Economia de Serviços

um espaço para debate

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Cenário e perspectivas para o comércio de serviços no Brasil

Balanço de Pagamentos

O balanço de pagamentos (BP) de um país é o espelho contábil das transações entre seus residentes e não-residentes em um determinado período de tempo. Os resultados obtidos do BP possibilitam monitorar a magnitude e a direção do fluxo de recursos entre um determinado país e o restante do mundo (FEIJÓ et al., 2003).

Desconsiderando possíveis erros e omissões de mensuração, o BP pode ser dividido em três contas principais: (i) a conta capital; (ii) a conta financeira; e (iii) a conta corrente. Cada conta do BP é dividida entre receitas e despesas. As receitas são formadas pela soma de gastos de não-residentes no país do BP. Por outro lado, as despesas correspondem aos gastos dos residentes desse país no exterior.

O saldo de uma conta do BP consiste na subtração entre as suas receitas e despesas. Quando uma conta do BP apresenta saldo negativo, tem-se que a soma dos pagamentos vindos do exterior (por não-residentes) foi menor do que a soma dos pagamentos feitos para o exterior (por residentes). De maneira simplificada, no caso brasileiro, as receitas das contas do BP são mensuradas a partir do total de gastos no Brasil por estrangeiros; enquanto as despesas são representadas pelos gastos de brasileiros no exterior.

A mensuração do BP de cada país é padronizada conforme as regras dispostas no Manual de Balanço de Pagamentos e Investimento Internacional do Fundo Monetário Internacional (IMF, 2009). O BP brasileiro, por sua vez, tem o seu equilíbrio/saldo regulado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), sendo responsabilidade do Banco Central do Brasil (BCB) a compilação e publicação dos dados que o compõem[1].

Conta de serviços

A conta de serviços faz parte da conta corrente do BP. Para tal, compreende-se como “serviços” o conjunto das atividades que possam influenciar as condições de consumo ou comercialização de produtos ou ativos financeiros em um país (IMF, 2009). No caso brasileiro, esses serviços são divididos conforme as categorias listadas abaixo, na tabela 1.

Tabela 1 – Categorias, receitas, despesas e saldo da conta de serviços do BP brasileiro em 2017, em milhões de dólares.

Categorias Receitas Despesas Saldo
Aluguel de equipamentos $125,71 0,36% $16.963,68 24,83% -$16.837,97
Viagens $5.809,21 16,85% $19.001,63 27,81% -$13.192,42
Transportes $5.790,10 16,79% $10.765,30 15,76% -$4.975,20
Serviços de propriedade intelectual $642,16 1,86% $5.211,81 7,63% -$4.569,66
Telecomunicação, computação e informações $2.186,20 6,34% $3.859,36 5,65% -$1.673,16
Serviços governamentais $801,79 2,33% $2.035,92 2,98% -$1.234,13
Seguros $687,81 1,99% $1.358,43 1,99% -$670,61
Serviços culturais, pessoais e recreativos $313,08 0,91% $863,76 1,26% -$550,69
Serviços financeiros $679,07 1,97% $703,69 1,03% -$24,61
Serviços de manufatura sobre insumos físicos. $6,83 0,02% $1,65 0,00% $5,18
Construção $14,45 0,04% $1,44 0,00% $13,01
Serviços de manutenção e reparo $464,16 1,35% $206,38 0,30% $257,78
Outros serviços de negócio, inclusive arquitetura e engenharia $16.957,81 49,18% $7.355,76 10,77% $9.602,06
Total $34.478,39 100% $68.328,81 100% -$33.850,42

Fonte: elaboração própria a partir de BCB (2018a).

Observa-se que a conta de serviços brasileira de 2017 foi deficitária, registrando um montante de aproximadamente US$ -34 bilhões. De maneira simplificada, isso significa que o gasto com serviços por brasileiros no exterior superou o de estrangeiros no Brasil naquele ano. Portanto, podemos dizer que o país foi “importador de serviços” em 2017.

Atualmente, o Brasil é um dos maiores deficitários globais no setor de serviços (CNI, 2014; MDIC, 2018). As categorias da conta que mais contribuíram para esse déficit em 2017 foram as de aluguel de equipamentos, viagens, transportes e serviços de propriedade intelectual.

Contexto brasileiro

O histórico do BP brasileiro indica que o déficit da conta de serviços de 2017 não foi inédito na série de saldos do fluxo comercial dessa conta. Entre 1995 e 2004, o saldo em serviços se manteve em patamares próximos a US$ -5 bilhões. Nos 10 anos seguintes, registrou-se vertiginoso crescimento do déficit, aproximando-se de saldo de US$ -50 bilhões em 2014, conforme se observa no gráfico 1.

Gráfico 1 – Série histórica do saldo da conta de serviços do Brasil, por principais categorias, em milhões de dólares (2004-2017).

Fonte: elaboração própria a partir de BCB (2018a).

Entre 2005 e 2014, a categoria de viagens internacionais registrou o maior aumento na participação sobre o déficit de serviços no Brasil. Outra categoria que reforçou a negatividade da conta foi a de aluguel de equipamentos que, associada à dependência do setor de gás e petróleo de tecnologias estrangeiras, contabilizou déficits crescentes a partir de 2008 (CNI, 2014).

Cuiabano et al. (2013) estudaram a relevância das variações no câmbio e na renda para explicar o saldo decrescente da categoria “viagens” na conta de serviços brasileira até 2011. Conforme os autores, menores taxas de câmbio reais (fortalecimento da moeda nacional) tendem a reduzir o saldo da conta de serviços. Isso porque a valorização do real torna o gasto por brasileiros no exterior relativamente mais barato, o que incentiva a importação de serviços de outros países por parte do residente no Brasil. Ao mesmo tempo, o gasto em moeda estrangeira no Brasil se torna relativamente mais caro, um desincentivo às receitas da conta de serviços do país.

No que tange a variações na renda, aumentos da produção de um país tendem a incrementar gastos de seus residentes no exterior. Cuiabano et al. (2013) verificaram que a correlação entre acréscimos na renda doméstica e maiores déficits em viagens internacionais apresenta maior sensibilidade do que a de reduções na taxa de câmbio com o saldo dessa conta. Nesse sentido, espera-se que variações na renda possuam maior relação com mudanças no saldo da conta de serviços brasileira do que variações no câmbio; em módulo, a elasticidade-renda da demanda por serviços no Brasil é maior que a elasticidade-preço (câmbio).

Entre 2013 e 2016, a economia brasileira sofreu instabilidades que refletiram negativamente sobre a produção interna e a moeda nacional (recessão e desvalorização do real). Não obstante, o déficit da conta de serviços do país em 2016 foi aproximadamente um terço menor do que o déficit de 2013, reduzindo-se de patamares próximos a US$ -50 bilhões para cerca de US$ -30 bilhões.

Gráfico 2 – Saldo da conta de serviços, em milhões de US$, e variação do PIB brasileiros, em percentuais, entre 2009 e 2017.

Fonte: elaboração própria a partir de BCB (2018a) e IBGE (2018).

Do gráfico acima, também se verifica que a melhora dos indicadores de produção econômica em 2017 foi acompanhada de reversão da trajetória da curva do saldo da conta de serviços brasileira; com valor mais deficitário em relação ao ano de 2016.

No acumulado dos nove primeiros meses de 2017, registrou-se saldo de US$ -24.347 milhões na conta de serviços brasileira. No mesmo intervalo de 2018, o saldo da conta foi 1,9% menor, acumulando déficit de US$ -24.814 (BCB, 2018a). Como esperado, essa redução do saldo de serviços (aumento do déficit), acompanha expectativa de melhora dos indicadores de produção econômica: o acumulado do IBC-Br[2] registrou crescimento de 1,14% entre janeiro e setembro de 2018[3].

Perspectivas

Em setembro de 2017 foi criado o Grupo Técnico de Serviços (GT Serviços). Esse Grupo, alocado na Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (SE/Camex), busca promover a competitividade dos serviços brasileiros no exterior com o debate de políticas públicas para atender esse propósito (MDIC, 2018).

Nos últimos meses, a SE/Camex promoveu consulta pública para avaliação de proposta de Plano de Trabalho 2019/20 do GT Serviços. O plano compila uma série de medidas para desburocratizar o comércio de serviços no Brasil, com maior ênfase em simplificações tributárias a setores com alcance internacional[4]. Essa linha de atuação foi desenhada para reduzir as barreiras à participação brasileira no comércio de serviços, que são, hoje, de caráter essencialmente regulatório (PEREIRA, 2016).

Nesse sentido, segundo a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil tem espaço para promover maior produtividade na prestação e no comércio de serviços, podendo, para tal, utilizar-se das recentes inovações tecnológicas em informação e em comunicação (OECD, 2017). A melhora do país no ranking do relatório Doing Business 2019, do Banco Mundial, relata que alcançamos melhorias necessárias, mas ainda insuficientes, para destravar o setor (e o comércio) de serviços no país (WB, 2018).

Diante da conjuntura das contas públicas e da possível reforma administrativa à qual o Ministério da Indústria, Serviços e Comércio Exterior (MDIC) está sujeito nos próximos meses, cabe acompanhar se permanecerão a estrutura, as diretrizes e a continuidade dos trabalhos do GT Serviços. No caso de continuidade da política de promoção da competitividade, o maior desafio do Grupo será superar os entraves institucionais que limitam o fluxo comercial de serviços pelo país.

Segundo as últimas publicações do Relatório de Mercado Focus, espera-se relativa estabilidade das taxas de câmbio e crescimento do PIB, em aproximadamente 2,5% a.a., até 2020 (BCB, 2018b). Como vimos, nessas condições e considerando elevada elasticidade-renda da demanda por serviços no Brasil, a tendência é que a retomada do crescimento amplie o déficit na conta de serviços brasileira (CNI, 2014). Portanto, tudo o mais constante, uma maior participação do país como importador de serviços é garantida.

Luis Guilherme A. Batista é professor voluntário na Universidade de Brasília (UnB), bolsista da Capes, mestrando em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Gestão Pública pela AVM, e bacharel em Ciências Econômicas pela UnB. Foi Coordenador de Projetos e Gestão de Indicadores do Ministério da Cultura, e Assistente no Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Atua nas áreas de defesa comercial e da concorrência.

Referências

Banco Central do Brasil [BCB]. (2018a). Série histórica do Balanço de Pagamentos – 6ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição de Investimento Internacional (BPM6). Visualizado em 05 de novembro de 2018. Disponível em https://www.bcb.gov.br/htms/infecon/Seriehist_bpm6.asp.

BCB. (2018b). Focus – Relatório de Mercado. Visualizado em 14 de novembro de 2018. Disponível em https://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/readout.asp.

Confederação Nacional da Indústria [CNI]. (2014). Serviços e Competitividade no Brasil, Brasília: CNI.

Cuiabano, S. M.; Bertussi, G. L.; Vasconcelos, E. B. X.; Machado, D. L. (2013). Saldo da Conta de Viagens Internacionais no Brasil: a Contribuição da Taxa de Câmbio Real Efetiva e da Renda. Revista Tempo do Mundo, v. 5, n. 1, pp. 89-108.

Feijó, C. A.; Ramos, R. L. O. [org.]. (2003). Contabilidade Social: a Nova Referência das Contas Nacionais do Brasil, Rio de Janeiro: Elsevier, 3ª edição.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. (2018). PIB avança 1,0% em 2017 e fecha ano em R$ 6,6 trilhões. Visualizado em 13 de novembro de 2018. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/20166-pib-avanca-1-0-em-2017-e-fecha-ano-em-r-6-6-trilhoes.

International Monetary Fund [IMF]. (2009). Balance of Payments and International Investment Position Manual, sixth edition, Washington, D.C., USA.

Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços [MDIC]. (2018). Serviços. Visualizado em 04 de novembro de 2018. Disponível em http://www.camex.gov.br/servicos.

Organisation for Economic Co-operation and Development [OECD]. (2017). OECD Services Trade Restrictiveness Index (STRI): Brazil. Visualizado em 16 de novembro de 2018. Disponível em http://www.oecd.org/tad/services-trade/STRI_BRA.pdf.

Pereira, L. B. V. Além das barreiras ao comércio de mercadorias: os serviços. (2016). Conjuntura Econômica, v. 70, n. 5., pp. 62-65.

World Bank Group [WB]. (2018). Doing Business in Brazil. Visualizado em 16 de novembro de 2018. Disponível em http://www.doingbusiness.org/en/data/exploreeconomies/brazil.

