Economia de Serviços

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Comércio Exterior de Serviços – o recorte dos serviços agregadores de valor

 Panorama

O setor de serviços é o setor que mais impulsiona a economia no século 21. O papel do setor na geração de novos negócios (por exemplo, a economia digital) e na criação de empregos qualificados, além de sua capacidade de apoiar a competitividade, é atualmente consenso entre analistas e formuladores de políticas. Por outro lado, o papel disruptivo dos serviços, em especial aqueles agregadores de valor, nas economias globais e nacionais é uma realidade.

A produção industrial cada vez mais é movida pela inovação disponibilizada pela incorporação de serviços em seu processo produtivo ou na forma como os produtos são ofertados aos consumidores. A própria revolução da indústria avançada (4.0) é, em grande parte, uma revolução no uso de serviços avançados. Por este motivo, o salto na competitividade das indústrias é fortemente impactado pela melhoria da qualidade e produtividade dos serviços.

Atualmente, a dicotomia que ainda separa o comércio exterior de serviços do comércio de bens e mercadorias faz pouco sentido. O que existe é uma sinergia entre a produção de bens e a oferta e prestação concomitantes de serviços, gerando assim um processo de indução e contínua simbiose na economia e no interior das empresas. O valor agregado e a sofisticação que o uso de serviços incorpora aos produtos agrícolas e industriais faz com que as empresas obtenham as habilidades necessárias para serem bem-sucedidas em suas estratégias locais e de internacionalização. O processo de conquista de mercados estrangeiros por empresas industriais muitas vezes alavanca igualmente a internacionalização de empresas de serviços. Por sua vez, o processo de servitização faz com que os serviços assumam a liderança em termos de agregação de valor e inovação às demais atividades econômicas.

Uma compreensão clara da economia e do comércio de serviços, bem como de suas contribuições para o desenvolvimento sustentável e inclusivo (Arbache, 2017), deve ser parte integral das políticas e ações dos países em desenvolvimento, especialmente diante dos novos desafios criados pela economia digital e a necessidade sempre urgente de manutenção e criação de empregos. Nesse sentido, avançar na direção dos serviços de valor agregado é fundamental para conferir maior densidade à produção e propiciar maior competitividade ao comércio exterior.

 

Economia de serviços e o comércio exterior no Brasil

Mesmo que a crescente contribuição do setor de serviços para o desenvolvimento da economia brasileira seja mais perceptível no tocante a aspectos como Produto Interno Bruto, emprego e inovação, a importância do comércio exterior de serviços (exportações e importações) ainda permanece pouco visível.

Os serviços correspondem a 72% do valor adicionado ao PIB brasileiro[1] e a 69% do total de empregos formais[2]. Entretanto, tal magnitude não se reflete no comércio exterior brasileiro. Em 2017, o setor de serviços correspondeu a apenas 13,3% do total das exportações de bens e serviços e 29,9% das importações de bens e serviços[3]. O Brasil tem um déficit estrutural na conta de serviços do Balanço de Pagamentos, que recuou em 2015, mas voltou a crescer em 2017. No período de cinco anos entre 2008 e 2013 ocorreu uma rápida expansão das exportações e das importações de serviços, que mostraram, respectivamente, um crescimento médio anual de 6,3% e 12%. No entanto, nos últimos cinco anos (2013- 2017) as exportações apresentaram crescimento médio anual negativo ( -1,5%) e as importações também recuaram ainda mais acentuadamente (-3,9%). De fato, após um pico em 2014, as importações caíram gradualmente.

 

Serviços que agregam valor à produção

Como proposto por Arbache (2014), os serviços podem ser divididos em dois grupos de natureza distinta. O primeiro grupo é denominado “serviços de custo” e refere-se às funções que afetam os custos de produção (ou seja, logística e transporte, serviços gerais de infraestrutura, armazenamento, serviços de reparo e manutenção, serviços de terceirização de produção em geral, TI em geral, serviços financeiros e de crédito, viagens, alojamento, produtos alimentícios, distribuição, entre outros). O segundo grupo refere-se a funções que contribuem para agregar valor, diferenciar e customizar produtos, fazendo assim com que se tornem únicos, elevando substancialmente o seu preço de mercado e contribuindo para aumentar a produtividade do trabalho e o retorno sobre o capital. Esse grupo é composto por serviços que exigem níveis relativamente altos de capital humano e outras capacidades, incluindo projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), design, engenharia e arquitetura, serviços de consultoria, software, serviços técnicos especializados, serviços de TI de ponta, branding, marketing, comercialização, entre outros.

Atualmente, há evidências suficientes que indicam que em um futuro próximo será impossível criar riqueza, gerar empregos de qualidade e participar das cadeias de valor globais sem a capacidade de desenvolver e gerenciar serviços sofisticados e “empacotá-los” em bens e serviços de terceiros. Essas tendências, aliadas à “commoditização” digital, sugerem fortemente que o comércio de serviços deve ser parte relevante das políticas de crescimento econômico sustentável, bem como daquelas relacionadas ao comércio exterior em geral, ao investimento, ao capital industrial, tecnológico, humano e a infraestrutura (Arbache, 2017).

 

Serviços de valor agregado no comércio brasileiro de serviços

O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) trabalha ativamente para fortalecer o comércio exterior de serviços. Com esse propósito, em 2012, foi lançado o Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços e Intangíveis (Siscoserv), um sistema automatizado mantido pelo Ministério (especificamente pela Secretaria de Comércio e Serviços – SCS), em parceria com a Receita Federal do Brasil, e que tem como finalidade a coleta, análise e divulgação de dados do comércio de serviços brasileiro. O Siscoserv foi criado a partir da necessidade de dados para apoiar políticas públicas baseadas em evidências para o desenvolvimento do setor de serviços no Brasil.

Ao priorizar fluxos de comércio e operações individuais, o alcance do Siscoserv vai além dos aspectos financeiros do comércio exterior de serviços. O sistema é, portanto, capaz de capturar detalhes operacionais que não são abarcados por estatísticas financeiras. O registro no Siscoserv abrange os serviços fornecidos nos quatro modos de prestação de serviços.

Para avaliar a participação das categorias propostas por Arbache (2014) no comércio brasileiro de serviços, essas categorias foram correlacionadas com a Nomenclatura Brasileira de Serviços (NBS)[4], tendo sido levantados os dados correspondentes registrados no Siscoserv. Como resultado, é possível apresentar um breve levantamento das exportações e importações de serviços de valor agregado no Brasil.

De acordo com dados do Siscoserv, em 2017, as exportações de serviços de valor agregado representaram aproximadamente 33% de todas as exportações de serviços do Brasil. Isso significa exportações de US$ 9,9 bilhões de serviços de agregação de valor, um aumento de 11,4% em comparação com o ano anterior (que registrou exportações de US$ 8,9 bilhões).

Gráfico 1 – Exportações de Serviços Brasileiros – 2016/2017 (bilhões de dólares)

Fonte: Siscoserv (2018)

Em 2017, em comparação com 2016, houve um aumento nas exportações brasileiras de “serviços de consultoria” (+15,9%), “serviços técnicos especializados” (+15,7%), “serviços de propriedade intelectual” (+52%), “serviços de branding e marketing” (+17,6%), “serviços avançados de TI” (+25,9%), “serviços jurídicos” (+2,6%) e serviços de P&D (+20,4%). Por outro lado, houve contratação nas exportações de “serviços relacionados a projetos” (-11%), “serviços financeiros sofisticados” (-5,8%) e “serviços de software” (-2,5%)

Considerados como um grupo, é a seguinte a participação de cada categoria de serviço de valor agregado no total: “serviços de consultoria” (30%), “serviços técnicos especializados” (25%), “serviços de branding e marketing” (10%); “serviços financeiros sofisticados” (10%), “serviços de P&D” (8%), “serviços de software” (6%) e “serviços relacionados a projetos” (5%), “serviços de propriedade intelectual”, “serviços avançados de TI” e “serviços jurídicos”, que alcançaram apenas 2% cada.

