Economia de Serviços

um espaço para debate

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Os principais desafios das empresas na era da Economia Digital

Uma pesquisa realizada pela Accenture Strategy com o intuito de apresentar a importância e crescimento da Economia Digital no mundo, estima que, em 2015, a economia digital representou 22,5% da economia mundial, valor considerado muito baixo para o que ainda pode ser explorado.  O estudo concluiu que ainda há muito a ser explorado por governos e empresas e que o PIB dos países será maior se os investimentos forem direcionados às suas necessidades.

Um estudo feito pela OCDE (2016) mostra o crescimento do setor de serviços e a adaptação de algumas firmas, apresentando as mudanças dos serviços exigidos em cada época. Nesse estudo foi realizado uma comparação entre as principais empresas baseadas na Internet, por capitalização de mercado, em 1995, e as principais empresas de 2015. No início, a maioria das maiores empresas comercializavam hardwares, softwares ou realizavam serviços de provedores de internet e mídia, enquanto que em 2015 as maiores empresas eram desenvolvedoras e gestoras de plataformas digitais.

As 15 principais empresas de internet por capitalização de mercado em 1995 e 2015

1995 (Dezembro) Produto Principal ou Atividade 2015 (Maio) Produto Principal ou Atividade
Netscape Software Apple Hardware, serviços
Apple Hardware Google Informação (serviços de busca)
Axel Springer Mídia, publicação Alibaba Bens (e-com)
RentPath Mídia, aluguel Facebook Informação (social, P2P)
Web.com Serviços de internet Amazon.com Bens (e-com)
PSINet Internet Service Provider Tencent Informação (social, P2P)
Netcom On-Line Internet Service Provider eBay Bens (e-com, P2P)
IAC / Interactive Mídia Baidu China Informação (serviços de busca)
Copart Leilões de veículos Priceline Group Serviços
Wavo Corporation Mídia Uber Serviços (P2P)
iStar Internet Internet Service Provider Salesforce.com Serviços
Firefox Communications Internet Service Provider JD.com Bens (e-com)
Storage Computer Corp. Software de armazenamento Yahoo! Informação (serviços de busca)
Live Microsystems Hard- e Software Netflix Serviços (mídia)
iLive Mídia Airbnb Serviços (P2P)

   Fonte: Adaptado de OCDE (2016)

Onze das 13 plataformas digitais em 2015 eram mercados para serviços que operam em diversas áreas, se inserindo em diversos mercados, como o de transporte de passageiros (Uber) e serviços de hospedagem Airbnb, por exemplo. Dentre outros, isso sugere a importância da presença do setor de serviços nas economias e como eles foram expressivos nos últimos anos.

Dado que o mercado encontra-se cada vez mais global e as fronteiras estão reduzidas, um dos principais desafios das empresas é se adaptar às novas tendências globais. As firmas necessitam inovar constantemente para que se tornem cada vez mais competitivas. Parece algo simples, pois se o consumidor está sempre esperando que as empresas lancem novos produtos, com novos serviços embutidos, então é só as empresas tentarem inovar e produzir e pronto. Porém, na prática, isso não funciona bem dessa forma. O que as empresas precisam fazer é, isto sim, lançar algo que agrade o consumidor, observando as tendências para, a partir daí, buscar inovar.

Um exemplo de preferência do consumidor por inovação tecnológica é o iPhone. Os consumidores preferem um iPhone, que possui iCloud, iTunes, Apple Music, entre outros aplicativos, do que um celular simples que apenas serve para fazer ligações e enviar SMS, como os aparelhos comercializados na década de 90. Da comparação simples entre esses dois bens se pode perceber o motivo do sucesso de um sobre o outro. Porém, a diferença entre as preferências se encontra, na verdade, na inovação do produto. No caso do iPhone, à medida que o tempo vai passando, o consumidor vai ficando mais exigente e deseja algo que seja mais atrativo do que a versão anterior, como, por exemplo. Cabe à Apple ter a preocupação de inovar para seguir como tendência de mercado.

Do ponto de vista da indústria, atender a essa demanda não é tão simples assim. Na era da economia digital, para uma empresa se tornar competitiva, ela precisa ter a capacidade de criar “O Novo Serviço”. A indústria é direcionada a uma fase de desafios, onde é preciso descobrir um produto industrial novo, com maiores serviços inseridos nesse produto e, quanto mais serviços esse produto possuir, mais caro é o valor final do bem ofertado. Esses são produtos de alto valor agregado e que de fato contribuem para o desenvolvimento econômico dos países. Para ter sucesso na produção, é preciso que o novo modelo de indústria venha acompanhado de criatividade, mão de obra qualificada, investimento em inovação, estratégias de marketing e, principalmente, elevada competitividade.

Além da necessidade de inovar e de produzir bens e serviços de alto valor agregado, os principais desafios das empresas, para que se tornem competitivas na era da economia digital, são:

  1. Possuir mão de obra qualificada: é fundamental que as empresas possuam mão de obra suficientemente qualificada, que auxiliem no desenvolvimento de novos produtos, ampliando a inovação;
  2. Velocidade da evolução tecnológica: embora possa ter toda a estrutura para produzir, se a empresa não acompanhar com rapidez a evolução das tecnologias ela pode não conseguir se manter competitiva;
  3. Burocracias: as empresas, principalmente as que estão entrando no mercado, podem ter que lidar com burocracias como, por exemplo, regras de importação e exportação;
  4. Ataques cibernéticos: esses crimes podem ser caracterizados como uma das consequências geradas pela globalização, que talvez possa ser sanada com a ampliação dos investimentos em tecnologia.

Apesar da disposição e vontade das empresas de se beneficiarem da economia digital para que elas se tornem competitivas, é fundamental que elas consigam vencer as dificuldades acima listadas.

Indústria de Transformação, Serviços e Qualidade do Emprego

Carlos Alberto Ramos [1]

 

Existe certo consenso sobre a existência da tendência de crescente desigualdade nos últimos 40 anos nos países centrais. As pesquisas empíricas identificaram diversas raízes na explicação desse fenômeno, causas que vão desde o impacto das novas tecnologias no perfil de demanda de mão-de-obra (Goldin, C.; Katz (2008), Acemoglu (2002)), passam pela introdução de robôs na indústria manufatureira e seu impacto no emprego e salários (Acemoglu; Restrepo (2017), Acemoglu (2017)) e chegam interpretações mais heterodoxas como a de Piketty (2013).

Esse aumento na dispersão dos rendimentos se observou em paralelo a uma alteração nas dinâmicas setoriais de emprego. O estoque de assalariados na Indústria de Transformação registra tendência de queda e é crescente a importância do emprego nos serviços. Esse deslocamento setorial seria mais acentuado em países que seriam pioneiros (talvez por esse vanguardismo) no processo de industrialização. Na Alemanha, a quantidade de assalariados na Indústria de Transformação (IT) representava em torno de 40% do emprego total em 1970, ano que podemos identificar como sendo o ápice do estilo de desenvolvimento pós-segunda guerra mundial. Um quarto de século depois o percentual apenas ultrapassa os 20%. Na Inglaterra, a “desindustrialização” do emprego também é particularmente acentuada (35% e 16%, respectivamente), tendência similar nos EUA (27% e 12%, respectivamente). [2]

A perda de relevância da Indústria de Transformação na geração de empregos ao se verificar em paralelo com uma crescente desigualdade abre espaço para uma reação quase intuitiva: estaria na “desindustrialização” do emprego a raiz última do aumento da polarização no mercado de trabalho?