  1. Cf. Lei 4.595/64.
  2. Como o PIB referente ao 3º trimestre de 2018 não havia sido disponibilizado até a redação deste texto, o autor se baseou no Índice de Atividade Econômica do Banco Central, IBC-Br, indicador que é comumente utilizado como uma prévia do PIB.
  3. Cf. noticiado pelo O Estado de São Paulo em 16/11/2018. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,previa-do-pib-tem-recuo-de-0-09-em-setembro-ante-agosto-aponta-bc,70002610124.
  4. A proposta de Plano de Trabalho está disponível no sítio eletrônico da Consulta Pública SE/Camex 02/2018: http://camex.gov.br/noticias-da-camex/2097-consulta-publica-se-camex-n-02-gt-servicos.

A servicificação da manufatura: conceitos, evidências e implicações

Os serviços correspondem a mais de 2/3 da atividade econômica global, mas representam parcela pequena do comércio de serviços, quando medido da forma tradicional, com base em fluxos brutos. Quando olhamos para a base de comércio em valor agregado da OCDE/OMC (base TiVA), conseguimos uma visão mais informativa sobre a participação dos serviços no comércio global, a qual se eleva de 20% (em termos brutos) para 49%.

O que torna os valores acima tão distintos – e o que torna a base TiVA tão importante para aqueles que estudam serviços – é justamente a participação desse setor nas cadeias globais de valor, não apenas como uma “cola” capaz de integrar etapas de produção fragmentadas globalmente, mas como componente fundamental da formação de valor em cadeias globais.

Não é de hoje que sabemos que os serviços são atividades que criam valor, e que, por isso, merecem estudos que entendam a dinâmica desse setor. O que vamos explorar nesse post é a forma pela qual os serviços estão presentes na cadeia de valor da manufatura. Em particular, buscaremos explicar o fenômeno da servicificação, seus impactos nas cadeias globais de valor e as evidências desse processo. No próximo post, discutiremos as implicações da servicificação para políticas públicas, em particular, para a política comercial.

Entendendo a servicificação

Tal como definido pela Conselho Nacional de Comércio da Suécia, que publicado conteúdos sobre o tema desde 2010, servicificação é o processo pelo qual setores da economia, como manufatura e agricultura,[1] compram e produzem mais serviços que antes, e também vendem (e exportam) mais serviços. Isso leva a uma interconexão cada vez maior entre os demais setores e o de serviços, seja pelo uso de serviços como insumos, como atividades dentro das firmas ou pela venda de serviços de forma agregada (bundled) à bens. A figura abaixo, retirada de Miroudout e Cadesin (2017) ilustra essas três possibilidades.

Fonte: Miroudout e Cadesin (2017)

O aumento da dispersão geográfica das cadeias de fornecedores é um dos fatores que explica o crescimento da servicificação, pois a distribuição de uma cadeia de valor em etapas realizadas em diversos países também implicou no processo de outsourcing de diversos serviços. Isso decorre do papel, já bem conhecido, que as etapas de serviços como padronização, P&D, design, logística, pós-vendas, branding, entre outros, possuem no processo de produção de bens. Assim, a servicificação surge como uma forma de reduzir custos e ampliar a eficiência da produção em cadeias globais. Em essência, é uma estratégia para permanecer competitivo e ampliar lucros (Miroudout,2017). Além disso, esse processo também tem origem na ambição das empresas de aprofundar as relações com o consumidor, por meio do provimento de serviços relacionados aos produtos. Esse novo modelo de negócio contribui sobremaneira para a diferenciação dos produtos, para a fidelização dos clientes e para que se consiga adquirir vantagens competitivas pela segmentação de mercado.

Os primeiros estudos de caso sobre servicificação analisaram tanto cadeias da manufatura como da agricultura. Em ambas, o que se encontrou foram mais de quarenta serviços utilizados até se chegar a etapa final de entrega dos produtos (Conselho Nacional de Comércio, 2013). Os casos mais emblemáticos de empresas que viveram intensamente o processo de servicificação referem-se à Rolls Royce Aerospace e à IBM. A Rolls Royce, firma consolidada do setor de motores e turbinas de avião, visando melhorar seus produtos, investiu de forma sólida no levantamento de informações detalhadas sobre a eficiência de suas turbinas, passando pelo uso de sensoriamento, de grandes bases de dados e sistemas que possibilitassem a análise dos dados e das informações produzidas, e que fosse capaz de dar respostas objetivas sobre o desempenho do que era produzido. O resultado foi o modelo “Power by the Hour”, onde os clientes pagam pelo tempo de uso do motor. A turbina passou a ser a plataforma física por meio do qual a empresa oferece o serviço “empacotado” de monitoramento de desempenho, manutenção, reparo e prevenção de falhas (OCDE, 2017). Atualmente, 53% do faturamento da empresa advém de serviços. No caso da IBM, empresa criada e mantida por muito anos como produtora de hardware, hoje tem 59% de seu faturamento oriundo de serviços.

Servicificação e digitalização: conceitos mais que relacionados

A servicificação da manufatura tem relação próxima com as estratégias e modelos de negócios que surgiram a partir do desenvolvimento das tecnologias digitais. Tais tecnologias transformaram serviços antes não comercializáveis em comercializáveis, possibilitando o uso mais intensivo de serviços em CGVs. Assim, parte do que medimos como conteúdo de serviços (outsourced ou insourced) é um deslocamento de recursos para tecnologias digitais em todos os estágios da produção (Miroudout e Cadesin, 2017). Um exemplo disso é o impacto da transformação digital para design e P&D: hoje, essas etapas dependem cada vez mais de softwares para modelagem, prototipagem e testes de produtos, adicionando-se a isso o impacto das impressoras 3D ligadas a esses softwares. Revolução importante também ocorreu nas etapas de marketing, vendas e pós-vendas, que hoje são um dos seguimentos mais intensivos em dados da cadeia de valor. É por meio da informação coletada dos consumidores que produtos são melhorados e customizados. Conforme colocou os autores supracitados, a servicificação e a digitalização estão entrelaçadas, sendo parte de uma transformação maior na forma como as firmas criam valor.

Evidências da servicificação das cadeias globais de valor

Serviços como insumos: o papel dos serviços na agregação de valor das exportações

Conforme já colocamos, a base TiVA é ferramenta poderosa para analisar a relação entre setores econômicos nos diversos países, sendo uma base fundamental para a compreensão sobre servicificação em CGVs. Ao analisar a decomposição do valor adicionado da exportação de manufaturas para 2011 (último ano disponível na base), observou-se que o valor adicionado dos serviços responde por 38% das exportações de manufatura em países desenvolvidos, e 32% nos países em desenvolvimento, valor bastante superior ao que se tinha em 1995, primeiro ano para o qual as informações estão disponíveis.

Serviços produzidos nas próprias firmas exportadoras

Sabendo que a servificação também é um processo que faz com que as firmas de setores como manufatura e agricultura produzam mais serviços dentro das mesmas (o chamado serviço in house). Essas atividades podem ser identificadas como sendo serviços, pois, se fossem terceirizadas, elas pertenceriam a segmentos de serviços. Todavia, a servicificação dentro das firmas e algo muito mais difícil de se investigar, tendo em vista que se tratam de informações sobre o processo produtivo das empresas, não presentes em estatísticas nacionais.  Miroudout e Cadesin (2017) buscaram pesquisas sobre força de trabalho e ocupação para evidenciar esse processo, e encontraram que, em média, 18% do valor adicionado das exportações da manufatura vem de serviços produzidos dentro das empresas. Quando se soma essa cifra ao valor adicionado dos serviços utilizados como insumos, o valor adicionado dos serviços às exportações de manufatura eleva-se de 38% para 53%. Para os países da OCDE, de 25% a 60% do emprego em firmas de manufatura estão em serviços como P&D, engenharia, transporte, logística, distribuição, TI, vendas e pós-vendas, gerenciamento e back-office.

Serviços empacotados a bens exportados

O estudo de Miroudout e Cadesin (2017) também conseguiu evidenciar como o setor de manufatura vende serviços empacotados a bens, algo também difícil de se medir utilizando as bases de dados sobre comércio, já que a exportação desses serviços é contabilizado como uma transação totalmente distinta da transação de exportação de um bem. Utilizando a base ORBIS, que contem microdados de firmas,  encontram que, em geral, as firmas de manufatura exportadoras estão envolvidas diretamente com a distribuição de seus produtos. Além disso, a exportação de serviços empacotados a bens responde à ambição das empresas de criar relacionamento direto com o cliente, e assim conseguir agregar mais valor aos produtos e gerar maior faturamento a partir dos serviços providos a esses clientes. Muitas firmas também atuam na etapa de transporte, em particular quando isso requer tecnologias e habilidades específicas.

Observa-se, ainda, que empresas dos mais variados seguimentos vêem, nos serviços, uma grande oportunidade de continuar o relacionamento com o cliente mesmo após a entrega do produto, e garantir o provimento de soluções e demanda recorrente pelo bem. Por exemplo, no caso de máquinas e outros equipamentos de transporte (como aeronaves),  o serviço de manutenção e reparo é um dos principais serviços providos. No caso de químicos e minerais, onde há grau elevado de especificidade para entrega desses produtos, as empresas do seguimento fornecem também os serviços de P&D e engenharia.

Implicações

Buscamos aqui apresentar as distintas formas pelas quais os serviços são combinados com os bens, no processo produtivo, para gerar valor. Como vimos, os serviços podem ser utilizados como insumos;  produzidos pela própria firma (in house); e serem vendidos empacotados a bens. Esse fenômeno, apesar de visto de modo mais forte nas empresas da manufatura dos países desenvolvidos, é um modelo também utilizado por diversas empresas de países emergentes. Ao olhar para a servicificação como um modelo de negócios que reduz custos e aumenta a vantagem competitiva das empresas, rapidamente vislumbramos o potencial que esse processo tem para as empresas e países que estão buscando maior engajamento em cadeias globais de valor. A servicificação permite não apenas otimizar a produção, aumentar ganhos advindos da especialização, mas também implica em maior diversificação do faturamento da empresa, além de ser um grande diferencial na relação com os compradores, que passam a ver na firma de manufatura um provedor de soluções customizadas, criando-se, assim, uma relação de longo prazo e novas possibilidades de geração de valor dentro das empresas.

Nesse sentido, políticas que busquem ampliar a participação em cadeias de valor, tanto downstream como upstream, precisam mostrar-se sintonizadas com a dinâmica de produção da manufatura, que hoje é muito mais complexa e envolve muito mais atores de serviços que antes. Nem todas as etapas de serviços podem ser fragmentadas globalmente. E, para que essa fragmentação de fato aconteça, uma rede de acordos precisa estar estabelecida de modo que as empresas possam aumentar a participação de serviços como intermediários mas também criar valor fornecendo serviços na mesma transação da venda de bens – e aqui há desafios grandes para a política comercial, que exploraremos no próximo post.

 

Referências:

Miroudout, S. (2017). The Servicification of Global Value Chains: Evidence and Policy Implications. UNCTAD Multi-  year Expert Meeting on Trade, Services and Development: Genebra.

Miroudot, S. and C. Cadestin (2017). Services In Global Value Chains: From Inputs to Value-Creating Activities. OECD Trade Policy Papers, No. 197, OECD Publishing, Paris

Conselho Nacional de Comércio, 2013. Just Add Services: a case study on servicification and the agri-food sector. National Board of Trade, Suécia.

OCDE (2017). OECD Digital Economy Outlook 2017, OECD Publishing, Paris.

[1] A definição mais precisa coloca a servicificação como o processo que ocorre em setores que não o de serviços, ie, os “non-services sectores”.

Comércio exterior de serviços e balança de pagamentos no Brasil

A figura 1 mostra o comércio de serviços no Brasil desde 1976. O saldo do comércio de serviços foi sistematicamente negativo no período e observam-se dois movimentos de mudança de patamar do déficit: um a partir do final dos anos 1980 e um segundo, mais intenso, a partir de 2004. Em ambos os casos, o aumento do déficit se explica majoritariamente pelo crescimento das importações, o que deu origem a uma espécie de “boca de jacaré”. Em 2014, o déficit chegou a nada menos que US$ 48 bilhões. Ao que parece, teria havido mudança estrutural no comércio de serviços.

De fato, a elasticidade do crescimento das importações de serviços com relação ao crescimento do PIB é de 2,28 para o período completo. Já a elasticidade do crescimento das exportações é de 1,11. Teste de mudança estrutural sugere quebra da série em 2004. Recalculamos as elasticidades para antes e depois daquele ano e encontramos 1,37 e 4,28, e 0,13 e 3,38, respectivamente, para importações e exportações.

