Economia de Serviços

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As firmas “zumbis” e a produtividade

Nos últimos anos, tem havido uma preocupação quase generalizada com os níveis de produtividade, que não teriam retomado as taxas de crescimento pré-crise internacional de 2008. O alarme se deve ao fato de que uma baixa produtividade tende a se refletir em baixo crescimento do PIB per capita, ameaçando a prosperidade econômica e social.

Diante de sua crescente participação na economia como um todo, se insere a discussão sobre a produtividade no setor de serviços. Como é sabido, para alguns serviços um aumento da produtividade provoca uma perda da qualidade do serviço final. Para outros serviços, os avançados, principalmente quando se complementam ao setor industrial, elevam consideravelmente a produtividade desse setor. Muitas das estatísticas de produtividade podem não computar os ganhos reais associados às dinâmicas da economia de serviços e digitalização que tendem a reduzir a necessidade de trabalhos manuais na indústria.

Além desses fatores, um fato muito importante que estaria por trás dos baixos índices de produtividade se trata das “zombie firms”, ou “firmas zumbis”, empresas que, assim como a figura cinematográfica dos “zumbis”, parecem estar nem ‘vivas’ nem ‘mortas’, ou uma combinação das situações. São empresas com 10 anos ou mais que operam com grande dificuldade em suas contas, inclusive para pagamento dos juros de dívidas contraídas pela própria empresa – tecnicamente, que está insolvente por três anos consecutivos ou até mais – e, por conseguinte, possuem baixa capacidade de investimento, de crescimento e de expansão do emprego. Em termos gerais, essas empresas pouco inovam e apresentam baixa competitividade na economia moderna. Essa situação de insolvência poderá se tornar ainda mais preocupante com um aumento dos juros internacionais, sobretudo para as pequenas e médias empresas.

Ao permanecerem “vivas” por longos períodos, as firmas zumbis acabam por inibir o aumento da produtividade e, de alguma forma, como por congestão de mercado, dificultam o avanço de empresas iniciantes e startups, ou aquelas mais adaptadas ao papel dos serviços avançados em conhecimento. Essas últimas poderiam, inclusive, contribuir para o aumento de competitividades daquelas firmas. A difusão tecnológica, por exemplo, exerceria um papel importante para reduzir o gap de produtividade das empresas.

Conforme relatório da OCDE (2017, p. 3) que analisa o período 2003-2013, “uma maior participação do capital da indústria em firmas zumbis está associada a menor investimento e crescimento do emprego da empresa típica ‘não-zumbi’”.

Os efeitos das firmas zumbis sobre as demais empresas não devem ser subestimados, ainda mais considerando que empresas tendem a adotar práticas e modos de organização de empresas párias ou que compartilham uma determinada região, além de poderem contaminar empresas saudáveis. A figura abaixo da ilustra o aumento da porcentagem de firmas zumbis nas economias da OCDE, ao mesmo tempo em que há uma redução da produtividade do trabalho dessas firmas em relação às demais empresas.

Figura – Firmas de 10 anos ou mais com uma taxa de cobertura de juros de <1 por pelo menos 3 anos consecutivos (média não ponderada de países selecionados da OCDE)

Fonte: OCDE (2017). “The Walking Dead? Zombie Firms and Productivity Performance in OECD Countries.”

Por tais razões, as firmas zumbis tendem a consumir recursos de maneira ineficiente. As sociedades nas quais essas empresas se inserem tendem a assumir os altos custos de oportunidade da má locação desses recursos, que poderiam ser destinados a outros projetos. As políticas públicas e privadas devem dirimir os custos sociais, principalmente em termos de emprego, seja tanto decorrente da manutenção dessas empresas quanto da sua falência. No entanto, deve-se evitar que subsídios persistentes a empresas que não conseguem progredir se materializem como transferências de renda do Estado a empresários sob a comum justificativa de proteção de empregos dos ‘trabalhadores de colarinho azul’.

A maioria dos estudos sobre a existência das firmas zumbis – como o citado acima – se refere às economias desenvolvidas. Mas estudos voltados aos países emergentes e em desenvolvimento poderão revelar que esse fenômeno ajuda a explicar boa parte da desaceleração do crescimento econômico, sobretudo quando se soma ao aumento de dispersão do desempenho da produtividade entre firmas e regiões dentro dos países (OCDE, 2016).

Esse parece ser o caso do Brasil. No país, há muitas empresas ineficientes que absorvem recursos de produção (ficando mais dependentes de subsídios), inibindo a atividade econômica produtiva. Além disso, muitas das pequenas e microempresas também não conseguem evoluir para médias. O sistema tributário apresenta regimes especiais que tornam menos claras as regras aos investidores e ajudam a estimular o comportamento rent-seeking das firmas, o que alimenta ainda mais a tendência de estagnação da produtividade brasileira.

Por fim, uma grande ressalva deve ser feita no que tange ao ingresso na economia de serviços. Se, por um lado, a falta de adaptação das empresas nos processos dinâmicos relacionados à essa economia contribui para que possam se tornar insolventes e improdutivas, por outro, alguns desses processos não favorecem a entrada de novas empresas. Por meio do controle das plataformas digitais, as cincos grandes empresas norte-americanas em valor de mercado concentram grande parte do mercado na nova economia. Essas empresas também são as que mais possuem capacidade de investir e assumir os riscos da nova onda de tecnologias e inovações que consistem, dentre outros exemplos, da internet das coisas, inteligência artificial, realidade virtual, drones e ‘self-driving cars’ (TECHCRUNCH, 2017).

