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Redistribuição dos recursos da Educação Básica

O ensino público concentra pouco mais de 80% das matrículas da Educação Básica[1]: são aproximadamente 40 milhões de matrículas e 1,8 milhão de professores distribuídos em uma rede de 145 mil escolas[2]. O tamanho da rede torna ainda mais evidente a importância de políticas públicas em educação e o estudo dos mecanismos de redistribuição de recursos, especialmente em um país tão desigual como o Brasil.

Como os recursos da educação são distribuídos?

A Constituição de 1988 estabeleceu que estados e municípios devem alocar, no mínimo, 25% da receita proveniente de impostos e transferências em educação. Essa estrutura acabou aumentando a desigualdade entre as redes de ensino, já que estados e municípios ricos possuíam muito mais recursos a serem alocados nas suas redes de ensino. Consequentemente, durante a década de 90, houve aumento da heterogeneidade entre as escolas públicas de municípios ricos e pobres e entre as redes estaduais e municipais. Os sistemas estaduais eram muito maiores do que os municipais e, ao contar com maior montante de recursos e com maior capacitação das secretarias estaduais de educação, as escolas estaduais apresentavam maior proporção de insumos e indicadores educacionais mais elevados.

Um mecanismo de redistribuição de recursos foi implementado 1996 com a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF)[3]. Entre os objetivos do fundo estava o de promover a adequação entre o gasto e o número de matrículas das redes de ensino, de modo a garantir maior equidade na redistribuição dos recursos educacionais. Foram criados 27 fundos estaduais e cada um deles era constituído por 15% do Fundo de Participação dos Estado (FPE), 15% do Fundo de Participação dos Municípios e 15% do ICMS[4] e do IPI[5]. Inicialmente tais recursos eram direcionados aos fundos estaduais e posteriormente redistribuídos entre a rede estadual e as respectivas redes municipais de acordo com o número de alunos matriculados no ensino fundamental regular[6].

Dessa forma, criou-se um mecanismo de redistribuição de recursos dentro de cada estado, em que os estados redistribuíam recursos aos seus respectivos municípios e municípios ricos redistribuíam recursos aos municípios pobres[7]. O FUNDEF promoveu a diminuição da desigualdade do gasto por aluno, o estreitamento da brecha salarial entre professores das redes estaduais e municipais e criou incentivos para que os municípios absorvessem mais alunos[8], já que o recebimento de recursos estava condicionado ao tamanho da rede. Em 2007, o FUNDEF foi substituído pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB)[9], que passou a abranger toda a Educação Básica (Ensino Infantil, Fundamental e Médio) e cuja vigência é até 2020.

Em vez de 15%, estados e municípios passaram a alocar 20%[10] de uma cesta de impostos aos respectivos fundos estaduais. Além disso, de modo a garantir um gasto mínimo por aluno, o Governo Federal realiza a complementação de recursos. Em 2017, por exemplo, os fundos estaduais totalizaram R$ 132 bilhões e a União realizou uma complementação de R$ 12,7 bilhões.

O fundo possui uma característica equalizadora que contribui para diminuição da desigualdade de aplicação dos recursos educacionais. A Figura 1 apresenta a distribuição do gasto por aluno atual versus a de um cenário em que é simulada a ausência desse mecanismo de redistribuição. Observa-se que, na ausência do FUNDEB, a dispersão do gasto seria significativamente maior.

Figura 1

Fonte: Estimativa própria com base nos dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FNDE), no Relatório Resumo de Execução Orçamentária (RREO) e no Censo Escolar. Redes Municipais.

No entanto, ainda há uma dispersão considerável entre o gasto das redes de ensino. Embora o gasto médio por aluno da rede pública com educação básica seja de R$ 6.000, o menor gasto é de R$ 2.642 enquanto o maior é de R$ 43.942[11], uma diferença superior a 16 vezes.

Como promover maior equidade?

Atualmente a complementação da União é realizada diretamente aos fundos estaduais, que, por sua vez, redistribuem esses recursos conforme o número de alunos matriculados nas redes de ensino. Em 2016, os 9 estados do nordeste foram beneficiados com os recursos do Governo Federal. No entanto, esse mecanismo, ao alocar os recursos nos fundos estaduais em vez de diretamente aos municípios, favorece municípios ricos em estados pobres em detrimento de municípios pobres em estados mais ricos. Por exemplo, capitais como Salvador, Recife, João Pessoa e São Luís, que na ausência de complementação da União já apresentariam gasto por aluno superior à média nacional, são beneficiados com recursos do Governo Federal. Por outro lado, municípios pobres de estados que não recebem complementação acabam sem receber recursos adicionais da União.

Se a complementação da União fosse realizada diretamente aos municípios seria possível garantir maior equidade na distribuição do gasto por aluno. Nesse cenário, o gasto mínimo por aluno passaria de R$ 2.642 para R$ 4.626 (Figura 2) e 1.704 municípios de todas as regiões do país seriam beneficiados.

Figura 2

Fonte: Estimativa própria com base nos dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FNDE), no Relatório Resumo de Execução Orçamentária (RREO) e no Censo Escolar. Redes Municipais.

A vigência do FUNDEB até 2020 abre uma janela de oportunidade para a adoção de um mecanismo de redistribuição da complementação da União diretamente aos municípios, favorecendo a equidade do gasto em educação do país.

  1. 47,5% em escolas municipais, 33,4% em estaduais e 0,8% em federais e 18,3% na rede privada. Censo Escolar de 2017.

  2. 39,6 milhões de matrículas e 145.190 escolas. Censo Escolar de 2017.

  3. Lei n. 9.424 de 24 de dezembro de 1996. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9424.htm

  4. Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços.

  5. Imposto sobre produtos industrializados.

  6. A partir de 2000, os recursos passaram a ser redistribuídos de acordo com o total de matrículas do ensino fundamental regular e especial. Alguns estados também recebiam complementação da União se não conseguissem atingir determinado nível de gasto por aluno (cujo valor é determinado nacionalmente).

  7. Não há redistribuição entre os estados, por exemplo, recursos de São Paulo não são redistribuídos no Rio de Janeiro.

  8. Houve aumento da proporção de crianças em idade escolar matriculadas na escola e incentivos a descentralização, processo em que alunos são transferidos da rede estadual para a municipal.

  9. Lei n. 11.494 de 20 de junho de 2007. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11494.htm

  10. A cesta de impostos dos estados é constituída pelo FPE, IPI, Lei Kandir, ICMS, IPVA, IOF e ITCMD; já a cesta dos municípios é formada por FPM, IPI, Lei Kandir, ICMS, IPVA e ITR.

  11. Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FNDE) referentes ao ano de 2016. O menor gasto é em Patos/PB e o maior em Douradoquara/MG.

Autora:

Vivian Amorim possui graduação e mestrado pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Atualmente cursa doutorado em Economia na Universidade de Brasília (UNB) e trabalha como consultora das Global Practices de Educação e Governança do Banco Mundial. 

Políticas Públicas e Eficiência Alocativa na Educação

Nas últimas décadas, a educação foi sendo paulatinamente assumida como um verdadeiro mantra em termos de políticas públicas e prioridades. Melhores níveis de educação da população em geral e da força de trabalho em particular ampliariam as possibilidades de crescimento (ver, a título de exemplo da extensa literatura, Gemmell (1996), Toppel (1999), Lucas (1988)), seriam cruciais para combater a pobreza, constituiria uma variável chave para explicar o perfil distributivo das sociedades (ver, por exemplo, Mincer (1958), Langoni (1972), Acemoglou (2012), (2002), etc.) e ajudaria a explicar os indicadores de felicidade auto-declarados dos indivíduos. Esses nexos teóricos e empíricos parecem bem sedimentados na literatura, ainda que não possam deixar de ser considerados argumentos que relativizem essa importância, especialmente no tocante à relevância da suposta relação de causalidade entre educação e crescimento e aos diferenciais de níveis auto-declarados de felicidade entre indivíduos e sua relação com os patamares de escolaridade atingidos.