Esses números sugerem, primeiro, que as importações de serviços são mais sensíveis à atividade econômica que as exportações; segundo, que, embora ambas as variáveis tenham se tornado substancialmente mais sensíveis à economia a partir de 2004, o coeficiente de importações é significativamente maior que o de exportações; e, terceiro, caso a economia volte a crescer à taxas similares à do produto potencial, que é da ordem de 2,5%, então, tudo o mais constante, observaremos considerável elevação do déficit da conta de serviços.[1]

A figura 2 mostra o saldo comercial total e, separadamente, os saldos comerciais das contas de bens e de serviços. Observa-se que a conta de serviços exerce elevada e crescente influência no saldo comercial total. Embora a corrente de comércio de serviços seja de apenas 1/5 da corrente de comércio de bens, o déficit da conta de serviços praticamente determina o saldo comercial total.

A figura 3 mostra decomposição do saldo comercial total em seus componentes —  os saldos comerciais de bens e de serviços. Conforme sugerido acima, os saldos comerciais no Brasil são “pautados” pelo desempenho da conta de comércio de serviços. Assim, anos com saldos comerciais totais mais modestos ou até negativos são anos com relativamente elevados déficits comerciais da conta de serviços, e vice-versa.

Déficit na conta de serviços não é, necessariamente, um problema. Afinal, pode-se estar importando insumos que elevam a competitividade e a produtividade. Porém, ainda assim, preocupações emergem quando a conta de serviços segue trajetória sistemática de crescimento do déficit, o que pode dar origem à um constrangimento estrutural das contas externas que, eventualmente, pode vir a se tornar um “freio” ao próprio crescimento econômico. Este poderá ser o caso do Brasil.

De fato, para além de elasticidades e de patamar de déficit comercial já elevado, há razões para se esperar aceleração do déficit da conta de serviços ao longo dos próximos anos e, dentre elas, estão as que seguem:

  1. Os serviços estão se tornando tradable e muitos serviços que tradicionalmente são providos localmente por empresas nacionais ou estrangeiras estão, e cada vez mais, sendo providos a partir de terceiros países. Ali incluem-se serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos mas, também, serviços de custos. Essa mudança já está reescrevendo a geografia dos investimentos e do comércio do setor de serviços;
  2. Liderados pelos Estados Unidos, países ricos com fortes interesses ofensivos em serviços estão fazendo intensa pressão para a liberalização dos mercados de serviços e para a convergência técnica e regulatória do setor, que é, na prática, o fator mais determinante do comércio do setor ;
  3. Os preços relativos dos serviços, incluindo os com demanda mais inelástica, seguem trajetória de forte crescimento com relação a preços de manufaturas e de commodities, aumentando a parcela dos produtores, gestores e distribuidores de serviços no valor agregado, em detrimento dos compradores de serviços. A mudança de preços relativos se deve à fatores como concentração de mercados e imposição de padrões técnicos privados em serviços, que fomentam e garantem a formação de “quase-monopólios”;
  4. Devido à mudanças tecnológicas de produção e de gestão da produção, a parcela dos serviços, incluindo os digitais, na formação do valor adicionado de bens, commodities e outros serviços já é elevada, mas seguirá aumentando, beneficiando os produtores, distribuidores e gestores de serviços (pense na smile curve de cadeias globais de valor);
  5. O consumo B2C e B2B de serviços, incluindo os digitais, que já é elevado, deverá aumentar ainda mais ao longo dos próximos anos;
  6. O efeito-rede e o efeito-plataforma conferem enormes poderes para os desenvolvedores e gestores de plataformas e têm criado espaço para práticas discriminatórias que distorcem os mercados.

A ausência, no país, de políticas industriais, políticas de financiamento, políticas de investimentos e políticas de comércio exterior para o setor de serviços deverá aumentar a dependência de serviços importados e a fragilidade das contas externas. Assim, tudo o mais constante, o país terá que fazer enorme esforço exportador de bens e commodities para mitigar os crescentes déficits comerciais de serviços.

O tema é, certamente, complexo e, infelizmente, poucas pessoas se interessam pelo assunto. Mas o tempo não para e já passou da hora de colocarmos o setor de serviços nas agendas das políticas pública e privada.

  1. A mudança na trajetória das importações e das exportações de serviços a partir de 2014 se explica, ao menos em parte, pela recessão e pelo envolvimento de grandes empresas de engenharia brasileiras em problemas de governança, o que afetou consideravelmente as exportações de projetos e de outros serviços de engenharia.

A Desoneração Tributária da Exportação de Serviços e a Possibilidade de Eliminação de Resíduos da Cadeia

Um dos legados da famigerada greve dos caminhoneiros foi a divisão com a sociedade brasileira dos ônus da desoneração tributária do diesel. Ao afetar a meta de arrecadação e sendo pressionado para não aumentar a carga tributária, o governo federal deliberou cobrir o deficit provocado, pela redução ou eliminação, à toque de caixa, de diversos incentivos vigentes, como é o caso do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras -Reintegra.

O art. 21 da Lei nº 13.043/2014, com a disciplina do Decreto nº 9.393, de 30 de maio de 2018, reduziu a alíquota para os créditos do Reintegra de 2% para 0,1%, com vigência imediata, a despeito de a regulamentação anterior determinar que essa alíquota seria mantida até o final do exercício.

O Reintegra permite que empresas que exportam determinados produtos apurem crédito no valor de percentual fixado sobre a receita auferida na operação de exportação. A finalidade da restituição é a devolução de parte dos resíduos tributários da cadeia de produção de bens exportados, em consonância com o princípio de comércio internacional, de que não deverá haver a exportação de tributos. A Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 540/2011, convertida, posteriormente, na Lei nº 12.546/2011, discorreu sobre a necessidade de combater as dificuldades das empresas exportadoras brasileiras. Os resíduos tributários existentes na cadeia produtiva de bens manufaturados reduz a competitividade de exportações brasileiras, pois representam de 5% a 10% do custo do produto exportado, a depender de fatores tais como a extensão da cadeia produtiva.

O Reintegra não se aplica aos serviços, apenas a produtos manufaturados. Mas a discussão que veio à baila com as medidas compensatórias decorrentes da greve dos caminhoneiros, trazidos pelos contribuintes exportadores prejudicados, é a indispensabilidade da eliminação dos resíduos tributários das cadeias de bens exportados.

Note-se que se a cumulatividade tributária afeta as mercadorias exportadas, os serviços padecem de uma deficiência na estrutura de tributação muito maior, considerando que a tributação sobre os serviços brasileira não dispõe de técnicas para a eliminação dos resíduos tributários.

A base de cálculo do imposto sobre serviços -ISS é o preço bruto do serviço, com alíquotas máxima de 5%, não se permitindo a dedução de insumos empregados na prestação de serviços, nem o quanto pago nas operações anteriores, de acordo com suas normas gerais, determinadas pela Lei Complementar n. 116/2003. A única exceção é o caso de serviços de construção civil, em relação aos quais há a previsão de dedução do valor de materiais e o das subempreitadas já oneradas pelo imposto.[1]

Em regra, não há a possibilidade de dedução dos materiais empregados para a prestação dos serviços, que já são gravados pelo IPI e pelo ICMS, gerando dupla imposição econômica, situação que não ocorrerá em ordenamentos jurídicos que tributam de forma unificada mercadorias e serviços.

Uma justificativa possível para a estrutura cumulativa do ISS é o fato de sua alíquota ser relativamente baixa, aliada ao fato de sua competência ser disseminada entre 5570 competências tributárias municipais: não oneraria demasiadamente aos contribuintes, ao mesmo passo que não ofereceria maiores dificuldades de fiscalização às administrações tributárias, pela simplicidade de sua estruturação.

Entretanto, sob a perspectiva do comércio exterior, da dificuldade de quantificação da carga tributária, que dependerá da configuração da cadeia de serviços, decorre a violação do princípio da não-discriminação, em desfavor do contribuinte brasileiro, pois o importado será onerado de forma distinta do fornecido internamente, uma vez que não é possível precisar a carga tributária interna.

A despeito de a alíquota máxima do ISS ser relativamente baixa, o que poderia compensar as múltiplas incidências ao longo da cadeia, não promove a neutralidade, vetor a ser perseguido por uma política tributária eficiente. Um dos efeitos de uma tributação cumulativa é a verticalização da cadeia, concentrando-se os diversos prestadores de serviço por razões alheias à eficiência do mercado, mas apenas para fugir à tributação.

Poder-se-ia se argumentar que não é inerente aos serviços a cumulatividade, pois, em geral, esgotam-se em uma única prestação, com algumas exceções, como nas hipóteses serviços de administração de outros serviços. Classicamente, os serviços não se inseririam em uma cadeia, isto é, esgotavam-se em uma única relação jurídica.

Todavia, o perfil das formas de serviços tem se alterado substancialmente em virtude da evolução tecnológica, tornando-se muito mais complexas e atreladas a diversos prestadores. A tendência é que quanto mais sofisticado o serviço, maior será a cadeia de prestadores e maior será o número de subcontratações de serviços, como o caso de serviços de engenharia e de elaboração de softwares.

Acresça-se que, segundo Anita Kon, ao longo do processo de internacionalização produtiva, os serviços, que numa visão tradicional, eram entendidos como não comercializáveis internacionalmente (non tradable), devido à sua intangibilidade e em vista de sua pouca representatividade nas pautas de exportação, mudaram o seu status. As mudanças tecnológicas e a intensificação do processo de globalização produtiva e comercial, incrementaram o fluxo de serviços, especialmente nas áreas de transporte, consultoria, comunicações, de maneira que o seu mercado internacional ampliou-se consideravelmente.[2]

No Brasil, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), baseados no Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio (Siscoserv), as exportações de serviços no Brasil representam pouco, se comparadas às de mercadorias, embora o setor terciário represente pouco mais de 70% (setenta por cento) do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), como se depreende:

Dos serviços exportados, dentre os mais relevantes estão serviços profissionais, técnicos e gerenciais, de consultoria, financeiros :

A política tributária tem seu papel na contradição desses dados. A cumulatividade do ISS e a “quase-cumulatividade” do PIS e Cofins, incidente sobre a receita das prestações de serviços, que também oferece dificuldades para os contribuintes eliminarem a cumulatividade da cadeia dos bens exportados, são uma das faces desse problema.

Dificuldades adicionais serão encontradas pelos contribuintes para implementar a desoneração nas saídas voltadas às exportações, em virtude da própria dificuldade de aplicação da norma, pela divergência de intepretação pelas administrações tributárias de definições como as de “local de desenvolvimento” e “de consumo” dos serviços.

Todavia, esses obstáculos para desoneração dos serviços exportados, são inconstitucionais. Defende-se que o legislador constitucional optou pela adoção do princípio do destino na tributação das operações de comércio exterior, em detrimento do princípio da origem, como elemento de conexão determinante do exercício da competência tributária. O princípio do destino implica na desoneração da carga tributária nas saídas voltadas à exportação, além da restituição ou creditamento da carga tributária que incidiu na cadeia de produção e distribuição do bem, internamente.

Contrariamente ao que existe no imposto de renda, em que há uma disputa internacional sobre a aplicação do princípio da residência ou fonte, como critério de determinação de competência tributária, há um notável consenso no comércio internacional pela aplicação do princípio do destino, optando as economias mundiais por desonerar as exportações, enquanto que no local de consumo desses bens, recairá a carga tributária.

 

Conforme o saudoso jurista Ricardo Lobo Torres, o princípio do destino está intimamente conectado e harmonizado com o princípio da territorialidade, com a ideia de Justiça e com o princípio da capacidade contributiva, ao estabelecer que os tributos devam ficar no país onde foram consumidos os bens, sendo o vetor para se evitar a dupla tributação no comércio internacional[3]

Nas palavras do também saudoso professor Alberto Xavier[4]:

Os impostos de consumo sobre as transações são geralmente lançados no país do consumidor, revertendo em benefícios dos Estados nos quais são consumidos os bens sobre que incidem. Precisamente por isso, o país de origem, isto é, o país no qual o bem foi produzido, procede normalmente à restituição ou isenção do imposto no momento da exportação; e, por razões simétricas, o país do destino, onde o bem será consumido, institui um encargo compensatório sobre as mercadorias importadas, em ordem de colocá-las ao menos em pé de igualdade com os produtos nacionais.

