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Educação básica: um século de atraso a superar

Em post anterior, abordamos os limites do sistema educacional para preparar os jovens para lidar com as transformações de um mundo que se torna cada vez mais tecnológico e digitalizado. No Brasil, a estória não é diferente.

Segundo dados da CNI de outubro de 2013, a falta de trabalhadores qualificados é um problema para 65% das empresas das indústrias extrativas e de transformação. Este alto percentual é corroborado pelos dados da MangroupPower sobre o tema: de acordo com a instituição, 61% dos empregadores brasileiros reportam dificuldades em contratar trabalhadores com as habilidades demandadas, enquanto a média mundial é de 32%.

Como já dito em post anterior, embora não sejam suficientes, aptidões em disciplinas básicas ainda são cruciais para o desenvolvimento de habilidades demandadas pelo mundo tecnológico. O problema é que o Brasil ainda tem grandes dificuldades a superar em termos de indicadores básicos de educação.

Conforme apresentado no gráfico 1,  a escolaridade média da população brasileira em 2000 estava pouco acima da média de países como Estados Unidos, Canadá e Austrália em 1900 . Isso significa que chegamos aos anos 2000 com um século de atraso no quesito educação na comparação com países desenvolvidos. Mas talvez ainda mais grave seja o efeito cumulativo daquele atraso em áreas como produtividade, inovação, ciências e tecnologia.

Gráfico 1 – Escolaridade média para países selecionadosEscolaridade média

Fonte: OCDE

Os dados para o início do século XXI indicam que o Brasil segue atrasado em indicadores educacionais. Com base nas estimativas de escolaridade média de Barro-Lee para 2015, o Brasil encontra-se muito longe do nível educacional dos países desenvolvidos, tal como mostra o gráfico 2. Enquanto os brasileiros estudam em média 7,7 anos, a média de países como Estados Unidos e Coreia do Sul é de 13,3 anos. Previsões estatísticas de Barro-Lee também sugerem que o Brasil não ultrapasse 10 anos de estudo antes de 2040, permanecendo atrás dos demais países do BRICS.

Além do atraso em relação aos países mais desenvolvidos em termos quantitativos, ainda há o atraso em termos de qualidade. Considerando os resultados do PISA, o Brasil encontra-se entre os últimos colocados dentre os países avaliados pela pesquisa, destacando o fraco desempenho dos jovens em matemática, ciências e leitura (ver gráfico 3).

Esta breve exposição dos gargalos educacionais brasileiros levanta algumas questões cruciais para que o país possa superar os entraves ao desenvolvimento associados às lacunas de habilidades. Indiscutivelmente, não basta expandir a educação sem pensar em qualidade. E qualidade, neste caso, refere-se não apenas à garantia de que os alunos sairão da escola sabendo matemática e português, mas, principalmente, que saibam aplicar o conhecimento adquirido a situações reais.

O Brasil está chegando atrasado à era digital. E a tendência é de que fiquemos cada vez mais para trás se não formos capazes de desenvolver o capital humano necessário para competir no século XXI.

Gráfico 2

Fonte: Barro-Lee (2016).

Gráfico 3

Fonte: PISA.

Por que a participação dos serviços no PIB de Alagoas é próxima à de São Paulo?

Como já comentado em posts anteriores, via de regra, os países atualmente desenvolvidos passaram por um processo de transformação estrutural de sua economia. Nesse processo, inicialmente a economia se concentra em atividades agropecuárias e, posteriormente, passa a se industrializar, principalmente com manufatura de baixa complexidade.

Na sequência, a sociedade passa a ser majoritariamente urbana e demandar serviços básicos. Neste momento, costuma haver um forte crescimento na participação do setor terciário no PIB e uma redução na participação do setor primário. Numa próxima etapa, a sociedade, mais urbana e escolarizada, passa a demandar produtos e serviços mais sofisticados. Nesse momento, o setor terciário passa a interagir mais fortemente com a indústria, gerando bens mais complexos e com serviços intensivos em conhecimento “abarcados”. Por conta desse processo, à medida que um país vai se desenvolvendo, em geral, a participação de serviços na economia também cresce.