Em geral, a educação, seguindo a tradição inaugurada por Becker, Mincer, etc., é identificada com a acumulação de conhecimentos, habilidades, etc. que tem impacto sobre a produtividade e, na medida em que esta está associada ao crescimento e aos salários, acaba tendo desdobramentos positivos sobre os níveis de renda da sociedade e dos indivíduos.

Se, diferentemente desta perspectiva, a educação é assumida como sendo a acumulação de sinais ou credenciais para se diferenciar dos concorrentes na disputa por vagas (posicionamento relativo no mercado de trabalho), os ganhos sociais (não individuais) dos investimentos em educação podem ser questionados. Neste caso, o Estado deveria prescindir de alocar recursos públicos na área, uma vez que as credenciais não teriam uma correspondente contrapartida em conhecimentos/competências/habilidades sócio-emocionais. Logicamente, a dicotomia acumulação de capital humano/acumulação de sinais pode não ser bipolar no conjunto. Existem fortes elementos teóricos e empíricos que induzem a pensar que a educação pode ser uma mistura (em diferentes proporções, segundo os países, períodos históricos ou segmentos do sistema educativo) de acumulação de conhecimentos/habilidades e da procura por agregação de credenciais.

Uma vez que o nosso objetivo consiste em refletir sobre uma suposta conveniência de intervenção estatal a fim de tornar os investimentos públicos e privados na acumulação de capital humano mais eficientes, vamos admitir que a educação, na sua totalidade ou parcialmente, consiste em atividades que contribuem para acrescentar conhecimentos/habilidades/competências, sejam eles cognitivos ou sócio-emocionais.

Dada a hipótese da educação pós-compulsória ser identificada como uma atividade que, no futuro, vai se traduzir em maior produtividade/salários, acompanhando princípios básicos da Teoria do Capital Humano, a freqüência escolar deve ser reconhecida como um investimento e não pode fugir dos banais critérios que determinam se uma aplicação financeira deve ou não ser realizada: o valor presente do fluxo de benefícios (objetivos, como salários, ou subjetivos, como status social) devem ser superiores aos custos (financeiros diretos, de oportunidades, de sacrifício por abrir mão de lazer, etc.). O balanço dessa relação depende de diversos fatores (taxa de desconto, por exemplo) e a sua concretização pode estar em função da existência ou não de restrições de crédito. Além de olhares meramente econômicos, a intervenção pública associada a essas duas variáveis (taxa de desconto e restrições de crédito) podem dizer respeito a aspectos de justiça ou igualdade de oportunidades.

Contudo, associando a educação a um investimento (abrimos mão do consumo hoje para elevar o valor presente do fluxo de renda futura), a utilização dos habituais instrumentos metodológicos que pautam a viabilidade de uma aplicação financeira é cabível. Mais especificamente, é incontornável estar familiarizado com dados sobre o presente e tentar esboçar o porvir. Observemos que o investimento em educação é uma atividade que deve levar em consideração horizontes temporais que podem se aproximar ao meio século. A quase trivial escolha de um curso em uma universidade pauta custos futuros (por exemplo, a probabilidade de ficar desempregado por longos períodos na sua vida ativa) e retornos vindouros (evolução dos rendimentos nos próximos quarenta anos) que, ex-post, quer seja desde uma perspectiva individual ou social, podem não ter sido as melhores escolhas.

Concretamente, os critérios econômicos para a escolha de um investimento em educação (um curso) exige conhecer os salários relativos de cada uma das alternativas factíveis, as possibilidades de emprego, as eventuais trajetórias profissionais, os possíveis cenários em termos de demanda futura devido, por exemplo, a choques tecnológicos, etc.. Os gostos e as facilidades de cada indivíduo em cada área devem logicamente ser variáveis levadas em consideração, especialmente no tocante aos custos individuais. Contudo, os gostos, vocações, etc. deveriam ser somente um dos aspectos a entrarem no cálculo, que podem ou não ser compensados pelas outras variáveis (futuros rendimentos, por exemplo).

Se imaginarmos um processo no qual o mercado alocaria de forma eficiente os recursos investidos na educação, além dos usuais supostos sobre a racionalidade do “agente” (neste caso o processo de escolha entre estudar ou não e o quê e o quanto estudar), o arranjo ótimo requereria (como no modelo de Arrow-Debreu) que o indivíduo tenha à sua disposição um conjunto amplo de informações sobre o presente (salários relativos, taxas de ocupação, taxas de desemprego, etc..), os cenários futuros e a flexibilidade ou graus de liberdade que cada escolha lhe proporcionará amanhã. Mesmo deixando de lado externalidades (que podem determinar que os custos/benefícios individuais sejam diferentes dos sociais) ou a pouco crível hipótese da “probabilização” das alternativas nas próximas décadas, não existem elementos que nos permitam concluir que, em cada momento do tempo, as pessoas possuam ou estimem esses parâmetros e, mesmo estando dispostos a pagar por eles, que exista um mercado específico para esses dados.

Logicamente, se poderia arguir que “mercado”, em cada momento do tempo, proporciona livremente (sem custos) parte desses sinais. Os salários relativos podem estar sugerindo que profissões estão sendo mais demandas que outras. As taxas de desemprego podem revelar com que conhecimentos/habilidades/competências é mais fácil encontrar emprego ou, em outros termos, os conhecimentos/habilidades/competências requeridas pelas vagas que são abertas e a quantidade de vagas vis-à-vis a oferta. Mas mesmo na suposição otimista que um indivíduo antes de sua decisão de escolher seu curso esteja de posse dessas informações, dificilmente a mesma configuração vá prevalecer pelos próximos 40/50 anos. Ele teria que ser capaz de prospectar (e, se somos mais sofisticados, “probabilizar” possibilidades).

Nada garante que todo esse conjunto de hipóteses se cumpra. Aliás, realisticamente podemos supor que muito poucas delas prevalecem no dia-a-dia. A tomada de decisões talvez obedeça a outros parâmetros: expectativas e tradição familiar, informações de amigos/colegas, disponibilidade de cursos, gostos, capacidades inatas, valores do entorno social, etc.. Parte desses parâmetros podem ser considerados como fazendo parte do modelo canônico. Os gostos e as habilidades inatas podem reduzir os custos (objetivos e subjetivos) do projeto de investimento em educação. Contudo, em outros casos (ambiente familiar/social, amigos, etc.) a fonte de informações pode não ser robusta ou estar viesada ou simplesmente não existir.

Essas limitações, nos processos individuais que pautam as escolhas de investimento em capital humano, tem custos, tanto privados quanto sociais. Por exemplo, a falta de aderência entre o perfil profissional requerido pelas vagas disponíveis e o contorno das habilidades/competências da oferta de trabalho tem como corolário uma alocação ineficiente da mão-de-obra e/ou sua subutilização (desemprego). Em termos técnicos, essa disfunção (mismatching) é usualmente mesurada através da posição da denominada Curva de Beveridge. Uma conseqüência seria, por exemplo, a sobrequalificação dos empregados, um fenômeno usual nas economias maduras.

Uma situação análoga à que estamos descrevendo pode ser observada no caso das políticas de emprego. O Sistema Público de Emprego proporciona aos beneficiários do seguro-desemprego informações sobre profissões/setores/áreas geográficas nas quais ele tem maiores possibilidades de ser contratado e, nesse sentido, pauta as ações (cursos oferecidos, intermediação, etc.) que tem como alvo cada desocupado. Ou seja, assume-se que os sinais de mercado (salários relativos, diferenciais geográficos nas taxas de desemprego, etc.) demoram ou sua disseminação é imperfeita. Nesse sentido, a intervenção pública ajudaria (“azeitaria”) o matching entre oferta e demanda.

Na educação, diversos passos foram dados nessa direção nas últimas décadas, especialmente a implementação e ampla divulgação de sistemas de avaliação, que proporcionaria informações sobre a qualidade dos cursos. Teoricamente, a qualidade de um curso teria impacto sobre o capital humano dos alunos e, via produtividade, nos salários no transcurso de sua vida profissional. Existem evidências que dão robustez empírica a essa suposta correlação. Ou seja, os alunos teriam informações sobre a qualidade do curso de um estabelecimento, referência que ajudaria na tomada de decisões.