A Constituição de 1988 adota claramente o princípio do destino no comércio internacional, pois determina que os tributos não incidirão na exportação dos bens. Em diversos dispositivos consolida-se essa opção do legislador constitucional, como o art. 153, §3o, III, que determina que o IPI “não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior”; o art. 155, §2o, X, ‘a’, com a redação da EC n. 42/2003, que determina que o ICMS não incidirá “sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”; o art. 156, §3o, II, que determina, para o ISS, que cabe à lei complementar “excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior”; o art.149, §2o, I, que determina que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico “não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação” (com a redação da EC n. 33/2001) e “incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços” (com a redação da EC n. 42/2003).

Em um ambiente internacional cooperativo de tributação, a escolha pela eficiência econômica e por conseguinte, pelo princípio do destino é inequívoca, pois ao se permitir que um produtor não direcione o seu comportamento por força da tributação de insumos, determinando-se que a carga tributária recaia sobre o consumidor final, incrementa-se a produção e, assim, um governo pode assegurar que parte dessa produção excedente seja capturada pela tributação dos lucros, remanescendo o suficiente para o benefício dos consumidores.

E nesse ponto, retorna-se à ideia lançada no início do texto: o Reintegra, ao possibilitar a redução (não eliminação) dos resíduos tributários oriundos da tributação interna, não é um favor governamental, mas uma obrigação do legislador infraconstitucional. E mais: deve ser estendido aos serviços. Quanto ao ISS o art. 156, §3o, II da Constituição determina que a lei complementar deve excluir a incidência do ISS dos serviços exportados: não apenas a incidência do serviço exportados, como de sua cadeia.

Se no Brasil o princípio do destino tem matriz constitucional, a sua realização não é faculdade do Estado, sendo dever do legislador incluir as imunidades/isenções nas exportações e a constituição de técnicas que viabilizem o aproveitamento de créditos de saídas direcionadas à exportação, na proporção da carga tributária incidente internamente.

A tributação cumulativa traz prejuízos à alocação de recursos e à competitividade dos produtos nacionais, tanto no mercado externo como no doméstico, pois altera de forma incontrolável os preços relativos da economia. No comércio exterior, a realidade da cumulatividade prejudica a competividade das exportações brasileiras. Em relação ao custo dos bens exportados, é difícil a recuperação da carga tributária incidente sobre a cadeia de produção e comercialização, relativa aos insumos, bens de capital e à gestão de negócios.

E se essa discussão ainda necessita amadurecer no comércio exterior de mercadorias, no caso dos serviços, em que as mesmas premissas podem ser aplicadas, a discussão é incipiente.

A não-cumulatividade é técnica expressamente imposta constitucionalmente apenas para o IPI, o ICMS e mais recentemente, para o PIS e Cofins. Portanto, em princípio, não haveria a obrigação da municipalidade de instituir técnicas de implementação de não-cumulatividade para o ISS.

Não obstante, a cumulatividade da tributação dos serviços ofende a diversos preceitos constitucionais. Assim, como justificar que aquele que forneça serviços mais sofisticados e com maior peso econômico, seja mais gravemente tributado? Ademais, ao se estabelecer uma estrutura de tributação que verticalize a cadeia de produção, haverá não só ofensa à neutralidade, como aos vetores constitucionais da Ordem Econômica.

Essas são apenas algumas provocações que apontam para a estrutura anacrônica das técnicas de tributação sobre os serviços, que devem ser repensadas em um contexto econômico em que o setor terciário participa de forma crescente no PIB brasileiro.

  1. Observando-se que do projeto original da Lei Complementar n. 116/2003, foi vetada a possibilidade de dedução dos valores despendidos com terceiros pela prestação de serviços dos hospitais, laboratórios, clínicas, medicamentos, médicos, odontólogos e demais profissionais de saúde, por cooperativas médicas.
  2. KON, Anita. Nova Economia Política dos Serviços, p.53 et seq. São Paulo, Perspectiva, CNPq, 2015.
  3. TORRES, Ricardo Lobo.O Princípio da Não-Cumulatividade e o IVA no Direito Comparado. MARTINS, Ives Grandra da Silva (coord.). Série Pesquisa Tributárias, no 10, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 161.
  4. Direito Tributário Internacional, 2a ed. Coimbra: Edições Almedina, 2014, p.238-239

O setor de serviços tem papel diferenciado na redução da desigualdade de gênero?

A igualdade de gênero é, sem dúvida, um tema que ganhou espaço no debate de comércio internacional. O empoderamento feminino foi objeto de Declaração Ministerial Conjunta na 11ª Conferência Ministerial da OMC realizada em 2017 na Argentina, além de ser o Objetivo #5 da Agenda para Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, negociada em 2015. Ademais, iniciativas relacionadas à importância da participação das mulheres no comércio ganham força, como o #SheTrades do International Trade Center e a rede de GenderChampions das Nações Unidas. Alguns países, como o Canadá, já tomaram a decisão de incluir a questão de maneira horizontal em todos os seus acordos de comércio. No Brasil, o tema também ganhou força e espaços para discussão, como no blog WomenInsideTrade, por exemplo.

O setor de serviços aparece de maneira recorrente nessas discussões como um setor Gender Champion. O argumento é de que, além de ser um setor chave para o desenvolvimento econômico, o setor de serviços é responsável por uma alta parcela do emprego feminino, de maneira que o seu desenvolvimento poderia ter um importante papel na redução da desigualdade de gênero, tanto no comércio internacional, quanto no emprego da força de trabalho doméstica.

De fato, estatísticas indicam alto nível de emprego feminino no setor de serviços, que corresponde a quase 50% do emprego feminino global total[1]. Em economias avançadas, a porcentagem de mulheres trabalhando no setor de serviços chega a 85%. Em países em desenvolvimento, apesar de a maior parte das mulheres estarem empregadas no setor agrícola, a parcela de mulheres que trabalha no setor de serviços aumentou 7,6% entre 1992 e 2012, e tem tendência crescente[2].

Contudo, um olhar mais detalhado sobre esses dados mostra que as mulheres parecem ter uma participação concentrada em determinados subsetores, quando comparadas com os homens. A Figura 1 mostra que os setores “predominantemente femininos” são atacado e varejo, hotéis e restaurantes, educação, saúde e trabalho social. Esses subsetores são, usualmente, caracterizados por pagamentos baixos e arranjos informais de trabalho. A força de trabalho masculina, por outro lado, está mais concentrada em serviços relacionados às atividades de manufatura, construção, agricultura e transportes e comunicações, subsetores usualmente responsáveis pela maior geração de valor agregado e, consequentemente, maiores salários.

Figura 1 – Diferenças na média das participações em subsetores, por sexo (Masculino – Feminino)

Últimos dados disponíveis: 2000

Fonte: The Gender Dimension of Services.

 

Dessa forma, apesar de o setor de serviços de fato empregar mais mulheres que o setor industrial, os dados sugerem que o setor tende a perpetuar a desigualdade de gênero, no sentido de que a força de trabalho feminina está empregada majoritariamente em subsetores de menores salários, menor geração de valor agregado e arranjos de trabalho informais, enquanto os subsetores de alta geração de valor agregado e salários maiores continuam com força de trabalho majoritariamente masculina.

A maneira correta de combater a desigualdade de gênero reside no combate aos motivos que levam as mulheres a atuarem, tanto no setor industrial quanto no setor de serviços, em trabalhos com menor remuneração e menor geração de valor agregado.

Tomemos como exemplo a chegada iminente da Revolução Industrial 4.0. Como se sabe, a Revolução Industrial 4.0 é marcada pela automação da indústria, processos influenciados por inteligência artificial, internet das coisas e intenso fluxo de dados. É, portanto, válido afirmar que carreiras promissoras para o futuro estão relacionadas a tecnologia da informação e comunicação, ciência da computação e engenharia. Um combate eficaz à redução da desigualdade de gênero seria proporcionar a igualdade de participação feminina e masculina desde a formação, para que o resultado se configure no momento de emprego da força de trabalho.

Infelizmente, estatísticas sugerem o contrário. As figuras 2, 3 e 4 apresentam dados de obtenção de diploma em carreiras de humanas e artes (2), tecnologia da informação e comunicação (3) e engenharia, manufatura e construção (4).

Os dados mostram que no Brasil e nos países da OCDE, mais de 80% dos diplomas na área de tecnologia da informação e comunicação são concedidos a homens. Na área de engenharia, manufatura e construção, o valor é similar, atingindo 70%. Os diplomas concedidos às mulheres se concentram, sobretudo, na área de humanas e artes, em que aproximadamente 70% dos diplomas nos países da OCDE, e 60% no Brasil, são concedidos a pessoas do sexo feminino.

Figura 2. Diplomas concedidos a homens e mulheres em carreiras de humanas e artes, 2015

 

Figura 3.  Diplomas concedidos a homens e mulheres em carreiras de tecnologia da informação e comunicação, 2015

Figura 4. Diplomas concedidos a homens e mulheres em carreiras de engenharia, manufatura e construção, 2015

 

Fonte: OCDE

 

Iniciativas que trazem a questão da desigualdade de gênero para o centro do debate são importantes e merecem reconhecimento. É digno de destaque esse importante momento em que a igualdade de gênero tem a atenção dos países, de organismos internacionais e da mídia. É necessário, contudo, olhar a questão com uma lente ajustada para identificar os fatores que levam à desigualdade. Buscar incentivar setores, subsetores ou áreas do comércio que possuem maior participação feminina, sem o devido trabalho de avaliação, pode apenas perpetuar a desigualdade de gênero, sendo ineficaz ou tendo o efeito inverso do esperado.

[1] ILO. Global Employment Trends 2014. Geneva: International Labour Organization, 2014.

[2] ILO. Global Employment Trends for Women 2012. Geneva: International Labour Organization, 2012

Comércio Exterior de Serviços – o recorte dos serviços agregadores de valor

 Panorama

O setor de serviços é o setor que mais impulsiona a economia no século 21. O papel do setor na geração de novos negócios (por exemplo, a economia digital) e na criação de empregos qualificados, além de sua capacidade de apoiar a competitividade, é atualmente consenso entre analistas e formuladores de políticas. Por outro lado, o papel disruptivo dos serviços, em especial aqueles agregadores de valor, nas economias globais e nacionais é uma realidade.

A produção industrial cada vez mais é movida pela inovação disponibilizada pela incorporação de serviços em seu processo produtivo ou na forma como os produtos são ofertados aos consumidores. A própria revolução da indústria avançada (4.0) é, em grande parte, uma revolução no uso de serviços avançados. Por este motivo, o salto na competitividade das indústrias é fortemente impactado pela melhoria da qualidade e produtividade dos serviços.

Atualmente, a dicotomia que ainda separa o comércio exterior de serviços do comércio de bens e mercadorias faz pouco sentido. O que existe é uma sinergia entre a produção de bens e a oferta e prestação concomitantes de serviços, gerando assim um processo de indução e contínua simbiose na economia e no interior das empresas. O valor agregado e a sofisticação que o uso de serviços incorpora aos produtos agrícolas e industriais faz com que as empresas obtenham as habilidades necessárias para serem bem-sucedidas em suas estratégias locais e de internacionalização. O processo de conquista de mercados estrangeiros por empresas industriais muitas vezes alavanca igualmente a internacionalização de empresas de serviços. Por sua vez, o processo de servitização faz com que os serviços assumam a liderança em termos de agregação de valor e inovação às demais atividades econômicas.

Uma compreensão clara da economia e do comércio de serviços, bem como de suas contribuições para o desenvolvimento sustentável e inclusivo (Arbache, 2017), deve ser parte integral das políticas e ações dos países em desenvolvimento, especialmente diante dos novos desafios criados pela economia digital e a necessidade sempre urgente de manutenção e criação de empregos. Nesse sentido, avançar na direção dos serviços de valor agregado é fundamental para conferir maior densidade à produção e propiciar maior competitividade ao comércio exterior.

 

Economia de serviços e o comércio exterior no Brasil

Mesmo que a crescente contribuição do setor de serviços para o desenvolvimento da economia brasileira seja mais perceptível no tocante a aspectos como Produto Interno Bruto, emprego e inovação, a importância do comércio exterior de serviços (exportações e importações) ainda permanece pouco visível.