A acessibilidade de algumas dessas tecnologias parece se tornar importante para que tanto as firmas zumbis quanto as empresas iniciantes possam progredir na complexa economia global.

Referências

OCDE (2016). “The Productivity Inclusiveness Nexus”
OCDE (2017). ‘The Walking Dead Zombie Firms and Productivity Performance”
TECHCRUNCH (2017). “The end of start-up era”.

Serviços – o elo fraco da produtividade

Um dos consensos econômicos no Brasil é o de que a nossa produtividade é baixa e a competitividade das empresas deixa a desejar. O que explica esta inquietante situação? Obviamente, as explicações são múltiplas. Este blog defende que uma das mais importantes explicações é a baixa produtividade e competitividade do setor de serviços.

De fato, como temos discutido já há muito neste espaço, as empresas de serviços são, na sua grande maioria, muito pequenas, pouco produtivas, têm pouco acesso a crédito e a tecnologia, seus gerentes e/ou proprietários têm baixa qualificação e os funcionários são pouco treinados. Mesmo que separemos os serviços prestados às famílias dos serviços prestados às empresas, ainda assim encontraremos evidências de indicadores de produtividade preocupantes.

Comparação internacional de preço e qualidade de serviços supridos às empresas, como serviços de transporte e logística, energia elétrica, serviços de intermediação financeira, telecomunicações e serviços profissionais, mostra um quadro alarmante. Para tornar a estória ainda mais alarmante, a oferta e a qualidade dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos, tais como P&D, design, marcas, softwares avançados, plataformas digitais, distribuição e serviços profissionais de padrão internacional são escassos e caros. Aqui perdemos fácil de 7 a 1 para muitos países. O problema é que esses serviços são determinantes para que se possa ambicionar participar da economia do século XXI como protagonista.

O setor de serviços já responde por 73% do PIB e o consumo intermediário de serviços corresponde a 64% do valor adicionado da manufatura. Na agricultura e na mineração, aquela participação não apenas é alta, mas vem crescendo a taxas superiores às da indústria.

Evidências empíricas apresentadas no blog mostram que serviços prestados às empresas não aparecem por geração espontânea, mas resultam da demanda por novas soluções para a indústria, agricultura, mineração e para o próprio setor de serviços. A contração da  indústria no Brasil ajuda a explicar a minguada oferta de serviços sofisticados. Nos casos da agricultura e da mineração, questões regulatórias, tributárias, aversão a risco, dentre outras, ajudam a explicar a elevada participação de serviços estrangeiros no consumo intermediário daqueles setores.

Evidências empíricas também aqui examinadas mostram que a conta de comércio exterior de serviços é estruturalmente deficitária e é altamente sensível à elevação do PIB e, portanto, é fonte potencial de fragilidade nas contas externas.

A conclusão não poderia ser outra, que não a de que o setor de serviços é o elo mais fraco da economia brasileira. Sem um setor de serviços forte, moderno, sofisticado, competitivo e internacionalizado, será difícil ao país se reposicionar na economia global e crescer de forma sustentada.

Mas o Brasil não é caso singular. O México, por exemplo, padece de enfermidade similar, embora as causas primárias da sua chaga não sejam exatamente as mesmas das nossas.

O que fazer? Os serviços, sobretudo aqueles prestados às empresas, têm que estar no centro das políticas produtivas se de fato quisermos atacar as dificuldades de competitividade do nosso setor produtivo.

Como ponto de partida, será preciso ao país se convencer da importância do setor de serviços, o que hoje ainda não está posto. Em seguida, teremos que atacar as causas mais óbvias da fraqueza do setor. Aqui, incluem-se questões de recursos humanos, de acesso a crédito e a tecnologias, de empreendedorismo, de internacionalização, de comércio exterior, de investimentos, de estrutura de competição e questões tributárias e regulatórias. Foco das políticas em cadeias produtivas, incluindo os serviços, e não apenas em atividades econômicas pontuais, também será muito útil. Aqui, os bancos públicos poderão ter um papel determinante.

Quais serviços merecem mais atenção das políticas públicas?

Como este blog tem discutido, o Brasil tem grandes deficiências em serviços e o setor está entre as principais causas da nossa baixa produtividade e competitividade.

Posto isto, a pergunta relevante é: como não há recursos humanos e financeiros para tratar das deficiências de todo o setor de serviços ao mesmo tempo, que segmentos deveríamos priorizar?

Esta talvez seja uma das questões mais relevantes em política pública de serviços. Obviamente, a resposta a esta pergunta depende do foco e do método de análise que se utiliza.

Se a preocupação é o bem-estar das pessoas, então deveríamos atacar os serviços com maior participação na cesta de consumo de bens e serviços das famílias, tal como refletido pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF-IBGE). Dentre os serviços com maior importância na cesta estão educação, saúde, serviços sociais, serviços financeiros, transportes e comércio de varejo.

Se a preocupação é com o impacto dos serviços na inflação, que historicamente tem aumentado mais que a inflação geral, então deveríamos focar nos itens cujos preços mais têm subido. Ali incluem-se serviços de utilidade pública, transportes, educação, saúde e serviços técnicos especializados.

Se a preocupação é o impacto dos serviços nas contas externas, então, de acordo com os dados da balança comercial divulgados pelo MDIC, deveríamos focar nos itens mais inclinados a déficits comerciais e com maior peso nas contas externas. Ali estão fretes, seguros, royalties, licenças, aluguel de equipamentos, serviços de comunicação e computação e viagens internacionais.