Contudo, ganhos de eficiência macro seriam dilatados e frustrações individuais seriam reduzidas no caso de outros arranjos legais ampliarem o leque de informações públicas de fácil acesso. Por exemplo, os estabelecimentos poderiam divulgar os salários de seus egressos, as taxas de desemprego, as firmas/instituições nos quais foram empregados, etc.. Se o processo educativo é reduzido à dimensão econômica, sendo a educação assumida como investimento com custos e retornos, nada mais próximo a essa perspectiva que os MBA’s, cursos identificados como sendo um trampolim para melhores empregos ou para turbinar a progressão funcional. Geralmente pagos e muito caros, muitas instituições divulgam salários e tipos de ocupação de seus antigos alunos como forma de “vender” seu produto no mercado (ver, por exemplo, aqui, aqui ou aqui).

Essa maior disponibilidade de informações poderia ser crucial na hora da tomada de decisões, redundando em maior eficiência alocativa macro e maiores retornos individuais. Se a educação é definida como um investimento, as escolhas devem estar pautadas pelos usuais critérios que norteiam qualquer investimento e, nesse sentido, a disponibilidade de informações é vital. Nesse contexto, o Estado deveria assegurar esses referenciais, obrigando ou induzindo às instituições a divulgarem dados (salários de seus egressos, firmas ou setores onde foram empregados, tempo para encontrar uma ocupação, etc.) que subsidiem as escolhas. Seria conveniente que a eleição de um curso deixe de ser, exclusivamente, pautada por informações subjetivas de amigos/parentes, tradições, supostas vocações, etc.. Em um ambiente no qual o objetivo em elevar a produtividade parece ter se tornado prioridade absoluta, avanços nesse sentido complementariam outras iniciativas.

Carlos Alberto Ramos é Professor do Departamento de Economia, UnB. Graduação Universidad de Buenos Aires, Mestrado na Universidade de Brasília, Doutorado na Université Paris-Nord.

Aprendizado e tempo na escola

A ampliação do tempo de educação dos alunos é uma solução frequentemente apontada por políticos de diversos países – desenvolvidos ou em desenvolvimento – para a melhoria da qualidade da educação básica. Dentre as cinco maiores economias da América Latina em 2018, Brasil, México, Argentina e Colômbia têm incumbentes ou candidatos a presidente que defendem a necessidade da ampliação da jornada escolar em algum acordo, projeto de lei ou programa eleitoral de governo.[1] Entretanto, os benefícios da ampliação do tempo são incertos (KRAFTS, 2015), o tempo adicional pode ser desperdiçado em coisas irrelevantes para o aprendizado[2], e os alunos podem reduzir o esforço em resposta ao aumento do tempo (LEVIN; TSANG, 1987). Ademais, o custo de ampliação do tempo para o aprendizado pode ser muito alto, chegando a 70% adicionais (DECICCA, 2007).

Há diversas formas de aumentar o tempo do aluno engajado no aprendizado, e a ampliação da jornada escolar de meio período para período integral é a política mais estudada nesse sentido. Decicca (2007) e Robin et al (2006) observam efeitos positivos da jornada em tempo integral já na primeira infância. Em coortes mais velhas de alunos, com idade para cursar o Ensino Fundamental, também são observados ganhos de desempenho devido ao ensino integral, maiores para meninas, alunos de baixo status socioeconômico e em escolas menos socialmente heterogêneas (LAVY, 2012). Mas estes efeitos parecem menos expressivos do que na primeira infância, com resultados às vezes não significativos (MEYER; VANKLAVEREN, 2013), ou significativos somente para matemática (DOBBIE; FRYER, 2012). Por fim, em coortes com idade para cursar o Ensino Médio os efeitos são, em geral, positivos (PIRES; URZUA, 2015, LAVY, 2015, BELLEI, 2009), mais fortes entre imigrantes, pobres, mulheres e em países com mais accountability e menores entre os países em desenvolvimento (LAVY, 2015). Há, ainda, evidências de resultados mais fortes entre alunos de escolas rurais, que frequentavam escolas públicas e com melhores desempenhos (BELLEI, 2009, BATISTIN; MERONI, 2016).

Programas de reforço escolar fora do horário regular de aula constituem formas alternativas de ampliar o tempo de instrução. Nesses programas são realizadas sessões de lição de casa, atividades acadêmicas, recreação e enriquecimento com artes plásticas e cênicas. Os programas podem ser realizados pela própria escola, por bibliotecas, igrejas, museus e centros de recreação, após a aula ou durante o verão. Tais programas são bastante diferentes entre si, o que justifica as evidências mistas. Programas de educação suplementar oferecidos em centros comunitários apresentam tanto resultados positivos (ZIMMER ET AL, 2010), quanto não significativos, e até alguma piora comportamental (JAMES-BURDUMY ET AL, 2005). Já programas de reforço com educação tutorial apresentam mais resultados positivos (ZIMMER ET AL, 2010, BANERJEE ET AL, 2007, KRAFTS, 2015). Cursos de verão também parecem ter um efeito positivo sobre o desempenho de matemática e leitura na educação básica (MATSUDAIRA, 2007), e podem ter efeitos inclusive de redução de abandono e conclusão de créditos no ensino superior (DEPAOLA; SCOPPA, 2014).

Em países que já implantaram a educação integral, o número de dias letivos costuma ser apontado como uma alternativa para melhorar a educação. No entanto, há uma grande variação na duração do ano letivo entre países e até mesmo entre distritos escolares de um país, sem que isso implique necessariamente em diferenças no desempenho dos alunos (LAVY, 2015). Vários estudos verificam a relação entre a duração do ano letivo e o sucesso escolar medido em termos de queda na reprovação e abandono ao fim do ensino fundamental (PISCHKE, 2007), aumento do desempenho do aluno (FITZPATRICK ET AL, 2011)[3], aumento da escolaridade, aumento da empregabilidade no setor formal e aumento dos salários (PARINDURI, 2014)[4].

Aumentar o tempo de escolaridade obrigatória por meio de leis que instituem obrigatoriedade do ensino já na primeira infância, e a extensão da idade limite além do início da adolescência, também pode contribuir para reduzir o abandono e aumentar a escolaridade, especialmente para crianças jovens de background mais vulnerável (Angrist; Krueger, 1991, Oreopoulos, 2006).

Por fim, a efetividade do tempo na escola não diz respeito somente à quantidade, mas ao uso do tempo ao longo do dia e à alocação do conteúdo no tempo. Carrel et al (2011) verificam uma relação entre o ritmo circadiano e o desempenho dos alunos. Segundo o autor, além de necessitarem mais horas de sono do que os adultos, os jovens tendem a ficar menos despertos ao longo do dia devido ao atraso natural na produção de melatonina e ao sono interrompido precocemente para ir a escola. Por outro lado, Pope (2016) avalia o efeito do horário das aulas de matemática e leitura sobre o desempenho dos alunos. O autor encontra resultados que indicam que estudantes aprendem mais pela manhã. Pires & Urzua (2015) também encontram evidências de que o horário do dia que os alunos estudam é mais importante que o montante de aulas.

