências ao longo da cadeia, não promove a neutralidade, vetor a ser perseguido por uma política tributária eficiente. Um dos efeitos de uma tributação cumulativa é a verticalização da cadeia, concentrando-se os diversos prestadores de serviço por razões alheias à eficiência do mercado, mas apenas para fugir à tributação.

Poder-se-ia se argumentar que não é inerente aos serviços a cumulatividade, pois, em geral, esgotam-se em uma única prestação, com algumas exceções, como nas hipóteses serviços de administração de outros serviços. Classicamente, os serviços não se inseririam em uma cadeia, isto é, esgotavam-se em uma única relação jurídica.

Todavia, o perfil das formas de serviços tem se alterado substancialmente em virtude da evolução tecnológica, tornando-se muito mais complexas e atreladas a diversos prestadores. A tendência é que quanto mais sofisticado o serviço, maior será a cadeia de prestadores e maior será o número de subcontratações de serviços, como o caso de serviços de engenharia e de elaboração de softwares.

Acresça-se que, segundo Anita Kon, ao longo do processo de internacionalização produtiva, os serviços, que numa visão tradicional, eram entendidos como não comercializáveis internacionalmente (non tradable), devido à sua intangibilidade e em vista de sua pouca representatividade nas pautas de exportação, mudaram o seu status. As mudanças tecnológicas e a intensificação do processo de globalização produtiva e comercial, incrementaram o fluxo de serviços, especialmente nas áreas de transporte, consultoria, comunicações, de maneira que o seu mercado internacional ampliou-se consideravelmente.[2]

No Brasil, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), baseados no Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio (Siscoserv), as exportações de serviços no Brasil representam pouco, se comparadas às de mercadorias, embora o setor terciário represente pouco mais de 70% (setenta por cento) do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), como se depreende:

Dos serviços exportados, dentre os mais relevantes estão serviços profissionais, técnicos e gerenciais, de consultoria, financeiros :

A política tributária tem seu papel na contradição desses dados. A cumulatividade do ISS e a “quase-cumulatividade” do PIS e Cofins, incidente sobre a receita das prestações de serviços, que também oferece dificuldades para os contribuintes eliminarem a cumulatividade da cadeia dos bens exportados, são uma das faces desse problema.

Dificuldades adicionais serão encontradas pelos contribuintes para implementar a desoneração nas saídas voltadas às exportações, em virtude da própria dificuldade de aplicação da norma, pela divergência de intepretação pelas administrações tributárias de definições como as de “local de desenvolvimento” e “de consumo” dos serviços.

Todavia, esses obstáculos para desoneração dos serviços exportados, são inconstitucionais. Defende-se que o legislador constitucional optou pela adoção do princípio do destino na tributação das operações de comércio exterior, em detrimento do princípio da origem, como elemento de conexão determinante do exercício da competência tributária. O princípio do destino implica na desoneração da carga tributária nas saídas voltadas à exportação, além da restituição ou creditamento da carga tributária que incidiu na cadeia de produção e distribuição do bem, internamente.

Contrariamente ao que existe no imposto de renda, em que há uma disputa internacional sobre a aplicação do princípio da residência ou fonte, como critério de determinação de competência tributária, há um notável consenso no comércio internacional pela aplicação do princípio do destino, optando as economias mundiais por desonerar as exportações, enquanto que no local de consumo desses bens, recairá a carga tributária.

 

Conforme o saudoso jurista Ricardo Lobo Torres, o princípio do destino está intimamente conectado e harmonizado com o princípio da territorialidade, com a ideia de Justiça e com o princípio da capacidade contributiva, ao estabelecer que os tributos devam ficar no país onde foram consumidos os bens, sendo o vetor para se evitar a dupla tributação no comércio internacional[3]

Nas palavras do também saudoso professor Alberto Xavier[4]:

Os impostos de consumo sobre as transações são geralmente lançados no país do consumidor, revertendo em benefícios dos Estados nos quais são consumidos os bens sobre que incidem. Precisamente por isso, o país de origem, isto é, o país no qual o bem foi produzido, procede normalmente à restituição ou isenção do imposto no momento da exportação; e, por razões simétricas, o país do destino, onde o bem será consumido, institui um encargo compensatório sobre as mercadorias importadas, em ordem de colocá-las ao menos em pé de igualdade com os produtos nacionais.