Se a preocupação é atacar as pressões de custos na indústria, então, de acordo com a Pesquisa Industrial Anual (PIA-IBGE), deveríamos focar nos serviços mais utilizados pelas empresas, dentre os quais estão os serviços de intermediação financeira, serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros, royalties e assistência técnica, despesas com propaganda e alugueis e arrendamentos.

Finalmente, se a preocupação é com a participação da economia brasileira na economia global, então deveríamos focar as nossas atenções em e-commerce, plataformas digitais, P&D, desenvolvimento de marcas, design, inteligência artificial, desenvolvimento de softwares customizados, serviços de marketing e distribuição, dentre outros serviços que fazem a ponte entre o hoje e o amanhã.

É provável que este post tenha desapontado alguns leitores, já que não indicou resposta única, mas várias. Mas isto se deve à natureza do setor. De fato, serviços se tornaram algo tão grande, abrangente, diversificado e heterogêneo que apresentar uma só resposta seria um desafio.

Agora, se o leitor gostaria mesmo de saber qual seria a prioridade deste blog, então lá vai: serviços digitais e serviços de agregação de valor e diferenciação de produto, tal como indicado dois parágrafos acima. Afinal, como tanto temos debatido neste espaço, são eles que mais influenciarão o padrão da nossa inserção na economia internacional e a nossa capacidade de crescer de forma sustentada no futuro próximo.

E você, leitor, que setor priorizaria e por quê? Dê a sua opinião!

Os Mercadores das Novas Grandes Navegações

As Grandes Navegações portuguesas inauguraram o que, segundo Thomas Friedman, teria sido a primeira onda da globalização. O termo refere-se à interação e à conectividade desde então experimentadas pelas vias do comércio, do movimento de pessoas, da relação entre culturas e das trocas de ideias. Para Cesar Hidalgo, redes interativas como essas permitem a criação e incorporação de conhecimento e know-how, aumentando a capacidade de processamento de informação, o que, em última análise, leva ao desenvolvimento econômico.

Boa parte dos benefícios da primeira onda de globalização foi difusa. Mas quem, sem dúvida, mais se beneficiou das Grandes Navegações foram os mercadores, intermediários que conectaram vendedores e compradores para disponibilizar especiarias e outros produtos numa escala até então sem precedentes.

Os ganhos da intermediação se traduziriam na alavancagem política dos mercadores o que, para Acemoglu e outros, viria a se constituir num dos pilares dos modernos direitos de propriedade. Juntamente com o boom populacional, aquele desenvolvimento institucional viria a ser decisivo para a Revolução Industrial.

Não estamos mais no século XV, nem Colombo está prestes a descobrir a América. Entretanto, a era das Grandes Navegações está de volta. Assim como naquela altura, inovações tecnológicas também estão desencadeando a era das “Grandes Navegações Digitais”. Mas, ao invés de bússolas, astrolábios, quadrantes e caravelas, é a internet e os dispositivos digitais que estão nos conduzindo pelos oceanos virtuais. E busca-se, agora, intermediar outro tipo de especiaria, esta, muito, mas muito mais valiosa: a informação.

A popularização da Internet tem levado à emergência de martkeplaces, mercados digitais operados por plataformas de gigantesco alcance público. Amazon, Alibaba, WeChat, Facebook, Google, Apple, Microsoft, Linkedin, Uber, dentre outros, se tornaram os intermediários das Grandes Navegações Digitais. Ao desempenhar as funções de mercadores da informação, essas plataformas têm proporcionando ganhos difusos para a sociedade ao reduzirem assimetrias de informação e custos de transação, além de integrar compradores e vendedores que antes pouco ou nada tinham acesso aos mercados.

A distância entre compradores e vendedores diminuiu e eliminaram-se intermediários. Ficou substancialmente mais fácil achar um amigo, um emprego, um quarto de hotel, chamar um táxi, comprar uma geladeira ou até mesmo contratar um serviço empresarial.

O nivelamento das oportunidades para se competir em igualdade de condições no oceano digital ajudou a levar Thomas Friedman a considerar que “o mundo seria plano”.

Cesar Hidalgo fez argumento similar, mas a partir da lógica de redes: quanto mais conectados estiverem os agentes, mais meritocrático será o sistema econômico. Em outras palavras, quanto menor for o número de intermediários necessários para se chegar ao comprador, maior será o valor apropriado pelo produtor do bem comercializado. Com isto, recompensa-se mais quem originalmente mais gera valor. Já em redes pouco conectadas, o intermediário é o maior beneficiário, o que leva a uma topocracia.

Estaria o mundo moderno se tornando mais meritocrático? Infelizmente, não. A eliminação de intermediários veio acompanhada de elevada e crescente concentração das transações em poucas plataformas. Apesar de haver maior competição horizontal entre produtores de bens e serviços, há elevada e crescente codependência deles para com as plataformas para intermediar transações.

De fato, os efeitos-rede e plataforma tornaram quase impossível contestar os modernos mercadores. Até mesmo os unicórnios, startups tecnológicas que chegaram a valer US$ 1 bilhão ou mais, pouco ou nada conseguem competir com as grandes plataformas.

O que estamos vendo, na verdade, são os grandes mercadores se apropriarem tanto dos excedentes do consumidor, como, também, da firma, uma característica topocrática que eleva o poder daquele grupo à uma condição sem precedentes na história econômica.