Os serviços correspondem a 72% do valor adicionado ao PIB brasileiro[1] e a 69% do total de empregos formais[2]. Entretanto, tal magnitude não se reflete no comércio exterior brasileiro. Em 2017, o setor de serviços correspondeu a apenas 13,3% do total das exportações de bens e serviços e 29,9% das importações de bens e serviços[3]. O Brasil tem um déficit estrutural na conta de serviços do Balanço de Pagamentos, que recuou em 2015, mas voltou a crescer em 2017. No período de cinco anos entre 2008 e 2013 ocorreu uma rápida expansão das exportações e das importações de serviços, que mostraram, respectivamente, um crescimento médio anual de 6,3% e 12%. No entanto, nos últimos cinco anos (2013- 2017) as exportações apresentaram crescimento médio anual negativo ( -1,5%) e as importações também recuaram ainda mais acentuadamente (-3,9%). De fato, após um pico em 2014, as importações caíram gradualmente.

 

Serviços que agregam valor à produção

Como proposto por Arbache (2014), os serviços podem ser divididos em dois grupos de natureza distinta. O primeiro grupo é denominado “serviços de custo” e refere-se às funções que afetam os custos de produção (ou seja, logística e transporte, serviços gerais de infraestrutura, armazenamento, serviços de reparo e manutenção, serviços de terceirização de produção em geral, TI em geral, serviços financeiros e de crédito, viagens, alojamento, produtos alimentícios, distribuição, entre outros). O segundo grupo refere-se a funções que contribuem para agregar valor, diferenciar e customizar produtos, fazendo assim com que se tornem únicos, elevando substancialmente o seu preço de mercado e contribuindo para aumentar a produtividade do trabalho e o retorno sobre o capital. Esse grupo é composto por serviços que exigem níveis relativamente altos de capital humano e outras capacidades, incluindo projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), design, engenharia e arquitetura, serviços de consultoria, software, serviços técnicos especializados, serviços de TI de ponta, branding, marketing, comercialização, entre outros.

Atualmente, há evidências suficientes que indicam que em um futuro próximo será impossível criar riqueza, gerar empregos de qualidade e participar das cadeias de valor globais sem a capacidade de desenvolver e gerenciar serviços sofisticados e “empacotá-los” em bens e serviços de terceiros. Essas tendências, aliadas à “commoditização” digital, sugerem fortemente que o comércio de serviços deve ser parte relevante das políticas de crescimento econômico sustentável, bem como daquelas relacionadas ao comércio exterior em geral, ao investimento, ao capital industrial, tecnológico, humano e a infraestrutura (Arbache, 2017).

 

Serviços de valor agregado no comércio brasileiro de serviços

O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) trabalha ativamente para fortalecer o comércio exterior de serviços. Com esse propósito, em 2012, foi lançado o Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços e Intangíveis (Siscoserv), um sistema automatizado mantido pelo Ministério (especificamente pela Secretaria de Comércio e Serviços – SCS), em parceria com a Receita Federal do Brasil, e que tem como finalidade a coleta, análise e divulgação de dados do comércio de serviços brasileiro. O Siscoserv foi criado a partir da necessidade de dados para apoiar políticas públicas baseadas em evidências para o desenvolvimento do setor de serviços no Brasil.

Ao priorizar fluxos de comércio e operações individuais, o alcance do Siscoserv vai além dos aspectos financeiros do comércio exterior de serviços. O sistema é, portanto, capaz de capturar detalhes operacionais que não são abarcados por estatísticas financeiras. O registro no Siscoserv abrange os serviços fornecidos nos quatro modos de prestação de serviços.

Para avaliar a participação das categorias propostas por Arbache (2014) no comércio brasileiro de serviços, essas categorias foram correlacionadas com a Nomenclatura Brasileira de Serviços (NBS)[4], tendo sido levantados os dados correspondentes registrados no Siscoserv. Como resultado, é possível apresentar um breve levantamento das exportações e importações de serviços de valor agregado no Brasil.

De acordo com dados do Siscoserv, em 2017, as exportações de serviços de valor agregado representaram aproximadamente 33% de todas as exportações de serviços do Brasil. Isso significa exportações de US$ 9,9 bilhões de serviços de agregação de valor, um aumento de 11,4% em comparação com o ano anterior (que registrou exportações de US$ 8,9 bilhões).

Gráfico 1 – Exportações de Serviços Brasileiros – 2016/2017 (bilhões de dólares)

Fonte: Siscoserv (2018)

Em 2017, em comparação com 2016, houve um aumento nas exportações brasileiras de “serviços de consultoria” (+15,9%), “serviços técnicos especializados” (+15,7%), “serviços de propriedade intelectual” (+52%), “serviços de branding e marketing” (+17,6%), “serviços avançados de TI” (+25,9%), “serviços jurídicos” (+2,6%) e serviços de P&D (+20,4%). Por outro lado, houve contratação nas exportações de “serviços relacionados a projetos” (-11%), “serviços financeiros sofisticados” (-5,8%) e “serviços de software” (-2,5%)

Considerados como um grupo, é a seguinte a participação de cada categoria de serviço de valor agregado no total: “serviços de consultoria” (30%), “serviços técnicos especializados” (25%), “serviços de branding e marketing” (10%); “serviços financeiros sofisticados” (10%), “serviços de P&D” (8%), “serviços de software” (6%) e “serviços relacionados a projetos” (5%), “serviços de propriedade intelectual”, “serviços avançados de TI” e “serviços jurídicos”, que alcançaram apenas 2% cada.

Gráfico 2 – Exportações de Serviços de Valor Agregado – 2017

Fonte: Siscoserv (2018)

Com relação às importações, o grupo de serviços de valor agregado foi responsável por 23,6% de todas as importações de serviços do Brasil, ou US$ 10,1 bilhões, o que representa uma queda de 6,7% se comparado a 2016 (que totalizou US$ 10,8 bilhões).

Gráfico 3 – Importações de Serviços Brasileiros – 2016/2017 (bilhões de dólares)

Fonte: Siscoserv (2018)

Em 2017, em comparação com 2016, houve uma redução de -6,7% (ou -US$ 730 milhões em termos absolutos) nas importações brasileiras de serviços de valor agregado. Essa redução foi ainda mais importante do que a redução verificada no total das importações brasileiras de serviços, que apresentaram queda de -1,5%. Apenas as importações dos “serviços de consultoria” caíram -45%. Também houve queda nas importações dos “serviços técnicos especializados” (-14,3%), “serviços de propriedade intelectual” (-17,1%), “serviços relacionados a projetos” (-9,2), “serviços jurídicos” (-18,6%) e “serviços de P&D” (-1,7%). Por outro lado, houve um aumento nas importações de “serviços relacionados a software” (+5,1%), “serviços de branding e marketing” (+44,1%), “serviços avançados de TI” (+3,2%) e “serviços financeiros sofisticados” (+99, 2%).

Considerados como um grupo, é a seguinte a participação de cada categoria de serviço de valor agregado no total: “serviços relacionados a software e intangíveis” (30% do total), “serviços de branding e marketing” (22%), “serviços técnicos especializados” (14%), “serviços de consultoria” (13%) e “serviços de propriedade intelectual” (13%). Os “serviços avançados de TI”, “serviços financeiros sofisticados” e “serviços relacionados a projetos” tiveram uma parcela de 2%, enquanto “serviços jurídicos” e “serviços de P&D” participaram com apenas 1%.

Gráfico 4 – Importações de Serviços de Valor Agregado – 2017

Fonte: Siscoserv (2018)

 

Considerações finais e perspectivas

A análise da conta de serviços do balanço de pagamentos do Brasil coloca em perspectiva os desafios do País, não especificamente no sentido de eliminar o déficit estrutural na conta de serviços[5] (que seria desejável de qualquer forma), mas de dotar o comércio de serviços e intangíveis com uma parcela maior de serviços que contribuam para aumentar a produtividade da economia, ou seja, aumentar a participação dos serviços de valor agregado. Essa é uma ação importante tanto no campo das exportações, quanto no sentido de uma maior qualificação das importações brasileiras.

A partir de uma breve análise do balanço de pagamentos, e apesar do comportamento positivo da conta de serviços empresariais, profissionais e técnicos (que engloba grande parte dos serviços de valor agregado), é possível antecipar a necessidade de uma atenção especial no Brasil em relação a áreas como a de “serviços de propriedade intelectual” (que é historicamente negativa para o Brasil), além dos setores de telecomunicações, computação e informação.

Essa visão mais geral é confirmada pelo exame minucioso dos microdados produzidos pelo Siscoserv, com foco nas transações comerciais específicas e no tratamento dos serviços como produtos. Ao examinar os dados do Siscoserv, pode-se verificar a necessidade de políticas públicas que contribuam para o aumento da participação dos serviços de valor agregado no comércio global brasileiro de serviços. Como vimos acima, os serviços de valor agregado compreendem apenas 33% das exportações totais de serviços e 23,6% das importações totais. Esse perfil de importação pode ter impacto na qualidade dos serviços produzidos no Brasil e na competitividade das exportações (não apenas de serviços, mas especialmente da indústria). Também pode significar que boa parte das importações está sendo direcionada para serviços de custo ou consumo.

O MDIC tem trabalhando em várias iniciativas para fortalecer e melhorar o perfil do comércio exterior brasileiro de serviços. A criação do Siscoserv é uma dessas iniciativas, juntamente com a publicação da NBS, que tem como base a CPC[6]. Essas ferramentas para formulação de políticas públicas baseadas em evidências consomem uma quantidade razoável de recursos, mas já produzem resultados positivos: o Siscoserv tem sido ressaltado em fóruns internacionais por sua abrangência[7] e contribuição efetiva para um melhor entendimento do setor de serviços. O Sistema tem agora uma base de dados que reúne quatro anos (2014-2017), produz uma variedade de subprodutos para o público em geral, especialistas e também para órgãos do governo, e está se tornando mais flexível e acessível. A NBS, por sua vez, teve ampla aceitação no Brasil em seu papel de classificadora geral de serviços. Publicada pela primeira vez em 2012, está agora sob revisão para aproximá-la ainda mais do modelo da CPC. A nova versão (NBS 2.0) será publicada em breve.

O contato com o setor privado brasileiro é fundamental para o trabalho e atividades do MDIC, uma tarefa que fica sob responsabilidade de sua Secretaria de Comércio e Serviços (SCS). Para cumprir essa missão, a SCS mantém dois canais de comunicação com o setor privado, o Fórum de Competitividade do Setor de Serviços e o Fórum de Competitividade do Varejo. Esses fóruns se reúnem regularmente e direcionam os temas de interesse do setor privado para o MDIC e para diferentes áreas do governo federal. Estão entre as tarefas e os objetivos dos fóruns: aumentar a competitividade interna como forma de alavancar a competitividade externa; identificar obstáculos nas cadeias produtivas; selecionar mercados-alvo para atividades de promoção comercial e ações de acesso a mercados e; identificar barreiras existentes no exterior em relação aos serviços brasileiros.

No âmbito da Secretaria Executiva da CAMEX[8], a Secretaria de Comércio e Serviços participa de uma ampla agenda de competitividade para o setor de serviços brasileiro. A agenda é composta de temas oriundos principalmente dos fóruns supramencionados e abrange áreas como melhoria do ambiente de negócios para o setor de serviços, financiamento e garantia de exportações, facilitação do comércio e fortalecimento da coordenação entre órgãos de governo no Brasil.

Mais uma vez, avançar na direção dos serviços de valor agregado é fundamental para aumentar a densidade da produção e competitividade do comércio exterior. No Brasil, permanece o desafio de aumentar a produtividade do setor de serviços como vetor para o desenvolvimento de outros setores da economia nacional. Como concluído por Arbache e Moreira (2015), os serviços são altamente interligados e interdependentes com os demais setores produtivos e, portanto, afetam o desempenho geral da economia. Essa interdependência significa que, ao tornar os serviços mais competitivos e mais adequados às necessidades das empresas, é provável que se tenha um impacto no desempenho da própria empresa.

Douglas Finardi Ferreira é pós-graduado em Comércio Exterior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e tem MBA em Negócios Financeiros pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente é Secretário de Comércio e Serviços do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Referências

Arbache, J. (2014). Serviços e Competitividade Industrial no Brasil. Brasília: Confederação Nacional da Indústria. 

Arbache, J. (2017). Comércio exterior de serviços – o que vem pela frente? Economia de Serviços. Maio. 

Arbache, J. and R. Moreira (2015). How Can Services Improve Productivity? The Case of Brazil. Paper presented at the 2015 REDLAS Conference, Montevideo. 

Os dados de comércio exterior de serviços oriundos do Siscoserv estão disponíveis em: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-servicos/estatisticas-do-comercio-exterior-de-servicos

[1] Contas Nacionais Trimestrais / IBGE

[2] CAGED / Ministério do Trabalho

[3] Receitas e Despesas da Conta de Serviços  do Balanço de Pagamentos, deduzidos da Conta de Serviços Governamentais/ Banco Central

[4] Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio.

