Economia de Serviços

um espaço para debate

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A indústria 4.0 não é panaceia

A indústria 4.0 já é realidade e veio para ficar. Empresas em todos os continentes estão acelerando as suas posições nessa tecnologia e já se prevê aumento significativo dos níveis de digitalização na produção industrial.

A nova tecnologia também chegou ao Brasil. Empresas nacionais estão digitalizando áreas das suas cadeias verticais (processos operacionais) e horizontais (parceiros), aumentando seus portfólios de produtos com funcionalidades digitais e introduzindo serviços inovadores baseados em dados. Mas apenas 9% das empresas brasileiras se classificam como partícipes de alguma forma da agenda de digitalização. Estima-se que esse percentual venha a saltar para mais de 60% até 2020. Analistas indicam que este salto será mais agressivo do que o das empresas em nível global, com expectativas de ganhos substanciais resultantes da digitalização na melhoria da eficiência, custos e receitas e, portanto, na produtividade e competitividade.

A perspectiva de crescente incorporação de tecnologias avançadas é boa nova para a manufatura brasileira, que vem, já há muito, enfrentando dificuldades competitivas.

Mas a indústria 4.0 terá mesmo impactos que venham a “virar o jogo” e dar à indústria brasileira um padrão de eficiência que garanta a sua competitividade?

A resposta é: provavelmente, não. Isto porque uma coisa é a nova tecnologia aumentar a competitividade absoluta; a outra é aumentar a competitividade relativa.

De fato, grosso modo, pode-se aumentar a produtividade e a competitividade por três meios. O primeiro é turbinando a eficiência da produção; o segundo é produzindo bens e serviços de mais alto valor agregado. O terceiro é a combinação dos dois anteriores.

A indústria 4.0 pode contribuir, e muito, para aumentar a eficiência das cadeias vertical e horizontal das empresas. São alterações internas, dentro do “chão de fábrica”, e alterações externas, junto a fornecedores e colaboradores, que levam à redução de ineficiências e dos tempos, cortes de custos, otimização de processos, melhoria de gestão de recursos financeiros, humanos, estoques e de ativos, aumento da qualidade e maior flexibilidade e agilidade. Aumenta, portanto, a competitividade absoluta.

Mas a indústria 4.0 per se não leva ao aumento da agregação de valor. Pode-se, por exemplo, implantar smart factories numa unidade de carros populares 1.0, com aumento de lucros, competitividade e até qualidade. Mas, ao fim e ao cabo, a unidade seguirá produzindo carros populares. Por certo, a produção de carros de mais alto valor depende de inúmeros fatores que vão muito além da tecnologia da fábrica.

O aumento da competitividade relativa associada à indústria 4.0 depende de ao menos dois fatores que estão fora do controle das empresas que adotam a tecnologia: o primeiro é o grau de “commoditização” daquelas tecnologias; o segundo é o padrão de competição em nível global.

Em razão da migração do modelo de negócios das grandes “fábricas de fábricas”, como Bosch, Siemens, Kuka e outras, que estão se transformando em plataformas virtuais de gestão de serviços da produção, uma crescente commoditização digital está em curso. Não por acaso, observa-se popularização de robôs, sensores, impressoras 3D e de tudo aquilo necessário para fazer funcionar a fábrica do futuro.

Espera-se que o número de robôs industriais venha a passar de 1,7 milhão, em 2017, para 3,1 milhões, em 2020. De fato, já caminhamos para a cloud robotics, em que robôs são conectados a plataformas em que até mesmo seus desempenhos são monitorados e comparados remotamente e parâmetros como velocidade, ângulo e força são alterados para a otimização da produção e mapas de tarefas são atualizados em função daquilo que se quer produzir. Em última análise, o advento do big data na manufatura e a introdução das plataformas na gestão da produção estão redefinindo os limites da indústria.

Quanto mais abertos forem os mercados globais, menos impacto terá a fábrica do futuro na competitividade relativa de uma empresa local, já que, em última análise, outras tantas empresas do mesmo segmento mundo afora também têm acesso e operam com a mesma tecnologia.

Embora possa contribuir significativamente para o aumento da eficiência absoluta, a indústria 4.0 não deve ser vista como panaceia para a indústria brasileira. A eficiência relativa seguirá dependendo de uma gama de outros fatores, incluindo geografia, instituições, previsibilidade, tributação, capital humano, infraestrutura, serviços, empreendedorismo e acordos de comércio e investimentos.

A Economia Mundial como Rede Complexa

Esse é o primeiro de uma série de textos no blog que abordarão o papel da complexidade no desenvolvimento econômico. Complexidade é aquilo que se observa em um sistema composto por um grande número de agentes inter-relacionados, sem controle central, cujo comportamento global emergente não pode ser explicado ou previsto pela soma do comportamento individual dos agentes. O estudo da complexidade, bem como do mapeamento das interações em um sistema complexo, ou seja, das redes complexas, não é originário das ciências sociais. Dentre as aplicações de origem mais conhecidas, estão, por exemplo, pesquisas sobre a relação entre genes, proteínas e metabólitos para o compreender o funcionamento das células e pesquisas sobre as conexões neurológicas para entender as funções cerebrais. Nas últimas décadas, entretanto, a aplicação das redes complexas ganhou tração nas ciências sociais, sendo identificadas em cidades, na internet, no mercado financeiro, no comércio internacional, entre outros.

Aplicar conceitos de outros campos de estudo não é novidade para os economistas há um bocado de tempo: os pais do marginalismo, Walras e Jevons, revolucionaram nosso campo de estudo ao importarem da Física Mecânica as noções de equilíbrio estável e otimização restrita. Utilizando o instrumental de ciência de redes e complexidade, provavelmente o trabalho que até hoje obteve maior impacto na Economia é o de Hausmann e Hidalgo. Ao observar dados de exportação de bens, esses autores concluíram que o desenvolvimento econômico de um país está intimamente relacionado com o que ele produz. Países mais desenvolvidos seriam aqueles que produzem bens mais complexos, geralmente industriais, como máquinas e computadores, enquanto os menos desenvolvidos seriam especializados em produzir produtos primários, como soja.