Difícil negar que as grandes plataformas digitais estão revolucionando os mercados. Mas, ironicamente, se, de um lado, essas inovações digitais estão nos proporcionando uma verdadeira revolução tecnológica de acesso à informação, por outro lado, a crescente concentração da informação em poucas mãos está comprometendo a horizontalidade e a difusão dos benefícios daquela revolução.

Essa hierarquização da rede econômica está trazendo consigo características topocráticas agudas. O mundo é plano, mas não para todos.

Como disse Jeff Bezos, CEO da Amazon, ainda estamos no “day one” da era digital. É difícil prever quais serão as consequências dessa crescente concentração da informação. Mas, do pouco que já pudemos ver, pode-se dizer que, quanto mais plano for o mundo, melhor será para todos.

A indústria 4.0 não é panaceia

A indústria 4.0 já é realidade e veio para ficar. Empresas em todos os continentes estão acelerando as suas posições nessa tecnologia e já se prevê aumento significativo dos níveis de digitalização na produção industrial.

A nova tecnologia também chegou ao Brasil. Empresas nacionais estão digitalizando áreas das suas cadeias verticais (processos operacionais) e horizontais (parceiros), aumentando seus portfólios de produtos com funcionalidades digitais e introduzindo serviços inovadores baseados em dados. Mas apenas 9% das empresas brasileiras se classificam como partícipes de alguma forma da agenda de digitalização. Estima-se que esse percentual venha a saltar para mais de 60% até 2020. Analistas indicam que este salto será mais agressivo do que o das empresas em nível global, com expectativas de ganhos substanciais resultantes da digitalização na melhoria da eficiência, custos e receitas e, portanto, na produtividade e competitividade.

A perspectiva de crescente incorporação de tecnologias avançadas é boa nova para a manufatura brasileira, que vem, já há muito, enfrentando dificuldades competitivas.

Mas a indústria 4.0 terá mesmo impactos que venham a “virar o jogo” e dar à indústria brasileira um padrão de eficiência que garanta a sua competitividade?

A resposta é: provavelmente, não. Isto porque uma coisa é a nova tecnologia aumentar a competitividade absoluta; a outra é aumentar a competitividade relativa.

De fato, grosso modo, pode-se aumentar a produtividade e a competitividade por três meios. O primeiro é turbinando a eficiência da produção; o segundo é produzindo bens e serviços de mais alto valor agregado. O terceiro é a combinação dos dois anteriores.

A indústria 4.0 pode contribuir, e muito, para aumentar a eficiência das cadeias vertical e horizontal das empresas. São alterações internas, dentro do “chão de fábrica”, e alterações externas, junto a fornecedores e colaboradores, que levam à redução de ineficiências e dos tempos, cortes de custos, otimização de processos, melhoria de gestão de recursos financeiros, humanos, estoques e de ativos, aumento da qualidade e maior flexibilidade e agilidade. Aumenta, portanto, a competitividade absoluta.

Mas a indústria 4.0 per se não leva ao aumento da agregação de valor. Pode-se, por exemplo, implantar smart factories numa unidade de carros populares 1.0, com aumento de lucros, competitividade e até qualidade. Mas, ao fim e ao cabo, a unidade seguirá produzindo carros populares. Por certo, a produção de carros de mais alto valor depende de inúmeros fatores que vão muito além da tecnologia da fábrica.

O aumento da competitividade relativa associada à indústria 4.0 depende de ao menos dois fatores que estão fora do controle das empresas que adotam a tecnologia: o primeiro é o grau de “commoditização” daquelas tecnologias; o segundo é o padrão de competição em nível global.

Em razão da migração do modelo de negócios das grandes “fábricas de fábricas”, como Bosch, Siemens, Kuka e outras, que estão se transformando em plataformas virtuais de gestão de serviços da produção, uma crescente commoditização digital está em curso. Não por acaso, observa-se popularização de robôs, sensores, impressoras 3D e de tudo aquilo necessário para fazer funcionar a fábrica do futuro.

Espera-se que o número de robôs industriais venha a passar de 1,7 milhão, em 2017, para 3,1 milhões, em 2020. De fato, já caminhamos para a cloud robotics, em que robôs são conectados a plataformas em que até mesmo seus desempenhos são monitorados e comparados remotamente e parâmetros como velocidade, ângulo e força são alterados para a otimização da produção e mapas de tarefas são atualizados em função daquilo que se quer produzir. Em última análise, o advento do big data na manufatura e a introdução das plataformas na gestão da produção estão redefinindo os limites da indústria.

Quanto mais abertos forem os mercados globais, menos impacto terá a fábrica do futuro na competitividade relativa de uma empresa local, já que, em última análise, outras tantas empresas do mesmo segmento mundo afora também têm acesso e operam com a mesma tecnologia.

Embora possa contribuir significativamente para o aumento da eficiência absoluta, a indústria 4.0 não deve ser vista como panaceia para a indústria brasileira. A eficiência relativa seguirá dependendo de uma gama de outros fatores, incluindo geografia, instituições, previsibilidade, tributação, capital humano, infraestrutura, serviços, empreendedorismo e acordos de comércio e investimentos.

O México nas cadeias de valor e o paradoxo da sua competitividade

O fenômeno da globalização contemporânea e os benefícios da troca de bens, serviços e ideias entre países tornaram a integração de países na economia global uma demanda de certa forma generalizada – ainda que com os altos e baixos e com as pressões e expressões nacionalistas e protecionistas. A abertura política e econômica de muitos países em desenvolvimento nos anos 90 propiciou a sua integração às economias avançadas, ajudando a dar forma ao que conhecemos hoje como cadeias globais de valor.