Experiência no Brasil

No Brasil tivemos uma experiência recente de ampliação do tempo dos alunos na escola. O Programa Mais Educação (PME) se iniciou em 2008 e buscava ampliar o tempo de aprendizado oferecendo atividades pedagógicas fora do turno regular do aluno, de modo que os alunos participantes ficassem, no mínimo, sete horas por dia na escola. O custo do programa chegou a seu maior valor em 2013, quando alcançou 1,5 bilhões de reais em valores atuais. O programa definia uma série de atividades com materiais e ementas padronizadas a serem usadas nas escolas, mas apresentava grande flexibilidade na formatação final, pois dentre as diversas atividades oferecidas, cada escola podia escolher a combinação que melhor se adequasse à sua realidade. As escolas podiam optar por quatro áreas para trabalhar com os alunos dentre onze áreas existentes. A área denominada acompanhamento pedagógico era obrigatória e contemplava aulas em matemática, línguas, ciências, história, geografia e língua estrangeira. Ao menos uma destas atividades devia ser abordada no tempo destinado a acompanhamento pedagógico. A escola podia escolher dedicar todo o seu tempo para o acompanhamento (em várias disciplinas, ou em uma disciplina específica), ou dedicar apenas o tempo mínimo, e o restante a outras atividades como esporte, música, etc.[5]

Um dia típico do Programa Mais Educação para estudantes do turno da manhã começava com o turno regular de ensino, por volta de 7:30. As aulas do turno regular costumam durar 50 minutos, e normalmente há um intervalo por volta de 9:30 para lanches e recreação. Ao final do período matutino, por volta de 12:00, os alunos participantes do PME almoçavam na escola antes do início das atividades do contra-turno, por volta de 13:00. A atividade de acompanhamento pedagógico tinha obrigatoriedade diária, e duração mínima de uma hora a uma hora e meia. Eram realizados intervalos de recreação e outras atividades como esporte, música, danças, etc. O encerramento das atividades se dava, no mínimo, a partir das 15:00– dependendo do número de atividades que a escola decidiu desenvolver.[6]

As turmas do PME eram compostas por no mínimo 20 e no máximo 30 alunos. Os alunos eram recepcionados na sala de aula pelo monitor responsável pela atividade. Esse monitor podia ser um estudante universitário, um estudante de magistério ou um voluntário qualificado. Estes recebiam uma ajuda de custo de até R$300/mês nas escolas públicas urbanas ou até R$600/mês nas escolas públicas rurais (MEC, 2016, p. 12). Os kits padronizados usados durante as aulas, as refeições e as bolsas de monitoria eram custeadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Almeida et al (2015) e Oliveira & Terra (2018) realizaram avaliações do PME. Os últimos exploraram um experimento natural que em 2012 estabelecia como prioritárias as escolas com mais de 50% dos alunos no Programa Bolsa Família. Ambos os estudos avaliaram os efeitos do PME sobre diversos indicadores educacionais, como Ideb, desempenho na Prova Brasil em Leitura e Matemática, abandono e reprovação. Resende et al (2018) avaliou o efeito do programa sobre a oferta de trabalho infantil e sobre a oferta de trabalho dos pais. Em geral, o programa parece não ter surtido efeito sobre nenhum dos indicadores. Assim, propostas de candidatos de universalizar o ensino integral podem até ser prejudiciais, uma vez que o impacto orçamentário seria imenso (cerca de 4% do PIB) para os benefícios esperados.

Por que o Mais Educação não apresenta resultados?

Uma explicação plausível para o programa não ter dado resultado foi o formato adotado, que dava muita liberdade para a escola escolher quais atividades desenvolver dentre uma gama muito grande de opções. Essa política pressupõe que as escolas tenham perfeito conhecimento de quais são suas principais deficiências e das melhores estratégias para superá-las, o que é claramente incorreto, pois se fosse verdade a qualidade da educação seria melhor. Como o formato do programa era muito aberto, dando muita autonomia às escolas, estas podem ter simplesmente reproduzido no contra-turno as metodologias que já não davam certo antes.

Outra crítica se refere à qualificação dos monitores responsáveis pelas atividades do programa no contra-turno escolar. O programa prevê remuneração simbólica, para custear somente transporte e alimentação. Desse modo, não consegue atrair profissionais qualificados, mas somente aqueles em início de carreira ou que se dispõem a serem voluntários em áreas de acompanhamento pedagógico distintas daquelas que os alunos mais precisam.

O caráter voluntário da participação dos alunos no contra-turno também pode explicar a falta de resultados do programa. Não há um controle sobre o perfil socioeconômico dos alunos participantes, mas é possível que o público que potencialmente mais se beneficiaria do programa tenha ficado de fora do programa.

O governo federal reconheceu problemas com o programa e em 2016 reformulou o programa sob o nome de Novo Mais Educação. Nesse novo formato, Português e Matemática passaram a ter uma carga horária mínima, o que não ocorria no formato antigo. Mas os monitores ainda são contratados da mesma forma.

Os critérios de escolas prioritárias do Novo Mais Educação também mudaram. Com isso, estudos quase-experimentais como em Oliveira & Terra (2018) e Resende et al (2018) não podem mais ser realizados para o programa atual a fim de verificar se as mudanças realizadas surtiram efeitos.

Infelizmente, a criação e as reformulações dos programas no Brasil não levam em conta a necessidade de avaliação. É um problema recorrente. O novo governo faria muito bem às finanças públicas se buscasse incorporar desenhos experimentais ou quase-experimentais para avaliar os programas implementados. Deveria iniciar programas em pequena escala para não colocar muitos recursos públicos em uma aposta arriscada, e ampliar o programa somente quando ficasse comprovada a eficácia do mesmo. Esse seria um grande avanço na gestão dos recursos públicos.

Rafael Terra é professor do Departamento de Economia da UnB. É Doutor em Economia pela EESP-FGV. Desenvolve trabalhos em economia da educação, avaliação de políticas públicas e economia do setor público.

 

Luis Felipe B. Oliveira é técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA. É Doutor em Economia pela UnB. Realiza estudos sobre educação, políticas públicas, desigualdade e pobreza.


Referências Bibliográficas

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Oreopoulos, P. (2006) Estimating Average and Local Average Treatment Effects ofEducation when Compulsory Schooling Laws Really Matter. American Economic Review. Vol. 96, No. 1, pp.152-175.

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Pires, T.; Urzua, S. (2015) Longer School Days, Better Outcomes? working paper.

Pischke, J. (2007). The impact of length of the school year on student performance and earnings: evidence from the german short school years. The Economic Journal. Vol. 117, October, pp. 1216-1242.

Pope, N. (2016).How the time of day affects productivity: evidence from school schedules. The Review of Economics and Statistics. Vol. 98, No. 1, pp. 1-12.

Resende, C; Zoghbi, A.; Terra, R; Oliveira, L.F. (2018) Educação integral e indicadores sociais: uma avaliação de impacto do programa mais educação no trabalho infantil e no desemprego das mães. 46º Encontro Nacional de Economia.

Robin, K; Frede, E.; Barnett, W. (2015) et al Is More Better? The Effects of Full-Day vs. Half-Day Preschool on Early School Achievement. NIERR working paper.

Zimmer, R.; Hamilton, L.; Christina, R. (2010) After-school tutoring in the context of no Child Left Behind: Effectiveness of two programs in the Pittsburgh Public Schools. Economics of Education Review. Vol. 29, No.18-28, pp. 18-28.

  1. Informação para a Colômbia recuperada do programa de governo de Ivan Duque Márquez. Informação para o Brasil recuperada na portaria do Ministério da Educação n. 1.144 de 2016 e nos programas de governo dos candidatos a eleição de 2018. Informação sobre o México recuperada do Diário Oficial de la Federación de 26 de fevereiro de 2013. Informação para Argentina recuperada da Declaración de Purmamarca de 12 de fevereiro de 2016.
  2. Por exemplo, em uma amostra de 36 turmas distribuídas em 18 escolas, pesquisadores fizeram pesquisa in loco para saber como era usado o tempo na sala de aula. Os pesquisadores concluíram que após descontar interrupções por indisciplina, faltas de alunos e professores, organização da turma, e tentativas de fazer os alunos prestarem atenção, o total de horas em aula era de apenas duas horas – de cinco horas oficiais (IBOPE, 2011).
  3. Hansen (2008), Marcotte & Helmet (2008), Sims (2008) e Fitzpatrick, et al (2011) usam variações exógenas na data de exame ou fechamento das escolas por condições climáticas ruins sobre o tempo de escola em também encontram ganhos de performance por dias adicionais de escola.
  4. Pischke (2007), por sua vez, não encontra efeitos sobre salários ou empregabilidade, corroborando os resultados observacionais de (CARD; KRUEGER, 1992, HECKMAN ET AL, 1996).
  5. Ver manual do PME publicado por MEC (2012).
  6. Para alunos do turno vespertino, as atividades costumam se iniciar até as 10:00 am, dependendo da escola.