Os primeiros passos dados para compreender a natureza do desenvolvimento econômico no âmbito da complexidade fizeram renascer o debate sobre o papel da indústria na trajetória virtuosa de acumulação de riqueza pelos países. Nesse primeiro artigo sobre o tema, proponho que alterar a base de dados do trabalho seminal de Hausmann e Hidalgo pode contribuir para esse debate, lançando algumas conclusões iniciais. Apesar do pioneirismo brilhante em se utilizar exportações de bens para observar o desenvolvimento de um país, esses dados ignoram as relações econômicas desempenhadas domesticamente, bem como a importância dos serviços para a geração de valor econômico, que representam quase 70% do produção mundial. Ademais, atrelar a geração de valor a bens finais também pode ser inadequado, uma vez que está cada vez mais relacionada ao conceito de atividades. Nesse sentido, observar a cadeia produtiva capturaria melhor o processo pelo qual se embute valor a produtos, levando em conta a gama complexa de conexões entre os setores ao longo do processo produtivo. A cadeia produtiva do iPhone, por exemplo, envolve pesquisa e desenvolvimento, design, desenvolvimento de plataforma e de sistema operacional, marketing, produção de semicondutores e de telas de LCD, montagem do produto e diversas outras atividades.

Para operacionalizar a análise de complexidade por meio de cadeias produtivas, utilizo uma matriz mundial de insumo-produto, a WIOD. Essa base de dados compreende as relações entre 56 setores de 43 países, totalizando 85% do PIB mundial. A WIOD apresenta a relação econômica que cada setor de cada país tem com todos os outros setores de todos os países. Para os 2408 “agentes” – setores produtivos – da economia mundial, há quase 6 milhões de conexões que compõem essa malha econômica. Após tratamento de dados*, restaram cerca de 30.000 conexões, com um número médio de conexões por setor-país igual a 18. Os dados da economia mundial de 2014 foram plotados no aplicativo de redes Gephi, via algoritmo de visualização OpenOrd. Veja o resultado abaixo.

Cada nó representa um setor de um país. O tamanho do nó é a soma das suas conexões, ou seja, tanto do que foi oferecido como do que foi demandado de insumos de outros setores. A cor de cada nó segue um algoritmo de detecção de comunidades de acordo com as relações que cada nó tem com seus pares. Como é de se esperar, a cadeia produtiva se organiza de maneira a possuir maior relacionamento entre setores do mesmo país. Dessa maneira, mesmo sem forçar tal resultado, há a formação de agrupamentos de mesma cor, que representam, ultimamente, um país. Os setores brasileiros – os nós verdes ao lado da China – possuem natureza marginal na cadeia global de valor. Estão pouco conectados a setores externos e, quando conectados, a poucos países. Curiosamente, o país mais conectado aos setores brasileiros é a China, não os Estados Unidos.

Note, também, a posição central dos setores estadunidenses na rede. Isso ocorre, em boa parte, devido à grande importância dos setores aos quais os setores americanos estão conectados. A eigencentralidade, uma das diversas medidas de importância de cada nó na rede, captura esse efeito “diga-me com quem andas que eu te direi quem és”. Já a centralidade de intermediação mede a capacidade de um nó de transmitir informação para toda a rede, como um broker. Se para “caminhar” entre dois nós quaisquer da rede, deve-se passar frequentemente por um nó específico, esse nó possuirá grande centralidade de intermediação.

De acordo com os resultados da Tabela 1 abaixo, os nós que possuem as maiores estatísticas de centralidade na rede são os setores industriais. Dessa maneira, a participação desses setores nas cadeias domésticas e globais de valor não somente revela a capacidade de contribuir diretamente à geração de valor, já que são os maiores nós da rede, como também a capacidade de conectar diversos setores ao longo do processo de produção, já que são os nós mais centrais da rede. O mais importante, certamente, é essa capacidade de servir como hubs, de conectar setores, pois ela amplifica o papel indutor que as atividades industriais possuem, similar à ideia de backward e forward linkages, proposta por Hirschman décadas atrás. Antes de fazer qualquer análise sobre a complexidade econômica das atividades industriais, é importante ressaltar, portanto, que essas atividades demandam e são demandadas por soluções que muitas vezes transbordam o seu escopo, gerando inovação e ganhos econômicos difusos. Não à toa, apesar de representar 15% do valor adicionado do PIB da União Europeia em 2015, a indústria correspondeu por 64% dos investimentos totais em P&D.

O estudo da economia mundial como rede complexa pode auxiliar a compreender a função que atividades econômicas desempenham nesse grande emaranhado produtivo. Estatísticas de redes apontam a importância das atividades industriais como conectores econômicos, podendo funcionar como catalizadores de outras atividades. Para escapar da armadilha da renda média e garantir o desenvolvimento econômico, seria suficiente, portanto, apenas industrializar um país? E qual seria o papel dos serviços? E o relacionamento entre indústria e serviços na trajetória do desenvolvimento econômico? Internalizar o instrumental de redes complexas parece ser importante para chegarmos um pouco mais perto de responder a essas perguntas. Entretanto, só conseguiremos usufruir eficientemente desse novo instrumental caso consigamos debater o problema de maneira agnóstica. Quem sabe, assim, para a ciência econômica, não se concretize a previsão de Stephen Hawking feita em 2000: I think the next century will be the century of complexity.

*O tratamento de dados consistiu em agrupar alguns setores para viabilizar a comparação entre setores de países e a aplicação de um filtro de US$200 milhões para facilitar a visualização da rede.

