Nas últimas décadas, a educação foi sendo paulatinamente assumida como um verdadeiro mantra em termos de políticas públicas e prioridades. Melhores níveis de educação da população em geral e da força de trabalho em particular ampliariam as possibilidades de crescimento (ver, a título de exemplo da extensa literatura, Gemmell (1996), Toppel (1999), Lucas (1988)), seriam cruciais para combater a pobreza, constituiria uma variável chave para explicar o perfil distributivo das sociedades (ver, por exemplo, Mincer (1958), Langoni (1972), Acemoglou (2012), (2002), etc.) e ajudaria a explicar os indicadores de felicidade auto-declarados dos indivíduos. Esses nexos teóricos e empíricos parecem bem sedimentados na literatura, ainda que não possam deixar de ser considerados argumentos que relativizem essa importância, especialmente no tocante à relevância da suposta relação de causalidade entre educação e crescimento e aos diferenciais de níveis auto-declarados de felicidade entre indivíduos e sua relação com os patamares de escolaridade atingidos.

Em geral, a educação, seguindo a tradição inaugurada por Becker, Mincer, etc., é identificada com a acumulação de conhecimentos, habilidades, etc. que tem impacto sobre a produtividade e, na medida em que esta está associada ao crescimento e aos salários, acaba tendo desdobramentos positivos sobre os níveis de renda da sociedade e dos indivíduos.

Se, diferentemente desta perspectiva, a educação é assumida como sendo a acumulação de sinais ou credenciais para se diferenciar dos concorrentes na disputa por vagas (posicionamento relativo no mercado de trabalho), os ganhos sociais (não individuais) dos investimentos em educação podem ser questionados. Neste caso, o Estado deveria prescindir de alocar recursos públicos na área, uma vez que as credenciais não teriam uma correspondente contrapartida em conhecimentos/competências/habilidades sócio-emocionais. Logicamente, a dicotomia acumulação de capital humano/acumulação de sinais pode não ser bipolar no conjunto. Existem fortes elementos teóricos e empíricos que induzem a pensar que a educação pode ser uma mistura (em diferentes proporções, segundo os países, períodos históricos ou segmentos do sistema educativo) de acumulação de conhecimentos/habilidades e da procura por agregação de credenciais.

Uma vez que o nosso objetivo consiste em refletir sobre uma suposta conveniência de intervenção estatal a fim de tornar os investimentos públicos e privados na acumulação de capital humano mais eficientes, vamos admitir que a educação, na sua totalidade ou parcialmente, consiste em atividades que contribuem para acrescentar conhecimentos/habilidades/competências, sejam eles cognitivos ou sócio-emocionais.

Dada a hipótese da educação pós-compulsória ser identificada como uma atividade que, no futuro, vai se traduzir em maior produtividade/salários, acompanhando princípios básicos da Teoria do Capital Humano, a freqüência escolar deve ser reconhecida como um investimento e não pode fugir dos banais critérios que determinam se uma aplicação financeira deve ou não ser realizada: o valor presente do fluxo de benefícios (objetivos, como salários, ou subjetivos, como status social) devem ser superiores aos custos (financeiros diretos, de oportunidades, de sacrifício por abrir mão de lazer, etc.). O balanço dessa relação depende de diversos fatores (taxa de desconto, por exemplo) e a sua concretização pode estar em função da existência ou não de restrições de crédito. Além de olhares meramente econômicos, a intervenção pública associada a essas duas variáveis (taxa de desconto e restrições de crédito) podem dizer respeito a aspectos de justiça ou igualdade de oportunidades.

Contudo, associando a educação a um investimento (abrimos mão do consumo hoje para elevar o valor presente do fluxo de renda futura), a utilização dos habituais instrumentos metodológicos que pautam a viabilidade de uma aplicação financeira é cabível. Mais especificamente, é incontornável estar familiarizado com dados sobre o presente e tentar esboçar o porvir. Observemos que o investimento em educação é uma atividade que deve levar em consideração horizontes temporais que podem se aproximar ao meio século. A quase trivial escolha de um curso em uma universidade pauta custos futuros (por exemplo, a probabilidade de ficar desempregado por longos períodos na sua vida ativa) e retornos vindouros (evolução dos rendimentos nos próximos quarenta anos) que, ex-post, quer seja desde uma perspectiva individual ou social, podem não ter sido as melhores escolhas.

Concretamente, os critérios econômicos para a escolha de um investimento em educação (um curso) exige conhecer os salários relativos de cada uma das alternativas factíveis, as possibilidades de emprego, as eventuais trajetórias profissionais, os possíveis cenários em termos de demanda futura devido, por exemplo, a choques tecnológicos, etc.. Os gostos e as facilidades de cada indivíduo em cada área devem logicamente ser variáveis levadas em consideração, especialmente no tocante aos custos individuais. Contudo, os gostos, vocações, etc. deveriam ser somente um dos aspectos a entrarem no cálculo, que podem ou não ser compensados pelas outras variáveis (futuros rendimentos, por exemplo).

Se imaginarmos um processo no qual o mercado alocaria de forma eficiente os recursos investidos na educação, além dos usuais supostos sobre a racionalidade do “agente” (neste caso o processo de escolha entre estudar ou não e o quê e o quanto estudar), o arranjo ótimo requereria (como no modelo de Arrow-Debreu) que o indivíduo tenha à sua disposição um conjunto amplo de informações sobre o presente (salários relativos, taxas de ocupação, taxas de desemprego, etc..), os cenários futuros e a flexibilidade ou graus de liberdade que cada escolha lhe proporcionará amanhã. Mesmo deixando de lado externalidades (que podem determinar que os custos/benefícios individuais sejam diferentes dos sociais) ou a pouco crível hipótese da “probabilização” das alternativas nas próximas décadas, não existem elementos que nos permitam concluir que, em cada momento do tempo, as pessoas possuam ou estimem esses parâmetros e, mesmo estando dispostos a pagar por eles, que exista um mercado específico para esses dados.