É notório que essa integração, no entanto, não é livre de custos. Além disso, a commoditização digital aumenta os riscos dessa integração no médio e longo prazo, sobretudo quando realizada majoritariamente por meio dos setores de montagem. De forma conflitante à defesa de que seria um exemplo para as economias emergentes, são nesses dilemas e paradoxos que se encontra o México.

A economia mexicana é, de fato, muito integrada à economia internacional e às cadeias globais de valor, tal como sugere a participação do comércio exterior no PIB da ordem de mais de 78%. O país também proporciona boa facilidade de fazer negócios – ao menos para os padrões latino-americanos – em boa parte resultante das reformas liberalizantes dos anos 90. Desde a criação do NAFTA, em 1994, as exportações passaram a ser elementos-chave para a criação de emprego no país e respondem por boa parte do crescimento econômico.

Apesar dos benefícios, alguns dos resultados dessa integração podem ser questionados e seriam opostos ao argumento do presidente norte-americano Donald Trump de que o NAFTA seria muito mais vantajoso para o México do que para os Estados Unidos.

A média do crescimento do PIB per capita do México entre 2005 e 2015 foi de apenas 1%, uma das menores da América Latina. Quanto aos salários, a média salarial anual de 2016 do México foi a menor entre os 32 países da OCDE, conforme mostra a figura abaixo: US$ 15.311. Curiosamente, em 2006, a média anual dos salários do país era maior do que a de 2016: US$ 16.073. Apesar da diferença de tamanho das economias, outro país latino-americano da OCDE, o Chile, teve média bem acima, de US$ 28.434, tendo entre os dois países apenas as médias de países do leste europeu e da Grécia. O grande vizinho, os Estados Unidos, teve, em 2016, média praticamente quatro vezes maior do que a mexicana, estando na segunda posição entre os países da OCDE.

Gráfico – Média salarial anual de 2016 em dólares americanos – OCDE

Fonte: elaboração própria, com base nos dados da OCDE

Não é à toa que tem se discutido que o México competirá com a Ásia em produtos de baixo valor agregado em virtude dos aumentos salariais chineses e estagnação dos salários mexicanos.

Alguns estudos são, no mínimo, curiosos quanto à avaliação da indústria mexicana. Com o propósito de identificar quais são as nações que oferecem e oferecerão os ambientes industriais mais competitivos, a Deloitte e o Council on Competitiveness publicaram o estudo Global Manufacturing Competitiveness Index. O estudo inclui mais de 500 repostas a questionários com executivos sêniores ao redor do mundo. Em 2016, o México ocupou a honrosa oitava posição mundial no ranking e projeta-se que o país será a sétima economia mais competitiva do mundo em termos industriais em 2020.

No entanto, vemos com certa desconfiança competitividade baseada sobretudo em baixos salários. Essas avaliações e estudos entram em contradição com o avanço da economia digital, com os prospectos para a automação industrial e com a crescente importância de serviços em sinergia com a indústria, que ‘ameaçam’ ou ‘transformam’ muitos dos empregos de setores mexicanos voltados à exportação. Com a baixa densidade industrial e a baixa agregação de serviços avançados na economia doméstica e na economia global, o México se mostra, no momento, abaixo das condições de um upgrade progressivo no comércio de valor adicionado.

Apesar do potencial da sua economia de mercado, alguns outros fatores podem estar por trás do baixo crescimento econômico do país, como a grande informalidade e precariedade dos empregos na fronteira, a existência de muitas empresas de baixa produtividade e a alta dispersão da produtividade no país. Em relação a isso, há alguns questionamentos: será que o fato de estar integrado no setor industrial de montagem seria uma etapa necessária para se progredir para etapas mais nobres nas cadeias de valor de serviços? Ou mesmo, haveria alguma vantagem nisso? Haveria a possibilidade de que o país fique ‘aprisionado’ em tais camadas desses setores de produção?

Somado a isso, há quem aposte que a Aliança do Pacífico poderá, de alguma forma, vir a ser uma alternativa de maior integração do México na economia global, mas é improvável que isto seja de grande impacto no médio prazo diante da estrutura econômica voltada para etapas de baixo valor adicionado nas cadeias de valor. Por último, estar na fronteira física com o maior mercado consumidor do mundo é uma vantagem, mas a consideração do aumento da competitividade em etapas de mais alto valor adicionado se faz necessária e isto envolve serviços associados ao conhecimento e à agregação de valor em suas políticas econômicas, tanto no âmbito doméstico, como no âmbito do NAFTA.

Serviços, emprego e produto

A figura 1 mostra a taxa instantânea de crescimento anual do emprego setorial no período 1990-2011. Com 1,36%, os serviços são a principal fonte de geração de empregos no Brasil. A manufatura, que vem logo depois, tem taxa quase duas vezes menor, de 0,71%. Com isto, o setor de serviços tende a ter participação cada vez mais predominante no estoque de emprego. Em 2016, o setor já respondia por mais de três quartos do emprego total, nível comparável apenas ao de países avançados.

Quais são as razões de tamanho “sucesso”? São várias, mas a principal é a elevadíssima elasticidade-emprego do produto, qual seja, a sensibilidade do emprego setorial com relação à variação da atividade econômica do setor.