O Novo Trans-Pacific Partnership (TPP)

Após anos de negociações, o TPP experimentou dramático colapso com a saída dos Estados Unidos do acordo logo após a posse do Presidente Trump. Mas como Fênix, o mais ambicioso acordo de comércio jamais negociado está renascendo das cinzas e deverá ser finalizado nos próximos meses. Agora, como CPTPP (Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership). O acordo também tem sido chamado de TPP 11 em razão de seus 11, e não mais 12 membros originais.

O TPP 11 representa 15% da economia global e inclui economias importantes como Japão, Canadá, Austrália e México. Outros países já indicaram interesse de se juntar ao grupo, como Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia, Indonésia e Filipinas. Estimativas do PIIE indicam que, com a entrada desses países, haverá ganho anual de comércio de US$ 500 bilhões, valor até maior que o esperado com os países do acordo original. Isto aconteceria em razão da criação de novas cadeias de valor na Ásia associadas a Japão, Coreia do Sul e Taiwan, que ainda não têm acordos de livre comércio entre si e outros membros.

Sob a liderança do Japão, oficiais dos governos envolvidos no acordo original, à exceção dos americanos, negociaram um texto-base. O texto, ainda não divulgado para o público, não está fechado, mas os “core elements” já teriam sido definidos, quais sejam, remover apenas temporariamente pontos polêmicos com o compromisso de seu eventual restabelecimento mais para frente e manter quase intacto o acordo original.

Ainda que haja reservas a muitos pontos que teriam sido duramente defendidos pelos Estados Unidos na TPP, notadamente nas áreas de propriedade intelectual, serviços e economia digital, a principal razão das alterações minimalistas seria a de criar as condições para atrair aquele país de volta para o acordo.

Em razão da ampla e inconteste competitividade das empresas americanas nas áreas de serviços e economia digital, há consenso entre analistas e diplomatas de que o retorno dos Estados Unidos ao acordo seja apenas questão de tempo.

Do texto original de 622 páginas (fora anexos), o atual teria 584 páginas. Dos 29 capítulos, 17 tiveram nenhuma ou quase nenhuma mudança. Os demais tiveram apenas alterações pequenas, à exceção do capítulo de propriedade intelectual. Os compromissos originais de desgravação e acesso a mercados de bens e serviços, listas negativas, investimentos, movimento temporário de pessoas de negócios, compras públicas e empresas públicas, por exemplo, foram todos mantidos. Capítulos cruciais como os de comércio eletrônico, economia digital, serviços em geral, serviços financeiros, coerência regulatória, regras de origem, barreiras técnicas ao comércio, competição e temas sanitários e fitossanitários foram mantidos praticamente na sua totalidade.  Em serviços, manteve-se até mesmo o controverso requerimento de limitação de presença local; em economia digital, manteve-se até o não requerimento de se sediar dados do país no próprio país, a despeito das já reconhecidas potenciais consequências para segurança e privacidade.

Ainda que minimalistas, houve mudanças que merecem destaque, incluindo as que seguem.

  • Encomendas expressas – preservou-se espaço de competição para empresas públicas de serviços postais.
  • Mecanismo de disputa Estado-investidor – aumentaram-se os espaços para governos promoverem alterações legais e regulatórias de interesse público.
  • Investimentos – removeram-se da cobertura do acordo os chamados acordos de investimentos e autorização de investimentos, modalidades tipicamente associadas a investimentos nos setores de óleo, mineração e outras commodities.
  • Propriedade intelectual – este foi o capítulo que passou por maiores alterações. Foram removidas ou alteradas provisões de proteção a patentes biológicas (o lobby farmacêutico americano teria sido o principal responsável pela rejeição do TPP pelo Presidente Trump), testes de dados de patentes, novos meios de proteção a tecnologias da informação, incluindo medidas de proteção tecnológica (TPMs), direitos de informação, sinais criptografados de TV a cabo e satélite e portos seguros para provedores de serviços de internet, e reduziu-se o período de copyrights de 70 para 50 anos.

Ao promover a convergência regulatória em serviços e em economia digital e remover barreiras para o comércio de serviços e de dados, o CPTPP será o primeiro acordo de comércio a favorecer o livre trânsito de dados entre fronteiras.

Embora possa haver benefícios imediatos com a ampla liberalização daqueles setores, é preciso levar em conta que serviços e economia digital se tornarão  a mais importante fronteira de crescimento econômico e de geração de empregos e a face mais fundamental das relações econômicas entre países no século XXI. É a globalização 2.0, com amplas repercussões para o crescimento de países emergentes e para as perspectivas deles superarem a armadilha da renda média.

É preciso também levar em conta as assimetrias e as muitas repercussões dos efeito-rede e plataforma e as consequências da crescente consolidação de mercados em torno de algumas poucas grandes e poderosas empresas dos setores de serviços e economia digital, as superestrelas. A questão, portanto, é menos a de se e mais a de como se engajar nessas liberalizações.

Dada a abrangência de escopo das disciplinas envolvidas, a CPTPP deverá inspirar outros acordos. Na verdade, o acordo já é visto como um benchmark para futuras negociações comerciais e elementos do acordo Mercosul-EU, por exemplo, já se inspiram no TPP.

Novas rodadas de negociações acontecerão nas próximas semanas para remover obstáculos ainda remanescentes e detalhar procedimentos associados aos próximos passos. Há um acordo de assinatura do documento já no primeiro trimestre de 2018. O CPTPP entrará em funcionamento após a ratificação por pelo menos seis países. Espera-se que até o final de 2018 o acordo já esteja operacional.

Serviços e riqueza

Como os serviços contribuem para a geração de riquezas? As respostas são, naturalmente, muitas e dependem do país e do seu estágio de desenvolvimento, da sua demografia e estrutura econômica, das condições internacionais, dentre outros aspectos. Mas uma das respostas está associada à relação entre os serviços e os demais setores da economia.