Diversos são os argumentos que poderiam ser esgrimidos para ancorar essa relação de causalidade. Vamos citar alguns deles, mencionando suas fragilidades.

O mais usual faz uma associação direta entre emprego industrial e emprego de “qualidade”. Contrariamente, o setor serviços se caracterizaria pela “precariedade” dos vínculos. Deixando de lado, de forma momentânea, a necessidade de qualificação desses adjetivos (“qualidade”, “precariedade”, etc.), as séries não parecem indicar um nexo direto entre a redução das desigualdades no período que vai dos anos 40 ao 70 do século passado com uma crescente importância do emprego na Indústria de Transformação. Observemos dois aspectos. Em nenhum momento da história o emprego na IT foi majoritário. Tomemos o caso dos EUA. Desde um máximo de quase 40% a começos do século passado se inicia uma continua queda até 27,3% no ano de 1970. [3] Ou seja, o período considerado dourado em termos de crescimento e desconcentração de renda (entre a segunda guerra mundial e meados dos anos 70), a IT apresenta uma contínua queda na sua relevância como geradora de postos de trabalho. Na Inglaterra, o percentual de ocupados na IT atinge máximos de em torno de 40% em meados de século passado, sendo o emprego nos serviços sempre superior. Entre 1960 e 1970 se inicia uma queda (em termos absolutos) do número de empregados na IT e essa redução não redundou em alterações do Gini, que se manteve em torno de 0,26. [4]  Ou seja, associar a desindustrialização do emprego à precarização dos postos de trabalho e, imediatamente, fazer um nexo com as crescentes desigualdades dos últimos 40 anos ou ao “wageless growth” merece certo cuidado.

Uma segunda linha interpretativa diz respeito à queda no poder de barganha dos assalariados quando transitamos de empregos industriais a postos de trabalho nos serviços. O emprego na IT nuclearia grandes unidades de produção com significativos contingentes de trabalhadores, o que viabilizaria a união dessa mão-de-obra em sindicatos com elevado poder de negociação. Contrariamente, nos serviços prevaleceriam pequenas e dispersas unidades de produção que ocupariam reduzidos estoques de empregados. Essa característica tornaria o poder de barganha dos sindicatos menor e até mesmo dificultaria a sua proporia existência. Acompanhando essa matriz interpretativa, a desindustrialização do emprego teria como contrapartida uma queda na capacidade de negociar salários e, nesse sentido, a trajetória na composição setorial do emprego das últimas décadas teria contribuído para o crescimento das desigualdades. Neste caso, os dados parecem ancorar este diagnóstico. A densidade sindical (percentual de assalariados afiliados a um sindicato) vem caindo desde os anos 70 do século passado e a abrangência das negociações coletivas também registra tendência de queda. [5] Fica em aberto determinar a importância do ganho de participação dos serviços na geração de emprego na redução do grau de sindicalização. Lembremos que a elevação do desemprego, a concorrência internacional, etc. são outras tantas variáveis que podem estar contribuindo a essa nova configuração de barganha.

A essa considerações teóricas e empíricas podemos contrapor diversas outras. Vamos mencionar algumas delas.

Essa segmentação industria/serviços seria maniqueísta. A articulação entre a IT e os serviços seria evidente na crescente participação destes últimos no valor agregado da primeira, chegando a mais de 25% (IMF (2018)). Essa ““servicification of manufacturing” não permitiria seccionar um binômio “bons postos de trabalho”/IT versus “vagas precárias”/serviços.

A segunda observação diz respeito à necessidade de definir com algum grau de objetividade o conceito de “bom posto de trabalho” e “emprego precário”. As variáveis usualmente utilizadas para tipificar a qualidade de um posto de trabalho são: condições de trabalho, satisfação com as tarefas realizadas, monotonia, estabilidade, autonomia, salários indiretos, insalubridade, flexibilidade no tempo de trabalho, etc. [6] As pesquisas indicam que uma segmentação entre bons empregos no setor industrial e empregos precários no setor de serviços não pode ser taxativa. Se a rotatividade, o emprego temporário e a tempo parcial são mais usuais no setor de serviços, simultaneamente programas de treinamento são mais freqüentes e as condições de trabalho mais favoráveis aos assalariados. Por outra parte, controladas as características pessoais, os salários são próximos. [7]  Esta proximidade se observa tanto nos países centrais (OCDE (2001), IMF (2018)) como no Brasil (Alvarez (2017)).

Por último, merece reflexão um usual mecanicismo histórico que associa o processo de desenvolvimento, de longo prazo, com uma transição setorial do emprego. Assim, as etapas que as sociedades teriam percorrido seriam a transição de um período no qual a agricultura seria o setor dominante para uma sociedade urbana-industrial e, posteriormente, se constataria o ingresso a um pós-modernismo no qual os empregos e as atividades nos serviços seriam hegemônicos. A primeira transição teria possibilitado ganhos de produtividade elevados, empregos “clássicos” (assalariado industrial com contratos por tempo indeterminado e sindicalizados) e uma redução da dispersão dos rendimentos. A terceira etapa, na qual os serviços seriam hegemônicos, a “precariedade” das vagas geradas estaria comprometendo os ganhos em termos de igualdade e mesmo não estariam alheios às raízes da diagnosticada “estagnação secular” (Gordon (2017)). Existem contribuições teóricas sugerindo que essa caracterização mecanicista do processo de desenvolvimento pode ter sido reducionista em excesso, podendo ser vislumbradas experiências nas quais sociedades agrícolas abertas ao comercio mundial abriram espaço para um setor de serviços que, posteriormente, alavancou a industrialização (Thomé; Galiani; Heymann; Dabús (2008)).

Dos argumentos apresentados nos parágrafos anteriores podemos concluir que seria prematuro atribuir à IT uma superioridade qualitativa na oferta de emprego. Concentrar nesse setor os “bons postos de trabalho” e identificar os serviços com a “precarização das ocupações” constitui uma simplificação que não ajuda a avançar a fronteira do conhecimento na área. Existem complementações entre a IT e os serviços, sendo questionável o realismo de segmentos com reduzidos vasos comunicantes. As exportações mundiais apresentam uma crescente participação dos serviços (IMF (2018)). A caricatura de uma IT “tradable”, capaz de gerar ganhos de produtividade via mercados mundiais e possibilitando a oferta de empregos de qualidade versus um setor de serviços reduzido a satisfazer o mercado interno, com escassos ganhos de produtividade e pressões de salários (como o Modelo de Baumol predizia) merece ser repensado. Talvez seja necessário redefinir a categorização setorial, uma vez que hoje são classificadas como serviços desde atividades como finanças e business até serviços de restaurantes e hotéis. Dada essa diversidade, uma média pode deixar de ter a representatividade desejada.

Como balanço podemos concluir sobre a conveniência de superar estereótipos e direcionar os esforços a pesquisas teóricas e empíricas nessa área.

Bibliografia Citada

Acemoglu, D., “Technical Change, Inequality, and the Labor Market” Journal of Economic Literature. v.40. p,70-72. 2002.

——————-, “Automation and the Future of Jobs” Technology and Academic Policy. June, 2017. (Disponível em: https://bit.ly/2uxXAi8; consultado em Julio de 2018).

——————-; Restrepo, P. “Robots and Jobs: Evidence from US Labor Markets” NBER. Working Paper No. 23285. March 2017. (Disponível em: http://www.nber.org/papers/w23285; consultado em Julio de 2018).

Alvarez, J., “Structural Transformation and the Agricultural Wage Gap” IMF Working Paper 17/289. 2017.

Goldin, C.; Katz, L.F., The Race between Education and Technology. Massachuttes (USA):Belknap Press. 2008.

