O ensino público concentra pouco mais de 80% das matrículas da Educação Básica[1]: são aproximadamente 40 milhões de matrículas e 1,8 milhão de professores distribuídos em uma rede de 145 mil escolas[2]. O tamanho da rede torna ainda mais evidente a importância de políticas públicas em educação e o estudo dos mecanismos de redistribuição de recursos, especialmente em um país tão desigual como o Brasil.

Como os recursos da educação são distribuídos?

A Constituição de 1988 estabeleceu que estados e municípios devem alocar, no mínimo, 25% da receita proveniente de impostos e transferências em educação. Essa estrutura acabou aumentando a desigualdade entre as redes de ensino, já que estados e municípios ricos possuíam muito mais recursos a serem alocados nas suas redes de ensino. Consequentemente, durante a década de 90, houve aumento da heterogeneidade entre as escolas públicas de municípios ricos e pobres e entre as redes estaduais e municipais. Os sistemas estaduais eram muito maiores do que os municipais e, ao contar com maior montante de recursos e com maior capacitação das secretarias estaduais de educação, as escolas estaduais apresentavam maior proporção de insumos e indicadores educacionais mais elevados.

Um mecanismo de redistribuição de recursos foi implementado 1996 com a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF)[3]. Entre os objetivos do fundo estava o de promover a adequação entre o gasto e o número de matrículas das redes de ensino, de modo a garantir maior equidade na redistribuição dos recursos educacionais. Foram criados 27 fundos estaduais e cada um deles era constituído por 15% do Fundo de Participação dos Estado (FPE), 15% do Fundo de Participação dos Municípios e 15% do ICMS[4] e do IPI[5]. Inicialmente tais recursos eram direcionados aos fundos estaduais e posteriormente redistribuídos entre a rede estadual e as respectivas redes municipais de acordo com o número de alunos matriculados no ensino fundamental regular[6].

Dessa forma, criou-se um mecanismo de redistribuição de recursos dentro de cada estado, em que os estados redistribuíam recursos aos seus respectivos municípios e municípios ricos redistribuíam recursos aos municípios pobres[7]. O FUNDEF promoveu a diminuição da desigualdade do gasto por aluno, o estreitamento da brecha salarial entre professores das redes estaduais e municipais e criou incentivos para que os municípios absorvessem mais alunos[8], já que o recebimento de recursos estava condicionado ao tamanho da rede. Em 2007, o FUNDEF foi substituído pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB)[9], que passou a abranger toda a Educação Básica (Ensino Infantil, Fundamental e Médio) e cuja vigência é até 2020.

Em vez de 15%, estados e municípios passaram a alocar 20%[10] de uma cesta de impostos aos respectivos fundos estaduais. Além disso, de modo a garantir um gasto mínimo por aluno, o Governo Federal realiza a complementação de recursos. Em 2017, por exemplo, os fundos estaduais totalizaram R$ 132 bilhões e a União realizou uma complementação de R$ 12,7 bilhões.

O fundo possui uma característica equalizadora que contribui para diminuição da desigualdade de aplicação dos recursos educacionais. A Figura 1 apresenta a distribuição do gasto por aluno atual versus a de um cenário em que é simulada a ausência desse mecanismo de redistribuição. Observa-se que, na ausência do FUNDEB, a dispersão do gasto seria significativamente maior.

Figura 1

Fonte: Estimativa própria com base nos dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FNDE), no Relatório Resumo de Execução Orçamentária (RREO) e no Censo Escolar. Redes Municipais.

No entanto, ainda há uma dispersão considerável entre o gasto das redes de ensino. Embora o gasto médio por aluno da rede pública com educação básica seja de R$ 6.000, o menor gasto é de R$ 2.642 enquanto o maior é de R$ 43.942[11], uma diferença superior a 16 vezes.

Como promover maior equidade?

Atualmente a complementação da União é realizada diretamente aos fundos estaduais, que, por sua vez, redistribuem esses recursos conforme o número de alunos matriculados nas redes de ensino. Em 2016, os 9 estados do nordeste foram beneficiados com os recursos do Governo Federal. No entanto, esse mecanismo, ao alocar os recursos nos fundos estaduais em vez de diretamente aos municípios, favorece municípios ricos em estados pobres em detrimento de municípios pobres em estados mais ricos. Por exemplo, capitais como Salvador, Recife, João Pessoa e São Luís, que na ausência de complementação da União já apresentariam gasto por aluno superior à média nacional, são beneficiados com recursos do Governo Federal. Por outro lado, municípios pobres de estados que não recebem complementação acabam sem receber recursos adicionais da União.

Se a complementação da União fosse realizada diretamente aos municípios seria possível garantir maior equidade na distribuição do gasto por aluno. Nesse cenário, o gasto mínimo por aluno passaria de R$ 2.642 para R$ 4.626 (Figura 2) e 1.704 municípios de todas as regiões do país seriam beneficiados.

Figura 2

Fonte: Estimativa própria com base nos dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FNDE), no Relatório Resumo de Execução Orçamentária (RREO) e no Censo Escolar. Redes Municipais.

A vigência do FUNDEB até 2020 abre uma janela de oportunidade para a adoção de um mecanismo de redistribuição da complementação da União diretamente aos municípios, favorecendo a equidade do gasto em educação do país.

  1. 47,5% em escolas municipais, 33,4% em estaduais e 0,8% em federais e 18,3% na rede privada. Censo Escolar de 2017.

  2. 39,6 milhões de matrículas e 145.190 escolas. Censo Escolar de 2017.

  3. Lei n. 9.424 de 24 de dezembro de 1996. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9424.htm

  4. Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços.

  5. Imposto sobre produtos industrializados.

  6. A partir de 2000, os recursos passaram a ser redistribuídos de acordo com o total de matrículas do ensino fundamental regular e especial. Alguns estados também recebiam complementação da União se não conseguissem atingir determinado nível de gasto por aluno (cujo valor é determinado nacionalmente).

  7. Não há redistribuição entre os estados, por exemplo, recursos de São Paulo não são redistribuídos no Rio de Janeiro.

  8. Houve aumento da proporção de crianças em idade escolar matriculadas na escola e incentivos a descentralização, processo em que alunos são transferidos da rede estadual para a municipal.

  9. Lei n. 11.494 de 20 de junho de 2007. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11494.htm

  10. A cesta de impostos dos estados é constituída pelo FPE, IPI, Lei Kandir, ICMS, IPVA, IOF e ITCMD; já a cesta dos municípios é formada por FPM, IPI, Lei Kandir, ICMS, IPVA e ITR.

  11. Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FNDE) referentes ao ano de 2016. O menor gasto é em Patos/PB e o maior em Douradoquara/MG.

Autora:

Vivian Amorim possui graduação e mestrado pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Atualmente cursa doutorado em Economia na Universidade de Brasília (UNB) e trabalha como consultora das Global Practices de Educação e Governança do Banco Mundial.