Evidências empíricas mostram que não é o tamanho do setor de serviços na economia que mais importa para a geração de riquezas, mas sim a parcela dos serviços que são voltados para a produção (e não para consumo). No Brasil, o setor de serviços responde por cerca de 74% do PIB, mas os serviços técnicos comerciais profissionais (PBS), que são insumos pré- e pós-produção, respondem por 18% do PIB. Nos Estados Unidos, os serviços representam 82% do PIB e o PBS por 31%, portanto, proporção mais que o dobro da brasileira.

A diferença entre Brasil e Estados Unidos não é casual. Afinal, o padrão e a quantidade de serviços produtivos são preditores da estrutura de produção e da complexidade do país e, assim, do estágio de desenvolvimento econômico. De fato, enquanto a economia brasileira é concentrada em serviços de consumo, bens manufaturados de baixo valor adicionado e commodities, a americana é concentrada na produção de serviços de média e alta sofisticação, manufaturas de alto valor adicionado e bens de capitais.

Conforme este blog tem destacado, os serviços estão se tornando componentes cada vez mais importantes – e determinantes, até – da produção da manufatura, agricultura e até mesmo da mineração. De serviços de logística, de manutenção de máquinas e equipamentos e financeiros a serviços de P&D, TI e design, as evidências empíricas mostram que os serviços se tornaram o componente com maior participação no valor adicionado. No Brasil, os serviços respondem por 64% do valor adicionado da manufatura. Nos Estados Unidos, passam dos 75%. No caso do iPhone, por exemplo, a participação dos serviços  é largamente predominante no valor adicionado.

Se os serviços correspondem a parcela tão elevada do valor adicionado, então a capacidade de desenvolver e gerenciar serviços produtivos é condição determinante para se ter uma economia competitiva. Há que se esperar, desta forma, relação positiva entre tamanho do PBS e variáveis como densidade industrial.

O gráfico 1 abaixo mostra evidências nesta direção. Observam-se, grosso modo, dois grupos de países. De um lado (parte alta e mais à direita), estão países de alta densidade industrial e alta renda per capita e; de outro lado estão países de baixa densidade industrial e de renda per capita relativamente mais baixa (parte de baixo e mais à esquerda).

Uma economia tão avançada e dinâmica com a alemã, por exemplo, cuja densidade industrial passa dos US$ 11 mil, requer muita capacidade de desenvolvimento de softwares, serviços de gestão de redes de distribuição e de cadeias de produção globais, logística avançada e tantos outros serviços críticos para se agregar valor à sua sofisticada manufatura. Não por acaso, a participação do PBS no PIB é de 28%. Já Turquia, Rússia e México têm densidade industrial de cerca de US$ 1800 e PBS no intervalo de 11% a 14%.

Para além do tamanho do PBS e da sua relação com a densidade industrial está a composição do PBS. Este blog classifica o PBS em dois grupos: serviços de custos e serviços de agregação de valor e diferenciação de produto. O primeiro grupo é composto, grosso modo, por serviços convencionais de cadeias de valor, como logística, manutenção de equipamentos, serviços de TI, financeiros e de telecomunicações básicos e tantos outros serviços que estão nas planilhas de custos das empresas. Já os serviços de valor incluem P&D, design, marketing, distribuição, marcas, instrumentos financeiros sofisticados, softwares customizados dentre outros que diferenciam o produto e lhes agregam valor.

Evidências empíricas mostram que a parcela de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos são maiores nos países de alta densidade industrial. E mostram,  também, que aqueles serviços estão por detrás do crescimento da produtividade, em contraposição aos serviços de custos, que têm pouco ou nenhum impacto nessa variável.

Em resposta à pergunta do início, os serviços contribuem para a geração de riquezas majoritariamente através do PBS e, mais especificamente, dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos. Logo, para se ter indústria, agricultura ou mineração competitivos é também preciso que o país seja capaz de disponibilizar serviços modernos, sofisticados e competitivos.

Gráfico 1 – Densidade industrial e serviços técnicos comerciais e profissionais (PBS)

Nota: fontes primárias dos dados: densidade industrial – World Development Indicators; PBS – WIOD. Densidade industrial é expressa em dólar corrente. PBS é expresso em parcela do PIB (0-1). Densidade industrial refere-se ao valor adicionado da manufatura per capita (dividido pela população total do país). PBS (professional business services).

Os serviços de remessa expressa e o comércio eletrônico no Brasil

Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.737 de 18 de setembro de 2017 (IN RFB nº 1.737/2017) é um importante instrumento para modernizar o tratamento tributário e os procedimentos de controle aduaneiro aplicáveis aos serviços de remessas expressas internacionais. Entre as principais inovações deste novo regulamento estão a ampliação dos valores das remessas amparadas pelo regime e o aprimoramento dos trâmites aduaneiros e administrativos no processamento das cargas. Com a implementação da IN RFB nº 1.737/2017 espera-se um crescimento significativo no número de remessas e dos valores envolvidos nos próximos anos e a criação de estímulos adicionais para o crescimento do comércio eletrônico.

As principais vantagens do regime de remessa expressa é a tributação diferenciada de 60% do valor aduaneiro com base no Regime de Tributação Simplificada e a responsabilidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e das empresas de transporte expresso internacional porta a porta, conhecidas como empresas de courier, nos trâmites aduaneiros e administrativos. As operações neste regime devem obrigatoriamente ocorrer no modal aéreo, o que traz agilidade nos prazos para a entregas de cargas.