A Constituição de 1988 adota claramente o princípio do destino no comércio internacional, pois determina que os tributos não incidirão na exportação dos bens. Em diversos dispositivos consolida-se essa opção do legislador constitucional, como o art. 153, §3o, III, que determina que o IPI “não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior”; o art. 155, §2o, X, ‘a’, com a redação da EC n. 42/2003, que determina que o ICMS não incidirá “sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”; o art. 156, §3o, II, que determina, para o ISS, que cabe à lei complementar “excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior”; o art.149, §2o, I, que determina que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico “não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação” (com a redação da EC n. 33/2001) e “incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços” (com a redação da EC n. 42/2003).

Em um ambiente internacional cooperativo de tributação, a escolha pela eficiência econômica e por conseguinte, pelo princípio do destino é inequívoca, pois ao se permitir que um produtor não direcione o seu comportamento por força da tributação de insumos, determinando-se que a carga tributária recaia sobre o consumidor final, incrementa-se a produção e, assim, um governo pode assegurar que parte dessa produção excedente seja capturada pela tributação dos lucros, remanescendo o suficiente para o benefício dos consumidores.

E nesse ponto, retorna-se à ideia lançada no início do texto: o Reintegra, ao possibilitar a redução (não eliminação) dos resíduos tributários oriundos da tributação interna, não é um favor governamental, mas uma obrigação do legislador infraconstitucional. E mais: deve ser estendido aos serviços. Quanto ao ISS o art. 156, §3o, II da Constituição determina que a lei complementar deve excluir a incidência do ISS dos serviços exportados: não apenas a incidência do serviço exportados, como de sua cadeia.

Se no Brasil o princípio do destino tem matriz constitucional, a sua realização não é faculdade do Estado, sendo dever do legislador incluir as imunidades/isenções nas exportações e a constituição de técnicas que viabilizem o aproveitamento de créditos de saídas direcionadas à exportação, na proporção da carga tributária incidente internamente.

A tributação cumulativa traz prejuízos à alocação de recursos e à competitividade dos produtos nacionais, tanto no mercado externo como no doméstico, pois altera de forma incontrolável os preços relativos da economia. No comércio exterior, a realidade da cumulatividade prejudica a competividade das exportações brasileiras. Em relação ao custo dos bens exportados, é difícil a recuperação da carga tributária incidente sobre a cadeia de produção e comercialização, relativa aos insumos, bens de capital e à gestão de negócios.

E se essa discussão ainda necessita amadurecer no comércio exterior de mercadorias, no caso dos serviços, em que as mesmas premissas podem ser aplicadas, a discussão é incipiente.

A não-cumulatividade é técnica expressamente imposta constitucionalmente apenas para o IPI, o ICMS e mais recentemente, para o PIS e Cofins. Portanto, em princípio, não haveria a obrigação da municipalidade de instituir técnicas de implementação de não-cumulatividade para o ISS.

Não obstante, a cumulatividade da tributação dos serviços ofende a diversos preceitos constitucionais. Assim, como justificar que aquele que forneça serviços mais sofisticados e com maior peso econômico, seja mais gravemente tributado? Ademais, ao se estabelecer uma estrutura de tributação que verticalize a cadeia de produção, haverá não só ofensa à neutralidade, como aos vetores constitucionais da Ordem Econômica.

Essas são apenas algumas provocações que apontam para a estrutura anacrônica das técnicas de tributação sobre os serviços, que devem ser repensadas em um contexto econômico em que o setor terciário participa de forma crescente no PIB brasileiro.

  1. Observando-se que do projeto original da Lei Complementar n. 116/2003, foi vetada a possibilidade de dedução dos valores despendidos com terceiros pela prestação de serviços dos hospitais, laboratórios, clínicas, medicamentos, médicos, odontólogos e demais profissionais de saúde, por cooperativas médicas.
  2. KON, Anita. Nova Economia Política dos Serviços, p.53 et seq. São Paulo, Perspectiva, CNPq, 2015.
  3. TORRES, Ricardo Lobo.O Princípio da Não-Cumulatividade e o IVA no Direito Comparado. MARTINS, Ives Grandra da Silva (coord.). Série Pesquisa Tributárias, no 10, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 161.
  4. Direito Tributário Internacional, 2a ed. Coimbra: Edições Almedina, 2014, p.238-239