Logicamente, se poderia arguir que “mercado”, em cada momento do tempo, proporciona livremente (sem custos) parte desses sinais. Os salários relativos podem estar sugerindo que profissões estão sendo mais demandas que outras. As taxas de desemprego podem revelar com que conhecimentos/habilidades/competências é mais fácil encontrar emprego ou, em outros termos, os conhecimentos/habilidades/competências requeridas pelas vagas que são abertas e a quantidade de vagas vis-à-vis a oferta. Mas mesmo na suposição otimista que um indivíduo antes de sua decisão de escolher seu curso esteja de posse dessas informações, dificilmente a mesma configuração vá prevalecer pelos próximos 40/50 anos. Ele teria que ser capaz de prospectar (e, se somos mais sofisticados, “probabilizar” possibilidades).

Nada garante que todo esse conjunto de hipóteses se cumpra. Aliás, realisticamente podemos supor que muito poucas delas prevalecem no dia-a-dia. A tomada de decisões talvez obedeça a outros parâmetros: expectativas e tradição familiar, informações de amigos/colegas, disponibilidade de cursos, gostos, capacidades inatas, valores do entorno social, etc.. Parte desses parâmetros podem ser considerados como fazendo parte do modelo canônico. Os gostos e as habilidades inatas podem reduzir os custos (objetivos e subjetivos) do projeto de investimento em educação. Contudo, em outros casos (ambiente familiar/social, amigos, etc.) a fonte de informações pode não ser robusta ou estar viesada ou simplesmente não existir.

Essas limitações, nos processos individuais que pautam as escolhas de investimento em capital humano, tem custos, tanto privados quanto sociais. Por exemplo, a falta de aderência entre o perfil profissional requerido pelas vagas disponíveis e o contorno das habilidades/competências da oferta de trabalho tem como corolário uma alocação ineficiente da mão-de-obra e/ou sua subutilização (desemprego). Em termos técnicos, essa disfunção (mismatching) é usualmente mesurada através da posição da denominada Curva de Beveridge. Uma conseqüência seria, por exemplo, a sobrequalificação dos empregados, um fenômeno usual nas economias maduras.

Uma situação análoga à que estamos descrevendo pode ser observada no caso das políticas de emprego. O Sistema Público de Emprego proporciona aos beneficiários do seguro-desemprego informações sobre profissões/setores/áreas geográficas nas quais ele tem maiores possibilidades de ser contratado e, nesse sentido, pauta as ações (cursos oferecidos, intermediação, etc.) que tem como alvo cada desocupado. Ou seja, assume-se que os sinais de mercado (salários relativos, diferenciais geográficos nas taxas de desemprego, etc.) demoram ou sua disseminação é imperfeita. Nesse sentido, a intervenção pública ajudaria (“azeitaria”) o matching entre oferta e demanda.

Na educação, diversos passos foram dados nessa direção nas últimas décadas, especialmente a implementação e ampla divulgação de sistemas de avaliação, que proporcionaria informações sobre a qualidade dos cursos. Teoricamente, a qualidade de um curso teria impacto sobre o capital humano dos alunos e, via produtividade, nos salários no transcurso de sua vida profissional. Existem evidências que dão robustez empírica a essa suposta correlação. Ou seja, os alunos teriam informações sobre a qualidade do curso de um estabelecimento, referência que ajudaria na tomada de decisões.

Contudo, ganhos de eficiência macro seriam dilatados e frustrações individuais seriam reduzidas no caso de outros arranjos legais ampliarem o leque de informações públicas de fácil acesso. Por exemplo, os estabelecimentos poderiam divulgar os salários de seus egressos, as taxas de desemprego, as firmas/instituições nos quais foram empregados, etc.. Se o processo educativo é reduzido à dimensão econômica, sendo a educação assumida como investimento com custos e retornos, nada mais próximo a essa perspectiva que os MBA’s, cursos identificados como sendo um trampolim para melhores empregos ou para turbinar a progressão funcional. Geralmente pagos e muito caros, muitas instituições divulgam salários e tipos de ocupação de seus antigos alunos como forma de “vender” seu produto no mercado (ver, por exemplo, aqui, aqui ou aqui).

Essa maior disponibilidade de informações poderia ser crucial na hora da tomada de decisões, redundando em maior eficiência alocativa macro e maiores retornos individuais. Se a educação é definida como um investimento, as escolhas devem estar pautadas pelos usuais critérios que norteiam qualquer investimento e, nesse sentido, a disponibilidade de informações é vital. Nesse contexto, o Estado deveria assegurar esses referenciais, obrigando ou induzindo às instituições a divulgarem dados (salários de seus egressos, firmas ou setores onde foram empregados, tempo para encontrar uma ocupação, etc.) que subsidiem as escolhas. Seria conveniente que a eleição de um curso deixe de ser, exclusivamente, pautada por informações subjetivas de amigos/parentes, tradições, supostas vocações, etc.. Em um ambiente no qual o objetivo em elevar a produtividade parece ter se tornado prioridade absoluta, avanços nesse sentido complementariam outras iniciativas.

Carlos Alberto Ramos é Professor do Departamento de Economia, UnB. Graduação Universidad de Buenos Aires, Mestrado na Universidade de Brasília, Doutorado na Université Paris-Nord.