O principal indutor das alterações promovidas pela IN RFB nº 1737/2017 foi o crescimento significativo das operações de comércio eletrônico e as sinalizações que este movimento continuará em expansão. A Receita Federal estima que sejam processadas no Brasil anualmente cerca de 40 milhões de remessas postais e expressas[1]. Desta forma, visando atender a expansão do comércio eletrônico a IN RFB nº 1.737/2017 aprimorou os procedimentos aduaneiros e eliminou restrições anteriores nos valores das remessas, o que permitirá a expansão do número de remessas e os valores envolvidos nas operações.

Além da ampliação do regime, o novo regulamento estabelece o Siscomex Remessa como a ferramenta tecnológica para o processamento das remessas. Com o sistema, a totalidade das remessas passa a ser processada eletronicamente a partir de informações prestadas no sistema pela ECT ou pelas empresas de courier. O processamento eletrônico das remessas permitirá o cálculo automático dos tributos e a liberação automática das remessas que não forem selecionadas para inspeção. Outra vantagem do processamento eletrônico é a possibilidade de seleção para fiscalização aduaneira por gestão de risco, aumentando a detecção de irregularidades ao mesmo tempo que processa de forma eficiente as remessas. A modernização do Siscomex Remessa e o uso da gestão de risco oferecerá às empresas e aos cidadãos mais facilidades e segurança para o processamento das remessas no Brasil.

Adicionalmente, a IN RFB nº 1737/2017 inova ao trazer opções adicionais para as operações das empresas de courier, que poderão cumprir com as formalidades de comércio exterior por meio de duas modalidades: comum e especial. A habilitação na modalidade especial tem critérios em linha com as boas práticas internacionais e permite que essas empresas tratem de todos os procedimentos administrativos e aduaneiros no comércio exterior em nome do importador. Nesta modalidade as empresas de courier poderão ainda realizar despachos de remessas sem limite de valor, mas em contrapartida exige-se maior controle e segurança nas operações dessas empresas e elevado rigor com a infraestrutura exigida no recinto aduaneiro para o processamento eficiente das remessas. Tais requisitos elevam o nível de automação das operações e padrões de segurança aduaneira.

Levando em consideração a significativa relação de colaboração e interdependência entre o comércio eletrônico e os serviços de remessa expressa[2] espera-se o aumento da eficiência no processamento das remessas e um estímulo importante para o desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil. A regulamentação da IN RFB nº 1737/2017 é positiva, mas é importante constantemente refletir sobre o arcabouço regulatório para manter no Brasil as mesmas condições que as empresas de courier encontram em outros mercados.

Por isso é fundamental que as empresas de courier, do comércio eletrônico e o setor governamental intensifiquem a coordenação para aprimorar processos, reduzir custos e otimizar recursos. Ainda há espaço para melhorias nos serviços de remessa expressa e no comércio eletrônico e a colaboração entre os operadores é fundamental para que o setor continue crescendo no Brasil. Entre as áreas que há espaço para aprimoramentos estão a coordenação entre os órgãos anuentes e a Receita Federal, a melhoria do acesso aos dados das operações, o aprimoramento da infraestrutura logística de cargas aéreas e o constante monitoramento de prazos e custos. A modernização alcançada com a IN RFB nº 1737/2017 é muito oportuna pois traz benefícios às empresas e aos cidadãos e mais agilidade e segurança nas operações das remessas expressas no comércio exterior.

João Augusto Baptista Neto é assessor especial da Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

 

[1] De acordo com o Balanço Aduaneiro 2016, as remessas postais em 2016 foram de 4 milhões e as remessas expressas foram de 35,7 milhões. O Balanço Aduaneiro está disponível para consulta no endereço:  http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/resultados/aduana/BalanoAduaneiro2016.pdf 

[2] Por exemplo, em 2013, na China, 60% das remessas expressas ocorrem por meio do comércio eletrônico e estima-se que esta participação suba para 80% em 2014.

Uber e o impacto da concorrência na produtividade

Como se sabe, todos os países que conseguiram sustentar crescimento econômico por décadas e aumentar o bem-estar da sua população passaram por um processo de aumento de sua produtividade do trabalho. Para os não economistas, “produtividade” é a razão entre alguma medida de produto sobre algum insumo de produção. Em geral, mede-se a produtividade do trabalho dividindo-se o valor adicionado (valor da produção menos o consumo intermediário) de um dado país, setor, segmento ou empresa pelo número de pessoas envolvidas no processo de produção. Portanto, um aumento de produtividade do trabalho significa aumento na capacidade de se gerar valor adicionado por trabalhador. Em outras palavras, um aumento na eficiência.

Por ser um tópico essencial na economia, o que não faltam são estudos tentando encontrar a melhor explicação para os fatores que fazem a produtividade crescer (ou diminuir): capital humano, inovação, qualidade de gestão, ambiente de negócios, etc. O fato é que a produtividade depende de vários fatores. No entanto, um fator que está quase sempre presente é o grau de exposição das empresas à concorrência. Quanto mais protegido for o setor, via de regra, menor será a sua exposição à competição e, tudo o mais constante, menor será a sua produtividade.

O princípio é que um mercado competitivo, com livre entrada e saída de empresas, faria as empresas mais eficientes ganharem mais espaço no mercado e as menos eficientes perderem espaço, até saírem do mercado, em um processo de ganhos de eficiência alocativa (SYVERSON, 2004; GOMES & RIBEIRO, 2014). Além disso, uma forte concorrência faria as empresas investirem em melhorias de gestão, aderirem a novas tecnologias de produção, entre outros. Isso as tornaria mais eficientes e produtivas, ou seja, trata-se de um processo de ganho de produtividade interno às firmas (SCHMITZ, 2005; SYVERSON, 2011).