Gordon, R.J., The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War. New Jersey:Princeton University Press. 2017.

IMF, World Economic Outlook. Chapter 3. 2018.

Lebergott, S., Labor Force and Employment, 1800–1960, in Brady, D.S., (Ed.) Output, Employment, and Productivity in the United States after 1800. NBER. 1966. (Disponível em: http://www.nber.org/chapters/c1567.pdf; Consultado em Julio de 2018).

OCDE, Employment Outlook 2014. Paris:OCDE. 2014.

——–, Employment Outlook 2001. Chapter 3 (The Characteristics and Quality of Service Sector Jobs). Paris: OCDE. 2001.

Piketty, T., Le Capital au XXIe Siècle. Paris:Editions du Seuil. 2013.

Thomé, F.; Galiani, S.; Heymann, D.; Dabús, C., “On the emergence of public education in land-rich economies” Journal of Development Economics. v.86. p.434-46. 2008.

  1. Fonte: US. Department of Labor, Bureau of Labor Statistics. Essa desindustrialização do emprego é uma tendência mundial. As exceções estão situadas quase todas em Ásia (China, Tailândia, Indonésia, etc.). Ver IMF (2018).
  2. Ver https://www.census.gov/prod/99pubs/99statab/sec31.pdf (Consultado em Julho de 2018).
  3.  Fonte: IFS (Institute for Fiscal Studies), UK.
  4.  Ver OCDE (2014). Logicamente, que esta tendência à “desindiscalização” tem nuances segundo cada país.
  5.  Ver OCDE (2001).
  6.  Essa proximidade depende muito do sub-setor nos serviços, sugerindo uma pronunciada heterogeneidade.
Professor do Departamento de Economia, UnB. Graduação Universidad de Buenos Aires, Mestrado na Universidade de Brasília, doutorado na Université Paris-Nord.

 

20 anos do Google: Como a empresa evoluiu seguindo métodos e princípios não tradicionais

Em 2018, o Google completa 20 anos de sua fundação nos Estados Unidos. Desde 1998, a empresa é ao mesmo tempo produto e propulsora da globalização, pelo grande espectro de serviços fornecidos e pela explosão do número de dados on-line reproduzidos e disponibilizados. Já não é mais aceitável a concepção de um mundo sem o acesso livre e imediato à informação como o de décadas atrás.

É notável a importância da economia digital e dos serviços para o desenvolvimento econômico, e da adaptação às tendências. Muitas sociedades e organizações diversas buscam grandes resultados, e para isso desejam uma inserção mais ativa no mundo digital, para isso, tendem a abandonar práticas que possam ser disfuncionais no século da Internet.

Comumente sociedades discutem sobre a criação e replicação de “Vales do Silício”, regiões que concentrariam uma proliferação de inovações, de startups, e de empresas visionárias. O que também merece atenção são fatores como a cultura, a filosofia, e os novos modos de operação e de organização das empresas que despontaram como grandes plataformas. O Google é uma dessas plataformas, e alguns dos seus princípios e métodos foram descritos na obra “How Google Works” (2016) de Schmidt, Rosenberg e Eagle. Muitos desses princípios e métodos são compartilhados por outras grandes empresas do ramo, salvo algumas exceções (como a plataforma aberta).

A autonomia de pensamento é um princípio indispensável para o processo de criação e colaboração, e está desde o início no Google. É uma influência da raiz no mundo acadêmico da empresa, ao ser criada por Larry Page e Sergey Brin, cientistas da computação na Universidade de Stanford, com o suporte posterior de engenheiros e profissionais criativos. Na empresa, a discordância não é só estimulada, como é necessária, o que dá maior liberdade de opinião nas reuniões e encontros. E a qualidade da ideia é muito mais importante do que quem a sugere. Inclusive, há momentos em que, para o bem da empresa, a opinião da pessoa que recebe mais (tratadas de “Hippos”: Highest-Paid Person Opinions) não deve ser ouvida (!). Isso pode afetar o processo de criação na empresa, e o surgimento de novas ideias na equipe. Além disso, é muito valorizado na empresa a diversidade de origens dos talentos contratados, o que fornece vários pontos de vista e pensamentos.

Organizações de estrutura excessivamente hierárquica inibem a colaboração ativa e o questionamento. Tais estruturas supostamente promovem maior estabilidade, e os processos de tomada de decisão estão concentrados. No entanto, a competição com organizações de sucesso que estão mais adaptadas ao século das tecnologias da informação e comunicação pode tonar mais evidente a falta de progresso das empresas tradicionais. Ainda que seja necessária uma estrutura organizacional formal, arranjos mais planos permitem o acesso mais direto aos tomadores de decisões finais e fornecem maior celeridade na realização de projetos.

A própria organização do local de trabalho no Google é realizada de forma a valorizar a autonomia e a liberdade dos trabalhadores (o filme de comédia “The Internship”, de 2013, ajudou a difundir o ambiente pouco tradicional do Google ao público geral). Nesse ambiente, não necessariamente o reconhecimento está no tamanho da sala ou a vista mais bonita da janela. Os escritórios são projetados para maximizar a colaboração e a interação, evitando também a formação de “silos”, grupos que falham ao não se comunicarem livremente e efetivamente entre si.

O ambiente mais livre e que valoriza a autonomia de pensamento também é atrativo aos talentos denominados como “smart creatives”, trabalhadores multifuncionais e muito valorizados no mercado de trabalho. A contratação desses profissionais é uma das atividades mais importante dos executivos. E os líderes serão aqueles que demonstrarem maior paixão e desempenho (e não necessariamente experiência), sendo em torno deles/delas que serão formadas as equipes de trabalho. Nesse sentido, a recomendação é a de que os empreendedores invistam muito mais nas pessoas e na formação de equipes do que nos planos de trabalho. Os planos devem ser flexíveis e mudarão de acordo com o progresso e com as novas descobertas sobre produtos e tendências de mercado, e os talentos irão descobrir novos caminhos naturalmente.

No Google, assim como em outras plataformas digitais, a filosofia de trabalho defendida é a de foco no usuário e na excelência do produto. Para isso, a recomendação é apostar mais nos insights técnicos dos produtos e serviços do que necessariamente na receita. Supostamente, a receita acompanhará o ganho de mercado da excelência produzida. Como destacam Schmidt, Rosenberg e Eagle (2016), inicialmente os fundadores do Google não sabiam claramente como criar um modelo geral de receitas com adverstising, mesmo tendo uma ideia de um potencial. Larry Page e Sergey Brin passaram mais tempo no aumento de escala da plataforma. Mais tarde, a chegada de profissionais de conhecimento dos negócios ajudou no marketing e na captação de recursos.

Os insights técnicos promovem uma solução inovadora para algum problema, e são sobre eles que os produtos e plataformas são construídos. Exemplo disso é o mecanismo de anúncio e publicidade do Google que gera a maior parte da receita da empresa: o Google AdWords. O serviço foi baseado no insight de que os anúncios pudessem ser classificados e colocados em uma página com base em informações de valor e utilidade para os usuários, e não por quem ou qual empresa estivesse disposta a pagar mais (Schmidt; Rosenberg; Eagle, 2016).

