A ampliação do tempo de educação dos alunos é uma solução frequentemente apontada por políticos de diversos países – desenvolvidos ou em desenvolvimento – para a melhoria da qualidade da educação básica. Dentre as cinco maiores economias da América Latina em 2018, Brasil, México, Argentina e Colômbia têm incumbentes ou candidatos a presidente que defendem a necessidade da ampliação da jornada escolar em algum acordo, projeto de lei ou programa eleitoral de governo.[1] Entretanto, os benefícios da ampliação do tempo são incertos (KRAFTS, 2015), o tempo adicional pode ser desperdiçado em coisas irrelevantes para o aprendizado[2], e os alunos podem reduzir o esforço em resposta ao aumento do tempo (LEVIN; TSANG, 1987). Ademais, o custo de ampliação do tempo para o aprendizado pode ser muito alto, chegando a 70% adicionais (DECICCA, 2007).

Há diversas formas de aumentar o tempo do aluno engajado no aprendizado, e a ampliação da jornada escolar de meio período para período integral é a política mais estudada nesse sentido. Decicca (2007) e Robin et al (2006) observam efeitos positivos da jornada em tempo integral já na primeira infância. Em coortes mais velhas de alunos, com idade para cursar o Ensino Fundamental, também são observados ganhos de desempenho devido ao ensino integral, maiores para meninas, alunos de baixo status socioeconômico e em escolas menos socialmente heterogêneas (LAVY, 2012). Mas estes efeitos parecem menos expressivos do que na primeira infância, com resultados às vezes não significativos (MEYER; VANKLAVEREN, 2013), ou significativos somente para matemática (DOBBIE; FRYER, 2012). Por fim, em coortes com idade para cursar o Ensino Médio os efeitos são, em geral, positivos (PIRES; URZUA, 2015, LAVY, 2015, BELLEI, 2009), mais fortes entre imigrantes, pobres, mulheres e em países com mais accountability e menores entre os países em desenvolvimento (LAVY, 2015). Há, ainda, evidências de resultados mais fortes entre alunos de escolas rurais, que frequentavam escolas públicas e com melhores desempenhos (BELLEI, 2009, BATISTIN; MERONI, 2016).

Programas de reforço escolar fora do horário regular de aula constituem formas alternativas de ampliar o tempo de instrução. Nesses programas são realizadas sessões de lição de casa, atividades acadêmicas, recreação e enriquecimento com artes plásticas e cênicas. Os programas podem ser realizados pela própria escola, por bibliotecas, igrejas, museus e centros de recreação, após a aula ou durante o verão. Tais programas são bastante diferentes entre si, o que justifica as evidências mistas. Programas de educação suplementar oferecidos em centros comunitários apresentam tanto resultados positivos (ZIMMER ET AL, 2010), quanto não significativos, e até alguma piora comportamental (JAMES-BURDUMY ET AL, 2005). Já programas de reforço com educação tutorial apresentam mais resultados positivos (ZIMMER ET AL, 2010, BANERJEE ET AL, 2007, KRAFTS, 2015). Cursos de verão também parecem ter um efeito positivo sobre o desempenho de matemática e leitura na educação básica (MATSUDAIRA, 2007), e podem ter efeitos inclusive de redução de abandono e conclusão de créditos no ensino superior (DEPAOLA; SCOPPA, 2014).

Em países que já implantaram a educação integral, o número de dias letivos costuma ser apontado como uma alternativa para melhorar a educação. No entanto, há uma grande variação na duração do ano letivo entre países e até mesmo entre distritos escolares de um país, sem que isso implique necessariamente em diferenças no desempenho dos alunos (LAVY, 2015). Vários estudos verificam a relação entre a duração do ano letivo e o sucesso escolar medido em termos de queda na reprovação e abandono ao fim do ensino fundamental (PISCHKE, 2007), aumento do desempenho do aluno (FITZPATRICK ET AL, 2011)[3], aumento da escolaridade, aumento da empregabilidade no setor formal e aumento dos salários (PARINDURI, 2014)[4].

Aumentar o tempo de escolaridade obrigatória por meio de leis que instituem obrigatoriedade do ensino já na primeira infância, e a extensão da idade limite além do início da adolescência, também pode contribuir para reduzir o abandono e aumentar a escolaridade, especialmente para crianças jovens de background mais vulnerável (Angrist; Krueger, 1991, Oreopoulos, 2006).