Um exemplo prático da importância da concorrência para o aumento da produtividade está no crescimento da produtividade do trabalho na indústria de transformação brasileira após a abertura comercial do país no começo dos anos 1990. Outro exemplo mais específico é o de Bridgman, Gomes e Teixeira (2010). Os autores estudaram como o fim do monopólio da Petrobras na produção, refino, importação e exportação de petróleo, em 1995, e a ameaça de competição decorrente levaram a aumentos significativos de produtividade na empresa. Segundo os autores, de 1976 a 1993, a produtividade do trabalho da Petrobras cresceu a uma média de 4,6% ao ano.

Os autores relatam que, com a ameaça e eventual concretização da quebra do monopólio da empresa, a Petrobras passou por grandes mudanças de gestão, mesmo sem ter perdido poder de mercado de fato. A empresa reduziu o número de empregados, fechou poços de petróleo menos produtivos e focou nos mais promissores e tomou outras medidas de gestão que diminuíram o número de insumos e, ainda assim, aumentaram a produção. Entre 1994 e 2001, a produtividade total dos fatores da Petrobras dobrou, um crescimento muito acima da média da economia brasileira. Além disso, foi registrado um crescimento médio na produtividade do trabalho três vezes maior do que o do período anterior.

Portanto, há pouca contestação na literatura econômica de que, em geral, quanto menores as barreiras de entrada e maior a exposição à concorrência, maior tenderá a ser a produtividade das empresas e da economia em geral. Isso sem contar o impacto da maior concorrência na formação dos preços e no aumento do bem-estar do consumidor.

Diante disso, nota-se que aplicativos de transporte individual, como o Uber, Cabify e 99, aumentam de forma considerável a competição nesse mercado, antes quase exclusivo dos táxis. Segundo estudo de Cramer e Krueger (2016), os motoristas de Uber são mais produtivos do que os de táxi, tanto quando se mede o tempo ocioso dos motoristas, quanto quando se medem os quilômetros dirigidos por dia. Portanto, esses aplicativos podem ser ferramentas importantes para o aumento da produtividade do segmento.

Como já discutido neste blog, as plataformas da chamada “Economia do Compartilhamento” tendem a aumentar a eficiência da economia como um todo, dando uso a recursos subutilizados e aumentando a oferta de serviços (e bens) aos consumidores, além de serem importante fonte de renda para os ofertantes dessas plataformas.

Nota técnica recente do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) mostra que o Uber criou nova demanda por seus serviços (consumidores que não usavam táxi anteriormente) e, de fato, conquistou parte dos usuários de táxi. É possível ver, no gráfico abaixo, que, de fato, o interesse por táxi e aplicativos de táxi (medido pelo Google Trends) diminuiu desde a introdução do Uber e do Cabify, mas o crescimento destes foi consideravelmente maior do que a queda do interesse por táxi. Ao fim, o estudo ressalta que “tendo em vista as inovações tecnológicas que são capazes de minimizar as falhas de mercado verificadas neste mercado, faz sentido cada vez menos regulação neste mercado de transporte individual de passageiros”.

Fonte: Google Trends, inspirado em Nota Técnica do CADE (2017). A escala de popularidade varia de 0 a 100 e é relativizada.

Não se argumenta aqui que esses aplicativos não devam ser regulamentados. E como qualquer atividade econômica privada, seus serviços devem ser tributados. Mas é preciso garantir que o processo de cadastramento de motoristas não seja burocratizado ou que um aplicativo tenha muita restrição para começar a funcionar, o que contribuiria para reduzir a competição. Isso prejudicaria consumidores, prestadores de serviços dessas plataformas e a eficiência da economia de maneira geral.

Como dito anteriormente, um dos mecanismos pelo qual o aumento da concorrência aumenta a produtividade é a melhoria dos serviços dos incumbentes, em resposta à entrada dos novos competidores. Uma resposta adequada dos legisladores ao crescimento dos serviços como Uber poderia ser a diminuição das barreiras de entrada e das exigências para se dirigir um táxi. Essa decisão beneficiaria consumidores, taxistas, uberistas e a economia como um todo.

Como se dá a relação entre emprego e produto nos segmentos de serviços?

O gráfico 1 mostra indicadores de valor adicionado por trabalhador, emprego e produto em segmentos do setor de serviços no período 1950-2011. Observam-se, grosso modo, dois grupos. Um primeiro composto pelos segmentos de comércio, hotéis e restaurantes e serviços pessoais, sociais e comunitários. Um segundo grupo é composto por serviços financeiros, de seguros, imobiliários e profissionais e por serviços de transportes, armazenagem e comunicação. O primeiro grupo refere-se, basicamente, a serviços de consumo. O segundo, a serviços voltados para a produção na forma de insumos.

O primeiro grupo responde por 67% do emprego, mas por apenas 46% do produto do setor de serviços. Já o segundo grupo responde por 33% do emprego, mas por 54% produto setorial. Consequentemente, a produtividade do trabalho no primeiro grupo é substancialmente menor que a do segundo – no segmento de serviços pessoais, sociais e comunitários, por exemplo, a produtividade é cerca de 4 e 6 vezes menor que nos segmentos de transportes, armazenagem e comunicação e serviços financeiros, de seguros, imobiliários e profissionais, respectivamente.

Na medida que os segmentos do grupo 1 são predominantes no emprego total do setor de serviços e que este é o setor que, de longe, mais tem criado empregos no país, então, tudo o mais constante, a economia estaria condenada a conviver com empregos de baixa qualidade.

Fonte: cálculos do autor a partir de dados do Groningen Growth and Development Center

O gráfico 2 mostra a elasticidade-emprego do produto nos segmentos do setor de serviços. Observa-se que as elasticidades são mais elevadas nos segmentos do grupo 1. Para cada 1% de aumento no produto no segmento de comércio, hotéis e restaurantes o emprego cresce 1,126%. Já no segmento de transportes, armazenagem e comunicação, o aumento de 1% no produto implica em aumento de 0,535% no emprego.