[5] A análise refere-se à subconta da conta de serviços do Balanço de Pagamentos “Serviços empresariais, profissionais e técnicos, incluindo arquitetura e engenharia”. Em 2017, as receitas totalizaram US$ 17 bilhões e os pagamentos, US$ 7,3 bilhões, apresentando um superávit de US$ 9,6 bilhões.

[6] A Classificação Central de Produtos (Central Product Classification – CPC) é uma classificação de bens e serviços promulgada pela Comissão Estatística das Nações Unidas. Destina-se a ser um padrão internacional para organizar e analisar dados sobre produção industrial, contas nacionais, comércio, preços e assim por diante. É a classificação utilizada pela OMC nas negociações internacionais de serviços.

[7] O Siscoserv inclui o registro de operações de comércio exterior de serviços cursadas nos 4 Modos de Prestação previstos no Acordo GATS/OMC. Os dados apresentados neste trabalho referem-se aos Modos 1 (Transfronteiriço), 2 (Consumo no Exterior) e 4 (Movimento Temporário de Pessoas Físicas). O Modo 3 (Presença Comercial no Exterior) é um registo especial realizado em separado dos demais e possui características e formas de divulgação particulares.

[8] A CAMEX é a Câmara de Comércio Exterior, um órgão interministerial criado em 1995 para formular, coordenar e implementar políticas de comércio exterior do Brasil. A Secretaria Executiva da CAMEX faz parte da estrutura do MDIC.

Brasil e Índia: possível aproximação em serviços?

Este ano são comemoradas sete décadas de relações diplomáticas entre os dois países. Nesse longo período é evidente que as duas economias experimentaram variações diversas em sua orientação de política, bem como nos resultados obtidos.

Juntamente com o Brasil, a Índia foi sistematicamente voz ativa nos fóruns internacionais, em defesa dos interesses das economias menos desenvolvidas. De fato, ambos países têm participado de diversas iniciativas voltadas para aquilo que até recentemente era conhecido como o Terceiro Mundo, hoje rebatizado como economias emergentes. À diferença do Brasil, contudo, nos anos de Guerra Fria o alinhamento indiano esteve mais próximo do bloco soviético.

Se a economia brasileira apresentou, nesses setenta anos, altos e baixos, com momentos de hiperinflação, crises nas contas externas alternadas com momentos de euforia, introversão em paralelo a iniciativas relativamente tímidas de abertura selecionada, etc, a história econômica da Índia é um pouco distinta.

À diferença da experiência brasileira, a inserção internacional da economia indiana tem um claro ponto de inflexão no início da década de 1990, quando uma crise importante nas contas externas levou a processo de abertura sem precedentes. Desde então, as exportações de bens e serviços triplicaram sua participação no PIB, passando de 7% em 1990 para 21% em média, entre 2014 e 2016, segundo dados do Banco Mundial[1]. Variação semelhante à registrada do lado das importações: de 8% para 23%.

Existem cinco vezes mais indianos que brasileiros no planeta. A população brasileira, de pouco mais de 200 milhões de habitantes, é pequena quando comparada com os mais de 1,3 bilhão de indianos. A Índia é o segundo país mais populoso do planeta, atrás apenas da China.

O valor da produção nas duas economias é, contudo, de ordem semelhante. Se medido em termos de poder de compra de paridade para a média do período 2014-2016, a preços constantes de 2010, o PIB nos dois casos é da ordem de US$ 2,3 trilhões.

Isso, evidentemente, afeta a estimativa da renda per capita. Quando medido em termos da paridade do poder de compra, isto é, a capacidade efetiva de compra da renda individual, o PIB per capita do Brasil, da ordem de US$ 15,6 mil em média em 2014-2016 é mais do dobro dos US$ 6 mil correspondentes na Índia.

Mais do que simples curiosidades estatísticas, esse conjunto de diferenças afeta o padrão de demanda predominante em cada uma dessas economias, portanto sua estrutura produtiva e seus interesses negociadores.

As duas economias diferem, também, na composição setorial básica da sua estrutura produtiva. A Tabela 1 mostra as participações dos três principais setores.

Tabela 1 – Estrutura Produtiva do Brasil e da Índia – média 2014-2016 (% do PIB)
Brasil Índia
Agricultura 5,1 17,6
Indústria 22,5 29,5
Serviços 72,4 52,8

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

Em ambas as economias há predominância da produção de serviços, mas a importância relativa desse setor é bem mais pronunciada no caso brasileiro, onde corresponde por quase três quartas partes do valor adicionado na economia. Essa diferença é particularmente notável quando se trata de comparação com a economia indiana, sabidamente uma economia com forte desempenho (muito mais pronunciado que o brasileiro) no comércio internacional de serviços.

As duas economias têm relação distinta, também, na sua relação com o comércio externo. Se considerado o valor total do comércio de mercadorias em relação ao PIB, esse percentual era em média, em 2014-2016, da ordem de 19% no caso do Brasil, bem menos que os 32% registrados no caso da Índia.

Nesse mesmo período, a economia brasileira exportou bens e serviços em montante correspondente a 12% do seu PIB, e importou 13%. Os mesmos indicadores para a Índia foram de 21% e 23%, respectivamente, indicando uma economia mais aberta ao comércio.

O grau de envolvimento das duas economias com o comércio internacional de mercadorias tem trajetória claramente diferenciada. Enquanto no Brasil o grau de abertura pouco se alterou nessas duas décadas e meia (a relação entre o comércio de mercadorias e o PIB brasileiro passou de 12% em 1990 para 18% em 2016), na Índia esse indicador aumentou duas vezes e meia, no mesmo período, passando de 13% para 28%.

Seja como for, o maior grau de abertura comercial não significa que o desempenho da economia indiana no comércio de mercadorias tenha gerado resultado marcante, em termos de saldo comercial. De fato, o que se observa é que essa economia é deficitária no comércio de mercadorias, e compensa esse resultado negativo com a exportação de serviços, como mostra a Tabela 2.

Tabela 2 – Balança Comercial e Comércio de Serviços (US$ milhões)
Média 1990-99 Média 2000-2010 Média 2011-2016
Índia
Balança comercial -5151 -52873 -14433
Saldo de serviços -2420 14152 68737
Brasil
Balança comercial 778 20078 9964
Saldo de serviços -6304 -11744 -39793

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

É notável, na comparação entre as duas economias, que o peso relativo do setor de serviços na produção nacional seja bem mais elevado no caso do Brasil do que na Índia.

Existem, portanto, diferenças notáveis entre as duas economias, tanto no que se refere a suas estruturas produtivas – o que implica diferenças nas estruturas de demanda e nos interesses de produtores – quanto à sua relação com o Resto do Mundo.

À semelhança do comércio entre o Brasil e outros países, também as relações comerciais bilaterais com a Índia são essencialmente do tipo “Norte-Sul”, significando um intercâmbio em que um dos parceiros (Brasil) exporta produtos básicos e importa mercadorias processadas.

Além disso, a pauta de exportações é bastante mais concentrada do lado brasileiro do que para os indianos.

Em 2010 não mais que três produtos – óleos brutos de petróleo, açúcar de cana em bruto e sulfetos de minério de cobre – correspondiam a 67% do valor exportado pelo Brasil, tendo como destino o mercado indiano. Os 100 produtos mais importantes representavam 96,3% do valor exportado pelo Brasil no comércio bilateral.

As importações brasileiras provenientes da Índia eram, naquele mesmo ano, mais diversificadas. Os três principais produtos – óleo diesel, fio de algodão e fio de poliéster – representavam apenas 47% do valor total, indicando um grau bem mais diversificado que as exportações brasileiras. Os 100 principais produtos correspondiam a 80%.

Decorridos sete anos, em 2017 os três principais produtos de exportação brasileira – óleo bruto de petróleo, óleo de soja em bruto e outros açúcares de cana – correspondiam a 60% do valor total, enquanto os 100 principais produtos representavam 95%. Isto é, houve pouquíssima diversificação da pauta exportadora brasileira no comércio com a Índia.

O registro é um tanto diferente do lado das importações brasileiras. Em 2017 os três principais produtos indianos – fios têxteis de poliéster, inseticidas e querosene de aviação – representavam não mais que 12% do total da pauta. E os 100 principais produtos corresponderam a apenas 63%.

Esses indicadores são ilustrativos do baixo grau de elaboração dos produtos exportados pelo Brasil e de quão limitado foi o processo de diversificação da oferta brasileira.

Ao mesmo tempo, contudo, eles mostram que do lado indiano houve claramente ganho de participação por parte de produtos mais elaborados e um notável grau de desconcentração da pauta exportadora.

Esses são indicadores relativos ao comércio de mercadorias. No entanto, a Índia é uma economia que se destaca pelo seu dinamismo na exportação de serviços.

Uma das limitações básicas quando se trata do comércio de serviços é a dificuldade em conseguir dados. Em particular, a identificação de fluxos bilaterais demanda pesquisa específica, o que transcende os objetivos deste artigo.

Algo é possível informar, contudo, no que se refere à importância relativa do comércio de serviços para cada uma das duas economias.

A Tabela 3 mostra que a participação do comércio (exportações e importações) de serviços no PIB de cada um dos dois países é crescente, mas bastante distinta. Ao longo do período considerado o comércio de serviços representou, em termos do produto nacional, duas vezes mais para a Índia do que o observado no Brasil.

Tabela 3 – Comércio de Serviços (% do PIB)
2000 2005 2010 2016
Brasil 3,77 4,31 4,15 5,40
 
India 7,76 12,28 11,83 11,39

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

Na comparação com a Tabela 1 chama a atenção – como já referido – que na economia brasileira o setor de serviços representa um percentual do PIB bem mais elevado do que na economia indiana. No entanto, o comércio externo de serviços é bem mais significativo em proporção ao PIB nesta última.

Em termos do valor adicionado pelo setor de serviços como proporção do PIB houve aumento, entre 2000 e 2017, de 68% para 73%. Na Índia essas proporções foram mais modestas, com o valor adicionado em serviços tendo aumentado de 45% para 54%.

Uma explicação para tanto reside no fato de que o tipo de serviços produzidos no Brasil é predominantemente voltado para o consumo final, com baixo valor agregado e grau limitado de sofisticação. Ao passo que na Índia há destaque para os serviços de apoio à atividade produtiva, portanto mais comercializáveis

Há diferença igualmente no desempenho recente das duas economias no que se refere ao valor exportado de serviços. Entre 2000 e 2017 as exportações brasileiras de serviços cresceram, em dólares correntes, 313%. No mesmo período, o valor exportado pela Índia aumentou não menos de 853%.

Representando mais de US$ 160 bilhões, as exportações de serviços pela Índia são concentradas (45%) no setor de software, seguido (20%) por apoio a negócios, viagens (14%), transportes (10%) e outros com pesos menos relevantes, como serviços financeiros, seguros e comunicações[2].

Em 2016 os principais serviços exportados pelo Brasil foram[3] serviços profissionais, técnicos e gerenciais (11% do total); serviços gerenciais e de consultoria gerencial (11%); serviços auxiliares aos serviços financeiros (8%); serviços de manuseio de cargas (6%) e serviços de transporte aquaviário de cargas (6%). Praticamente a metade foi exportada para os Estados Unidos e os Países Baixos.

Se no caso indiano há um padrão de especialização identificável e a preocupação é diversificar a pauta de exportações de serviços, no Brasil essa pauta é relativamente pulverizada (numa relação inversa à que se observa em mercadorias).

Em ambos os casos, há preocupação em diversificar os mercados de destino, reduzindo a dependência de poucos consumidores.

Em resumo, as relações comerciais entre o Brasil e a Índia são claramente influenciadas por diferenças na composição da estrutura produtiva em cada economia, assim como nas diferenças na relação entre o comércio de mercadorias e de serviços. No entanto, e em que pese a maior importância das exportações de serviços no caso indiano, aquele país foi capaz de diversificar e sofisticar sua pauta exportadora de mercadorias para o Brasil em proporções bem mais significativas do que se observa nas exportações brasileiras.

Não foi possível conseguir dados para a composição do comércio bilateral de serviços. Mas é possível inferir que há claras implicações para um eventual processo negociador entre as duas economias.

O fato de o Brasil pertencer ao Mercosul é determinante de que eventuais negociações de preferências comerciais devam ser feitas no formato 4+1, o que implica identificar tanto os interesses negociadores de parte da Índia quanto os interesses dos quatro membros do Mercosul.