Gráfico 2 – Exportações de Serviços de Valor Agregado – 2017

Fonte: Siscoserv (2018)

Com relação às importações, o grupo de serviços de valor agregado foi responsável por 23,6% de todas as importações de serviços do Brasil, ou US$ 10,1 bilhões, o que representa uma queda de 6,7% se comparado a 2016 (que totalizou US$ 10,8 bilhões).

Gráfico 3 – Importações de Serviços Brasileiros – 2016/2017 (bilhões de dólares)

Fonte: Siscoserv (2018)

Em 2017, em comparação com 2016, houve uma redução de -6,7% (ou -US$ 730 milhões em termos absolutos) nas importações brasileiras de serviços de valor agregado. Essa redução foi ainda mais importante do que a redução verificada no total das importações brasileiras de serviços, que apresentaram queda de -1,5%. Apenas as importações dos “serviços de consultoria” caíram -45%. Também houve queda nas importações dos “serviços técnicos especializados” (-14,3%), “serviços de propriedade intelectual” (-17,1%), “serviços relacionados a projetos” (-9,2), “serviços jurídicos” (-18,6%) e “serviços de P&D” (-1,7%). Por outro lado, houve um aumento nas importações de “serviços relacionados a software” (+5,1%), “serviços de branding e marketing” (+44,1%), “serviços avançados de TI” (+3,2%) e “serviços financeiros sofisticados” (+99, 2%).

Considerados como um grupo, é a seguinte a participação de cada categoria de serviço de valor agregado no total: “serviços relacionados a software e intangíveis” (30% do total), “serviços de branding e marketing” (22%), “serviços técnicos especializados” (14%), “serviços de consultoria” (13%) e “serviços de propriedade intelectual” (13%). Os “serviços avançados de TI”, “serviços financeiros sofisticados” e “serviços relacionados a projetos” tiveram uma parcela de 2%, enquanto “serviços jurídicos” e “serviços de P&D” participaram com apenas 1%.

Gráfico 4 – Importações de Serviços de Valor Agregado – 2017

Fonte: Siscoserv (2018)

 

Considerações finais e perspectivas

A análise da conta de serviços do balanço de pagamentos do Brasil coloca em perspectiva os desafios do País, não especificamente no sentido de eliminar o déficit estrutural na conta de serviços[5] (que seria desejável de qualquer forma), mas de dotar o comércio de serviços e intangíveis com uma parcela maior de serviços que contribuam para aumentar a produtividade da economia, ou seja, aumentar a participação dos serviços de valor agregado. Essa é uma ação importante tanto no campo das exportações, quanto no sentido de uma maior qualificação das importações brasileiras.

A partir de uma breve análise do balanço de pagamentos, e apesar do comportamento positivo da conta de serviços empresariais, profissionais e técnicos (que engloba grande parte dos serviços de valor agregado), é possível antecipar a necessidade de uma atenção especial no Brasil em relação a áreas como a de “serviços de propriedade intelectual” (que é historicamente negativa para o Brasil), além dos setores de telecomunicações, computação e informação.

Essa visão mais geral é confirmada pelo exame minucioso dos microdados produzidos pelo Siscoserv, com foco nas transações comerciais específicas e no tratamento dos serviços como produtos. Ao examinar os dados do Siscoserv, pode-se verificar a necessidade de políticas públicas que contribuam para o aumento da participação dos serviços de valor agregado no comércio global brasileiro de serviços. Como vimos acima, os serviços de valor agregado compreendem apenas 33% das exportações totais de serviços e 23,6% das importações totais. Esse perfil de importação pode ter impacto na qualidade dos serviços produzidos no Brasil e na competitividade das exportações (não apenas de serviços, mas especialmente da indústria). Também pode significar que boa parte das importações está sendo direcionada para serviços de custo ou consumo.

O MDIC tem trabalhando em várias iniciativas para fortalecer e melhorar o perfil do comércio exterior brasileiro de serviços. A criação do Siscoserv é uma dessas iniciativas, juntamente com a publicação da NBS, que tem como base a CPC[6]. Essas ferramentas para formulação de políticas públicas baseadas em evidências consomem uma quantidade razoável de recursos, mas já produzem resultados positivos: o Siscoserv tem sido ressaltado em fóruns internacionais por sua abrangência[7] e contribuição efetiva para um melhor entendimento do setor de serviços. O Sistema tem agora uma base de dados que reúne quatro anos (2014-2017), produz uma variedade de subprodutos para o público em geral, especialistas e também para órgãos do governo, e está se tornando mais flexível e acessível. A NBS, por sua vez, teve ampla aceitação no Brasil em seu papel de classificadora geral de serviços. Publicada pela primeira vez em 2012, está agora sob revisão para aproximá-la ainda mais do modelo da CPC. A nova versão (NBS 2.0) será publicada em breve.

O contato com o setor privado brasileiro é fundamental para o trabalho e atividades do MDIC, uma tarefa que fica sob responsabilidade de sua Secretaria de Comércio e Serviços (SCS). Para cumprir essa missão, a SCS mantém dois canais de comunicação com o setor privado, o Fórum de Competitividade do Setor de Serviços e o Fórum de Competitividade do Varejo. Esses fóruns se reúnem regularmente e direcionam os temas de interesse do setor privado para o MDIC e para diferentes áreas do governo federal. Estão entre as tarefas e os objetivos dos fóruns: aumentar a competitividade interna como forma de alavancar a competitividade externa; identificar obstáculos nas cadeias produtivas; selecionar mercados-alvo para atividades de promoção comercial e ações de acesso a mercados e; identificar barreiras existentes no exterior em relação aos serviços brasileiros.

No âmbito da Secretaria Executiva da CAMEX[8], a Secretaria de Comércio e Serviços participa de uma ampla agenda de competitividade para o setor de serviços brasileiro. A agenda é composta de temas oriundos principalmente dos fóruns supramencionados e abrange áreas como melhoria do ambiente de negócios para o setor de serviços, financiamento e garantia de exportações, facilitação do comércio e fortalecimento da coordenação entre órgãos de governo no Brasil.

Mais uma vez, avançar na direção dos serviços de valor agregado é fundamental para aumentar a densidade da produção e competitividade do comércio exterior. No Brasil, permanece o desafio de aumentar a produtividade do setor de serviços como vetor para o desenvolvimento de outros setores da economia nacional. Como concluído por Arbache e Moreira (2015), os serviços são altamente interligados e interdependentes com os demais setores produtivos e, portanto, afetam o desempenho geral da economia. Essa interdependência significa que, ao tornar os serviços mais competitivos e mais adequados às necessidades das empresas, é provável que se tenha um impacto no desempenho da própria empresa.

Douglas Finardi Ferreira é pós-graduado em Comércio Exterior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e tem MBA em Negócios Financeiros pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente é Secretário de Comércio e Serviços do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Referências

Arbache, J. (2014). Serviços e Competitividade Industrial no Brasil. Brasília: Confederação Nacional da Indústria. 

Arbache, J. (2017). Comércio exterior de serviços – o que vem pela frente? Economia de Serviços. Maio. 

Arbache, J. and R. Moreira (2015). How Can Services Improve Productivity? The Case of Brazil. Paper presented at the 2015 REDLAS Conference, Montevideo. 

Os dados de comércio exterior de serviços oriundos do Siscoserv estão disponíveis em: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-servicos/estatisticas-do-comercio-exterior-de-servicos

[1] Contas Nacionais Trimestrais / IBGE

[2] CAGED / Ministério do Trabalho

[3] Receitas e Despesas da Conta de Serviços  do Balanço de Pagamentos, deduzidos da Conta de Serviços Governamentais/ Banco Central

[4] Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio.