O crescimento desproporcionalmente elevado do emprego se explica pela natureza dos empreendimentos do segmento de comércio, hotéis e restaurantes, que é composto, predominantemente, por pequenos negócios pouco capitalizados, de baixa produtividade e que fazem pouco uso de tecnologias. Já no caso do crescimento desproporcionalmente baixo do emprego no segmento de transportes, armazenagem e comunicação, a causa também se assenta nas características das empresas.

Nos segmentos de serviços pessoais, sociais e comunitários e serviços financeiros, de seguros, imobiliários e profissionais, a elasticidade é praticamente unitária. Porém, estimações para o período de 1990 a 2011 mostram queda da elasticidade-emprego do produto nos serviços financeiros, de seguros, imobiliários e profissionais para 0,857%, enquanto que nos serviços pessoais, sociais e comunitários a elasticidade permaneceu basicamente unitária.

Fonte: cálculos do autor a partir de dados do Groningen Growth and Development Center

Os números acima das relações entre emprego e produto no setor de serviços têm implicações econômicas e sociais importantes. Do lado econômico, uma implicação é que a produtividade agregada do trabalho tende a permanecer em patamares relativamente baixos e crescendo pouco. Do lado social, uma implicação é que os salários reais tendem a crescer lentamente.

Para romper essa “armadilha”, será preciso desenhar e implementar políticas públicas e privadas que aumentem a produtividade e a competividade do setor de serviços, notadamente a dos segmentos de consumo.

Nota técnica: cálculos do autor. Dados do Gronigen Growth and Development Center. Todos os coeficientes são estatisticamente significativos a 1%. Classificação setorial conforme ISI Rev. 3.1. Dados monetários em valor constante de 2005. Serviços governamentais e de utilidades públicas foram excluídos da análise. Dados anuais de 1950 a 2011. Produto é o valor adicionado.

Boletim de Serviços – Outubro de 2017

O Boletim de Serviços de outubro de 2017 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços registrou queda de 3,0% em agosto na comparação anual, com destaque positivo para os serviços tradicionais (3,0%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses seguiu alta, mantendo-se em 5,3% em setembro, consideravelmente acima do IPCA geral (2,5%).
  • O setor de serviços seguiu apresentando resultado positivo na geração líquida de emprego, tendo gerado 17,1 mil novas vagas em setembro, com destaque para os traditional services da classificação da OCDE (23,3 mil vagas criadas).
  • A balança de serviços seguiu apresentando déficit no mês de junho, de US$ 2,9 bi.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

10 tendências que moldarão o ensino superior no Brasil em 2025

O tempo pode parecer curto. São apenas mais oito anos até 2025. Uma criança com dez anos hoje será um candidato a uma vaga nas universidades de meados da próxima década. As mudanças serão grandes, para o jovem e para os seus pais. No cenário do curtíssimo prazo traçado pela influência exponencial das tecnologias e pela introdução de novos modelos de negócios, o sistema de ensino superior terá uma aparência surpreendentemente diversa da atual. Dentro e fora de sala de aula.

Grupos gigantes e globais de ensino superior, com bancos próprios para financiar o estudo dos alunos, utilização massiva de educação a distância (EaD), ensino híbrido — presencial e virtual — e novos perfis de estudantes. No cenário de influência exponencial das tecnologias e de introdução de novos modelos de negócios, estas são algumas das forças de mudanças descritas pelo estudo “Dez tendências estratégicas que moldarão o ensino superior em 2025”, produzido pela consultoria de inteligência empresarial Nous Sense-Making[1]  e coordenado pelo autor deste post.

A lista de 10 projeções é o resultado da aplicação de metodologia de identificação de visões de futuro, desenvolvida pela empresa, com base em processos de elaboração de cenários. As três etapas de produção das informações incluíram entrevistas com mais de 50 especialistas, além de envolvimento da equipe de consultores especializados, que mapearam as principais forças das mudanças para identificar as questões estratégicas que deverão estar presentes no radar de prioridades das principais instituições do mercado global de ensino.

A atualização tecnológica, reivindicada, hoje, por professores e especialistas em educação como uma necessidade prioritária, terá se consolidado nesses próximos anos nas salas de aula do ensino superior. Os universitários, integrantes da geração dos “centennials”, as primeiras turmas dos nascidos após 2010, terão crescido com um smartphone e um tablet nas mãos.

Não há como evitar as transformações e seus impactos disruptivos. Segundo o estudo, já em 2023 a graduação on-line deverá ser responsável pela formação da maioria dos estudantes. Será o resultado do fato de que a internet estará presente em todos os cantos — ubíqua, por definição.

Caso não queiram ficar para trás, organizações de ensino, pesquisadores e gestores das organizações de políticas públicas no campo da educação precisam reconhecer as hipóteses para o futuro a partir da identificação dos principais drivers que possibilitam a compreensão do ambiente de negócios do segmento. As forças das mudanças já estão ativas. As peças se movem para construir o futuro do sistema educacional.

Entre os drivers de mudanças imediatas, há a formação das “escolas-banco” pelas grandes instituições privadas de ensino. Recentemente, o grupo Kroton fez parceria com um banco para financiar estudantes. A rede de universidades é, hoje, um dos principais players do ensino no Brasil, com vínculos globais. E o Banco Votorantin entrou no mercado de crédito estudantil com uma nova unidade especializada. São estratégias que deverão se intensificar nos próximos anos, como um efeito da redução drástica do financiamento público e um possível esvaziamento da rede pública de universidades federais.

Outra tendência clara é a concentração de mercado. A tentativa do grupo Kroton de comprar o controle da Estácio, abortada pelo Conselho Administrativo de Ordem Econômica (Cade), é um indicador claro da estrutura em formação no mercado. A união das duas redes privadas de ensino reuniria 1,5 milhão de alunos e a criação de uma rede detentora de 23% do mercado. Pequenas redes de ensino identificam, diante de tal abordagem, riscos enormes, contra os quais dificilmente conseguirão resistir nos próximos anos.