A figura 2 mostra as elasticidades setoriais. O aumento de 1% do produto no setor de serviços implica num aumento de 1,12% no emprego. Na manufatura, essa taxa é de 0,54%. Tudo o mais constante, o crescimento econômico leva a um aumento desproporcionalmente elevado do emprego nos serviços, enquanto que nos demais setores a variação do emprego é desproporcionalmente baixa – na agricultura, a variação chega a ser negativa, o que, obviamente, está associado à forte adoção de tecnologia. A consequência é que o setor de serviços está se tornando largamente predominante no mercado de trabalho, para o bem e para o mal.

O que explica o diferencial de elasticidades setoriais? São muitas as causas, mas a principal são as características das empresas. Diferentemente dos demais setores, micro  empresas, empresas de baixa relação de capital por trabalhador e de baixa adoção tecnológica e empresas de baixa e baixíssima produtividade (Arbache 2015) predominam no setor de serviços

Se, por um lado, o setor de serviços cumpre a bem-vinda tarefa social de criar muitos postos de trabalho, por outro lado, esse benefício vem com custos não negligenciáveis, já que muitos desses empregos são bastante vulneráveis. Ali, assim como empregos são criados aos montes, eles também são destruídos aos montes. E isto acontece sobretudo porque as próprias empresas de serviços são relativamente mais vulneráveis ao ciclo econômico do que as empresas dos outros setores.

De fato, a maior parte dos empregos criados no período de rápida queda do desemprego (2005-2013) teve origem no setor de serviços. Mas a maior fonte de desemprego no período de recessão (2014-presente) também teve origem nos serviços. Para detalhes, veja o Boletim de Serviços deste blog.

Para além da baixa qualidade do emprego, a baixa produtividade do setor também preocupa em razão dos seus efeitos no nível e nas perspectivas de aumentos salariais – se a produtividade não cresce, não há porque esperar aumentos salariais reais dos trabalhadores do setor.

Na medida que os serviços já são o maior componente da cesta de consumo das famílias e das matrizes de custos de produção das empresas industriais (Arbache 2016; Arbache, Rouzet e Spinelli 2016), então este imenso setor de baixa produtividade “intoxica” a economia e compromete o custo de vida, o bem-estar das famílias e a competitividade das empresas.

O eventual (e necessário) aumento da eficiência e da produtividade do setor de serviços terá, provavelmente, efeitos negativos de curto prazo na geração de empregos. A commoditização digital também deverá contribuir para reduzir a elasticidade emprego do produto no setor. No médio prazo, porém, é provável que os efeitos da maior eficiência e produtividade do setor de serviços sejam desproporcionalmente positivos para a economia, especialmente em razão dos seus impactos na competitividade e no bem-estar.

 

Nota técnica: estimações do autor. Dados do Groningen Growth and Development Center. Foram excluídos dos cálculos os serviços governamentais, construção civil e utilidades públicas.

O Milagre Econômico da E-stônia

O ano é 1991.  Gorbachev anuncia a dissolução da União Soviética, reconhecendo a independência de diversas repúblicas que pertenciam à antiga União. O anúncio foi recebido festivamente, principalmente pelo menor desses estados, a Estônia, que usufruía de independência pela segunda vez na sua história; a primeira durara apenas vinte e dois anos, no período entre-guerras. O longo histórico de ocupação territorial obrigava os estonianos a se fortalecerem politicamente e economicamente para se afirmarem como estado independente

A liberdade, entretanto, não garantiu prosperidade. Pelo contrário, a quebra da estrutura econômica e das conexões comerciais com sua antiga matriz gerou dificuldades imediatas. Em 1992, o pequeno estado báltico sofreu uma queda de 30% na produção industrial e de 45% nos salários reais, além de apresentar taxa de inflação que superava 1000%. A economia não conseguia se estabilizar, ocasionando um declínio acumulado de 36% no PIB estoniano entre 1990 e 1994.

No meio do caos, há sempre uma oportunidade. O corte dos laços com a antiga estrutura econômica e política produziu grandes dificuldades para a Estônia, mas também configurou uma janela de oportunidade para que o país se reconstruísse a partir do zero. As reformas de estabilização macroeconômica aplicadas na década de 1990 abriram o caminho para políticas de inovação, de abertura econômica, de inclusão digital e de governança.

O processo de inclusão digital merece especial atenção. Em 2000, a Estônia se tornou o primeiro país a declarar o acesso à Internet um direito humano básico, mesmo ano em que ratificou lei reconhecendo assinaturas digitais. Os estonianos também foram os primeiros a permitir votação on-line em eleições, em 2005. Já em 2012, o sistema escolar do país começou a ensinar programação aos seus alunos. Reivindica-se que 99% dos serviços públicos migraram para plataformas digitais, funcionando 24 horas por dia.

A confluência de políticas favoráveis à digitalização e à abertura de negócios rendeu resultados, principalmente ao setor de serviços. Inúmeras startups de tecnologia emergiram da capital Tallinn nas  décadas recentes, dentre eles os famosos Skype e Kazaa. Robôs que realizam entregas (Starship Technologies) e plataformas que angariam capital para startups utilizando blockchain (FunderBeam) estão entre as novas soluções que essas empresas oferecem.