[5] A análise refere-se à subconta da conta de serviços do Balanço de Pagamentos “Serviços empresariais, profissionais e técnicos, incluindo arquitetura e engenharia”. Em 2017, as receitas totalizaram US$ 17 bilhões e os pagamentos, US$ 7,3 bilhões, apresentando um superávit de US$ 9,6 bilhões.

[6] A Classificação Central de Produtos (Central Product Classification – CPC) é uma classificação de bens e serviços promulgada pela Comissão Estatística das Nações Unidas. Destina-se a ser um padrão internacional para organizar e analisar dados sobre produção industrial, contas nacionais, comércio, preços e assim por diante. É a classificação utilizada pela OMC nas negociações internacionais de serviços.

[7] O Siscoserv inclui o registro de operações de comércio exterior de serviços cursadas nos 4 Modos de Prestação previstos no Acordo GATS/OMC. Os dados apresentados neste trabalho referem-se aos Modos 1 (Transfronteiriço), 2 (Consumo no Exterior) e 4 (Movimento Temporário de Pessoas Físicas). O Modo 3 (Presença Comercial no Exterior) é um registo especial realizado em separado dos demais e possui características e formas de divulgação particulares.

[8] A CAMEX é a Câmara de Comércio Exterior, um órgão interministerial criado em 1995 para formular, coordenar e implementar políticas de comércio exterior do Brasil. A Secretaria Executiva da CAMEX faz parte da estrutura do MDIC.

O papel dos serviços na complexidade econômica – parte I

Este é um post de uma série no blog que abordará o papel da complexidade no desenvolvimento econômico. O primeiro texto introduziu o leitor à análise da complexidade por meio de cadeias produtivas, utilizando uma matriz mundial de insumo-produto, a WIOD. Os resultados do exercício proposto no primeiro texto apontaram para a capacidade das atividades industriais de servirem como hubs, de conectar setores, podendo funcionar como catalizadores de outras atividades. Esses resultados, entretanto, compõem apenas uma parte do quebra-cabeças do desenvolvimento econômico. O presente texto encaixará mais uma das inúmeras peças desse quebra-cabeças, respondendo (parcialmente) à seguinte questão: qual é o papel dos serviços na complexidade?

Antes de responder à questão, é importante lembrar que os serviços representam um espectro de atividades que não podem ser tratadas de maneira homogênea. Desta maneira, seguindo a proposta de Arbache, os serviços são divididos em duas categorias: serviços de valor e de custos. Serviços de valor são aqueles que contribuem para a customização e a diferenciação dos produtos, como P&D, design, projetos de engenharia, serviços técnicos especializados, serviços sofisticados de TI, softwares customizados, branding e marketing. Já o segundo grupo de serviços é composto por aqueles que afetam principalmente os custos de produção, como logística e transportes, infraestrutura, viagens e acomodação. As duas categorias de serviços se distinguem não somente pela natureza da atividade, como, também, pela função que elas desempenham na complexidade econômica.

A aplicação da metodologia de Hausmann e Hidalgo aos dados da WIOD permite identificar quais economias e quais atividades são as mais complexas sob a ótica de cadeias produtivas, levando em conta a gama complexa de conexões entre os setores ao longo do processo produtivo e capturando melhor o processo pelo qual se embute valor a produtos.

A WIOD compreende as relações de insumo-produto entre 56 setores de 43 países, totalizando 85% do PIB mundial.  Os setores foram classificados como serviços de valor, serviços de custos, industriais ou primários. Todas as economias da amostra são emergentes ou desenvolvidas. Portanto, os resultados desse exercício devem ser interpretados apenas para o estágio intermediário e o avançado de desenvolvimento.

Resumidamente, países que têm competitividade em atividades complexas tendem, também, a serem complexos. Desta maneira, é importante saber se algum dos quatro tipos de atividade é mais complexo.  A Figura 1 apresenta a complexidade média das atividades, de acordo com o setor de fornecimento e de demanda. O primeiro quadrante dessa figura é o que abarca os setores que possuem complexidade média positiva, tanto como fornecedores quanto como demandantes. Todos os serviços de valor – pintados de amarelo – estão incluídos no primeiro quadrante, indicando que essas atividades contribuem para a complexidade de um país. O segundo grupo de atividades que mais se destaca na Figura 1 são os serviços de custos, em laranja. Já os setores industriais e primários, pintados de azul e vermelho, respectivamente, apresentam, em geral, médias de complexidade negativas. Isto não significa que os setores industriais não tenham função no desenvolvimento de uma economia, algo que já foi parcialmente coberto no primeiro texto da série.

O Índice de Complexidade da Economia (ICE) revela a importância dos serviços de valor nos estágios mais avançados do desenvolvimento econômico de um país. A correlação do índice de serviços de valor* com o ICE e com o PIB per capita é de 0,82 e de 0,73, respectivamente. Os resultados não são surpreendentes, já que o desenvolvimento e a gestão de ideias e tecnologias, atividades tão importantes nas economias mais desenvolvidas, estão incluídas no bojo dos serviços de valor.

A Tabela 1 confronta, para 2014, o ranking de complexidade dos países de Hausmann e Hidalgo ao construído com os dados da WIOD. As diferenças entre esses rankings são bem representadas pelo caso do Japão. A economia japonesa é a mais complexa no exercício tradicional, que utiliza dados de exportação de bens. Entretanto, ao utilizar os dados de insumo-produto, que capturam melhor o papel dos serviços, o Japão cai para a 33ª posição de complexidade. Essa pode ser uma das razões para as quais a economia japonesa esteja encontrando dificuldades para crescer nas últimas décadas.

Os serviços de valor são uma peça-chave no quebra-cabeças do desenvolvimento econômico. Economias que têm competitividade nessas atividades tendem a ser mais complexas. Entretanto, o serviço de valor não é maná que cai do céu. Na verdade, sendo o desenvolvimento econômico resultado de um processo típico de sistemas complexos, é essencial observar que essas atividades necessariamente interagem com outras variáveis para produzir complexidade econômica.

Nesse âmbito, qual seria o papel dos serviços de custos para o desenvolvimento econômico? E o relacionamento entre indústria e serviços na trajetória do desenvolvimento econômico? A construção de um espaço-produto com dados de insumo-produto será vital para responder a estas questões, que serão elucidadas nos próximos posts sobre o tema.

*o índice de serviços de valor é a parcela dessas atividades no consumo intermediário

Fonte: Elaboração própria, WIOD. Foram calculadas as médias das complexidades da atividade de acordo com o setor de fornecimento e de demanda. A figura relaciona as complexidades médias por fornecimento e demanda, diferenciando o tipo de setor por cor. Em amarelo, estão os serviços de valor. Em laranja e azul, estão os serviços de custo e os setores industriais, respectivamente. Em vermelho, os setores primários.

Fonte: Elaboração própria, WIOD, Hausmann e Hidalgo (2014). A Tabela lista as posições das economias nos
rankings de complexidade. O Ranking WIOD é o proposto neste trabalho. Ranking HH segue a classificação de Hausmann e
Hidalgo (2014), com dados de exportação de bens. Não há disponibilidade de dados para Taiwan no ranking de Hausmann e Hidalgo.

 

Quais serviços merecem mais atenção das políticas públicas?

Como este blog tem discutido, o Brasil tem grandes deficiências em serviços e o setor está entre as principais causas da nossa baixa produtividade e competitividade.

Posto isto, a pergunta relevante é: como não há recursos humanos e financeiros para tratar das deficiências de todo o setor de serviços ao mesmo tempo, que segmentos deveríamos priorizar?

Esta talvez seja uma das questões mais relevantes em política pública de serviços. Obviamente, a resposta a esta pergunta depende do foco e do método de análise que se utiliza.

Se a preocupação é o bem-estar das pessoas, então deveríamos atacar os serviços com maior participação na cesta de consumo de bens e serviços das famílias, tal como refletido pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF-IBGE). Dentre os serviços com maior importância na cesta estão educação, saúde, serviços sociais, serviços financeiros, transportes e comércio de varejo.