Abaixo listamos as 10 principais tendências que, de acordo com o estudo, moldarão o ensino superior em 2025:

  1. Educação virtualizada
  2. Educação one-to-one
  3.  Wazeirização
  4. Ensino baseado em projetos
  5. Novos mestres
  6. Novas habilidades, novos desafios
  7. Mercado de gigantes
  8. Desafio do foco-atenção
  9. Ensino em rede
  10. Escolas-banco

Para um aprofundamento das temáticas resultantes do estudo, publicaremos posts onde discutiremos cada uma das dez tendências identificadas pelo nosso estudo.

[1]Nota do blog: o autor do texto é sócio da empresa citada.

O México nas cadeias de valor e o paradoxo da sua competitividade

O fenômeno da globalização contemporânea e os benefícios da troca de bens, serviços e ideias entre países tornaram a integração de países na economia global uma demanda de certa forma generalizada – ainda que com os altos e baixos e com as pressões e expressões nacionalistas e protecionistas. A abertura política e econômica de muitos países em desenvolvimento nos anos 90 propiciou a sua integração às economias avançadas, ajudando a dar forma ao que conhecemos hoje como cadeias globais de valor.

É notório que essa integração, no entanto, não é livre de custos. Além disso, a commoditização digital aumenta os riscos dessa integração no médio e longo prazo, sobretudo quando realizada majoritariamente por meio dos setores de montagem. De forma conflitante à defesa de que seria um exemplo para as economias emergentes, são nesses dilemas e paradoxos que se encontra o México.

A economia mexicana é, de fato, muito integrada à economia internacional e às cadeias globais de valor, tal como sugere a participação do comércio exterior no PIB da ordem de mais de 78%. O país também proporciona boa facilidade de fazer negócios – ao menos para os padrões latino-americanos – em boa parte resultante das reformas liberalizantes dos anos 90. Desde a criação do NAFTA, em 1994, as exportações passaram a ser elementos-chave para a criação de emprego no país e respondem por boa parte do crescimento econômico.

Apesar dos benefícios, alguns dos resultados dessa integração podem ser questionados e seriam opostos ao argumento do presidente norte-americano Donald Trump de que o NAFTA seria muito mais vantajoso para o México do que para os Estados Unidos.

A média do crescimento do PIB per capita do México entre 2005 e 2015 foi de apenas 1%, uma das menores da América Latina. Quanto aos salários, a média salarial anual de 2016 do México foi a menor entre os 32 países da OCDE, conforme mostra a figura abaixo: US$ 15.311. Curiosamente, em 2006, a média anual dos salários do país era maior do que a de 2016: US$ 16.073. Apesar da diferença de tamanho das economias, outro país latino-americano da OCDE, o Chile, teve média bem acima, de US$ 28.434, tendo entre os dois países apenas as médias de países do leste europeu e da Grécia. O grande vizinho, os Estados Unidos, teve, em 2016, média praticamente quatro vezes maior do que a mexicana, estando na segunda posição entre os países da OCDE.

Gráfico – Média salarial anual de 2016 em dólares americanos – OCDE

Fonte: elaboração própria, com base nos dados da OCDE

Não é à toa que tem se discutido que o México competirá com a Ásia em produtos de baixo valor agregado em virtude dos aumentos salariais chineses e estagnação dos salários mexicanos.

Alguns estudos são, no mínimo, curiosos quanto à avaliação da indústria mexicana. Com o propósito de identificar quais são as nações que oferecem e oferecerão os ambientes industriais mais competitivos, a Deloitte e o Council on Competitiveness publicaram o estudo Global Manufacturing Competitiveness Index. O estudo inclui mais de 500 repostas a questionários com executivos sêniores ao redor do mundo. Em 2016, o México ocupou a honrosa oitava posição mundial no ranking e projeta-se que o país será a sétima economia mais competitiva do mundo em termos industriais em 2020.

No entanto, vemos com certa desconfiança competitividade baseada sobretudo em baixos salários. Essas avaliações e estudos entram em contradição com o avanço da economia digital, com os prospectos para a automação industrial e com a crescente importância de serviços em sinergia com a indústria, que ‘ameaçam’ ou ‘transformam’ muitos dos empregos de setores mexicanos voltados à exportação. Com a baixa densidade industrial e a baixa agregação de serviços avançados na economia doméstica e na economia global, o México se mostra, no momento, abaixo das condições de um upgrade progressivo no comércio de valor adicionado.

Apesar do potencial da sua economia de mercado, alguns outros fatores podem estar por trás do baixo crescimento econômico do país, como a grande informalidade e precariedade dos empregos na fronteira, a existência de muitas empresas de baixa produtividade e a alta dispersão da produtividade no país. Em relação a isso, há alguns questionamentos: será que o fato de estar integrado no setor industrial de montagem seria uma etapa necessária para se progredir para etapas mais nobres nas cadeias de valor de serviços? Ou mesmo, haveria alguma vantagem nisso? Haveria a possibilidade de que o país fique ‘aprisionado’ em tais camadas desses setores de produção?

Somado a isso, há quem aposte que a Aliança do Pacífico poderá, de alguma forma, vir a ser uma alternativa de maior integração do México na economia global, mas é improvável que isto seja de grande impacto no médio prazo diante da estrutura econômica voltada para etapas de baixo valor adicionado nas cadeias de valor. Por último, estar na fronteira física com o maior mercado consumidor do mundo é uma vantagem, mas a consideração do aumento da competitividade em etapas de mais alto valor adicionado se faz necessária e isto envolve serviços associados ao conhecimento e à agregação de valor em suas políticas econômicas, tanto no âmbito doméstico, como no âmbito do NAFTA.

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