Pode-se afirmar que esse pequeno estado báltico, hoje pertencente à Zona do Euro, escapou da armadilha da renda média. O processo de desindustrialização ocorrido desde a independência foi acompanhado da ascensão de uma ampla gama de serviços profissionais e comerciais (PBS), como exemplificado acima, e, por conseguinte, do crescimento da densidade industrial. Lastreada em conexões industriais, a parcela de PBS no PIB somou 25% em 2014, valor similar ao da Dinamarca. As Figuras 1 e 2 explicitam a trajetória que o país tomou no espaço-indústria (clique aqui para saber mais sobre esse conceito), entre 2000 e 2014. O México, país que possuía densidade industrial similar à Estônia no começo desse período, percorreu outro caminho.

Atualmente, a Estônia tem PIB (PPP) per capita superior a US$27.000 e é a mais próspera das ex-repúblicas soviéticas. O país aproveitou a janela de oportunidade que surgiu e garantiu a sua passagem para o desenvolvimento.

Em momento de crise e discussão de políticas públicas no Brasil, pode-se aprender muito com o experimento estoniano, com a ressalva de que desenvolvimento não se faz como receita de cozinha. Talvez não tenhamos os ingredientes para reproduzir a legítima pirukas estoniana, mas nada impede que as nossas ideias e reflexões possam ser inspiradas pelos eestlased.

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Qual é a relação entre queda da parcela do trabalho no PIB e commoditização digital?

Evidências empíricas mostram que a participação do trabalho no PIB está em declínio em vários países, particularmente a partir dos anos 2000. Impactos das importações de manufaturados asiáticos na produção local (indústrias mais abertas e mais intensivas em trabalho seriam as mais afetadas); mudança do perfil da produção em favor de setores mais intensivos em capital e tecnologia; queda do custo do capital em relação ao trabalho, notadamente em relação a equipamentos de TICs (efeito particularmente importante quando a elasticidade de substituição numa função de produção CES é maior do que 1); teoria das “superestrelas“, que são firmas com gigantescas participações em seus respectivos mercados globais e que operam com elevados mark-ups; enfraquecimento do poder de barganha dos sindicatos e outros fatores que levam a que os salários cresçam menos que a produtividade do trabalho estariam entre as explicações mais comuns.

Este post explora a hipótese de que a commoditização digital também pode ajudar a explicar a queda da parcela do trabalho no produto.

A commoditização digital refere-se à crescente popularização do acesso e do uso de tecnologias digitais. Equipamentos de tecnologia da informação em geral, softwares padronizados de finalidades diversas, aplicativos de apoio na web, robôs, impressoras 3D, internet das coisas, sensores e serviços na nuvem estão entre as tecnologias que estão se commoditizando. De fato, os preços desses recursos produtivos altamente sofisticados só fazem cair. E a tendência é que caiam ainda mais em razão da mudança do modelo de negócios daqueles que produzem essas tecnologias, que passaram a focar na provisão de pacotes de serviços de gestão e de otimização da produção como o seu core business. Logo, quanto mais conseguirem popularizar aquelas tecnologias, melhor.

O que isto tem a ver com a participação do trabalho no PIB? Tudo, pois a commoditização digital está reduzindo substancialmente o custo de acesso a tecnologias avançadas. Se o custo cai e se essas tecnologias aumentam a eficiência das empresas, então aumentam os incentivos para a sua adoção. Com isto, a demanda por trabalhadores cai e os salários ficam deprimidos, levando  à queda da participação do trabalho no PIB. Hoje, o uso de tecnologias digitais já está presente até mesmo em países de renda média baixa abundantes em trabalho e mesmo na produção de coisas tão simples como tijolos, produtos têxteis e calçados.

Praticamente todos os setores e, portanto, quase todos os trabalhadores estão expostos à commoditização digital. Mesmo trabalhadores qualificados, como os associados à tecnologia da informação, já padecem daqueles efeitos. Considere os serviços de TI na nuvem, que têm provocado significativos ajustes nos tamanhos e nos formatos dos times locais de TI das empresas. Para além dos robôs de chão de fábrica, robôs que fazem uso de inteligência artificial já estão ocupando espaços também na área dos serviços, que supostamente seriam menos expostos em razão da menor padronização das atividades deste setor. Mas, o que se vê, na verdade, é o crescimento dos robôs em escritórios de advocacia, hospitais e outros serviços de saúde, call centers e em outros segmentos dos serviços.

É provável que, à medida que a commoditização digital se popularize, seus efeitos sobre o mercado de trabalho aumentem de forma desproporcional em razão do aumento do uso de tecnologias digitais até mesmo em micro e pequenas empresas. Nos países que combinam mão de obra pouco qualificada com custos de gestão do trabalho elevados, ou em que há insegurança jurídica associada aos órgãos públicos que cuidam do assunto, é provável que a substituição de trabalho por capital venha a ser ainda mais intensa, com efeitos sociais, econômicos e até políticos potencialmente devastadores. De fato, a queda da participação do trabalho tem implicações de várias ordens. Ali incluem-se a queda do apoio à globalização e ao comércio internacional, o apoio ao populismo, a queda do consumo das famílias e o aumento da desigualdade social, para citar algumas.

A pior das reações de um país será a imposição de barreiras de proteção à adoção de tecnologias digitais, que poderá isolá-lo dos mercados e distanciá-los das fronteiras do conhecimento. O caminho mais razoável parece estar na incorporação da lição de que o conhecimento é a mola mestra da criação de valor e de empregos no século XXI. Por mais desafiador que possa parecer esta lição para países late-comers, é preciso encontrar meios para se fazer desta agenda parte da agenda do desenvolvimento, ainda que ela não trate na integralidade de todas as dimensões do emprego.