Se a preocupação é com o impacto dos serviços na inflação, que historicamente tem aumentado mais que a inflação geral, então deveríamos focar nos itens cujos preços mais têm subido. Ali incluem-se serviços de utilidade pública, transportes, educação, saúde e serviços técnicos especializados.

Se a preocupação é o impacto dos serviços nas contas externas, então, de acordo com os dados da balança comercial divulgados pelo MDIC, deveríamos focar nos itens mais inclinados a déficits comerciais e com maior peso nas contas externas. Ali estão fretes, seguros, royalties, licenças, aluguel de equipamentos, serviços de comunicação e computação e viagens internacionais.

Se a preocupação é atacar as pressões de custos na indústria, então, de acordo com a Pesquisa Industrial Anual (PIA-IBGE), deveríamos focar nos serviços mais utilizados pelas empresas, dentre os quais estão os serviços de intermediação financeira, serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros, royalties e assistência técnica, despesas com propaganda e alugueis e arrendamentos.

Finalmente, se a preocupação é com a participação da economia brasileira na economia global, então deveríamos focar as nossas atenções em e-commerce, plataformas digitais, P&D, desenvolvimento de marcas, design, inteligência artificial, desenvolvimento de softwares customizados, serviços de marketing e distribuição, dentre outros serviços que fazem a ponte entre o hoje e o amanhã.

É provável que este post tenha desapontado alguns leitores, já que não indicou resposta única, mas várias. Mas isto se deve à natureza do setor. De fato, serviços se tornaram algo tão grande, abrangente, diversificado e heterogêneo que apresentar uma só resposta seria um desafio.

Agora, se o leitor gostaria mesmo de saber qual seria a prioridade deste blog, então lá vai: serviços digitais e serviços de agregação de valor e diferenciação de produto, tal como indicado dois parágrafos acima. Afinal, como tanto temos debatido neste espaço, são eles que mais influenciarão o padrão da nossa inserção na economia internacional e a nossa capacidade de crescer de forma sustentada no futuro próximo.

E você, leitor, que setor priorizaria e por quê? Dê a sua opinião!

Brasil: líder e (ainda) perdedor no mercado de café

Em outubro deste ano, o jornalista Mauro Zafalon observou, em texto publicado pela Folha de São Paulo, que, apesar de figurar como líder mundial de produção e exportação de café, o Brasil se distanciava cada vez mais das receitas mundiais geradas pelo comércio do produto. Isto porque, segundo ele, a “industrialização e a geração de ‘blends’ (misturas) para a bebida com cafés de diferentes regiões do mundo são o que interessam hoje ao mercado internacional.”.

Tradicionalmente, empresas de torrefação, grandes distribuidores e marcas de produtos encontrados em prateleiras dos mercados consumidores capturavam a maior parcela de valor gerado neste subsetor de alimentos e também ditavam padrões de qualidade e de produção ao restante da indústria (os produtores, grosso modo). No entanto, esta dinâmica veio sofrendo drástica alteração nas últimas décadas, deslocando a percepção do consumo do produto café para o consumo do café com conteúdo social. Assim, diferem-se os segmentos consumidores de café: convencional, diferenciado e aquele consumido como experiência – também chamados, em relatório recém-publicado da World Intelectual Property Organization (WIPO), respectivamente, de café da primeira, segunda e terceira ondas (ou gerações) – e que se diferenciam em termos de público-alvo, de nuances do produto e, claro, de preço.

A figura abaixo, retirada do referido relatório (World Intelectual Property Organization Report 2017), permite visualizar essa inflexão, causada pela crescente incorporação de capital intangível na cadeia de valor do café consumido mundialmente e que permitiu aos países consumidores capturarem parcela cada vez maior da renda gerada no setor em ritmo que se acentuou a partir de fins da década de 1970.

Gráfico – Participação dos países exportadores e importadores na renda total gerada pela venda de café – 1965-2013

Fonte: World Intelectual Property Organization Report 2017.

Os consumidores tradicionais de café, que correspondem à primeira onda, eram atendidos por cerca de 65 a 80% da quantidade total de café produzida mundialmente, o que, no entanto, corresponde a apenas 45% do valor total de mercado. Por si só, esta informação já reflete o alto valor pago pelos consumidores da segunda onda – que passaram a levar em conta padrões voluntários de sustentabilidade – e da terceira onda, composta por demandantes dispostos a pagar um preço premium para terem peculiaridades de gosto atendidas por um produto que considerarem superior ao das demais ondas.

A sofisticação da demanda por café ao longo dessas décadas não só incrementou a parcela da renda capturada pelos países que mais gastam com seu consumo final. Ainda que em menor medida, os produtores de café cujo preço acompanhou a elevação dos padrões de produção – em termos de melhorias tecnológicas ou de aspectos socioambientais – também tiveram sua renda elevada. O mesmo relatório atesta que, enquanto países produtores de café da primeira geração faziam jus a US$3 por quilo do produto, os da segunda e terceira gerações o vendiam a cerca de US$6 e US$11 respectivamente. Neste sentido, é fácil inferir que a política pública ideal em um grande país produtor procuraria incrementar os ganhos “nas duas pontas”: promovendo o consumo de segunda e terceira geração por meio de táticas como o branding, para elevar o dispêndio do consumidor final local e externamente e, ao mesmo tempo, redistribuindo ao menos parte dos ganhos adicionais para segmentos de inovação (inclusive em termos de aumento da variabilidade de grãos) e padrões sustentáveis de produção (ambientais e sociais).

O relatório cita ao menos dois países que lograram melhorar sua inserção no mercado mundial de café ao perceber e promover políticas neste sentido, a ponto de terem suas marcas indissociáveis de suas nacionalidades: o café colombiano Juan Valdez e o jamaicano Blue Mountain. É digno de nota que nossos vizinhos sul-americanos contavam, ao final de 2016, com 371 cafeterias no “formato Starbucks”, das quais 120 fora da Colômbia. Ao fechar as portas para esse tipo de industrialização, o Brasil se consolida como líder em quantidade produzida, e, ao mesmo tempo, como o grande perdedor, pois não pode se orgulhar da marca, se os verdadeiros vencedores estão levando quase tudo em termos da renda total gerada.

Espera-se, no entanto, que iniciativa do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), na região das montanhas do Caparaó (entre Minas Gerais e o Espírito Santo), consolide caminho alternativo à cafeicultura nacional. Agricultores visitados por seus técnicos vêm conseguindo capturar parcela crescente do que antes seguia para atores intermediários. Isto foi possível por meio de qualificação técnica, alterações importantes em processos (principalmente pós-colheita) e aquisição de novos maquinários, como beneficiadoras. Assim, em 2016, conforme informa a Associação Brasileira de Cafés de Especialidade (BSCA), “a produção de cafés brasileiros de qualidade superior chegou a 8 milhões de sacas, 54% a mais que em 2015”.

Esta inflexão foi noticiada também na Folha de São Paulo pouco mais de 2 meses após a publicação do artigo de Zafalon, ao qual é importante contraponto. De todo modo, assim como para o café, deve-se ter em conta que mudanças de rumo como as promovidas pela Incaper devem servir de referência para outras culturas, como a soja, de modo que se contorne obstáculos como os impostos por oligopsônios (haja vista as implicações negativas da predominância do consumo chinês deste nosso grão – vide artigo de Zafalon) e ainda gerar mais renda por peso da produção. Assim, torna-se possível não somente remunerar melhor nossa produção, como garantir melhores condições de trabalho a produtores e de preservação de recursos naturais.

Breno Simonini Teixeira é economista formado pela Universidade de Brasília e mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente pelo Centro de Estudos em Economia, Meio Ambiente e Agricultura (CEEMA), vinculado ao Departamento de Economia da UnB. Atualmente, trabalha na Superintendência de Meio Ambiente na VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias.