O rápido crescimento da plataforma Google foi possível diante de outra importante decisão da empresa desde seus primeiros anos: deixá-la aberta aos usuários, o máximo possível. Após adquirir o sistema operacional Android em 2005, por exemplo, o Google optou por mantê-lo aberto, concedendo liberdade para usuários desenvolverem novos produtos, além de tê-lo disponibilizado para operadoras e fabricantes dos aparelhos. Tal decisão permitiu que a plataforma Google – e o acesso à Internet de modo geral – se expandisse ligeiramente pelos aparelhos móveis. Apesar disso, é claro que nem todo o sistema Google é aberto. A empresa mantém algoritmos relacionados ao mecanismo de pesquisa em segredo, sob a justificativa de manter a qualidade do serviço além da proteção da propriedade intelectual.

O Google inicialmente no final dos anos 1990 – com a concorrência da Netscape e da Microsoft – focou-se na qualidade de seu mecanismo de pesquisa, medindo-o em termos de velocidade, precisão, facilidade de uso, abrangência e atualização. Ao tornar-se principal referência na área no mundo, expandiu sua linha de atuação e de produtos. A empresa mais uma vez apostou mais nos insights técnicos e menos na pesquisa de mercado, buscando assim oferecer aos consumidores o que ainda não sabiam o que queriam (ponto também várias vezes destacado por Steve Jobs, apaixonado por excelência, e inspiração para os próprios fundadores do Google).

As atividades do Google foram e têm se expandido de tal forma que os seus fundadores realizaram em 2015 a maior restruturação da companhia ao criar a holding Alphabet. Dentre os objetivos estava o de tornar o Google mais enxuto e dedicado às atividades mais vinculadas aos serviços na Internet. Além, é claro, do Google, a Alphabet incorpora uma série de empresas e projetos: Fiber, serviço de Internet ultrarrápida; Verily, com pesquisas sobre saúde e prevenção de doenças; Sidewalk Labs, destinado a criar ambientes melhores nos centros urbanos; Calico, voltada à biotecnologia, e pesquisa sobre a longevidade; os braços de investimento CapitalG e GV; Jigsaw, que utiliza tecnologia para lidar com desafios de segurança global, como censura on-line, extremismo, ataques digitais; DeepMind, destinado à pesquisa sobre inteligência artificial; Waymo, para desenvolvimento de carros autônomos; Loon, voltada à provisão de acesso à Internet em áreas rurais e remotas; Project Wing, para desenvolvimento de drones para serviços de entrega; X, a fábrica de ambiciosos projetos de P&D; e Nest, voltada a produtos e dispositivos de automação residencial – “internet das coisas”, e incorporada pela equipe de hardware do Google. Esse “guarda-chuva” parece estar em constante mutação de acordo com o surgimento de novos projetos.

Apesar do sucesso, a dimensão de empresas como o Google merece muita atenção. Quanto maior o uso, maiores as plataformas, mais investimentos e recursos elas alavancam, e maior poder e concentração de mercado conseguem reter. Além disso, empresas de destaque como as citadas DeepMind e a Nest acabaram sendo adquiridas pelo próprio Google/Alphabet, o que o mantém numa posição muito privilegiada no mercado de inovação. Do ponto de vista da sociedade como um todo, essa concentração pode levar a questionamentos diversos, dentre eles a dificuldade de entrada de novos competidores e da livre concorrência.

Grande exemplo foi a decisão de autoridades antitruste da União Europeia em julho de 2018 de aplicar uma multa recorde de 4,34 bilhões de euros contra o Google por “utilizar o Android como um veículo para consolidar a posição dominante em seu motor de busca”, violando, assim, regras de livre concorrência, como o favorecimento de seus aplicativos. Além da grande parcela de mercado atingida, questiona-se a adoção de práticas abusivas pela empresa. A Comissão Europeia alega que o Google estaria obrigando operadoras e fabricantes a instalarem determinados aplicativos para ter acesso aos demais, além de incentivos financeiros, e impedimento para instalação de sistemas operacionais rivais por meio do Android. Outras investigações estão em andamento, como a do sistema de publicidade AdSense. O Google irá recorrer da decisão, e destaca os preços considerados acessíveis e a inovação rápida colaborativa dentro do ecossistema da plataforma.

Por fim, o século da Internet deve combinar a colaboração e a abertura, para que empreendedores tenham uma liberdade real de poder ascenderem nas redes com propostas inovadoras. Por outro lado, grandes plataformas digitais como o Google ditam os rumos da tecnologia e inovação, e possuem grande capacidade de se reinventarem. Por essas razões, possuem certo “poder de realizar previsões”. Logo, é extremamente importante acompanhá-las, e compreender sua forma de atuação – e suas mudanças, para que possamos conhecer um pouco do nosso futuro.

O mundo é digital: e é pra lá que eu vou

Eu sei, parece que a administração pública do Brasil não percebeu o potencial da tecnologia na melhoria da gestão e da qualidade dos serviços prestados à população. E olha que começamos bem: em 2003, estávamos em 41º no ranking de governo digital da Organização das Nações Unidas e chegamos a 33º em 2005. Infelizmente, nos perdemos em algum lugar pelo caminho e caímos até a 61ª posição em 2010. Em 2016, subimos um pouquinho e chegamos a 51ª, ufa!

Já nós, cidadãos brasileiros, invadimos o mundo digital. Somos o 4o maior país do mundo em número de usuários na internet. Conhecidos como early adopters de redes sociais, não resistimos a uma novidade.

Mas não foi só o governo que ficou para trás nessa história.

A vanguarda ficou do lado de fora da porta do trabalho. Inicialmente, nem o setor público nem o privado deram prioridade para a transformação digital e a inovação. O IBGE já mostrou que somente cerca de 35% das empresas investem em novos bens ou serviços ou na melhoria dos processos no Brasil.

E o mais curioso, eu costumo dizer, é que o desafio da transformação digital não é tecnológico, e sim conseguir reunir os diversos – e muitas vezes repetidos – esforços da sociedade e do governo para que o País esteja melhor preparado para aproveitar as oportunidades que a economia digital vem proporcionando.

Acredito que boa parte dos gestores públicos concordam que a tecnologia se tornou o motor do serviço público e que a transformação digital promove economia e simplificar a vida dos cidadãos brasileiros.

Hoje, entre outras conquistas, destaco o Processo Eletrônico Nacional (PEN), o portal de Serviços, o Login único e o caçula Documento Nacional de Identidade (DNI), ainda em piloto. Estes são componentes da Plataforma de Cidadania Digital, a partir da qual estamos acelerarando a transformação de serviços e de políticas públicas.

Desde o 2o semestre de 2017, lançamos 41 serviços públicos em ambiente digital, que  apresentaram redução da ordem de 90% no custo para o estado e para o cidadão. Parece promissor, mas ainda estamos muito longe de onde queremos e podemos chegar.

Primeiro é preciso ter em mente que a burocracia no setor público acaba por prejudicar as pessoas que mais precisam. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) fez um levantamento na América Latina e revelou que, em média, um quarto dos serviços públicos requer três ou mais interações, às vezes presenciais, até ser concluído.

Dá para imaginar o tanto de dinheiro, tempo e paciência que os cidadãos perdem por ano porque um serviço não foi modernizado? São passagens de ônibus, combustível, ligações telefônicas, preenchimento de formulários e tempo gasto em filas.

Até o ano passado, os jovens brasileiros de 18 gastavam R$ 118 milhões por ano para fazer o Alistamento Militar Obrigatório. Depois da transformação digital, o alistamento é feito pela Internet, e a presença do jovem só é necessária se ele for realmente servir. Além disto, para o governo, reduzimos a despesa em R$ 180 milhões por ano. Viu como dá para melhorar?

O Censo de Serviços Públicos, realizado pela primeira vez em 2017, revelou que menos de 40% de todos os serviços públicos prestados pelo Governo Federal são digitais. Ou seja, temos mais de mil serviços que devem ser transformados para efetivamente comemorarmos a virada.