Tendo em vista as considerações acima, parece razoável esperar que a Índia tenda a ter maior interesse nas negociações no setor de serviços, mais do que no comércio de mercadorias.

E no âmbito dessas negociações, dada a concentração de exportações indianas em software, seria de se esperar interesse em medidas que facilitem as transações do chamado Tipo 2 do GATS, isto é, serviços “ofertados no território de um país para consumidores em outro país”.

Isso, sem prejuízo de interesse igualmente em negociações de medidas que facilitem transações de Tipo 3 (serviços ofertados através de algum tipo de estabelecimento profissional ou comercial de um país no território de outro país), dada a participação importante, no processo produtivo indiano, de tecnologia de informação e comunicação e serviços de apoio aos negócios, sem prejuízo, claro, de outros tipos de serviços.

Da perspectiva brasileira é menos fácil identificar como poderia ser a composição de sua demanda negociadora em serviços, até pela diversidade da pauta de exportação, o que dificulta identificar as vantagens comparativas da economia brasileira em serviços.

Eventuais negociações para ampliar o comércio de mercadorias são mais previsíveis. De fato, o acordo firmado entre a Índia e o Mercosul em 2004 compreende uma lista limitada de itens: poucas centenas de itens, quando a pauta comercial dos dois lados é formada por milhares de produtos. Há, de fato, processo em curso para ampliar a cobertura do acordo, com a inclusão de um número mais expressivo de itens.

No tocante a serviços, seria da maior importância poder dispor de informações comparáveis sobre a composição dos fluxos bilaterais. Seja como for, parece razoável imaginar a existência de demanda indiana para a facilitação das transações bilaterais em serviços. E dada a composição da pauta exportadora daquele país, com forte concentração setorial, é possível especular sobre onde estariam focados, em princípio, seus interesses.

O aspecto relevante a ressaltar é o grau de possível complementaridade entre as duas economias, e que deveria ser explorado de maneira mais intensa e focada, seja no âmbito de acordos bilaterais, seja na convergência de posições em fóruns multilaterais.

 

[1] http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

[2] Ver https://thewire.in/business/can-india-double-services-exports-five-years

[3] MIDC, Serviços – Panorama do Comércio Internacional, 2016

Aproximação Mercosul – Aliança do Pacífico e o Comércio de Serviços

Já se disse, em relação aos países vizinhos do Brasil, que a opção de se integrar é destino, tendo em vista a proximidade geográfica, a longa coexistência não conflitiva e a proximidade dos padrões de consumo.

Cabe investigar se os países da região são “parceiros naturais”.

A literatura econômica tem, entre muitos outros, um debate sobre como identificar um “parceiro natural”, com quem um país possa negociar tratamento preferencial, em termos comerciais e outras dimensões econômicas[1].

São candidatos imediatos os principais parceiros comerciais (aqueles com maior peso enquanto destino das exportações) ou com fluxos bilaterais de investimento direto mais intenso, os países geograficamente mais próximos, as economias mais estáveis, os países com maior poder econômico ou aqueles com nível similar de desenvolvimento econômico, e aqueles que possibilitem um potencial de exploração de diferenciação produtiva vertical, em paralelo a vantagens comparativas tradicionais.

A lista de variáveis a considerar pode ser extensa. Idealmente, seria um “parceiro natural” aquele país que correspondesse à maior parte desses critérios.

Não é claro, contudo, que a condição de “parceiro natural” seja facilmente identificável, ou mesmo possível de ser cumprida. Talvez o exemplo mais óbvio seja o fato de que para diversos países a maior proximidade com uma economia desenvolvida não corresponde ao principal parceiro comercial. No caso dos países latino-americanos, a primeira condição seria claramente atendida pelos Estados Unidos, enquanto a segunda corresponde cada vez mais à China. Qual das duas economias seria o “parceiro natural” dos latino-americanos? Difícil dizer.

Esse tipo de consideração pode ser útil para o debate sobre a aproximação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico. Será possível identificar num desses dois grupos de países o “parceiro natural” do outro grupo?

Independentemente da discussão sobre se os países da Aliança do Pacífico seriam “parceiros naturais” do Mercosul, existem alguns argumentos que podem ser considerados em prol de maior aproximação entre os dois grupos de países.

Um primeiro argumento é aritmético. Se ocorre desvio de comércio como resultado de um processo de integração, quanto maior o número de países envolvidos em um mesmo processo menor a probabilidade de que ocorra desvio. Assim, a união dos oito países provavelmente promoveria mais criação que desvio de comércio do que no caso dos dois grupos isoladamente.

O segundo argumento é igualmente trivial. Poder contar com acesso a um mercado ampliado sem barreiras permite aproveitar as economias de escala em diversos setores.

Um terceiro argumento está relacionado com o chamado “efeito aprendizagem”. As empresas de um dos grupos, sobretudo aquelas de menor porte, poderão expandir a produção e exportação para o mercado regional e a partir daí amadurecer a capacidade de competir em mercados mais competitivos.

Quarto, cada país isoladamente tem dificuldade em afetar suas relações de troca. Em conjunto, contudo, um grupo de países pode pretender exercer poder monopólico. Isso será ainda mais verdadeiro quanto maior o tamanho desse grupo de países.

Quinto, há evidência empírica abundante indicando que boa parte da competitividade das exportações de produtos industriais por parte dos países do Sudeste Asiático, da União Europeia e dos países da América do Norte é influenciada pelos processos produtivos em cadeia.

Em Baumann/Ng (2012) foi mostrado que a intensidade do comércio regional em bens de produção é claramente associada a um melhor desempenho. Comparando-se as experiências de duas décadas da América Latina e do Sudeste Asiático fica claro que mesmo com a variação nos termos de intercâmbio beneficiando em nível recorde as economias da primeira região e punindo fortemente as da segunda, estas foram capazes não apenas de crescer mais e exportar mais, como também reduzir a distância entre elas. Resultado praticamente inverso ao experimentado na América Latina, no mesmo período.

Por analogia, pode-se supor que a promoção de complementaridade produtiva – ao menos entre os países da América do Sul, uma vez que a distância geográfica em relação ao quinto membro da Aliança, o México, pode ser um complicador nesse sentido – poderia contribuir para um melhor desempenho das exportações de produtos industrializados por parte dos países da região.

O comércio existente entre os dois grupos é expressivo (próximo a 1/3 das transações no âmbito da ALADI), e a composição dos fluxos de comércio entre os dois grupos tem participação significativa de produtos com grau de elaboração (portanto valor adicionado) mais pronunciado do que se observa no comércio extra-regional.

Do ponto de vista comercial, as negociações no âmbito da ALADI já contribuíram bastante para o livre-comércio entre os países membros. Restam, evidentemente, numerosos exemplos de barreiras não-tarifárias no comércio regional, e há pouca dúvida sobre as restrições impostas pela qualidade – ou mesmo inexistência – de infraestrutura, entre os membros de cada um desses grupos de países e – ainda mais – entre os dois grupos.

Mas a análise do potencial de integração entre os dois blocos não deveria se limitar aos fluxos de mercadorias. Os processos produtivos em todas as partes são cada vez mais intensivos em serviços de tipos variados. Cabe, portanto, uma digressão sobre esse comércio, para identificar o tipo de especialização dos países membros dos dois grupos em suas exportações de serviços.

As exportações totais de serviços indicam trajetórias um tanto distintas. Em 2010 as exportações totais de serviços por parte dos países do Mercosul eram da ordem de US$ 47 bilhões, e nos seis anos seguintes tiveram crescimento de 5%, atingindo US$ 50 bilhões em 2016[2].

No início do período, as exportações totais de serviços por parte dos países da Aliança do Pacífico somavam US$ 35 bilhões, ou 70% do exportado pelo Mercosul.

Em 2016 as exportações de serviços pelos países da Aliança alcançavam US$ 48 bilhões, próximas das do Mercosul, com um crescimento de não menos que 37%. Esse desempenho se deveu, sobretudo, ao desempenho mexicano, cujo valor exportado total cresceu 58% no período, atingindo, em 2016, quase ¾ do total exportado pelo Brasil.

Ao se considerar a composição dos fluxos de exportação de serviços, contudo, em cindo dos oito países nos dois grupos há predominância (mais da metade do valor total transacionado) de viagens (pessoais e de negócios). Esse dado, isoladamente, sugere que a margem para a complementaridade em serviços é limitada.

São destaques (Tabela 1) a Argentina, o Brasil e o Chile, com os dois primeiros apresentando parcela significativa de “outros serviços empresariais” (serviços empresariais, profissionais e técnicos, e serviços jurídicos, contábeis, de assessoramento administrativo e relações públicas) e o Chile, com destaque para transportes (sobretudo transporte marítimo). Nesses casos, as perspectivas para uma integração parecem mais promissoras.

De fato, a Matriz de Insumo-Produto para a América do Sul, estimada pelo IPEA e a CEPAL, com dados para o ano de 2005, indica a existência, embora ainda incipiente, de alguma integração entre exportações de serviços – sobretudo serviços empresariais – de alguns dos países sul-americanos e uns tantos setores produtores de mercadorias nos países vizinhos. Se a complementaridade entre setores produtores de serviços parece algo distante, a julgar pelos dados da Tabela 1, a interação entre serviços e produção de mercadorias já é uma pequena realidade, ao menos na América do Sul.

Um tema que merece análise mais detalhada, além do permitido por este espaço. De todos modos, algo é possível ilustrar, a partir de coeficientes selecionados da referida Matriz.

A Tabela 2 mostra os indicadores relativos a alguns dos fluxos de exportações de serviços mais expressivos entre países dos dois grupos. Desnecessário lembrar que, por ser a matriz focada nos países sul-americanos, não há informação correspondente ao México.

Segundo essa Tabela, o intercâmbio regional em serviços compreende tanto fluxos de serviços de um país para outros tipos de serviços em outros, como – o que é mais notável e promissor, do ponto de vista de potencial para complementaridade produtiva – serviços que são exportados para viabilizar atividades em setores produtores de mercadorias.

A julgar pelos dados da Matriz para 2005, o país na região mais ativo na exportação de serviços no âmbito regional é a Argentina. Não são mostrados na Tabela 2 alguns outros fluxos, associando – com valores não muito desprezíveis – “outros serviços” argentinos exportados para setores como mineração, celulose, borracha, máquinas e equipamentos, celulose e papel e produtos químicos e farmacêuticos, no Chile. De fato, o eixo Argentina-Chile parece ser o mais ativo, nesse sentido.

O Brasil aparece como parcialmente “integrado” com os países da Aliança do Pacífico, no sentido de ser exportador (embora em pequena escala) mas também importador de serviços do Chile e também da Colômbia.

A título de consideração final, portanto, há margem para uma ampliação significativa das transações entre o Mercosul e as economias que compõem a Aliança do Pacífico, também no que se refere ao comércio de serviços.

E mais: foi apresentado um conjunto de argumentos que apoiam atitudes mais proativas no estímulo a essa intensificação de relações comerciais, uma vez que ela muito provavelmente possibilitaria, em princípio, margem para apropriação de ganhos de escala, aprendizado na atividade exportadora e maior competitividade dos produtos exportados, se implicar a exploração de atividades de menor custo e maior complementaridade produtiva.

A racional da busca de competitividade pela via da complementaridade daria um Norte ao processo de integração regional, hoje carente de objetivos claros e perpetuado pelo custo implícito que poderia derivar da interrupção do processo negociador herdado das últimas décadas.

Mais do mesmo em termos de negociações no âmbito regional não significa avançar em direção clara, nem tampouco – como mostram à saciedade os indicadores do comércio regional latino-americano até aqui – melhora das condições de inserção internacional.

 

REFERÊNCIAS

R. Baumann, F. Ng (2012), Regional productive complementarity and competitiveness, International Trade Journal, vol. 26, No.4

J. Bhagwati (1993), Regionalism and multilateralism: an overview, em J. de Melo, A. Panagariya (orgs), New dimensions in regional integration, Cambridge University Press, Cambridge

P. Krugman (1991), Is bilateralism bad?, em E. Helpman, A. Razin (orgs), International trade and trade policy, Cambridge, MA, MIT Press

P. Krugman (1991a ), The move towards free trade zones, em Federal Reserve Bank of Kansas, Policy implications of trade and currency zones, Kansas City

L. Summers (1991), Regionalism and the world trade system, em Federal Reserve Bank of Kansas, Policy implications of trade and currency zones, Kansas City

[1] Ver, a propósito, Krugman (1991), Krugman (1991a ), Summers (1991) e a crítica a esse conceito em Bhagwati (1993).