Espera-se, portanto, que regiões de diferentes níveis de desenvolvimento tenham níveis distintos de participação de serviços no PIB. Se isso é verdade, por quê, então, São Paulo (estado com o segundo maior PIB per capita do país) e Alagoas (terceiro menor PIB per capita) têm níveis similares de participação do setor de serviços em suas economias?  Como é possível ver no mapa 1 abaixo, o setor terciário responde por 75% e 72% das economias de SP e AL, respectivamente.

Esse aparente paradigma tem diversos motivos, mas o principal deles parece ser a natureza heterogênea do setor de serviços. Por conter atividades tão díspares quanto bancos e salões de beleza, a participação do setor de serviços no PIB, por si só, diz pouco sobre o grau de desenvolvimento de um país, região ou estado.

Seguindo nos exemplos já citados, enquanto em Alagoas 39% dos serviços são de atividades essencialmente providas pelo setor público (administração, educação, saúde, pesquisa e desenvolvimento públicas, defesa, seguridade social), esse percentual é de apenas 13% em São Paulo (ver gráfico abaixo). Ademais, em SP, percebe-se uma participação muito mais elevada de serviços voltados para empresas, muitos deles de alta complexidade, como atividades profissionais, científicas e técnicas, administrativas e serviços complementares (14%, vs. 6% em AL) e serviços de informação e comunicação (7%, vs. 2% em AL).

Exemplo tão anacrônico como o citado ressalta a importância de se buscar classificar as atividades de serviços em grupos mais homogêneos. Alguns exemplos disso são as classificações da OCDE (serviços comerciais profissionais x tradicionais), por destino (para o consumo final x para empresas), padrão tecnológico (modernos x tradicionais) ou funcionalidade (serviços de custo x serviços de agregação de valor)[1].

Tais classificações são úteis para melhor compreender o setor de serviços e desenhar políticas mais corretamente direcionadas para o segmento. Portanto, mais importante que pensar no tamanho do setor de serviços parece ser refletir sobre sua composição e suas distintas funções na economia.

Mapa 1 – Dados de 2013

Gráfico 1 – Participação das atividades de serviços no PIB do setor, em Alagoas e São Paulo (2013).Servicos por atividadeFonte: IBGE (2016).

[1] Essas classificações são utilizadas no Boletim de Serviços. Para conhecer melhor essas categorizações, ver Nota Técnica do Boletim.

Lacunas de habilidades: o trabalhador que o mercado do século XXI precisa

Aqui no blog, têm-se discutido os novos desafios da competitividade, que envolvem a tendência de crescente  digitalizaçãomudanças disruptivas no sistema produtivo. Nesse contexto, um ponto crucial reside na demanda cada vez mais intensa por um capital humano capaz de lidar com a dinâmica de um sistema produtivo cada vez mais baseado na tecnologia.

Como consequência, a contratação de trabalhadores se tornou tarefa mais árdua para os empregadores. De acordo com estudo do MangroupPower, cerca de 32% dos empregadores no mundo têm dificuldades em contratar trabalhadores com o talento desejado para as vagas disponíveis (ver gráfico abaixo). No Brasil, esse percentual é de 61%. E o resultado é que muitas dessas vagas permanecem desocupadas.

Gráfico – Percentual de empregadores que enfrentam dificuldades para contratar empregados qualificadosgrafFonte: MangroupPower

A justificativa para esse fenômeno é bem simples: de acordo com a coluna da Harvard Business Review, as novas tecnologias demandam habilidades específicas que não são ensinadas nas escolas e nem o mercado supre. Em meio a constantes avanços tecnológicos, empregadores simplesmente não encontram profissionais capazes de lidar com essas novas tecnologias. É a chamada lacuna de habilidades (ou skills gap, em inglês).