Por fim, segundo a Accenture, a cada 1% de crescimento na digitalização do governo, crescerá 0,5% o PIB do país, 0,13 o IDH, 1,9% o comércio internacional entre diversos outros benefícios menos tangíveis. Ou seja, o desafio é grande, mas ainda maior será a recompensa: quem está comigo?

 Luis Felipe Salin Monteiro é Secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, responsável pelo processo de transformação digital do governo federal. É Mestre em gestão de tecnologia da informação pela Universidade Católica de Brasília e pela Fundação Getúlio Vargas, com graduação em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Maria.

Telecomunicações têm a maior receita do setor de serviços – parte II

Em post anterior, mostramos os serviços de telecomunicações se destacando entre os demais serviços na geração de receitas. Neste post, mostraremos eles se destacando em produtividade e em remunerações no país, além da queda, ao longo do tempo, na participação do setor de telecomunicações no setor de serviços. Por último, será mostrado a relevância da inovação tecnológica para o setor seguir crescendo.

Desde a primeira série histórica da Pesquisa Anual de Serviços do IBGE – PAS com os serviços de telecomunicações discriminados (1999), eles ocupam o primeiro lugar entre os serviços de maior geração de receita operacional líquida no país e o primeiro ou segundo lugar entre os serviços de maior produtividade nacional (resultado da divisão de valor adicionado por pessoal ocupado), conforme tabela abaixo.

Tabela 1. Posição dos serviços de telecomunicações em rankings do setor de serviços, de 1999 a 2015.

Fonte: PAS-IBGE. Elaboração própria.

Apesar dos serviços de saúde e de intermediação financeira nunca terem sido incluídos na PAS, ao longo do tempo o número de serviços analisados se ampliou. Até 2006, por exemplo, serviço dutoviário não era abordado. Foi justamente a incorporação desse serviço de 2007 em diante que fez telecomunicações cair da 1ª para a 2ª posição no ranking de serviços com maior produtividade. Isto porque o serviço realizado por meio de dutovias gera alto valor adicionado por causa dos produtos caros transportados como gasolina e minério de ferro e, ao mesmo tempo, emprega pouquíssima mão de obra. Em 2015, por exemplo, o valor adicionado pelas telecomunicações foi 5,4 vezes maior que o valor adicionado pelos serviços dutoviários. Porém, a quantidade de pessoas ocupadas nas telecomunicações era 25 vezes maior, levando este último serviço a ocupar o 2º lugar no ranking de produtividade.

Os ocupados no setor de telecomunicações costumam receber maiores remunerações, comparativamente aos ocupados nos demais serviços no país. Enquanto a remuneração média anual dos primeiros, entre 1999 e 2015, foi de aproximadamente R$ 40.000,00, a dos últimos foi de aproximadamente R$ 14.000,00. Mas a diferença entre esses valores vem apresentando tendência de queda. A proporção percentual do setor de telecomunicações no setor de serviços ao longo do tempo é explorada na tabela abaixo.

Tabela 2. Participação percentual dos serviços de telecomunicações no total do setor de serviços, de 1999 a 2015.

Fonte: PAS-IBGE. Elaboração própria.

Observando a tabela acima percebemos contribuições paulatinamente menores das telecomunicações para os totais nos serviços, ao longo do tempo. Tal fato poderia ser interpretado de acordo com a teoria da commoditização digital, discutida em Arbache (2018): a popularização de uma nova tecnologia faz com que a contribuição dela para a competitividade seja cada vez menor por unidade produzida.

Por exemplo, a implementação da quinta geração de comunicação móvel (5G) numa fábrica resulta em melhor comunicação entre suas máquinas e, dessa forma, a unidade produzida sai em tempo menor comparativamente à mesma unidade produzida nas fábricas convencionais. Dessa forma, a primeira fábrica a implantar a inovativa 5G produzirá maior quantidade em menor tempo e, portanto, ganhará mercado, venderá mais e aumentará seus lucros. Porém, com a adoção da 5G pelas concorrentes, a quantidade ofertada ao mercado será maior e o preço do produto deve cair. Dessa forma, o lucro da primeira fábrica vai diminuindo conforme a popularização da 5G aumenta. Assim, o acesso à 5G vira condição necessária para a sobrevivência no mercado, mas não determina a vitória da competição. Concomitantemente, a disposição das fábricas em pagar pelo serviço da 5G cai com o tempo e, como consequência, assistimos queda dos preços dos serviços de 5G, desaceleração nas receitas dos ofertantes desse serviço de telecomunicação, desaceleração no valor adicionado, provável encolhimento do setor e etc. A relação entre commoditização digital e competitividade também segue na ilustração abaixo.

Figura 1. Relação entre commoditização digital e competitividade

Fonte: Arbache (2017).

Depois de um ponto de inflexão, quanto maior a quantidade de pessoas com acesso aos serviços de telecomunicações, menor se torna a contribuição desses serviços para a geração de riquezas. Dessa forma, a disposição em pagar por tais serviços é decrescente depois de um certo nível e, consequentemente, os preços deles tendem a cair. No Brasil, já devemos ter ultrapassado o ponto de inflexão em várias regiões pois o IBGE revelou crescimento abaixo da inflação dos preços dos serviços de telecomunicações em 2014.

Os preços dos serviços de comunicação, incluindo telefonia celular e banda larga, foram os que menos subiram em 2015 segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas. A instituição mediu a inflação da baixa renda, pelo Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1), e constatou que a alta média de preços foi de 11,52% no acumulado do ano, enquanto os serviços de comunicação subiram 1,11%. Índices como os de habitação e de transportes, por exemplo, subiram 14,6% e 13,2%, respectivamente. Segundo o Telebrasil, esse índice pode ser explicado pela queda de preço nos serviços ao usuário. “Na telefonia celular, desde 2008, o preço médio do minuto caiu 60%, fruto de uma acirrada competição, redução nas margens de lucro das empresas e aumento dos ganhos de eficiência das prestadoras”, afirma, em nota. A entidade representa as operadoras e concessionárias (TELESÍNTESE).

Conforme resumido no livro “Introdução à Teoria do Crescimento Econômico” do Jones (2000), uma saída para a desaceleração das receitas, apontada por teóricos do crescimento econômico, seria o crescimento de investimentos em P&D indutoras de inovação tecnológica no setor. E as empresas já estão fazendo isso: a Pesquisa de Inovação (PINTEC) do IBGE revela crescimento de 382% no investido em P&D pelo setor de telecomunicações no Brasil entre 2011 e 2014. Ademais, o gasto total em P&D no Brasil em 2014 foi de 0,61% do PIB; sem telecomunicações, esse percentual teria sido de apenas de 0,54%.

Concluindo, desde 1999 os serviços de telecomunicações se destacam em produtividade e em geração de receitas no país. Isso deve se manter caso seja crescente a inovação tecnológica no setor, advinda de crescentes investimentos em P&D. Devido ao processo de commoditização digital, a inovação se mostra crucial no combate à tendência de redução de participação relativa dos indicadores de telecomunicações nos totais dos indicadores do setor de serviços aqui analisados.

Patentes e dinamismo econômico

A World Intellectual Property Organization (WIPO) disponibiliza dados internacionais sobre direitos intelectuais, sendo importante fonte de informações sobre as patentes emitidas pelos países-membros desta organização. Os dados disponibilizados por esta fonte podem ser utilizados para se realizar uma comparação entre o número de patentes registradas pelo setor industrial e pelo setor de serviços no período entre 1980 e 2015.