Serviços e riqueza

Como os serviços contribuem para a geração de riquezas? As respostas são, naturalmente, muitas e dependem do país e do seu estágio de desenvolvimento, da sua demografia e estrutura econômica, das condições internacionais, dentre outros aspectos. Mas uma das respostas está associada à relação entre os serviços e os demais setores da economia.

Evidências empíricas mostram que não é o tamanho do setor de serviços na economia que mais importa para a geração de riquezas, mas sim a parcela dos serviços que são voltados para a produção (e não para consumo). No Brasil, o setor de serviços responde por cerca de 74% do PIB, mas os serviços técnicos comerciais profissionais (PBS), que são insumos pré- e pós-produção, respondem por 18% do PIB. Nos Estados Unidos, os serviços representam 82% do PIB e o PBS por 31%, portanto, proporção mais que o dobro da brasileira.

A diferença entre Brasil e Estados Unidos não é casual. Afinal, o padrão e a quantidade de serviços produtivos são preditores da estrutura de produção e da complexidade do país e, assim, do estágio de desenvolvimento econômico. De fato, enquanto a economia brasileira é concentrada em serviços de consumo, bens manufaturados de baixo valor adicionado e commodities, a americana é concentrada na produção de serviços de média e alta sofisticação, manufaturas de alto valor adicionado e bens de capitais.

Conforme este blog tem destacado, os serviços estão se tornando componentes cada vez mais importantes – e determinantes, até – da produção da manufatura, agricultura e até mesmo da mineração. De serviços de logística, de manutenção de máquinas e equipamentos e financeiros a serviços de P&D, TI e design, as evidências empíricas mostram que os serviços se tornaram o componente com maior participação no valor adicionado. No Brasil, os serviços respondem por 64% do valor adicionado da manufatura. Nos Estados Unidos, passam dos 75%. No caso do iPhone, por exemplo, a participação dos serviços  é largamente predominante no valor adicionado.

Se os serviços correspondem a parcela tão elevada do valor adicionado, então a capacidade de desenvolver e gerenciar serviços produtivos é condição determinante para se ter uma economia competitiva. Há que se esperar, desta forma, relação positiva entre tamanho do PBS e variáveis como densidade industrial.

O gráfico 1 abaixo mostra evidências nesta direção. Observam-se, grosso modo, dois grupos de países. De um lado (parte alta e mais à direita), estão países de alta densidade industrial e alta renda per capita e; de outro lado estão países de baixa densidade industrial e de renda per capita relativamente mais baixa (parte de baixo e mais à esquerda).

Uma economia tão avançada e dinâmica com a alemã, por exemplo, cuja densidade industrial passa dos US$ 11 mil, requer muita capacidade de desenvolvimento de softwares, serviços de gestão de redes de distribuição e de cadeias de produção globais, logística avançada e tantos outros serviços críticos para se agregar valor à sua sofisticada manufatura. Não por acaso, a participação do PBS no PIB é de 28%. Já Turquia, Rússia e México têm densidade industrial de cerca de US$ 1800 e PBS no intervalo de 11% a 14%.

Para além do tamanho do PBS e da sua relação com a densidade industrial está a composição do PBS. Este blog classifica o PBS em dois grupos: serviços de custos e serviços de agregação de valor e diferenciação de produto. O primeiro grupo é composto, grosso modo, por serviços convencionais de cadeias de valor, como logística, manutenção de equipamentos, serviços de TI, financeiros e de telecomunicações básicos e tantos outros serviços que estão nas planilhas de custos das empresas. Já os serviços de valor incluem P&D, design, marketing, distribuição, marcas, instrumentos financeiros sofisticados, softwares customizados dentre outros que diferenciam o produto e lhes agregam valor.

Evidências empíricas mostram que a parcela de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos são maiores nos países de alta densidade industrial. E mostram,  também, que aqueles serviços estão por detrás do crescimento da produtividade, em contraposição aos serviços de custos, que têm pouco ou nenhum impacto nessa variável.

Em resposta à pergunta do início, os serviços contribuem para a geração de riquezas majoritariamente através do PBS e, mais especificamente, dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos. Logo, para se ter indústria, agricultura ou mineração competitivos é também preciso que o país seja capaz de disponibilizar serviços modernos, sofisticados e competitivos.

Gráfico 1 – Densidade industrial e serviços técnicos comerciais e profissionais (PBS)

Nota: fontes primárias dos dados: densidade industrial – World Development Indicators; PBS – WIOD. Densidade industrial é expressa em dólar corrente. PBS é expresso em parcela do PIB (0-1). Densidade industrial refere-se ao valor adicionado da manufatura per capita (dividido pela população total do país). PBS (professional business services).

Telecomunicações têm a maior receita do setor de serviços

Os serviços de telecomunicações continuam ocupando a primeira posição entre os serviços que mais geram receita operacional líquida no Brasil, excetuando os financeiros. É o que aponta a Pesquisa Anual de Serviços – PAS, publicada 22 de setembro deste ano pelo IBGE. Apesar de terem perdido participação de 2007 (18,9%) para 2015 (11,3%), tais serviços devem continuar em posição de destaque na geração de receitas nos próximos anos, principalmente com a chegada da quinta geração de comunicação móvel (5G) e da consequente massificação da internet das coisas (IoT). Crescente em importância na produção e na agregação de valor ao produto final, o setor de telecomunicações apresenta elevada concentração de mercado e poderia ver suas receitas crescendo em ritmo menos acelerado caso uma política mais agressiva de promoção da concorrência fosse aplicada.

A pesquisa revelou para o setor de serviços e de telecomunicações em 2015, respectivamente, 1.286.621 e 7.494 empresas operando, gerando R$ 1,4 trilhão e R$ 162 bilhões de receita operacional líquida, R$ 856 bilhões e R$ 72,2 bilhões de valor adicionado bruto e, ainda, 12,7 milhões e 195 mil pessoas empregadas que receberam R$ 315 bilhões e R$ 9,9 bilhões em salários, retiradas e outras remunerações. Em 2015, enquanto o salário médio mensal em serviços situou-se em R$ 1.911, os maiores salários vieram das empresas de informação e comunicação, com média de R$ 3.831 mensais. A pesquisa também revelou o ranking abaixo.

Os dados acima corroboram com a análise de Arbache (2015); na página 3 o autor afirma que o aumento dos rendimentos dos serviços está conectado aos fatores produtivos e tecnológicos que levam a uma crescente participação dos serviços nas cadeias de suprimentos e no valor agregado dos bens. O desenvolvimento e a massificação das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), bem como dos serviços de transporte e logística, contribuíram para a popularização das tecnologias organizacionais e de produção que possibilitam às firmas focarem nas suas atividades principais, terceirizando as demais funções.

Podemos exemplificar essa ideia do autor com o caso de um fabricante de acessórios de informática no Brasil. Em sua cadeia de suprimento, serviços de telecomunicações são demandados na medida em que a sede se comunica com os fornecedores. Empresas de transportes levam os insumos até a fábrica. Um restaurante é contratado para servir alimento aos funcionários e a vigilância fica a cargo de uma empresa de segurança. Uma vez que as demais atividades necessárias ao funcionamento fabril são contratadas de terceiros, a fábrica está apta a focar estritamente na produção de acessórios de informática. Ademais, a tecnologia bluetooth representaria  valor agregado ao teclado — produto final da fábrica — na medida em que a receita advinda da venda do teclado sem fio, apto ao bluetooth, é maior comparativamente a da venda do antigo modelo com fio.

Seguindo esse raciocínio, observe que os serviços de telecomunicações são importantes tanto durante a produção dos bens quanto na agregação de valor aos produtos finais. E essa importância deve crescer com o tempo, pois com o 5G, por exemplo, as máquinas devem estar ainda mais conectadas dentro das fábricas e as cadeias de suprimentos também devem aumentar sua integração. Do ponto de vista da agregação de valor, inovações tecnológicas adicionadoras de serviços de telecomunicações aos dispositivos móveis devem seguir surgindo, como resposta à demanda de consumidores por produtos mais conectados (o smartphone é o maior exemplo disso).