 

Desafio da atenção-foco (Tendências que moldarão o ensino superior em 2025)

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025”]

12/06/2025, 19:10 hs – O professor Herbert Simon está atrasado para o comício de um dos candidatos a presidente na Brasiléia. Ele como professor da disciplina de Análise do Discurso Político, está correndo pois não quer dar um mal exemplo aos alunos da disciplina. Na programação da disciplina para essa noite, o professor e a turma iriam se encontrar no local do comício por volta das 19:15 hs, para poderem assisti-lo juntos e após o pronunciamento do candidato, previsto para finalizar-se por volta das 20:30 hs, retornariam para a sala de aula (ou melhor para um espaço reservado para os trabalhos e discussões que irão desenvolver, já que agora “a sala de aula” é qualquer espaço dentro ou fora da universidade, físico ou virtual; mas nesse dia específico, o espaço integrava a estrutura física da universidade), que teria como foco a aplicação das técnicas de análise do discurso que permeiam a espinha dorsal do conteúdo dessa disciplina. Divididos anteriormente em grupos de trabalho, uma parte dos alunos filma o pronunciamento com seus celulares, enquanto uma outra parte faz anotações (também nos seus celulares) sobre pontos de destaque que serão melhor trabalhados em “sala de aula”; outro grupo ainda (sim, grupo, já que praticamente todas as atividades são desenvolvidas em grupos), faz rápidas interações com alguns dos presentes no comício, gravando e filmando algumas declarações.
Em 2025, com o objetivo de manter o foco e atenção dos aprendizes (aprendiz, porque continuarão o processo de aprendizagem pelo resto da vida), as instituições de ensino superior estão focadas em disponibilizar condições para a reflexão e análise crítica da sociedade à qual seus aprendizes (os chamados centennials, todos nativos digitais e com características predominantemente imediatistas, ansiosos e sempre interagindo com múltiplas tarefas e plataformas), fazem parte.
A construção do aprendizado se dá a partir de sua construção individual por cada um dos aprendizes, já que o papel do professor, como facilitador, não é o de discorrer sobre uma profunda explicação sobre tudo o que envolve aquele assunto, mas sim o de estimulá-los a desenvolver suas capacidades mentais. Isso foi aprendido ao longo dos anos a partir de percepções, análises e pesquisas profundas de especialistas em educação, que foram taxativos em afirmar que o aprendizado só pode ser realizado pelo sujeito que aprende; que assim adquirem, nesse processo, a capacidade de aprenderem por conta própria.
Nos espaços de aprendizagem na universidade, quase não se encontra papeis disponíveis, mesmo porque faz algum tempo, eles foram quase totalmente abolidos, os aprendizes já não realizam tarefas, exercícios e outros trabalhos escrevendo em papel. Assim como questões como gravar em suas mentes fatos históricos antigos ou gravar fórmulas para provas (provas?), ficaram para trás, já que têm à sua disposição, um acervo quase infinito de informações disponíveis, atualizadas e de qualidade, que acessam através de um “click” (todos os livros e outras fontes de consulta de que necessitam estão no formato virtual).
O espaço físico / temporal no contexto da interação entre o aluno e o professor também está diferente, pois a tecnologia mudou essa relação e agora o aprendiz não irá mais precisar esperar até a aula para tirar suas dúvidas sobre a disciplina, agendas, etc.; podendo buscar de maneira simplificada as respostas nos suportes digitais disponíveis pela universidade ou simplesmente enviando uma mensagem aos professores ou colegas via redes sociais ou aplicativos de mensagens em celulares.
Segundo pontuado por Davenport (2001, p. 25), “atenção é o envolvimento mental concentrado com determinado item de informação. Os itens entram em nosso campo de percepção, atentamos para um deles e, então decidimos quanto à ação pertinente”.
Ou seja, em 2025, a questão do atenção-foco, será uma prioridade e a problemática que a envolve hoje em grande parte estará resolvida por ambientes, metodologias, interações e tecnologias, como algumas das que foram descritas no contexto desse artigo.
O desafio da atenção-foco, é a oitava tendência, dentre dez identificadas no trabalho de cenários “Tendências que moldarão o ensino superior em 2025”, conduzido pelo time de consultores da Nous SenseMaking.

Brenner Lopes é Mestre em Administração com ênfase em Inteligência Competitiva e é sócio na Consultoria Nous SenseMaking.
João Lopes é consultor da Nous SenseMaking e professor, com graduação em Administração de Empresas e pós-graduação em Engenharia da Produção e Gerenciamento de Projetos.
Davenport, Thomas; Beck, John C. A economia da atenção. RJ: Campus, 2001.

Nessa Terra de Gigantes

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025”]

“Base sólida para a construção de uma sociedade mais consciente e igualitária, a educação, entretanto, possui muitos desafios em nosso país, desde o ensino básico até o superior. Um dos principais fatores que motiva o interesse dos investidores é o baixo número de adultos brasileiros que chegaram ao ensino superior: 14%”. A média dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 35%, segundo a publicação Education at a Glance 2016, da OCDE, que comparou dados de mais de 40 países, incluindo o Brasil.

No Brasil, a educação é e continuará sendo um investimento certeiro – e de baixo risco. Poucos setores da economia atravessaram a recente crise brasileira com tanta desenvoltura quanto o de ensino privado. No caminho inverso da grande maioria das empresas, as escolas particulares, tanto as de ensino básico como as de nível universitário, fizeram investimentos, intensificaram processos de consolidação e alçaram a indústria acadêmica ao topo do ranking dos mercados mais promissores e rentáveis do país, já que a mesma educação que transforma e constrói uma sociedade melhor também pode, do ponto de vista financeiro e empresarial, gerar grandes lucros a seus investidores.

Desde que o MEC publicou a portaria que acelera e flexibiliza a implementação de cursos superiores na modalidade EAD, sem o credenciamento para cursos presenciais, as instituições de ensino vislumbraram a oportunidade para expandir seus negócios para outras regiões. Nessa onda, grandes investidores passaram a aportar recursos financeiros e a se consolidarem por meio de fusões e aquisições.

Por trás deste imenso movimento estão nomes como Jorge Paulo Lemann, fundador da Escola Eleva, no bairro de Botafogo/RJ, que aportou R$ 100 milhões e ainda criou um fundo com R$ 1 bilhão para investir no setor educacional. Além de Lemann, outros investimentos têm sido capitaneados, como é o caso da Kroton e da Avenues, rede global de educação básica, fundada em New York em 2012 e que se instalará no Brasil a partir do segundo semestre de 2018.

Com o avanço da entrada de grupos internacionais no mercado brasileiro, o setor educacional passou a ser dominado e regulamentado por poucos: grandes corporações controlam a oferta de cursos presenciais e EAD no país. Com forte presença nas principais regiões brasileiras, esses grupos iniciaram o processo de expansão de suas bandeiras, “marcas”, através do ensino superior e flertam na aquisição de empresas do segmento do ensino médio.

Para alguns especialistas no assunto, esse intenso movimento de investimentos no mercado educacional levanta inúmeras discussões e dúvidas, principalmente quando o centro das questões está relacionado à qualidade do ensino x geração de lucro.

Investimento privado impulsiona o setor educacional

O crescimento do mercado de ensino privado cria oportunidades também para bancos e financeiras. Com um rigor maior do Ministério da Educação e da Caixa Econômica Federal para a liberação do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), instituições privadas de crédito se tornaram alternativas aos estudantes que não podem pagar as mensalidades da faculdade.

No campo privado, o crédito universitário é oferecido principalmente por quatro instituições: Bradesco, Ideal Invest (gestora do programa Pravaler Crédito Universitário, que tem o Itaú como sócio minoritário), Fundaplub, instituição que gere linhas de financiamento oferecidas pelas próprias universidades, e o Santander, que não oferece financiamento para a graduação, mas empresta para o pagamento de cursos de pós-graduação e MBAs.

Novo posicionamento em 2025

O ano de 2025 estará marcado pela consolidação do mercado educacional no País. Como dizem os Engenheiros do Hawaii, “Nessa terra de gigantes, que trocam vidas por diamantes, a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”.

Iniciativas apoiadas em tecnologia, principalmente com o uso de potentes Data Analytics e IA (Inteligência Artificial), permitiram a oferta de produtos e serviços sob medida, reformularam os processos e, com métodos disruptivos, as IES desenvolveram novas alternativas educacionais que lhes possibilitaram se posicionar no mercado de forma a gerar valor para seus clientes – os estudantes.