Para isto, as patentes foram classificadas em três categorias, Serviços, Indústria e Outros.  Posteriormente, realizou-se a comparação entre o número de patentes geradas pelos setores no período citado. Esta comparação revela que ocorreu aumento considerável no número de patentes relacionadas ao setor de serviços, em detrimento das patentes industriais. Em 1980, 72% das patentes eram em tecnologias industriais e apenas 28% em serviços. Em 2015, a proporção de patentes relacionadas a tecnologias industriais recuou para 59%, de modo que 41% das patentes geradas eram em tecnologias relacionadas a serviços. Isto é, observou-se crescimento de 47% na proporção de patentes geradas em tecnologias relacionadas ao setor de serviços.

Separando os serviços em finais e intermediários, observa-se o crescimento na proporção de patentes relacionadas a serviços intermediários. Em 1980, apenas 29% das patentes de serviços eram em serviços intermediários e em 2015 esta proporção avança para 79%. Isto é, o setor que apresenta maior crescimento no número de patentes é serviços e, dentro deste setor, se observa avanço das patentes em serviços intermediários.

Estes dados mostram que a dinâmica de inovação mundial está se modificando. As novas tecnologias de comunicação criaram ambiente favorável ao desenvolvimento de inovações organizacionais no setor de serviços. Este setor está sendo profundamente transformado pela emergência destas tecnologias e está se convertendo em uma das principais fontes de inovação. Esta evidência mostra que o crescimento econômico não está associado à presença de um setor específico, mas ao conhecimento e à capacidade de gerar inovações que contribuem para o crescimento econômico.

A análise do número de patentes geradas entre 2000 e 2015 para as tecnologias que mais cresceram no período revela grande concentração nos Estados Unidos e na Ásia. Das patentes registradas em Métodos de TI para gerenciamento, 47% foram registradas nos Estados Unidos, 35% na Ásia; e apenas 10% na Europa. A América Latina e a África geraram quantidade muito baixa de patentes nesta tecnologia, não superior a 1%, como este padrão se repete para as demais tecnologias, estas regiões não serão analisadas.

Gráfico 1 – Proporção de patentes geradas nas tecnologias de serviços que se encontram entre as dez tecnologias com maior crescimento no número de patentes entre 2000 e 2015

Fonte: World Intellectual Property Orgamization

Em Comunicação digital, 50% das patentes foram registradas nos Estados Unidos, 26% na Ásia, e apenas 16% na Europa. Em Tecnologia computacional, 44% das patentes foram geradas nos Estados Unidos, 38% na Ásia e 11% na Europa. Já em tecnologia médica, 35% das patentes registradas foram nos Estados Unidos, 30% na Ásia e 23% na Europa. Assim, existe uma grande concentração nas patentes geradas em serviços nos Estados Unidos e na Ásia, e, em menor escala, na Europa.

A análise do número de patentes geradas revela que a dinâmica de inovação está migrando para o setor de serviços. O setor industrial ainda é o principal responsável por introduzir inovações que provocam modificações na estrutura produtiva e geram crescimento econômico. Porém, cada vez mais, o centro dinâmico gerador de inovações, introdutor de novas atividades econômicas, mudanças na estrutura produtiva e responsável por promover o crescimento econômico é o setor de serviços. Com grande destaque para o surgimento de novas atividades de serviços intermediários, intimamente relacionadas ao surgimento de novas tecnologias de comunicação, que provocam  inovações organizacionais nos processos produtivos e administrativos. Caso esta tendência permaneça, dentro de poucas décadas a transformação de atividades tradicionais de serviços em atividades modernas se transformará no principal vetor de inovações e no principal gerador de novas atividades econômicas, sendo responsável por explicar as mudanças estruturais observadas pelos países.

Os dados de patentes corroboram a argumentação de que o crescimento do setor de serviços nos países desenvolvidos não ocorre através da migração dos trabalhadores para atividades de serviços finais, que possuem baixa produtividade e que resultam em estagnação econômica. Na realidade, o crescimento deste setor está relacionado ao surgimento de atividades inteiramente novas, inovadoras, altamente dinâmicas e introdutoras de progresso técnico. Estas novas tecnologias estão introduzindo mudanças organizacionais que, provavelmente, resultam em crescimento elevado da produtividade do setor de serviços, contribuindo para que a produtividade da indústria e da economia como um todo se eleve significativamente.

Ensino baseado em projetos

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

10/05/2025 – Pierre, que tem 23 anos, é aluno de uma universidade particular e está chegando logo cedo para suas aulas. Ao passar pelo portão de entrada principal, um aplicativo instalado em seu celular já indica e dispara a informação de que ele está nas dependências da escola. Ele vê alguns colegas com quem se junta e vão rumo à sala de aula conversando animadamente. Ao adentrar a sala, por algum motivo, naquele dia específico, ele repara o quanto é agradável e estimulante aquele espaço. Mesas redondas com cadeiras confortáveis, acesso à internet, onde ele pode acessar diversos conteúdos facilmente e uma sala inteira onde ele, seus colegas e os professores podem utilizar as paredes para escreverem (ele ouviu falar que há alguns anos atrás nas universidades eram utilizados equipamentos que tinham o nome de “lousa”, “quadro”), dentre outros elementos estimulantes, incluindo alguns equipamentos e objetos que pareciam dar à sala de aula um ambiente de laboratório, misturado com sala de jogos.

Ele é recebido por três professores, o de genética, o de estatística e o de química, que estão acompanhando a turma no entendimento, desenvolvimento e resolução de um problema colocado por eles. Ele está feliz por ter chegado aquela hora, pois desde a noite anterior ele vinha pensando em algumas questões específicas do projeto que estão desenvolvendo (em sala e logicamente fora dela também, já que estão sempre conectados) e para os quais havia tentado buscar mais informações para ajudar o seu grupo a evoluir na solução do problema.

Em 2025, o cerne do processo de aprendizagem estará centrado no estudante e pelo menos a maior parte das universidades mais relevantes já terão construído um ambiente de sala de aula que lembre, de alguma forma, o ambiente hipotético descrito anteriormente. Apesar de essa centralidade no aluno parecer um caminho óbvio e já envelhecido, ela é, na verdade, mais complexo do que parece.

A aprendizagem baseada em projetos (do inglês project-based learning) ou problemas (problem-based learning), que coloca o aluno no centro do “palco”, é uma abordagem que tem sido discutida há pelo menos três décadas, tendo sua discussão e aplicação se intensificado nos últimos anos. Porém, essa abordagem tende a ser aplicada de maneira isolada, por alguns poucos professores e escolas, quando poderia ser vista como base de uma reestruturação mais profunda e geral no modelo de ensino.

A visão proposta por Venturelli (1997), quando construiu seu quadro comparativo entre as estratégias educacionais de metodologia centrada no professor versus uma estratégia educacional inovadora, centrada nos estudantes, conforme explicitado no quadro abaixo, ainda será uma realidade.

INOVADOR TRADICIONAL
Avaliação formativa contínua Avaliação formativa fora de contexto
Centrada em estudantes ativos e com objetivos definidos Centrada nos docentes
Uso de recursos educacionais múltiplos e relevantes Uso de exposição repetitivas

 

Considera qualidades pessoais e estilos; promove destreza educacional Não há espaço para o indivíduo. Entrega passiva de informações
Autoaprendizagem. Auto analítica criativa. Uso de alternativas Programas estabelecidos. Usa oportunidades existentes. Não aceita programas alternativos
Crítica, baseada em problemas relevantes, promove raciocínio Não crítica, baseada no uso da memória

Fonte: Venturelli (1997)

Quando esse grupo de escolas tiver concluído a migração de uma abordagem tradicional para uma abordagem inovadora, terá havido também uma profunda alteração do papel exercido pelo professor. Estes terão que pensar em soluções conjuntas para o suporte a processos de aprendizado e não mais apenas dentro da lógica e dimensão de uma única “disciplina”; e habilidades como mediação, facilitação, articulação e pesquisa serão as que deverão prevalecer.