Conforme estudo do World Economic Forum, as economias caminham para um perfil mais criativo, inovador e colaborativo, o que demanda empregos voltados para a solução de problemas e a análise eficiente de informações e dados.

O fato é que o mundo está avançando tecnologicamente mais rápido do que a capacidade de adaptação dos trabalhadores. E, mais do que isso, o tradicional sistema educacional não parece capaz de suprir tais lacunas de habilidades. Isto não significa que o ensino usual de ciências, matemáticas e línguas deixou de ser importante. Certamente, tais conhecimentos ainda são importantes, porém não são suficientes. Tal como proposto pela WEF, é necessário combinar fundamentos teóricos com competências práticas.

Imagem – Habilidades demandas no século 21skills21stFonte: World Economic Forum

Mais do que um problema, as lacunas de habilidades também trazem oportunidade: os trabalhadores que adquirirem mais rapidamente as habilidades demandadas pela nova dinâmica produtiva conseguirão melhores empregos e maiores salários. Mas é preciso ter em conta que parte daquelas habilidades são desenvolvidas no próprio ambiente de trabalho. Logo, há que se desenvolver uma agenda de interesse mútuo entre trabalhadores  e empregadores — aqui reside uma das chaves para a qualificação do capital humano no século XXI.

No fim das contas, o que importa é que o capital humano seja capaz de lidar com o novo, o inexplorado e o incerto. Preparar trabalhadores para a era tecnológica é um processo que demanda esforços que vão desde o maior interesse dos jovens e a reestruturação do modelo educacional tradicional que incite o pensamento crítico e o raciocínio lógico passando pelo planejamento estratégico das empresas para o desenvolvimento das habilidades requeridas para se competir nesta nova era.

O Ensino a Distância pode melhorar o desempenho educacional do país?

Em um post anterior, Tiago Xavier abordou a relação entre o setor de tecnologia da informação e comunicação e o desenvolvimento econômico. E quanto à educação? É possível utilizar tecnologias de informação para melhorar o desempenho educacional do país? A resposta parece ser positiva, e um dos caminhos para obter essa melhoria é a modalidade de educação a distância (EaD).

Para as empresas que adotam a EaD, para os estudantes e também para os educadores, essa modalidade apresenta diversos benefícios, como, por exemplo, a flexibilidade nos horários das aulas, a autonomia para os estudos, e a redução dos custos com deslocamento. O Canadá foi o pioneiro na educação a distância e hoje é membro global do Conselho Internacional de Educação Aberta e a Distância. Das 56 universidades canadenses existentes, 53 oferecem cursos a distância.

No Brasil, a EaD permitiu a ampliação no número de alunos que podem obter o nível superior sem que estes necessariamente precisem abrir mão de outras atividades que os impedem de comparecer às aulas presenciais, dada a possibilidade de adaptar as aulas aos seus horários disponíveis. Além disso, essa modalidade permite que estudantes tenham aulas com professores qualificados, em qualquer lugar do mundo, sem a necessidade de deslocamento. As empresas que adotam a EaD também economizam, visto que não há a necessidade de um espaço físico com estrutura para aulas presenciais.

Apesar dos benefícios, o ensino a distância traz alguns desafios. De acordo com o Censo realizado pela Associação Brasileira de Ensino a Distância, a evasão é o maior obstáculo enfrentado por instituições que oferecem cursos remotos, seguida da resistência dos educadores quanto à modalidade de EaD. Portanto, por parte das instituições de ensino, presar pela motivação dos alunos e contratar professores qualificados e atenciosos é condição essencial para o sucesso de cursos desse tipo.

Assim, os investimentos em EaD devem ser realizados com cuidado. É necessário que haja um contínuo monitoramento das atividades. Universidades como Harvard e MIT estão estudando como o big-data pode melhorar a atuação de seus professores em cursos online.