Telecomunicações têm a maior receita do setor de serviços

Os serviços de telecomunicações continuam ocupando a primeira posição entre os serviços que mais geram receita operacional líquida no Brasil, excetuando os financeiros. É o que aponta a Pesquisa Anual de Serviços – PAS, publicada 22 de setembro deste ano pelo IBGE. Apesar de terem perdido participação de 2007 (18,9%) para 2015 (11,3%), tais serviços devem continuar em posição de destaque na geração de receitas nos próximos anos, principalmente com a chegada da quinta geração de comunicação móvel (5G) e da consequente massificação da internet das coisas (IoT). Crescente em importância na produção e na agregação de valor ao produto final, o setor de telecomunicações apresenta elevada concentração de mercado e poderia ver suas receitas crescendo em ritmo menos acelerado caso uma política mais agressiva de promoção da concorrência fosse aplicada.

A pesquisa revelou para o setor de serviços e de telecomunicações em 2015, respectivamente, 1.286.621 e 7.494 empresas operando, gerando R$ 1,4 trilhão e R$ 162 bilhões de receita operacional líquida, R$ 856 bilhões e R$ 72,2 bilhões de valor adicionado bruto e, ainda, 12,7 milhões e 195 mil pessoas empregadas que receberam R$ 315 bilhões e R$ 9,9 bilhões em salários, retiradas e outras remunerações. Em 2015, enquanto o salário médio mensal em serviços situou-se em R$ 1.911, os maiores salários vieram das empresas de informação e comunicação, com média de R$ 3.831 mensais. A pesquisa também revelou o ranking abaixo.

Os dados acima corroboram com a análise de Arbache (2015); na página 3 o autor afirma que o aumento dos rendimentos dos serviços está conectado aos fatores produtivos e tecnológicos que levam a uma crescente participação dos serviços nas cadeias de suprimentos e no valor agregado dos bens. O desenvolvimento e a massificação das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), bem como dos serviços de transporte e logística, contribuíram para a popularização das tecnologias organizacionais e de produção que possibilitam às firmas focarem nas suas atividades principais, terceirizando as demais funções.

Podemos exemplificar essa ideia do autor com o caso de um fabricante de acessórios de informática no Brasil. Em sua cadeia de suprimento, serviços de telecomunicações são demandados na medida em que a sede se comunica com os fornecedores. Empresas de transportes levam os insumos até a fábrica. Um restaurante é contratado para servir alimento aos funcionários e a vigilância fica a cargo de uma empresa de segurança. Uma vez que as demais atividades necessárias ao funcionamento fabril são contratadas de terceiros, a fábrica está apta a focar estritamente na produção de acessórios de informática. Ademais, a tecnologia bluetooth representaria  valor agregado ao teclado — produto final da fábrica — na medida em que a receita advinda da venda do teclado sem fio, apto ao bluetooth, é maior comparativamente a da venda do antigo modelo com fio.

Seguindo esse raciocínio, observe que os serviços de telecomunicações são importantes tanto durante a produção dos bens quanto na agregação de valor aos produtos finais. E essa importância deve crescer com o tempo, pois com o 5G, por exemplo, as máquinas devem estar ainda mais conectadas dentro das fábricas e as cadeias de suprimentos também devem aumentar sua integração. Do ponto de vista da agregação de valor, inovações tecnológicas adicionadoras de serviços de telecomunicações aos dispositivos móveis devem seguir surgindo, como resposta à demanda de consumidores por produtos mais conectados (o smartphone é o maior exemplo disso).

A inserção dos cidadãos nas redes de comunicação de dados seria cada vez mais democrática se houvesse redução dos preços dos serviços de telecomunicações. De acordo com estudo inédito do IPEA em parceria com a Anatel, é grande o potencial atual de expansão da banda larga no país: mais de 50 milhões de residências desejam acesso à web, a grande maioria de baixa renda.

Apesar da PAS revelar mais de 7 mil empresas operando as telecomunicações em 2015, o setor é bem concentrado pois poucas empresas dominam a maior parte do mercado, resultando em preços mais elevados e em qualidade inferior aos predominantes numa eventual concorrência perfeita. Dessa forma, o estímulo à entrada e ao crescimento de empresas até então com menor expressão no mercado é essencial para redução de preços e a consequente inclusão das famílias de baixa renda às redes de comunicação de dados, e para incentivar a melhoria na qualidade do serviço.

A promoção de concorrência no setor poderia até causar uma desaceleração no crescimento das receitas dos serviços de telecomunicações, dado a queda de preços. Ainda assim, as receitas deveriam continuar crescendo. Isso porque, além dos motivos apresentados anteriormente, um estudo recente (2017) organizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) prevê R$ 155 a R$ 620 bilhões aportados na economia brasileira, até 2025, pela Internet das Coisas. Já no resto do mundo, o valor deve ser de 4 a 11 trilhões de dólares.

A partir do discorrido acima, podemos concluir que os serviços de telecomunicações são crescentes em importância tanto no processo produtivo quanto na agregação de valor aos produtos finais. Não é à toa que eles despontam como os maiores geradores de receita líquida no Brasil, dentre os serviços avaliados pela PAS. De fato, a concentração de mercado contribui para tal resultado, visto que os preços poderiam ser menores com o fortalecimento de operadoras de menor porte e de menor poder de mercado. Porém, é provável que um possível fortalecimento da concorrência não ofereceria queda de receita para as atuais firmas de grande poder de mercado, mas sim uma desaceleração no crescimento de futuras receitas e uma maior democratização no uso do serviço.

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