[2] Dados da ALADI.

Trade in Services and Trade Balance

Production in the service sector and trade in services have become two variables of increasing importance that are hard not to take into account. In most countries, the service sector accounts for more than half of GDP: according to the World Bank’s World Development Indicators, in 2015 in only ten countries[1] did the service sector correspond to less than 50% of GDP.

As far as foreign investment flows (FDI) are concerned, two thirds of global FDI stock is concentrated (UNCTAD (2017)) in services, mainly in finance, business activities, trade and telecommunications[2]. Finance and business activities account for 62% of total global FDI stock in services.

The service sector – or at least several segments in it – often pays higher than average wages. Yet several of these high wage-sectors are precisely the sources of a good deal of service exports, like software and financial services.

The empirical difficulty in mapping the actual contribution of the service sector goes beyond the limits imposed by the conventional National Accounts and by analyses based on the limited number of sectors in input-output matrices. Statistics of trade in services rely strongly on the information provided by the Balance of Payments, often rather aggregated and hardly illustrative of the intertwining relation between goods and built-in services in the production and commercialization of each good.

Trade in services presents some peculiarities.

Trade in services has been the fastest growing component of international trade since the early 1990s, with average annual growth rates of about 10%. Over the past two decades, trade in goods has grown by a factor of 3.5, whereas total trade in services has increased by a factor of 5. Trade in services now accounts for about one-fifth of global trade[3].

In parallel to this impressive growth, there has also been a change in the type of services that are most intensevely traded, with an increasing share of high-skill intensive services. Consequently, the importance of new features that challenge traditional trade disciplines, such as cross-border services, has increased significantly.

This makes the identification of the actual barriers to trade in services more challenging. In the case of merchandise trade, there is a considerable amount of conventional methodologies to measure existing barriers and their multiple effects. Not so much for services. If a doctor or a lawyer decides to establish himself in another country this is not something that can happen by paying some tax at the border. Each country has its own regulations and imposes conditions to allow for the work by one such professional. Likewise, if a bank decides to open a branch in another country it has to be formally authorized by the authorities and fulfill a number of requirements in order to be allowed to operate.

Barriers to trade in service are mostly “behind the border”, comprising a whole set of norms and regulations that differ from country to country.

It is, therefore, hardly surprising that the producers of services in industrialized countries have been pressing for quite some time for a more disciplined and open world market for services, given the difficulties in surpassing domestic regulations.

According to UNCTAD statistics, in eleven years (2005 to 2016) the value of global trade (exports plus imports) in services increased 185%, compared to the 151% increase in global trade in goods. As an outcome, trade in services gained importance, increasing from 25% to 30% of the corresponding amount of merchandise trade. This is a universal tendency (Table 1): the share of trade in services to trade in goods increased to 35% in developed economies, to 24% in developing economies and to 28% in transition economies.

Table 1 – Trade(*) in Services as (%) of total merchandise trade
2005 2016
World 24.6% 30.1%
Developing Economies 18.6% 24.0%
Transition Economies 20.4% 28.3%
Developed Economies 28.0% 34.9%
(*) Exports plus Imports Source: UNCTADStat

The increasing importance of trade in services raises several new issues. This phenomenon affects the international movement of human resources, it provides dynamic comparative advantage, it increases the presence of domestic producers abroad, hence demanding norms to facilitate the operation of foreign suppliers in the domestic markets, and it requires the adaptation of domestic regulation with regards to a number of aspects, such as temporary and permanent migration rules.

Furthermore, these statistics refer only to exclusive trade flows in services. They do not identify the amount of services incorporated into merchandise trade, such as export financing and insurance, management and others. Hence, the actual importance of trade in services is probably bigger than these data suggest.

While disaggregating by categories of countries (Graph 1), it is clear that most of the trade in services (exports plus imports) is done among developed economies, even though there has been a remarkable increase in the volume of trade in services involving developing economies, in comparison to the starting position, in 2005. Transition economies remain in a marginal position.

Source: UNCTADStat

Comparing exports and imports of services, Graph 2 shows that the set of developed countries has always experienced trade surplus in services and has increased its surplus recently. The years 2009 to 2014 have witnessed an increase in the trade deficits of both developing and transition economies – certainly much bigger than in 2005 – even though figures for 2016 indicate a light reduction of those deficits in the latter.

Source: UNCTADStat

In summary, trade in services has become a very dynamic activity, but remains dominated by the developed countries. This phenomenon naturally influences the direction of the negotiations to facilitate this type of trade. It also brings some specific political economy implications.

The service sector comprises a wide range of heterogeneous activities. Shoe-shining is a service, as much as housekeeping, taxi driving, health treatment and space engineering. Hence the difficulties in dealing more clearly with the object of analysis, especially at an aggregate level.

Conventional approaches of the Heckscher-Ohlin type explain a good deal of trade in services. Think, for instance, in terms of health care. Medical procedures are approximately the same everywhere to deal with a given kind of disease. Serious doctors learn the best practices from the same set of respected journals, and keep updated in terms of new techniques and of new medicines and medical apparatuses. What is it, then, that explains the movement of people from, say, the United States, to Central American countries, looking for medical treatment? The sheer difference in costs. Because wages in these countries are lower than in the US, and presumably the quality of the services provided are not too different (same technology), some countries in the region have become exporters of medical care. The main reason for that is the lower costs of a labor-intensive activity in countries that are relatively abundant in labor, in comparison to the US.

Connell (2006) reports on a number of countries exploiting this type of tourism, such as India, Singapore, Thailand, South Africa, Belarus, Latvia, Lithuania and others. In Latin America, Cuba is well-known for the quality of its treatment of skin diseases, plastic surgery and dentistry. In Costa Rica, medical tourism accounted in 2016 for 13% of total tourism revenue; in El Salvador health tourism revenue tripled in the last five years, and in Guatemala there has been a 18% increase in the number of tourists looking for medical and dental treatment between 2015 and 2016.

The production of services is essentially labor-intensive. Jensen (2011) presents data for the US economy in 2007 that illustrate this point: in that year mining has generated only 0.5% of the total employment, construction 5.5% and manufacturing 9.9%. The set of services related to business (finance, professional services, administrative services and others) accounted for 25% of total jobs, and personal services (education, health, arts, entertainment and others) another 25%. There is a clear concentration of well-paid, more qualified workers in services than in other sectors of the US economy. For instance, only 7% of the employees in manufacturing had high degrees of professional qualification in manufacturing, whereas in business services this percentage reached 17%, 12% in finance and insurance, and 27% in technical and scientific areas.

Other sources of supply-side determined comparative advantages are linked to the cheapening of commodities stemming from the existence of economies of scale. Certain productive processes have the characteristic that one additional unit of input provides more than one unit of output. This is often the case in sectors with high fixed costs, such as the pharmaceutical industry: a new drug, however expensive to create, might be of universal use, hence provide a significant return to the firm that designed its formula. The increasing return leads to an ever-increasing production: the more a firm produces, the lower its costs per product unit.

From the perspective of international trade, a country that hosts these kinds of industries with economies of scale of some sort is likely to become a net exporter, given the increasing amount of production, at decreasing unit costs.

The relation of economies of scale to services is not immediate. Services often require specific work that depends on individual skills. This makes the service industry less prone to capture economies of scale than manufacturing.

This is not to say, however, that service sectors cannot take advantage of economies of scale in some ways. If service industry outputs tend towards customization, it can capture economies of scale through big orders. This is the case, for instance, of health plans and fast-food chains. Standardization allows for improving efficiency and produce more in the same amount of time.

The evidence presented thus far raises the question of to what extent does the increasing involvement of developing economies in trade in services contribute to their trade balance.  Between 2009 and 2016 the aggregate trade surplus in services for developed economies increased from US$ 323 billion to US$ 483 billion. At the same time, the corresponding result for the set of developing economies increased from a deficit of US$ 191 billion to an even more negative result of US$ 382 billion in the same period.

The reason seems to be in the peculiarities of (at least) some service sectors. Table 2 illustrates the point. Take as a reference the five BRICS countries and four major economies, in 2005 and 2016. It follows that for “charges for the use of intellectual property” the BRICS have increased their share of world exports, yet their trade deficit actually increased. The same is observed in “commercial services” for Brazil and China, whereas the selected developed countries have improved their trade balance. For financial services, the four developed economies improved their trade balance, in spite of the performance by the BRICS.

What these figures suggest is that notwithstanding a high positive performance by developing countries in the exports of services there seem to be some elements that determine a more favorable position by developed countries, at least in some sectors.

If confirmed, this leads to the recommendation of a cautious opening of the service sector. To the extent that trade is made in foreign currency, the concern with the actual impact on trade balance should not be disregarded.

REFERENCES

Connell, J. (2006), Medical tourism: Sea, sun, sand and…surgery, Tourism Management, 27, 1093-1100

Jensen, J.B. (2011), Global Trade in Services – Fear, Facts and Offshoring, Peterson Institute for International Economics, Washington

UNCTAD (2017), World Investment Report, Geneva

UNCTAD (2017a), Handbook of Statistics

 

[1] Mali, Mauritania, Niger, Oman, Qatar, Sierra Leone, Tajikistan, Tanzania, Togo and Vietnam.

[2] The same report by UNCTAD alerts to the fact that this high percentage of FDI stock in services is partly due to sectoral classification. A good deal of reported FDI data are based on the economic activity of foreign affiliates, performing activities such as financial holdings, logistic hubs, distribution and after-sales services, hence not classified as in the same industry of the transnational company to which they belong.

[3] See UNCTAD (2017a).

O Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul

No dia 21 de dezembro de 2017, durante a 51ª Cúpula do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul. Embora o bloco tenha sido criticado nos anos recentes pela sua aparente dificuldade em concretizar avanços relativos à integração econômica, com a assinatura deste Protocolo e com o avanço do Mercosul em negociações de acordos comerciais com terceiros países, podemos esperar um ciclo mais promissor no que se refere à agenda econômica e comercial da região.

O Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul é um acordo sobre compras governamentais cujos princípios basilares são a transparência, a não discriminação e o acesso a mercados entre seus Estados Partes. Isso significa que cada uma de suas partes se comprometem a aplicar padrões mínimos de transparência em seus procedimentos de licitação, de forma a permitir que empresas instaladas em suas contrapartes sejam tratadas como fornecedores locais para um conjunto de contratações públicas.

É importante notar que, a exemplo dos compromissos sobre compras governamentais vigentes em diversos acordos de livre comércio firmados entre outros países e mesmo no Acordo sobre Compras Governamentais da OMC, o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul também não abrange a totalidade das compras públicas de seus membros. Em geral, cada país busca manter algumas exceções relativas a certas políticas públicas específicas que poderiam ser incompatíveis com as obrigações do acordo.

Em suma, o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul representa um importante passo em direção à consolidação de um mercado comum. Uma vez que os países do bloco buscaram preservar algumas de suas políticas de compras públicas, é razoável supor que há espaço para adotar uma cobertura mais ambiciosa no futuro. Neste sentido, o aspecto de maior destaque imediato do Protocolo para potenciais exportadores interessados em oferecer seus produtos e serviços consiste na eliminação de tratamento discriminatório presente em várias de suas legislações internas, além de maior previsibilidade nas regras aplicáveis.

Outro importante aspecto do acordo é seu caráter evolutivo. Isto porque, por um lado, suas cláusulas de cooperação (com destaque para a cooperação em políticas para micro, pequenas e médias empresas) abrem espaço para uma convergência normativa que, futuramente, facilitará ainda mais a participação de empresas do bloco em contratações públicas fora de seu estado parte. Os efeitos dessa convergência e o aproveitamento das oportunidades geradas tendem a fortalecer empresas dos países do Mercosul, inclusive frente a competidores de terceiros mercados. Por outro lado, o acordo também prevê uma ampliação gradativa da sua cobertura, por meio da ampliação da lista de entidades e, idealmente, da inclusão de todos os bens e serviços atualmente excetuados, sob sua aplicação.

A experiência na aplicação do acordo trará aprendizados importantes para empresas e governos relativas à eficácia das políticas públicas de compras e novas oportunidades poderão ser criadas, com efeitos na produtividade das empresas e possível especialização. Importante destacar, ainda, que o aproveitamento das oportunidades advindas do Protocolo dependerá também de esforços de promoção comercial e de integração produtiva entre os países do bloco.

José Carlos Cavalcanti de Araújo Filho é formado em administração (UFPE) e pós-graduado em Relações Internacionais (UnB). Atualmente é Coordenador-geral de Comércio Exterior do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
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