Por fim, a efetividade do tempo na escola não diz respeito somente à quantidade, mas ao uso do tempo ao longo do dia e à alocação do conteúdo no tempo. Carrel et al (2011) verificam uma relação entre o ritmo circadiano e o desempenho dos alunos. Segundo o autor, além de necessitarem mais horas de sono do que os adultos, os jovens tendem a ficar menos despertos ao longo do dia devido ao atraso natural na produção de melatonina e ao sono interrompido precocemente para ir a escola. Por outro lado, Pope (2016) avalia o efeito do horário das aulas de matemática e leitura sobre o desempenho dos alunos. O autor encontra resultados que indicam que estudantes aprendem mais pela manhã. Pires & Urzua (2015) também encontram evidências de que o horário do dia que os alunos estudam é mais importante que o montante de aulas.

Experiência no Brasil

No Brasil tivemos uma experiência recente de ampliação do tempo dos alunos na escola. O Programa Mais Educação (PME) se iniciou em 2008 e buscava ampliar o tempo de aprendizado oferecendo atividades pedagógicas fora do turno regular do aluno, de modo que os alunos participantes ficassem, no mínimo, sete horas por dia na escola. O custo do programa chegou a seu maior valor em 2013, quando alcançou 1,5 bilhões de reais em valores atuais. O programa definia uma série de atividades com materiais e ementas padronizadas a serem usadas nas escolas, mas apresentava grande flexibilidade na formatação final, pois dentre as diversas atividades oferecidas, cada escola podia escolher a combinação que melhor se adequasse à sua realidade. As escolas podiam optar por quatro áreas para trabalhar com os alunos dentre onze áreas existentes. A área denominada acompanhamento pedagógico era obrigatória e contemplava aulas em matemática, línguas, ciências, história, geografia e língua estrangeira. Ao menos uma destas atividades devia ser abordada no tempo destinado a acompanhamento pedagógico. A escola podia escolher dedicar todo o seu tempo para o acompanhamento (em várias disciplinas, ou em uma disciplina específica), ou dedicar apenas o tempo mínimo, e o restante a outras atividades como esporte, música, etc.[5]

Um dia típico do Programa Mais Educação para estudantes do turno da manhã começava com o turno regular de ensino, por volta de 7:30. As aulas do turno regular costumam durar 50 minutos, e normalmente há um intervalo por volta de 9:30 para lanches e recreação. Ao final do período matutino, por volta de 12:00, os alunos participantes do PME almoçavam na escola antes do início das atividades do contra-turno, por volta de 13:00. A atividade de acompanhamento pedagógico tinha obrigatoriedade diária, e duração mínima de uma hora a uma hora e meia. Eram realizados intervalos de recreação e outras atividades como esporte, música, danças, etc. O encerramento das atividades se dava, no mínimo, a partir das 15:00– dependendo do número de atividades que a escola decidiu desenvolver.[6]

As turmas do PME eram compostas por no mínimo 20 e no máximo 30 alunos. Os alunos eram recepcionados na sala de aula pelo monitor responsável pela atividade. Esse monitor podia ser um estudante universitário, um estudante de magistério ou um voluntário qualificado. Estes recebiam uma ajuda de custo de até R$300/mês nas escolas públicas urbanas ou até R$600/mês nas escolas públicas rurais (MEC, 2016, p. 12). Os kits padronizados usados durante as aulas, as refeições e as bolsas de monitoria eram custeadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Almeida et al (2015) e Oliveira & Terra (2018) realizaram avaliações do PME. Os últimos exploraram um experimento natural que em 2012 estabelecia como prioritárias as escolas com mais de 50% dos alunos no Programa Bolsa Família. Ambos os estudos avaliaram os efeitos do PME sobre diversos indicadores educacionais, como Ideb, desempenho na Prova Brasil em Leitura e Matemática, abandono e reprovação. Resende et al (2018) avaliou o efeito do programa sobre a oferta de trabalho infantil e sobre a oferta de trabalho dos pais. Em geral, o programa parece não ter surtido efeito sobre nenhum dos indicadores. Assim, propostas de candidatos de universalizar o ensino integral podem até ser prejudiciais, uma vez que o impacto orçamentário seria imenso (cerca de 4% do PIB) para os benefícios esperados.

Por que o Mais Educação não apresenta resultados?

Uma explicação plausível para o programa não ter dado resultado foi o formato adotado, que dava muita liberdade para a escola escolher quais atividades desenvolver dentre uma gama muito grande de opções. Essa política pressupõe que as escolas tenham perfeito conhecimento de quais são suas principais deficiências e das melhores estratégias para superá-las, o que é claramente incorreto, pois se fosse verdade a qualidade da educação seria melhor. Como o formato do programa era muito aberto, dando muita autonomia às escolas, estas podem ter simplesmente reproduzido no contra-turno as metodologias que já não davam certo antes.