Receberam, ainda, atenção e investimentos das gigantes companhias de TI’s e, sobretudo, com o desenvolvimento e investimento em seus centros de pesquisas, produziram inúmeras startups ligadas ao segmento agindo como fomentador e investidor destes projetos. Essa iniciativa permitiu que as receitas provenientes de matrículas e mensalidades representassem cerca de 40% e os demais serviços propostos alcançassem 60% do faturamento, transformando as instituições de ensino em um hub de negócios.

Outro aspecto que provocou fortes impactos no setor educacional foi a expansão destes grupos privados na América Latina. Também percebemos que algumas instituições de ensino se fortaleceram neste período através de um posicionamento de nicho mercadológico, apostando suas estratégias em um modelo de ensino altamente profissionalizante e com parcerias internacionais e programas de intercâmbio com instituições de renome. Algumas instituições de ensino já perceberam no mercado brasileiro uma grande oportunidade e passaram então a investir fortemente no país.

 

Site da Nous: https://noussm.com/

Novas Habilidades, Novos Desafios

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025”]

Durante a Revolução Industrial e meados do século XX, trabalhar de maneira repetitiva e mecânica era algo considerado comum, um sinônimo de padronização. O que as máquinas não faziam repetidamente os trabalhadores faziam à exaustão.

Ford aprimorou a repetição com sua linha de produção, buscando a máxima performance por meio da recorrência e especialização, modelo de gestão conhecido como Fordismo, que elevou o patamar de produção industrial e revolucionou os sistemas de gestão. Cruzando esses conhecimentos com outras teorias da administração, gestores adaptavam conceitos para vários tipos de empresas.

As habilidades técnicas (hard skills), em um cenário de repetição e processos controlados, são as mais desejadas. Porém em um mundo cada vez mais dinâmico, e em especial, em um mundo onde o que é repetitivo está sendo automatizado, surgem novas demandas por habilidades sociais (soft skills).

E todo esse contexto tem impactado também a educação. A questão é que todo sistema educacional se especializou em ensinar habilidades técnicas, negligenciando muitas vezes habilidades sociais. Essas últimas são buscadas muitas vezes apenas por pessoas em cargo de gestão, por meio de MBAs, sinal claro que a base educacional não está preparada para formar profissionais para o futuro que chegou.

Habilidades do futuro

Em 2025, competir contra máquinas não será fácil. Por esse motivo, os centros de ensino superior já investem em metodologias que focam também em desenvolvimento humano, no desenvolvimento de competências que serão necessárias para esse novo mercado.

Segundo o World Economic Forum, algumas das novas habilidades desejadas são pensamento crítico, criatividade, comunicação, colaboração, curiosidade, iniciativa, persistência, adaptabilidade, liderança e conhecimento social e cultural. Essas habilidades são dificilmente transferíveis para máquinas ou algoritmos.

Habilidades musicais e artísticas também deverão estar em alta, por serem essencialmente humanas, e contarão como diferenciais em processos seletivos (algo que já vem acontecendo). As empresas provavelmente não buscarão pintores ou músicos para suas empresas, mas sim cérebros que transitem em diferentes universos e que consigam trazer novas visões para as companhias.

Centro educacional e as empresas

A aproximação dos centros educacionais com as empresas será natural, devido ao modelo educacional por projetos, que será uma prática comum em 2025. Ao se ensinar dessa forma, é requerido do aluno a aplicação das habilidades citadas anteriormente.

Deverá ser mais comum o nascimento de empresas dentro de escolas, fruto do estímulo ao empreendedorismo e projetos de conclusão de curso voltados para o lançamento de empresas no mercado. Com a qualidade da educação mundial alcançando novos patamares, será uma das responsabilidades sociais dos centros educacionais criar novas tecnologias e empresas para tornar o Brasil competitivo globalmente.

Já é possível ver grandes movimentos surgirem nesse sentido, com hackathons multidisciplinares acontecendo em centros universitários em todo país. Esse é o início de uma prática que se tornará cada vez mais comum e até mesmo indispensável para o desenvolvimento técnico e humano dos profissionais em formação.

Cada vez mais, o brasileiro educado deverá ver oportunidades na iniciativa privada, devido ao número de empresas de sucesso que surgem de iniciativas estudantis. O mercado em constante mutação é também um ambiente propício para a fundação de novas empresas, que aproveitam a morte de antigos modelos de negócios e o nascimento de novos.

Educação customizada e seus impactos

Com a Inteligência Artificial aplicada à educação, muitos alunos conseguirão transpor as barreiras das limitações criadas pelo atual modelo de ensino. Por meio de um ensino customizado para cada indivíduo (associado a um ensino híbrido), a perseverança deverá ser, cada vez mais, fator decisivo no sucesso acadêmico e profissional.

Teremos, a partir disso, pessoas de diferentes perfis de aprendizado competindo em nível de igualdade. A antiga divisão entre as áreas humanas e exatas serão amenizadas por esse modelo de ensino, entregando ao mercado profissionais com bagagens mais abrangentes e complementares.

Não será exclusividade de um estudante de engenharia ou ciência da computação conseguir analisar grandes massas de dados. Em 2025 todas as profissões estarão inundadas com quantidades massivas de dados. A capacidade de manipular e interpretá-los  precisará ser desenvolvida em profissionais de qualquer área de atuação.

Além disso, o aprendizado contínuo, facilitado por grandes plataformas de ensino online, tornará o profissional um ser em constante estudo. A vida estudantil não acabará na graduação ou pós-graduação, mas perpetuará por toda a vida profissional daquele que desejar se manter atrativo às empresas.

A grande questão do aprendizado para 2025 não é se seremos substituídos pelas máquinas e Inteligência Artificial, mas sim se teremos as competências necessárias para operar essas ferramentas e atuar em conjunto com elas.

Ensino baseado em projetos

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

10/05/2025 – Pierre, que tem 23 anos, é aluno de uma universidade particular e está chegando logo cedo para suas aulas. Ao passar pelo portão de entrada principal, um aplicativo instalado em seu celular já indica e dispara a informação de que ele está nas dependências da escola. Ele vê alguns colegas com quem se junta e vão rumo à sala de aula conversando animadamente. Ao adentrar a sala, por algum motivo, naquele dia específico, ele repara o quanto é agradável e estimulante aquele espaço. Mesas redondas com cadeiras confortáveis, acesso à internet, onde ele pode acessar diversos conteúdos facilmente e uma sala inteira onde ele, seus colegas e os professores podem utilizar as paredes para escreverem (ele ouviu falar que há alguns anos atrás nas universidades eram utilizados equipamentos que tinham o nome de “lousa”, “quadro”), dentre outros elementos estimulantes, incluindo alguns equipamentos e objetos que pareciam dar à sala de aula um ambiente de laboratório, misturado com sala de jogos.

Ele é recebido por três professores, o de genética, o de estatística e o de química, que estão acompanhando a turma no entendimento, desenvolvimento e resolução de um problema colocado por eles. Ele está feliz por ter chegado aquela hora, pois desde a noite anterior ele vinha pensando em algumas questões específicas do projeto que estão desenvolvendo (em sala e logicamente fora dela também, já que estão sempre conectados) e para os quais havia tentado buscar mais informações para ajudar o seu grupo a evoluir na solução do problema.

Em 2025, o cerne do processo de aprendizagem estará centrado no estudante e pelo menos a maior parte das universidades mais relevantes já terão construído um ambiente de sala de aula que lembre, de alguma forma, o ambiente hipotético descrito anteriormente. Apesar de essa centralidade no aluno parecer um caminho óbvio e já envelhecido, ela é, na verdade, mais complexo do que parece.

A aprendizagem baseada em projetos (do inglês project-based learning) ou problemas (problem-based learning), que coloca o aluno no centro do “palco”, é uma abordagem que tem sido discutida há pelo menos três décadas, tendo sua discussão e aplicação se intensificado nos últimos anos. Porém, essa abordagem tende a ser aplicada de maneira isolada, por alguns poucos professores e escolas, quando poderia ser vista como base de uma reestruturação mais profunda e geral no modelo de ensino.