Pensando nas abordagens e metodologias, teremos uma massificação daquelas que já são utilizadas hoje, como o flipped classroom (sala de aula invertida), gameficação (game-based learning), peer instruction (avaliação por pares), aprendizagem aumentada (combinando recursos 3D e elementos virtuais com o ambiente real) etc.

Iniciativa do Bank of America Merrill Lynch é um exemplo recente de demonstração de poder dessas novas abordagens e metodologias. A iniciativa, baseada num projeto-piloto começado em 2017 com noventa escolas públicas de municípios na região metropolitana de Fortaleza, utiliza jogos como apoio às estratégias de educação financeira para crianças de 10 a 14 anos. Por conta do maior engajamento dos alunos, foi possível constatar consideráveis melhorias no índice de educação financeira desses estudantes.

Um outro exemplo de sucesso recente das abordagens de ensino baseado em projetos é a proliferação de programas de MBA de renomadas escolas de negócios, que se utilizam fortemente de estudos de casos.  Por meio deles, os alunos aprendem fazendo e são instigados a encontrar soluções para problemas de negócios reais, o que exige análise profunda, pesquisa e multidisciplinaridade para proposição das soluções.

Serviços, automação e polarização no mercado de trabalho

Em post anterior, falamos sobre as mudanças impostas pelas transformações tecnológicas ao mercado de trabalho, impulsionando a demanda por trabalhadores mais qualificados e a redução do emprego em funções que podem ser automatizadas. Por outro lado, naquele momento não abordamos as possíveis consequência para os trabalhadores menos qualificados.

Em um primeiro momento, muitos diriam que a automação levaria a uma substituição quase imediata de trabalhadores que exercem funções de baixa complexidade. No entanto, a experiência recente tem mostrado que as transformações no emprego diante do uso de tecnologias são ainda mais complexas do que isso. Se, por um lado, o avanço tecnológico tem contribuído para o aumento da ocupação em funções que exigem trabalhadores cada vez mais habilidosos, por outro, observa-se que, simultaneamente, tem aumentado a participação do emprego em atividades que exigem baixa habilidade (que geralmente envolvem habilidades manuais e não podem ser executadas por máquinas). Esse fenômeno tem sido chamado de polarização do mercado de trabalho.

Estudos para economias mais desenvolvidas como Estados Unidos[1] e Reino Unido[2] verificaram um aumento do emprego em profissões que compreendem tarefas de menor habilidade (associadas à execução de tarefas menos complexas) desde os anos 1980.  Em outras palavras, esses países apresentam um fenômeno de polarização do emprego em que tanto as atividades de baixa complexidade quanto as de alta complexidade cresceram em participação no emprego total nos últimos anos.

O gráfico abaixo ilustra o fenômeno de polarização identificado para os Estados Unidos e apresenta evidências preliminares de que algo similar tem ocorrido no mercado de trabalho brasileiro. Os dados mostram a variação (em pontos percentuais – p.p.) na participação no emprego total de cada percentil de salário para os dois países, com base em dados de pesquisas censitárias. A hipótese central é de que o percentil de salário capta não apenas a remuneração pelo nível educacional como também a valoração do grau de complexidade das tarefas desempenhadas pelos empregados em uma determinada função[3].

A figura deixa claro que há um aumento no emprego nos dois extremos de grau de habilidade das ocupações no Brasil entre 2000 e 2010. Assim, são registradas variações positivas na participação das ocupações de menor nível de habilidade (classificadas até o 13º percentil) e das ocupações de maior nível de habilidade (acima do 55º percentil) no emprego total, enquanto as ocupações classificadas entre os percentis 14º e 54º registraram uma variação negativa. Mais ainda, a sobreposição da curva calculada para os Estados Unidos por Autor e Dorn (2013) enfatiza a similaridade entre os casos brasileiro e americano. Embora as curvas tratem de períodos distintos, o fenômeno em si é o mesmo: a ocupação caiu primordialmente em ocupações consideradas de média habilidade nos dois países.

GRÁFICO – Variação do emprego por percentil de salário (Em p.p.)*

Fonte: Censo/IBGE e Autor e Dorn (2013). Cálculos da autora.

Mas, afinal, quais são essas ocupações de baixa e de alta habilidade que lideram o fenômeno da polarização? Basicamente, o aumento da demanda por trabalhadores altamente habilidosos vem ocorrendo em ocupações associadas ao manuseio de tecnologias de ponta, como programadores, engenheiros e cientistas da computação. Por outro lado, o aumento do emprego de baixa habilidade ocorre, primordialmente, entre ocupações associadas a serviços, tais como atendentes, pedreiros, cabelereiros, cuidadores, motoristas, entres outras ocupações ligadas a prestação de serviços pessoais, cuja função ainda não pode ser facilmente substituída por máquinas, embora demandem baixa qualificação do trabalhador.

Nesse sentido, ao que tudo indica, o setor de serviços, mais uma vez, tem uma papel decisivo na definição da estrutura produtiva e, em particular, do padrão de emprego.

Sobre isso, o próximo gráfico desagrega os dados por setor de atividade, permitindo identificar como a variação do emprego na indústria de transformação, na agropecuária e no setor de comércio e serviços contribuiu para o processo de polarização estimado anteriormente. Ao se observar as ocupações de menor habilidade (até o 15º percentil) e as ocupações classificadas acima do 85º percentil, o setor de comércio e serviços é o principal responsável pela expansão do emprego nesses grupos de ocupações. Em outras palavras, mais uma vez evidencia-se a alta heterogeneidade dos serviços: neste caso, vemos a capacidade de esse setor ser capaz de alterar a dinâmica do emprego nos dois extremos de grau de habilidade demandados dos trabalhadores.

GRÁFICO – Decomposição da variação do emprego por atividade econômica entre 2000 e 2010* (Em p.p.)

Fonte: Censo/IBGE. Cálculos da autora.

Diante desse cenário, o setor de serviços aparenta ser o ponto crítico para explicar a polarização. Enquanto a indústria e a agropecuária perderam espaço na economia nas últimas décadas, os serviços se expandiram tanto em atividades que demandam mão de obra de baixa qualificação (como serviços pessoais), quanto em atividades que contratam empregados altamente qualificados (como os serviços empresariais associados ao desenvolvimento de tecnologias e soluções para empresas).

A compreensão desse fenômeno e, especialmente, da alocação de trabalhadores mais qualificados nesse contexto representa um aspecto relevante para o debate sobre as mudanças tecnológicas e seu impacto sobre o mercado de trabalho no futuro.

*Notas metodológicas sobre a elaboração dos gráficos:

  1. As ocupações foram ordenadas pelo log do salário médio em 2000. Foram excluídas observações de pessoas que reportaram renda do trabalho principal inferior a R$ 200.
  2. Para os dados americanos, Autor e Dorn (2013) ordenaram as profissões com base no log do salário médio de 1980. Além disso, os autores excluem ocupações associadas ao setor agropecuário.
  3. A estimação do gráfico baseou-se na mudança suavizada no emprego para cada período, utilizando regressão local ponderada, seguindo a mesma estratégia utilizada para o cálculo da curva de polarização americana de Autor e Dorn (2013).