Outra crítica se refere à qualificação dos monitores responsáveis pelas atividades do programa no contra-turno escolar. O programa prevê remuneração simbólica, para custear somente transporte e alimentação. Desse modo, não consegue atrair profissionais qualificados, mas somente aqueles em início de carreira ou que se dispõem a serem voluntários em áreas de acompanhamento pedagógico distintas daquelas que os alunos mais precisam.

O caráter voluntário da participação dos alunos no contra-turno também pode explicar a falta de resultados do programa. Não há um controle sobre o perfil socioeconômico dos alunos participantes, mas é possível que o público que potencialmente mais se beneficiaria do programa tenha ficado de fora do programa.

O governo federal reconheceu problemas com o programa e em 2016 reformulou o programa sob o nome de Novo Mais Educação. Nesse novo formato, Português e Matemática passaram a ter uma carga horária mínima, o que não ocorria no formato antigo. Mas os monitores ainda são contratados da mesma forma.

Os critérios de escolas prioritárias do Novo Mais Educação também mudaram. Com isso, estudos quase-experimentais como em Oliveira & Terra (2018) e Resende et al (2018) não podem mais ser realizados para o programa atual a fim de verificar se as mudanças realizadas surtiram efeitos.

Infelizmente, a criação e as reformulações dos programas no Brasil não levam em conta a necessidade de avaliação. É um problema recorrente. O novo governo faria muito bem às finanças públicas se buscasse incorporar desenhos experimentais ou quase-experimentais para avaliar os programas implementados. Deveria iniciar programas em pequena escala para não colocar muitos recursos públicos em uma aposta arriscada, e ampliar o programa somente quando ficasse comprovada a eficácia do mesmo. Esse seria um grande avanço na gestão dos recursos públicos.

Rafael Terra é professor do Departamento de Economia da UnB. É Doutor em Economia pela EESP-FGV. Desenvolve trabalhos em economia da educação, avaliação de políticas públicas e economia do setor público.

 

Luis Felipe B. Oliveira é técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA. É Doutor em Economia pela UnB. Realiza estudos sobre educação, políticas públicas, desigualdade e pobreza.


Referências Bibliográficas

Almeida, R.; Bresolin, A.; Borges, B.; Mendes, K.; Menezes-Filho, N. (2015). Assessing the Impacts of Mais Educação on Educational Outcomes: Evidence from 2008 to 2011. Technical Report.

Angrist, J.; Krueger, A. (1991). Does Compulsory School Attendance Affect Schooling and Earnings? Quarterly Journal of Economics. vol. 106, No. 4, pp. 979-1014.

Banerjee, A.; Cole, S.; Duflo, E.; Linden, L. (2007) Remedying education: evidence from two randomized experiments in India. Quarterly Journal of Economics. Vol. 122, No.3, pp 1235-1264.

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James-Burdumy, S. ; Dynarski, M.; Moore, M.; Deke, J.; Mansfield, W.; Pistorino, C.; Warner, E. (2005) . When Schools Stay Open Late: The National Evaluation of the 21st Century Community Learning Centers Program. Final Report. U.S. Department of Education.

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  1. Informação para a Colômbia recuperada do programa de governo de Ivan Duque Márquez. Informação para o Brasil recuperada na portaria do Ministério da Educação n. 1.144 de 2016 e nos programas de governo dos candidatos a eleição de 2018. Informação sobre o México recuperada do Diário Oficial de la Federación de 26 de fevereiro de 2013. Informação para Argentina recuperada da Declaración de Purmamarca de 12 de fevereiro de 2016.
  2. Por exemplo, em uma amostra de 36 turmas distribuídas em 18 escolas, pesquisadores fizeram pesquisa in loco para saber como era usado o tempo na sala de aula. Os pesquisadores concluíram que após descontar interrupções por indisciplina, faltas de alunos e professores, organização da turma, e tentativas de fazer os alunos prestarem atenção, o total de horas em aula era de apenas duas horas – de cinco horas oficiais (IBOPE, 2011).
  3. Hansen (2008), Marcotte & Helmet (2008), Sims (2008) e Fitzpatrick, et al (2011) usam variações exógenas na data de exame ou fechamento das escolas por condições climáticas ruins sobre o tempo de escola em também encontram ganhos de performance por dias adicionais de escola.
  4. Pischke (2007), por sua vez, não encontra efeitos sobre salários ou empregabilidade, corroborando os resultados observacionais de (CARD; KRUEGER, 1992, HECKMAN ET AL, 1996).
  5. Ver manual do PME publicado por MEC (2012).
  6. Para alunos do turno vespertino, as atividades costumam se iniciar até as 10:00 am, dependendo da escola.