A visão proposta por Venturelli (1997), quando construiu seu quadro comparativo entre as estratégias educacionais de metodologia centrada no professor versus uma estratégia educacional inovadora, centrada nos estudantes, conforme explicitado no quadro abaixo, ainda será uma realidade.

INOVADOR TRADICIONAL
Avaliação formativa contínua Avaliação formativa fora de contexto
Centrada em estudantes ativos e com objetivos definidos Centrada nos docentes
Uso de recursos educacionais múltiplos e relevantes Uso de exposição repetitivas

 

Considera qualidades pessoais e estilos; promove destreza educacional Não há espaço para o indivíduo. Entrega passiva de informações
Autoaprendizagem. Auto analítica criativa. Uso de alternativas Programas estabelecidos. Usa oportunidades existentes. Não aceita programas alternativos
Crítica, baseada em problemas relevantes, promove raciocínio Não crítica, baseada no uso da memória

Fonte: Venturelli (1997)

Quando esse grupo de escolas tiver concluído a migração de uma abordagem tradicional para uma abordagem inovadora, terá havido também uma profunda alteração do papel exercido pelo professor. Estes terão que pensar em soluções conjuntas para o suporte a processos de aprendizado e não mais apenas dentro da lógica e dimensão de uma única “disciplina”; e habilidades como mediação, facilitação, articulação e pesquisa serão as que deverão prevalecer.

Pensando nas abordagens e metodologias, teremos uma massificação daquelas que já são utilizadas hoje, como o flipped classroom (sala de aula invertida), gameficação (game-based learning), peer instruction (avaliação por pares), aprendizagem aumentada (combinando recursos 3D e elementos virtuais com o ambiente real) etc.

Iniciativa do Bank of America Merrill Lynch é um exemplo recente de demonstração de poder dessas novas abordagens e metodologias. A iniciativa, baseada num projeto-piloto começado em 2017 com noventa escolas públicas de municípios na região metropolitana de Fortaleza, utiliza jogos como apoio às estratégias de educação financeira para crianças de 10 a 14 anos. Por conta do maior engajamento dos alunos, foi possível constatar consideráveis melhorias no índice de educação financeira desses estudantes.

Um outro exemplo de sucesso recente das abordagens de ensino baseado em projetos é a proliferação de programas de MBA de renomadas escolas de negócios, que se utilizam fortemente de estudos de casos.  Por meio deles, os alunos aprendem fazendo e são instigados a encontrar soluções para problemas de negócios reais, o que exige análise profunda, pesquisa e multidisciplinaridade para proposição das soluções.

2025: Novos Mestres

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

Ainda em 2025, professores como Claudio Faria, da escola de medicina de uma faculdade particular, continuarão necessários dentro de salas de aula. Também fora, como referências de conhecimento para o suporte ao crescimento exponencial do poder do ensino a distância. Tão essenciais como os alunos, que ainda frequentarão escolas com o objetivo de alcançar a formação universitária que, pelo menos em tese, abrirá novas oportunidades de trabalho.

Mesmo com a proliferação em larga escala de cursos a distância, os professores não serão, pelo menos ainda, membros de uma das categorias em extinção em ambientes físicos. Inclusive, porque alguém de carne e osso vai receber os estudantes nas salas de aula.

As boas vindas diárias às salas de aula não serão dadas por robôs impessoais, muito menos por totens onde o aluno se identifica com a digital ou com reconhecimento facial. Estudantes ainda irão às faculdades e terão os responsáveis humanos para cada atividade do currículo. O que muda de verdade, na próxima década, é o conforto existencial dos mestres. No século anterior, eles praticamente não sentiram mudanças na relação com os estudantes.

Em 2018, o professor Claudio Faria, por exemplo, dava aulas para os seus 40 alunos de anatomia praticamente da mesma forma como fazia quando começou a lecionar no final dos anos 1990: As mesmas anotações, o mesmo Power Point, as mesmas observações. Até os cadáveres utilizados em atividades práticas eram identificados por apelidos durante anos seguidos.

Transformações exponenciais

As mudanças na relação entre alunos e professores começam a fazer efeito, de verdade, a partir do ano 2020, com o salto da velocidade da internet e com o amadurecimento geral das tecnologias. Agora, sim, a internet em todas as coisas mostra a sua verdadeira face, onipresente, absoluta. Vídeos são o padrão de comunicação. Telas estão em todos os lugares. Muitas das pessoas nem terão mais smartphones.

Um estudo do Pew Research Center e da Universidade de Elon, dos Estados Unidos, sintetiza o que terá acontecido. Assim como o acesso à Internet discada viabilizou o uso do e-mail e a navegação na web como padrão dos anos 1990 e a Internet de banda larga estimulou downloads de música, transmissão de vídeo e redes sociais, a Internet com velocidade gigabit estimulará um novo conjunto de tecnologias e serviços.

No cenário de transformação exponencial, o professor é obrigado a sair da zona de conforto para aprender a lidar com tecnologias como inteligência artificial, realidades virtual, aumentada e mista, sistemas de análise de dados, big data, assistentes virtuais e comunicação a distância com tradução online, entre outros. Mesmo em cursos como filosofia e história é impossível imaginar que a transmissão de conhecimento será da mesma forma dos nossos pais, avós e bisavós.

O que diferenciará o bom do mau professor não será, necessariamente, o domínio do conhecimento, mas a capacidade de explorar o poder tecnológico para ampliar o acesso dos alunos às informações. Portanto, o poder de uso da tecnologia faz a diferença. Mesmo que as aulas de anatomia ainda venham a precisar recorrer a cadáveres (o que é provável), o professor terá, à sua disposição, o apoio da realidade virtual e da realidade aumentada como suporte. Esqueça o que já existe hoje de virtualidade, no futuro, o aluno terá a sensação exata de estar diante de um corpo com seus bilhões de detalhes.

Ao contrário do que ainda é comum nos dias de hoje, o professor não é “aquele que fala”, como detentor absoluto do conhecimento. Professor é quem, detendo um saber, direciona estudantes para um roteiro de estudos. Por onde começar, para onde seguir. O que é prioridade ou não. Cada aula representa uma oportunidade de integração entre o aluno e a informação que se pretende alcançar.

Sob um viés conceitual, o educador passa a ocupar uma posição no centro da relação. Esqueça a sua memória de um mestre na lateral da sala, pouco vulnerável ao poder dos alunos. Em um futuro no qual serão cada vez mais comuns as aulas virtuais, o mestre terá a função de um intermediário entre o conhecimento, a tecnologia e o aluno.

Desafios do aprendizado

Estudantes, assim como os trabalhadores, estarão sendo desafiados em todos os momentos. O modelo de aula expositiva é substituído, então, pela estratégia de ensino por tarefas. A multiplicidade de informações disponíveis é tão relevante quanto a possibilidade de encaminhar estudos personalizados.

No caso do nosso professor de anatomia, Cláudio, ao invés de simplesmente apresentar um pedaço do crânio, pode desafiar a turma ou um aluno específico a encontrar na rede as últimas referências sobre o tema. E propor a criação de uma apresentação que, para os padrões atuais, certamente parecerá uma produção de cinema.

2025: o ano do ensino massivo, online e aberto

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

Sebastian Thrun estava certo, apesar dos escorregadas de previsão acumuladas pelo caminho. Em 2015, o co-fundador da Udacity disse que, em 2025, a formação baseada em Cursos Massivos Abertos e Online (MOOCs, em inglês) estaria não apenas consolidada, seria um padrão global, capaz de deixar para trás, finalmente, a atual estrutura, criada nos séculos passados.

A Udacity é fruto de um experimento na Universidade de Stanford, onde os fundadores Sebastian Thrun e Peter Norvig lecionavam e queriam fazer um curso aberto para o mundo. Inicialmente, eles criaram a plataforma para oferecer um curso aberto e gratuito de “Introdução à Inteligência Artificial”. Após o estrondoso sucesso, com mais de 160 mil alunos inscritos em 190 países, a  plataforma começou a operar comercialmente em 2011. Atualmente, conta com centenas de cursos criados em parceria com empresas como Amazon e Facebook.