Para mais detalhes sobre a metodologia, ver o texto original sobre o tema publicado em Machado (2017).[4]

Referências

[1] AUTOR, D.; KATZ, L.; KEARNEY, M. The polarization of the U.S. Labor Market. The American Economic Review, v. 96, n. 2, p. 189-194, 2006.

[2]GOOS, M.; MANNING, A.; SALOMONS, A. Job polarization in Europe. The American Economic Review, v. 99, n. 2, p. 58-63, 2009.

[3]A estratégia para a construção dos gráficos de polarização é similar à adotada por Autor e Dorn (2013) em AUTOR, D.; DORN, D. The growth of low-skill service jobs and the polarization of the US Labor Market. American Economic Review, v. 103, n. 5, p. 1553-1597, 2013.

[4]MACHADO, A. Existe polarização no mercado de trabalho brasileiro? RADAR: Tecnologia, Produção e Comércio Exterior, v. 53, p. 13-17, 2017.

Varejo online: vendas via dispositivos móveis crescem no Brasil 

Apesar da desaceleração do varejo nos anos de crise, o e-commerce brasileiro continua a dar sinais de que o caminho para o sucesso em vendas é virtual. Mas, para acompanhar o crescimento do setor, é importante que os lojistas também estejam preparados para as novas tendências de consumo.

Entre os recentes movimentos observados no varejo online está a força que o mobile commerce tem ganhado. Com o intuito de demonstrar a evolução da modalidade, que consiste no comércio virtual realizado por meio de dispositivos móveis (smartphones ou tablets), apresentamos o infográfico desenvolvido pelo UmSóLugar, que destaca o share do mercado adquirido nos últimos anos e as categorias líderes em pedidos.

De acordo com dados da 37º edição do Webshoppers, estudo segmentado promovido pela Ebit, os resultados do e-commerce, em geral, continuam animadores. O ano de 2016 foi encerrado com expansão nominal de 7,4% e um faturamento de R$44,4 bilhões, enquanto que, em 2017, o setor fechou o período com números ainda melhores, faturando R$ 47,7 bilhões, ou seja, um crescimento nominal de 7,5%.

Somente no ano passado, o uso de dispositivos móveis para compras online bateu 27,3% de share do mercado virtual. Acompanhando um aumento ininterrupto, observa-se que a média de crescimento anual da modalidade é de 56,7%, ao longo dos últimos cinco anos.


Ainda na primeira metade de 2017, ao menos três categorias sempre listadas entre as top 10 em vendas online como um todo já lideravam os pedidos m-commerce. São ele Moda e acessórios (15%), Casa e decoração (14%) e Saúde, cosméticos e perfumaria (12%).

Para 2018, o relatório prevê que o share em compras por meio de dispositivos móveis possa atingir 37% do número total de pedidos online. Diante dessa realidade, volta à tona a discussão sobre a importância de se oferecer ao público plataformas consistentes com o intuito de qualificar a experiência de consumo, fidelizar os clientes e atrair novos compradores.

2025: Novos Mestres

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

Ainda em 2025, professores como Claudio Faria, da escola de medicina de uma faculdade particular, continuarão necessários dentro de salas de aula. Também fora, como referências de conhecimento para o suporte ao crescimento exponencial do poder do ensino a distância. Tão essenciais como os alunos, que ainda frequentarão escolas com o objetivo de alcançar a formação universitária que, pelo menos em tese, abrirá novas oportunidades de trabalho.

Mesmo com a proliferação em larga escala de cursos a distância, os professores não serão, pelo menos ainda, membros de uma das categorias em extinção em ambientes físicos. Inclusive, porque alguém de carne e osso vai receber os estudantes nas salas de aula.

As boas vindas diárias às salas de aula não serão dadas por robôs impessoais, muito menos por totens onde o aluno se identifica com a digital ou com reconhecimento facial. Estudantes ainda irão às faculdades e terão os responsáveis humanos para cada atividade do currículo. O que muda de verdade, na próxima década, é o conforto existencial dos mestres. No século anterior, eles praticamente não sentiram mudanças na relação com os estudantes.

Em 2018, o professor Claudio Faria, por exemplo, dava aulas para os seus 40 alunos de anatomia praticamente da mesma forma como fazia quando começou a lecionar no final dos anos 1990: As mesmas anotações, o mesmo Power Point, as mesmas observações. Até os cadáveres utilizados em atividades práticas eram identificados por apelidos durante anos seguidos.

Transformações exponenciais

As mudanças na relação entre alunos e professores começam a fazer efeito, de verdade, a partir do ano 2020, com o salto da velocidade da internet e com o amadurecimento geral das tecnologias. Agora, sim, a internet em todas as coisas mostra a sua verdadeira face, onipresente, absoluta. Vídeos são o padrão de comunicação. Telas estão em todos os lugares. Muitas das pessoas nem terão mais smartphones.

Um estudo do Pew Research Center e da Universidade de Elon, dos Estados Unidos, sintetiza o que terá acontecido. Assim como o acesso à Internet discada viabilizou o uso do e-mail e a navegação na web como padrão dos anos 1990 e a Internet de banda larga estimulou downloads de música, transmissão de vídeo e redes sociais, a Internet com velocidade gigabit estimulará um novo conjunto de tecnologias e serviços.

No cenário de transformação exponencial, o professor é obrigado a sair da zona de conforto para aprender a lidar com tecnologias como inteligência artificial, realidades virtual, aumentada e mista, sistemas de análise de dados, big data, assistentes virtuais e comunicação a distância com tradução online, entre outros. Mesmo em cursos como filosofia e história é impossível imaginar que a transmissão de conhecimento será da mesma forma dos nossos pais, avós e bisavós.

O que diferenciará o bom do mau professor não será, necessariamente, o domínio do conhecimento, mas a capacidade de explorar o poder tecnológico para ampliar o acesso dos alunos às informações. Portanto, o poder de uso da tecnologia faz a diferença. Mesmo que as aulas de anatomia ainda venham a precisar recorrer a cadáveres (o que é provável), o professor terá, à sua disposição, o apoio da realidade virtual e da realidade aumentada como suporte. Esqueça o que já existe hoje de virtualidade, no futuro, o aluno terá a sensação exata de estar diante de um corpo com seus bilhões de detalhes.

Ao contrário do que ainda é comum nos dias de hoje, o professor não é “aquele que fala”, como detentor absoluto do conhecimento. Professor é quem, detendo um saber, direciona estudantes para um roteiro de estudos. Por onde começar, para onde seguir. O que é prioridade ou não. Cada aula representa uma oportunidade de integração entre o aluno e a informação que se pretende alcançar.

Sob um viés conceitual, o educador passa a ocupar uma posição no centro da relação. Esqueça a sua memória de um mestre na lateral da sala, pouco vulnerável ao poder dos alunos. Em um futuro no qual serão cada vez mais comuns as aulas virtuais, o mestre terá a função de um intermediário entre o conhecimento, a tecnologia e o aluno.

Desafios do aprendizado

Estudantes, assim como os trabalhadores, estarão sendo desafiados em todos os momentos. O modelo de aula expositiva é substituído, então, pela estratégia de ensino por tarefas. A multiplicidade de informações disponíveis é tão relevante quanto a possibilidade de encaminhar estudos personalizados.

No caso do nosso professor de anatomia, Cláudio, ao invés de simplesmente apresentar um pedaço do crânio, pode desafiar a turma ou um aluno específico a encontrar na rede as últimas referências sobre o tema. E propor a criação de uma apresentação que, para os padrões atuais, certamente parecerá uma produção de cinema.

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