A inserção dos cidadãos nas redes de comunicação de dados seria cada vez mais democrática se houvesse redução dos preços dos serviços de telecomunicações. De acordo com estudo inédito do IPEA em parceria com a Anatel, é grande o potencial atual de expansão da banda larga no país: mais de 50 milhões de residências desejam acesso à web, a grande maioria de baixa renda.

Apesar da PAS revelar mais de 7 mil empresas operando as telecomunicações em 2015, o setor é bem concentrado pois poucas empresas dominam a maior parte do mercado, resultando em preços mais elevados e em qualidade inferior aos predominantes numa eventual concorrência perfeita. Dessa forma, o estímulo à entrada e ao crescimento de empresas até então com menor expressão no mercado é essencial para redução de preços e a consequente inclusão das famílias de baixa renda às redes de comunicação de dados, e para incentivar a melhoria na qualidade do serviço.

A promoção de concorrência no setor poderia até causar uma desaceleração no crescimento das receitas dos serviços de telecomunicações, dado a queda de preços. Ainda assim, as receitas deveriam continuar crescendo. Isso porque, além dos motivos apresentados anteriormente, um estudo recente (2017) organizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) prevê R$ 155 a R$ 620 bilhões aportados na economia brasileira, até 2025, pela Internet das Coisas. Já no resto do mundo, o valor deve ser de 4 a 11 trilhões de dólares.

A partir do discorrido acima, podemos concluir que os serviços de telecomunicações são crescentes em importância tanto no processo produtivo quanto na agregação de valor aos produtos finais. Não é à toa que eles despontam como os maiores geradores de receita líquida no Brasil, dentre os serviços avaliados pela PAS. De fato, a concentração de mercado contribui para tal resultado, visto que os preços poderiam ser menores com o fortalecimento de operadoras de menor porte e de menor poder de mercado. Porém, é provável que um possível fortalecimento da concorrência não ofereceria queda de receita para as atuais firmas de grande poder de mercado, mas sim uma desaceleração no crescimento de futuras receitas e uma maior democratização no uso do serviço.

A economia do Japão e o setor de serviços

O que explica a longa estagnação da economia japonesa? Obviamente, existem explicações diversas. O objetivo deste post é o de adicionar um pouco de luz num aspecto sintomático da estagnação: o padrão e o comportamento do setor de serviços.

Vários indicadores podem ser empregados para ilustrar a estagnação da economia japonesa. O gráfico abaixo mostra dois desses indicadores. O primeiro, o de densidade industrial (Arbache 2012); o segundo, o índice de complexidade de Hausmann-Hidalgo. Esses indicadores sugerem inequívoca tendência de queda da competitividade da indústria manufatureira japonesa.

De acordo com a literatura de espaço-indústria (Arbache 2012), a variável-chave da transformação econômica é a capacidade da manufatura elevar a densidade industrial. Essa capacidade não se revela pela participação da manufatura no PIB, mas pela sua capacidade de desenvolver uma relação sinergética e simbiótica com os serviços para, juntos, agregarem valor (Arbache 2017).

De fato, evidências empíricas internacionais mostram elevada e crescente parcela de serviços e inovações “embarcados” em bens manufaturados. Tratam-se de P&D, marcas, design, distribuição, projetos, softwares customizados, funcionalidades e conectividade, marketing, entre outros tantos serviços que diferenciam, agregam valor e conectividade ao bem tangível. Serviços de custos, como logística e serviços financeiros convencionais, são importantes, mas não diferenciam produtos e nem agregam valor.

Para agregar valor, a economia precisa ter um setor de serviços capaz de responder às demandas da indústria por novas soluções e de apoiar o desenvolvimento de novos modelos de negócios.

O que se observa no caso japonês? Observa-se estagnação da participação dos serviços comerciais profissionais no PIB (professional business services – PBS), que são os serviços que agregam valor à indústria. Observa-se, também, aumento da participação do setor de serviços no PIB. Logo, a participação do PBS no setor de serviços está contraindo, enquanto que os demais serviços, incluindo os voltados para o consumo, estão vendo a sua participação na economia aumentar.

Essas tendências vão na direção contrária do que se observa em economias mais dinâmicas, como Estados Unidos e Alemanha (e China, mais recentemente), em que o nível do PBS no PIB é mais elevado e segue crescendo.

Indicadores internacionais de conectividade são reveladores em razão da sua relação com o PBS. O indicador de conectividade da McKinsey Global Institute, por exemplo, mostra que o Japão está numa longínqua 24ª posição no ranking atrás, inclusive, de países emergentes asiáticos. Os Estados Unidos estão na terceira posição, a Alemanha na quarta e a China na sétima posição. Os componentes do indicador da McKinsey que mais explicam as diferenças entre o Japão e os três países são fluxo de serviços, fluxo de dados e fluxo de pessoas, fatores comumente presentes nas economias mais abertas e dinâmicas e associados à capacidade de desenvolvimento de serviços sofisticados e novos modelos de negócios.

A economia japonesa talvez só não esteja em situação ainda mais desafiadora em razão do elevado estoque de capital per capita que tem e do ainda elevado nível de densidade industrial da sua economia.

As características estruturais da economia do Japão sugerem insistência num modelo econômico tradicional incompatível com o nível do seu PIB per capita e que, claramente, já demonstra retornos decrescentes. Para avançar, o Japão terá que considerar adotar uma visão muito mais ampla e aberta de manufatura. Para isto, terá que aprofundar o entendimento acerca do imperioso papel dos serviços para a competitividade e a criação de valor industrial.

Notas sobre o gráfico: Densidade industrial: valor adicionado da manufatura per capita (em US$), eixo da esquerda. Fonte: calculado com dados do World Development Indicators.

%Manuf-PIB: participação percentual da manufatura no PIB, eixo da direita. Fonte: World Development Indicators.

%PBS-PIB (professional business services): participação percentual dos serviços comerciais profissionais no PIB; consideram-se os serviços especializados destinados às cadeias de produção tais como correios e telecomunicações, intermediação financeira, atividades imobiliárias comerciais, aluguel de máquinas e equipamentos, TI e atividades correlatas, P&D e outras atividades comerciais profissionais, eixo da direita. Fonte: World Input-Output Database.

%Serviços-PIB: participação percentual dos serviços no PIB, eixo da direita. Fonte: World Development Indicators.

Indicador de complexidade (0-1). Eixo da direita. Fonte: Atlas of Economic Complexity

A inovação na Nova Economia

A inovação é inerente à natureza humana. Entretanto, como qualquer processo de mudança, causa incômodo.  Em muitos casos, a inovação é vista mais pelo lado pessimista do que pelo otimista, com imagens de máquinas ocupando o lugar dos humanos nos processos produtivos, de concentração extrema de renda, entre outros. E, quanto mais rápida é a mudança, mais complicada é a previsibilidade sobre o resultado final.

Surge, então, uma vasta literatura que tenta explicar os efeitos dessa revolução tecnológica que presenciamos atualmente, cujo escopo e a velocidade de implementação apresentam-se extremamente intensos. Em especial, observa-se que, cada vez mais, os serviços têm agregado valor a produtos e até mesmo a outros serviços. Nesse cenário, o grosso do valor, numa cadeia de produção, tende a ser adicionado mais pelo setor de serviços do que pela indústria de transformação (“velha economia”). Vamos chamar esse processo de “nova economia”.

A nova economia tem como ponto de partida as grandes plataformas, empresas de criação de aplicativos, lojas virtuais e profissionais analíticos de big data, formando um mundo novo e de espantosa capacidade de crescimento e transformação. Mas analisar o resultado das mudanças é enxugar gelo. É preciso acalmar o ânimo com as novidades e tentar entender o processo que explique essas mudanças. Seria a nova economia uma exceção à Lei dos Rendimentos Decrescentes? Improvável.