Em 2025, de uma forma geral, os cursos de formação profissional, inclusive os universitários tradicionais, deverão ter perdido espaço e sentido com o amadurecimento das tecnologias e com a transformação dos modelos de ensino. O ensino será mais online porque a internet terá altíssima velocidade. Ele deverá ser também mais aberto, como consequência das mudanças e eliminação dos entraves vinculados às atuais normas e regras de ensino. Os MOOCs deverão ser, também, fenômenos de massa, pois as tecnologias possibilitarão a formação de turmas globais.

Entre erros e acertos

O criador do Udacity foi ousado. Além de dizer que os seus “diplomas” seriam um padrão, ele também previu que, por volta de 2065, haveria apenas uma dezena de instituições educacionais no mundo fornecendo educação superior, e que a Udacity seria uma delas. Porém, até aqui, o caminho para essa dominação não parece tão simples como de início, quando o mercado era dominado por Udacity, Coursera e edX, as três pioneiras no segmento MOOC.

Em 2012, talvez empolgado pelo crescimento acelerado do segmento, o New York Times chegou a declarar 2012 como o ano do MOOC. Foi o ano em que as três empresas pioneiras criaram uma onda e prometeram um tsunami positivo.

Dois anos depois, em 2014, o próprio Sebastian Thrun voltou atrás em suas convicções absolutas. Ele disse, então, que “o MOOC básico é ótimo para os 5% melhores estudantes, mas não é ideal para os 95% restantes “. Como resultado, o  Udacity mudou suas prioridades de curto prazo e implantou estratégias para se tornar uma das 10 maiores instituições do mundo com foco em treinamento corporativo e profissional.

A concorrência também cometeu erros de avaliação. Também em 2012, Anant Agrawal, CEO da edX, previu que, em menos de um ano, uma das universidades parceiras da edX ofereceria um diploma puramente online. Os anos se passaram desde então e ainda não há sinal de diploma puramente online de nenhuma das instituições parceiras. Em 2015, a Coursera, fundada por dois professores de Stanford, é, de longe, a maior em termos de número de cursos oferecidos e estudantes matriculados.

Em 2025, os atestados de sucesso

O tempo passou, o tempo voou nos braços da revolução digital e os MOOCs passaram pelo processo de amadurecimento, como qualquer outro negócio. Em 2025, aos 58 anos, cada vez mais remoçado, Sebastian Thrun reconhecerá que a transformação da educação superior ocorreu por razões diferentes daquelas inicialmente imaginadas.

Inclusive, Thurn terá se equivocado com relação à expectativa de uma enorme quantidade de estudantes recorrendo às instituições de ensino de ensino massivo. O desenvolvimento dos MOOCs terá se adaptado, então, a mudanças sociais. Ok, até lá, a tecnologia terá consolidado o avanço exponencial previsto. As aulas serão em realidade mista, com a incorporação de benefícios dos avanços da holografia. E, com a tradução instantânea, será possível integrar turmas em todos os idiomas.

Todas as condições para a existência de cursos superiores integralmente online via MOOCs estarão disponíveis no cenário. O problema deverá ser, ironicamente, o excesso de tecnologia. Cada cidadão global deverá ter 9,5 dispositivos tecnológicos vinculados a ele. Portanto, é possível prever, também, uma onda anti-MOOCs, como um desejo global de resgatar a humanização do ensino. Com isso, é provável que o segmento siga evoluindo.

Prestação de serviços de Ensino Superior: desafios concorrenciais

O acesso à educação superior é o sonho de muitas famílias brasileiras. Se, no passado, ter um diploma era um objetivo distante, restrito a poucos abastados, observa-se que esta não é mais a regra (apesar do grande número de jovens ainda fora do sistema educacional). A maior demanda por esse serviço, combinado às políticas públicas de acesso ao ensino superior, acabou resultando em um cenário perfeito para um lucrativo mercado. Tão rentável que, mesmo após a decisão do Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em impedir a compra da Estácio pela Kroton, esta anunciou lucro recorde em 2017.

As preocupações concorrenciais nesse setor ficaram claras nos pareceres do Cade e nos votos dos Conselheiros durante o julgamento do caso. Ambas instituições possuem a maior quantidade de alunos matriculados no ensino superior privado no país. Paralelamente, considerou-se a área de influência de cada instituição de ensino, já que o deslocamento, principalmente no ensino presencial, é item importante na escolha do estudante. Durante a proposta da compra da Estácio pela Kroton, foram analisados os municípios onde cada uma atuava e observou-se que a fusão criaria uma empresa presente em 109 municípios, sendo que em 15 haveria sobreposição física. Em adicional, haveria sobreposição em 125 cursos, como direito, administração, ciências contábeis, entre outros.

O parecer da Superintendência Geral do Cade [1] ressaltou que, além das sobreposições destacadas, haveria uma excessiva concentração nos cursos de graduação à distância, cujo número de alunos tem aumentado gradativamente. Em alguns municípios, a nova empresa seria a única provedora desse serviço e colocaria a Kroton em posição de líder incontestável, com quase 50% do mercado nacional, bem distante dos demais concorrentes.

O tamanho de uma empresa é sempre motivo de discussão entre especialistas. Se, por um lado, ele pode ser resultante natural de inovações e de eficiências, não se descarta a hipótese de que a mesma, com grande poder de mercado, use isso como vantagem para abusar de sua posição dominante. Desse modo, são considerados fatores como probabilidade de entrada de outros concorrentes e quais seriam as barreiras que estes enfrentariam, em um exercício conjectural.

No mercado de ensino superior, o parecer do Departamento de Estudos Econômicos do Cade apontou a relevância da marca na comercialização dos cursos, principalmente na modalidade à distância. Isso colocaria a nova empresa, com duas marcas nacionais fortes, em vantagem em relação às demais concorrentes. Novas entrantes nesse mercado deveriam, desde o início, considerar custos com publicidade e propaganda para tornar sua marca tão conhecida como Kroton e Estácio, o que já seria uma barreira importante para novos centros de ensino.

A dificuldade de entrada aliada aos desafios que outras instituições teriam para competir criariam uma situação em que seria alta a possibilidade de práticas abusivas, como aumento nos preços das mensalidades, exclusão de marcas, combinação de preços ou de aquisição de serviços com outros competidores menores. Um ponto que diferencia esse caso de outros, todavia, foi a preocupação com a manutenção da qualidade do ensino a ser prestado. Destacou-se que haveria um risco de homogeneização da educação superior em patamares de qualidade que, apesar da conformidade com a regulação atual, poderia provocar prejuízos à educação superior como um todo e à própria economia do país, dada a importância desse setor para a formação de mão-de-obra. Como levantado pela Associação Brasileira de Ensino à Distância, citando obra da Hoper Educação:

Um dos efeitos sociais negativos dessa concentração de mercado é a concentração de conteúdos educacionais, já que os mesmos materiais didáticos acabam sendo utilizados por uma quantidade cada vez maior de alunos. A dominação do conteúdo por grandes grupos consolidadores nos ameaça com o risco de um cenário de McDonalds ou Blockbusters de conteúdo educacional, que tendem a provocar uma homogeneização cultural, apagando valores e formas de comunicação locais.” (PRESSE, 2016, p. 43). [2]

Assim, considerando os efeitos perversos de uma possível concentração nesse mercado, é importante que as autoridades reguladoras mantenham-se atentas à qualidade do serviço de ensino superior a ser prestado por grandes empresas, para que o sonho de muitos brasileiros não acabe se tornando um pesadelo.

Simone Cuiabano é Pós-doutora em Economia na Toulouse School of Economics (TSE). Foi Economista-chefe adjunta do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) entre 2014 e 2016. É Auditora de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional desde 2007.

 

Referências:

[1]Ato de Concentração Ordinário, 8700.006185/2016-56 (Cade 31 de 08 de 2016). Fonte: Cade.

[2]Presse, P. (2016). Análise Setorial da Educação Superior Privada — Brasil. Foz do Iguaçu: Hoper Educação.

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