Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: José Carlos Cavalcanti de Araujo Filho

O Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul

No dia 21 de dezembro de 2017, durante a 51ª Cúpula do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul. Embora o bloco tenha sido criticado nos anos recentes pela sua aparente dificuldade em concretizar avanços relativos à integração econômica, com a assinatura deste Protocolo e com o avanço do Mercosul em negociações de acordos comerciais com terceiros países, podemos esperar um ciclo mais promissor no que se refere à agenda econômica e comercial da região.

O Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul é um acordo sobre compras governamentais cujos princípios basilares são a transparência, a não discriminação e o acesso a mercados entre seus Estados Partes. Isso significa que cada uma de suas partes se comprometem a aplicar padrões mínimos de transparência em seus procedimentos de licitação, de forma a permitir que empresas instaladas em suas contrapartes sejam tratadas como fornecedores locais para um conjunto de contratações públicas.

É importante notar que, a exemplo dos compromissos sobre compras governamentais vigentes em diversos acordos de livre comércio firmados entre outros países e mesmo no Acordo sobre Compras Governamentais da OMC, o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul também não abrange a totalidade das compras públicas de seus membros. Em geral, cada país busca manter algumas exceções relativas a certas políticas públicas específicas que poderiam ser incompatíveis com as obrigações do acordo.

Em suma, o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul representa um importante passo em direção à consolidação de um mercado comum. Uma vez que os países do bloco buscaram preservar algumas de suas políticas de compras públicas, é razoável supor que há espaço para adotar uma cobertura mais ambiciosa no futuro. Neste sentido, o aspecto de maior destaque imediato do Protocolo para potenciais exportadores interessados em oferecer seus produtos e serviços consiste na eliminação de tratamento discriminatório presente em várias de suas legislações internas, além de maior previsibilidade nas regras aplicáveis.

Outro importante aspecto do acordo é seu caráter evolutivo. Isto porque, por um lado, suas cláusulas de cooperação (com destaque para a cooperação em políticas para micro, pequenas e médias empresas) abrem espaço para uma convergência normativa que, futuramente, facilitará ainda mais a participação de empresas do bloco em contratações públicas fora de seu estado parte. Os efeitos dessa convergência e o aproveitamento das oportunidades geradas tendem a fortalecer empresas dos países do Mercosul, inclusive frente a competidores de terceiros mercados. Por outro lado, o acordo também prevê uma ampliação gradativa da sua cobertura, por meio da ampliação da lista de entidades e, idealmente, da inclusão de todos os bens e serviços atualmente excetuados, sob sua aplicação.

A experiência na aplicação do acordo trará aprendizados importantes para empresas e governos relativas à eficácia das políticas públicas de compras e novas oportunidades poderão ser criadas, com efeitos na produtividade das empresas e possível especialização. Importante destacar, ainda, que o aproveitamento das oportunidades advindas do Protocolo dependerá também de esforços de promoção comercial e de integração produtiva entre os países do bloco.

José Carlos Cavalcanti de Araújo Filho é formado em administração (UFPE) e pós-graduado em Relações Internacionais (UnB). Atualmente é Coordenador-geral de Comércio Exterior do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

Brasil e Peru – novas perspectivas para o comércio bilateral de serviços

Embora seja comum aos governos que os consensos sobre a gestão econômica e a política comercial não sejam alcançados com a velocidade necessária à implementação de políticas públicas, a realidade da economia do conhecimento e do crescente peso dos serviços na economia mundial impõem que o Brasil acelere o debate acerca dessas importantes questões para delinear suas políticas e estratégias de inserção internacional. É fato que a atual tendência do comércio mundial é mais complexa, orientada muito mais pelas barreiras não tarifárias e regulatórias aos negócios, e menos pelas tarifas aplicadas pelos países no intercâmbio de bens simplesmente.

Diante disso, Brasil e Peru iniciaram conversas com o objetivo de aprofundar suas relações econômico-comerciais, que resultaram no Acordo de Ampliação Econômico-Comercial entre os dois países, considerado “o mais amplo acordo temático bilateral já concluído pelo Brasil”, contendo compromissos em matéria de investimentos, serviços e compras governamentais. Para além das complementaridades industriais a serem exploradas entre as duas economias, que já dispõem de acordo tarifário abrangente (Acordo de Complementação Econômica nº 58, da ALADI), o novo acordo estabelece e consolida as regras que potencializarão e balizarão os negócios entre Brasil e Peru, criando novas oportunidades de integração, facilitando investimentos recíprocos e diversificando a natureza do comércio bilateral, etc.

O setor de serviços é importante para ambos os países, correspondendo a 62,3% do Produto Interno Bruto peruano (2015), tendo essa participação apresentado crescimento contínuo desde 2001. No Brasil, a participação dos serviços no PIB é de 72%, embora a economia do setor venha apresentando queda desde 2015, por conta da crise pela qual o país tem passado.

 

Em particular, o capítulo 3 do acordo, que versa sobre os compromissos referentes ao comércio de serviços, incluiu disposições normativas em matéria de Tratamento de Nação Mais Favorecida, Tratamento Nacional, Acesso a Mercados, Regulamentação Doméstica, entre outros, que são compatíveis com aquelas que constam no Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) da Organização Mundial do Comércio (OMC) e em outros acordos de Serviços dos quais o Brasil faz parte, revelando certo conservadorismo nesse aspecto.

A Lista de Compromissos Específicos (cobertura) do Brasil apresenta as condições aplicáveis à atuação de prestadores peruanos no mercado brasileiro, os quais não excedem os compromissos já firmados pelo Brasil com os parceiros do MERCOSUL e representam consolidação parcial dos marcos regulatórios vigentes para quaisquer prestadores estrangeiros. A Lista de Compromissos do Peru, no entanto, representa uma maior abertura relativa aos compromissos consolidados pelo Peru no GATS, estendendo, a prestadores brasileiros, acesso e condições de tratamento similares àqueles concedidos pelo Peru, em acordos recentes, a empresas dos países da Aliança do Pacífico e da Parceria Transpacífico (TPP). Assim, as ofertas brasileira e peruana abrangem setores importantes da atividade econômica para os dois países, como, por exemplo, os serviços de Arquitetura, Engenharia e Construção e de Tecnologia da Informação.

Além disso, o acordo aponta para novos desdobramentos, uma vez que prevê negociações futuras entre as duas partes para incluir disciplinas e aprofundar compromissos, inclusive em serviços financeiros, telecomunicações e comércio eletrônico, setores não contemplados neste momento. O Capítulo de Serviços do acordo com o Peru inova, ainda, ao prever futuras negociações em formato de listas negativas, contrastando com as negociações anteriores do Brasil, que seguiram o formato GATS, com listas positivas de compromissos. A partir deste acordo, o país se aproxima dos formatos dos principais acordos internacionais recentemente celebrados em matéria de Serviços.

Ainda que seus benefícios econômicos não se concretizem de imediato, o Acordo de Ampliação Econômico-Comercial entre o Brasil e o Peru reposiciona a relação entre os dois países na região, dando-lhe novo relevo. É importante, ainda, registrar a importância do Acordo como marco na política comercial brasileira recente, inaugurando um caminho de maior abertura e de integração com outros países da região como Chile, Colômbia e México, além dos países do próprio Mercosul, e permitindo maior dinamismo econômico na região, com potenciais efeitos de aumento de produtividade, competitividade e desenvolvimento.

José Carlos Cavalcanti de Araujo Filho é Especialista em Relações Internacionais pela UnB e Coordenador-Geral de Comércio Exterior na Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.