Na verdade, essa nova economia representa, essencialmente, uma mudança no padrão de consumo e não no padrão de produção, que ainda se encontra inserido na velha economia. Nesta, as firmas procuram otimizar seus bens de produção, aumentando a produtividade (por meio da formação de cadeias globais de valor, investimentos em tecnologia de produção, otimização de mão-de-obra etc.). Via competição de mercado, a empresa ofertará o menor preço para obter o maior número de consumidores.

Já a nova economia apresenta a oferta qualificada como diferencial de conquista do consumidor, considerando o preço como já dado (igualmente à velha economia, mas visando a qualificação do consumidor e não da produção). Esse processo envolve elevada sofisticação de análise de dados e, para tanto, foram criadas empresas para atender esse mercado. Afinal, em um nicho novo, os primeiros entrantes tendem a ganhar as maiores margens.

O problema é que a tendência criada pela nova economia obriga as firmas a utilizar os serviços desses primeiros entrantes, em especial no que diz respeito às plataformas massificadas (commodities digitais), seja para venda, soluções de tecnologia ou geração e disponibilização de informações. Como essas plataformas são massificadas, dificilmente há um diferencial relevante entre todas as firmas que também farão uso delas. Atuar nessas plataformas tende a apenas garantir a sobrevivência dessas firmas via migração do consumidor para a “novidade personalizada”. Pense no caso das pequenas empresas que vendem em grandes plataformas como a Amazon ou o Mercado Livre: há poucas diferenças entre um ou outro vendedor.

A tendência natural é que haja maior concentração entre empresas que tenham capacidade de entrar na nova economia e necessitam de escala para utilizar as plataformas. Contudo, isso não necessariamente irá representar maior ganho de resultado para essas empresas, já que essas grandes plataformas não tendem a melhorar a produtividade das firmas, apenas tendem a garantir que elas sigam “no jogo”.

Nesse caso, há uma diferença significativa entre as empresas que criam e gerenciam as plataformas e as empresas que fazem uso delas. Enquanto as primeiras conseguem ganhar cada vez mais com sua escala internacional e usabilidade, as diversas empresas que fazem uso dessas plataformas não necessariamente apresentam melhores resultados, mas apenas não são excluídas do mercado devido a capacidade de atender ao cliente da forma personalizada e diferenciada que essas plataformas possibilitam.

Consequentemente, há um limite de renda que será possível transferir das firmas da velha economia (que ainda sustenta o sistema) para a nova economia. Ou seja, as empresas da nova economia também estão sujeitas à Lei dos Rendimentos Decrescentes. Quanto mais empresas estiverem inovando para atender uma demanda personalizada, mais estarão consumindo o mark-up de renda das empresas da velha economia e reduzindo o “estoque existente”.

Por exemplo, imagine que existe uma plataforma de pesquisa de clientes, outra plataforma que permite entregar algum produto via drone, localizada na Califórnia, outra plataforma de pagamento, etc. Em algum momento, uma empresa (restaurante, por exemplo) chegará ao seu limite no qual poderá continuar a custear os serviços disponibilizados pelas plataformas. A figura 1 ilustra esse exemplo. Já as plataformas tenderão, por conta dos efeito rede e plataforma, a ganha mais mercado, já que elas passam a ser infraestrutura necessária para outras empresas. Nesse processo, a tendência é que haja concentração de empresas tanto na velha economia, quanto na nova economia. E isso fica claro quando percebemos a compra de plataformas entrantes no mercado por outras já maiores e consolidadas.

Figura 1 – Gastos das firmas com plataformas e capacidade de escala da nova economia, valores hipotéticos

Fonte: elaboração própria

Essa capacidade de atuar em escala Mundial, podendo uma empresa estar localizada em qualquer lugar do mundo e com investimento em infraestrutura própria relativamente baixa, vem criando espanto sobre as empresas da nova economia (Google, Amazon, Airbnb, Uber, etc.). Elas estão mudando a geografia mundial de prestação de serviços, já que exigem toda uma estrutura especializada, com qualificação e capacidade de inovar e pensar além de sua fronteira. Consequentemente, acabam se localizando nos polos que melhor proporcionam esse ambiente educacional, intelectual e infraestrutura, como América do Norte, alguns países da Europa e Ásia. Já com relação às firmas da velha economia, elas sofrem naturalmente substituição de mão-de-obra não especializada, assim como um aumento na concentração de firmas devido à necessidade de escala e capacidade financeira para fazer uso dessas tecnologias.

Pode-se inferir que haverá cada vez mais perda de emprego para trabalhadores não qualificados pertencentes à velha economia. Assim como a necessidade de se fazer investimentos em educação formal de qualidade (especialmente nas áreas de exatas), ensinamento em linguagem de programação, língua estrangeira e desenvolver capacidade de inferência sobre dados, conforme vem sendo discutido neste blog. Pois, sem esse mínimo, o Brasil não corre o risco somente de ficar sem empresas da nova economia como desenvolvedor e distribuidor, que trazem consigo uma externalidade positiva, mas também de ficar sem empresas competitivas da velha economia.

Alisson Peixoto é Mestre em economia, com especialização em finanças de empresa. Trabalha como consultor na Caixa Seguradora.

Outsourcing, shelfsourcing e netsourcing

A palavra outsourcing não é um desses anglicismos de modismo. Sua incorporação no linguajar empresarial/acadêmico brasileiro se presta a diferenciar a aquisição de serviços de custo de serviços de agregação de valor. Os serviços de custo são aqueles identificados com a terceirização.

A terceirização é decorre do acirramento da concorrência e da necessidade de cortar custos em toda sorte de atividades auxiliares – altamente padronizadas e raramente customizadas; são serviços de prateleira, simbolizando estágios cada vez mais radicais de um fenômeno que é tão antigo quanto o capitalismo: a divisão e especialização do trabalho. Portanto, o shelfsourcing não traz mudanças conceituais relevantes, pois a empresa compradora desse serviço apenas deixa de realizá-lo por conta própria e o adquire pronto e embalado nas prateleiras do mercado. Na contabilidade nacional, parte do crescimento do setor de serviços se deu pela mensuração do shelfsourcing (advocacia, contabilidade, transporte, limpeza, etc., são bons exemplos de atividades terceirizadas), que gerou uma “desindustrialização contábil” pela mudança de propriedade, mas dificilmente por mudanças estruturais reais.

Estudos[1] que investigam as razões que levam a organização empresarial para formatos mais centralizados ou descentralizados – no que diz respeito às suas atividades finalísticas – mostram que o alto nível de complexidade tecnológica de uma determinada atividade pode induzir à descentralização das decisões dentro de uma empresa. O aumento dessa complexidade proporciona estruturas de comando mais descentralizadas, na qual os gerentes das áreas finalísticas possuem maior autonomia decisória em virtude da elevação da assimetria de informações entre a direção central e os gerentes; um trade-off clássico do modelo principal-agente no qual os custos de delegação são comparados aos seus benefícios.

Se entendermos o outsourcing como o próximo passo após a descentralização empresarial, entenderemos que isso não trata da delegação externa de atividades avançadas previamente desempenhadas dentro da empresa; pelo contrário, elas representam o surgimento de soluções para desafios internos das empresas industriais, mas que, em face ao elevado grau de complexidade que tais desafios têm alcançado, não poderiam surgir internamente ou surgiriam a custos e esforços relativamente elevados. Mais do que isso, a multiplicação e o acúmulo de soluções disponíveis no mercado afrouxaram as fronteiras da capacidade inovadora de toda a economia, não apenas implicando em reduções de custo, mas tornando possível produtos e processos antes inimagináveis. Não se trata de uma empresa contratar um serviço de design industrial como ela contrataria um escritório de contabilidade. Nessa modalidade, a sinergia e a simbiose entre serviços e indústria não se manifesta apenas no design arrojado de um produto, mas na noção de que empresas operando em mercados distintos apenas conseguem evoluir em seus próprios negócios quando fornecem feedback mútuo. Nesse sentido, as empresas praticam netsourcing, pois a criação de soluções ocorre em redes, e é nelas que as empresas buscam e entregam tecnologias.

Esse momento de extrapolação dos limites da empresa em suas atividades finalísticas as coloca como conectores de um emaranhado de soluções que podem ou não ter sido elaboradas, inicialmente, para seus problemas específicos – essas soluções estão intimamente associadas aos serviços de agregação de valor. O netsourcing pode, sim, significar uma mudança conceitual relevante na forma como as empresas se organizam para a produção. No espaço-indústria a elevação da participação dos serviços na economia dos países desenvolvidos conjugada com o aumento da densidade industrial é consequência direta do netsourcing, e não do shelfsourcing – essas nações tornaram-se economias de serviços de agregação de valor, e não de custos. Muitos antigos centros de P&D internos de grandes corporações industriais abandonaram a pesquisa propriamente dita e tornaram-se membros colaborativos em redes de empresas, laboratórios governamentais e universidades, intercambiando agendas de pesquisa e soluções tecnológicas.

A maturidade e sofisticação industrial das últimas décadas estão na raiz do protagonismo do setor de serviços. O mundo moderno gerou uma vasta e complexa necessidade de novas soluções que estimulou a consolidação de uma rede de empresas especializadas em provê-las. Trabalhar em rede (o netsourcing) não é apenas o mantra do momento dos gurus da administração; é a verdadeira prática de organização empresarial que sustenta o domínio tecnológico e econômico das grandes corporações e das nações às quais pertencem.

[1] ACEMOGLU D. [et al.] Technology, information, and the decentralization of the firm [Artigo] // The Quarterly Journal of Economics. – Novembro de 2007. – pp. 1759-1799.

Custos e benefícios da abertura do mercado de serviços

Este blog tem discutido há muito que os serviços brasileiros são relativamente caros e de baixa qualidade para padrões internacionais, o que compromete a competitividade das empresas que os utilizam como insumos de produção. Também tem mostrado que vários segmentos do mercado de serviços são bastante protegidos da competição internacional.

A quase instantânea reação a essas evidências é a de apoiar a abertura do mercado de serviços como forma de minorar os impactos negativos mais imediatos para as empresas. Posição mais que legítima. A defesa da maior competição deve, porém, levar em conta outros pontos que também têm impactos para a competitividade, produtividade e geração de riquezas e empregos. Dentre esses pontos, incluem-se os que seguem.

Primeiro, os serviços de custos, como logística e fretes, portos, serviços financeiros convencionais, serviços industriais e serviços de manutenção e apoio, são normalmente menos comercializáveis internacionalmente em razão da sua natureza — pense nos serviços de cargas internas — e, portanto, são providos majoritariamente em nível local. Já os serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos, como licenças e royalties, softwares customizados, design, marcas, marketing, distribuição e pós-vendas, são mais passíveis de serem comercializados internacionalmente também em razão da sua natureza — pense nos serviços providos via internet.

Segundo, embora a participação dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos no valor adicionado esteja crescendo, os serviços de custos ainda são absolutamente majoritários nas nossas matrizes de custos industriais  e de commodities (juntas, as duas classes de serviços correspondem a nada menos que 64% do valor adicionado da indústria). Matrizes internacionais de insumo-produto (WIOD) mostram que a participação dos serviços de custos é desproporcionalmente elevada no Brasil porque ela espelha a estrutura de produção — bens sofisticados consomem mais serviços de agregação de valor, enquanto que bens menos sofisticados consomem mais serviços de custos. Commodities, semimanufaturados e outros produtos e serviços de baixo valor adicionado respondem pela maior parte do PIB e das nossas exportações.

Terceiro, muitos dos mais importantes serviços de custos consumidos pelas empresas no Brasil são excessivamente concentrados e oligopolizados, o que leva a preços altos, ineficiências e poucos incentivos para inovar. O mercado de serviços financeiros, que perfazem, em média, 25% dos serviços consumidos pelas empresas, é revelador.  O aumento da competição e da eficiência nos serviços de custos requer, antes de tudo, a remoção de barreiras à entrada de novas empresas e a modernização da regulação que governa aqueles serviços. A tributação incidente sobre muitos serviços de custos é elevada e distorciva e compõe o quadro de ineficiências e preços altos.

Quarto, evidências empíricas mostram que enquanto os serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos elevam a produtividade e a competitividade das empresas, os serviços de custos têm pouco ou nenhum impacto na produtividade, o que decorre desses serviços serem condição necessária, mas não suficiente para se competir internacionalmente. Serviços eficientes e modernos de logística e portos, por exemplo, reduzem custo, mas não criam valor nem inserem o produto em estágios mais avançados das cadeias globais de valor. Isto, quem pode fazer, são os serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos, sobretudo por meio das relações sinergéticas e simbióticas entre bens e serviços para criar valor (Arbache 2016, capt 2).

As considerações acima sugerem que, na margem, a abertura do mercado terá maior impacto nas importações de serviços de agregação de valor do que nos serviços de custos. Por isto, não se deve esperar que a abertura venha, per se, a impactar substancialmente a competitividade e a produtividade das empresas.

A maior dependência da importação de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos decorrente da abertura poderá ter impactos não negligenciáveis nos incentivos para se desenvolver esses serviços no país, o que poderá ter implicações importantes na nossa capacidade de adicionar valor e de participar de fases mais sofisticadas das cadeias globais de valor. As maquilas do norte do México e a Zona Franca de Manaus são reveladores dos efeitos dessa dependência sobre o que e o como se produz.

Por fim, embora os serviços de custos sejam mais importantes para os produtos que mais produzimos e exportamos, mesmo ali os serviços de agregação de valor já exercem influência importante. Pense na soja em grão. P&D e royalties embutidos nas sementes e nos agrotóxicos, serviços técnicos especializados, serviços de satélite, comercialização em mercados futuro, comercialização internacional por trading companies, dentre outros serviços sofisticados — e que são majoritariamente importados – já respondem por elevada e crescente parcela do valor final da commodity.

O que fazer?

A esta altura do acirramento da competição global por um lugar ao sol, é crucial, crítico até, reconhecer as limitações dos nossos serviços e de seus impactos deletérios na produtividade das empresas e também na produtividade agregada, já que eles perfazem 73% do PIB.

Mas tão ou mais importante que abrir o mercado é remover as enormes barreiras à competição interna que geram verdadeiros cartórios. Além disso, é preciso identificar os principais bottlenecks a partir das relações sinergéticas e simbióticas entre bens e serviços para se criar valor e ali promover aumento dos investimentos e maior acesso à tecnologias (as novas políticas operacionais do BNDES são encorajadoras e vão nesta direção). Outras políticas que serão úteis para o desenvolvimento e a competitividade dos serviços incluem medidas que atraiam investimentos de multinacionais de serviços e seus laboratórios de P&D, estimulem as universidades e institutos de pesquisa a desenvolverem tecnologias de serviços sofisticados, reforma tributária que não discrimine a provisão de serviços de agregação de valor no país, investimentos em infraestruturas avançadas que estimulam negócios no setor (como banda larga) e formação de quadros voltados para as necessidades dos investimentos em serviços.

A maior abertura do setor é inquestionável, mas ela deve ser feita com visão estratégica e deve compor um conjunto coordenado de políticas que se complementem e que contribuam para gerar prosperidade e inserção internacional do país pela “porta da frente”. Deve, ainda, levar em conta a economia política da proteção e os erros de política que foram cometidos no passado e que ajudaram a criar tantas ineficiências no país.

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