Presente em diversas áreas do conhecimento (ver Gráfico 1), o ensino a distância ainda recebe relativamente pouco investimento público. A maior parte dos investimentos realizados nessa área são privados e isso parece gerar disparidades regionais (ver Censo EaD 2014). No Brasil, 41% das instituições que oferecem cursos EaD estão no Sudeste; 25%, na Região Sul; 15%, no Nordeste; e 10%, no Distrito Federal. A menor quantidade de instituições encontra-se nas regiões Norte e Centro-Oeste (excluindo-se o DF), que, juntas, somam 9% do total.

O caso da EaD é apenas um exemplo de como uma economia globalizada e com trocas de informações e serviços pode melhorar e promover o crescimento de alguns setores. Economias que possuem excesso de mão de obra qualificada, ou aquelas que conseguem desenvolver melhores pesquisas em determinadas áreas, podem auxiliar os países menos desenvolvidos nessas áreas. Nesse contexto, a profusão de cursos online abertos do tipo MOOCS (Massive open online course), bem como a iniciativa MIT OpenCourseWare (que disponibiliza online o conteúdo dos cursos do MIT), são interessantes exemplos.

Gráfico 1. Percentual de cursos regulamentados e totalmente a distância: ofertados em 2014, por área do conhecimento

Senza titolo

Fonte: Censo da Associação Brasileira de Ensino a Distância (2014/2015)

O Setor de Serviços é Crítico para a Retomada do Crescimento Econômico

A figura 1 mostra estimativas do PIB per capita e de sua taxa de crescimento até 2023. Se as nossas estimativas de taxa de crescimento do PIB per capita para 2016 se realizarem, ou mesmo que algo um pouco mais brando se verifique, ainda assim teremos configurado um quadro técnico de depressão. Infelizmente, as estimativas sugerem que  recuperaremos o PIB per capita de 2014 somente por volta de 2022. Esta perspectiva dramática requer estratégias de política econômica incisivas para se evitar que a economia permaneça estagnada por tanto tempo. E, para isto, teremos que pensar “fora da caixa”.

PIBpc

Diferentemente de setores como a indústria, a agricultura e a mineração, o setor de serviços tem recebido historicamente pouca atenção das políticas de crescimento econômico. Embora o setor esteja atraindo um pouco mais atenção recentemente, ele ainda é visto como parte de uma agenda econômica secundária ou, se muito, complementar. De fato, nunca houve no país uma política para o setor de serviços ou algo que se assemelhe a isto.

Parte da explicação desta desatenção pode ser creditada à grande heterogeneidade do setor de serviços. Mas, ainda assim, o argumento pouco se sustenta à luz da experiência internacional – a União Europeia, por exemplo, reconhecendo a relevância da atividade, divulgou recentemente uma ampla estratégia para a modernização do setor visando competir globalmente. Estados Unidos, Nova Zelândia e outros países avançados também têm as suas estratégias. A China, por sua vez, reconhecendo a baixa competitividade dos seus serviços e a sua vital relevância para as suas aspirações de seguir crescendo velozmente, elegeu os serviços como uma das suas prioridades. E os resultados já começaram a surgir, seja no front da participação do setor no PIB, seja na capacidade de desenvolver tecnologias e agregar valor à indústria a partir de serviços.

No Brasil, a participação dos serviços no PIB e no emprego atinge padrões de países avançados – 72% e 74%, respectivamente. Para além desses números, o setor tem elevada participação nos custos das empresas industriais e de commodities e é parcela majoritária do consumo das famílias, com 64% da cesta de consumo. Logo, o setor é determinante para a competitividade setorial e agregada e é crucial para o bem-estar e para o combate à pobreza. Parece-nos, por isto, mais que razoável concluir que os serviços deveriam ser parte do “core” de qualquer estratégia de saída da crise.

Mas o que fazer? Por certo, há muito a se fazer nos âmbitos regulatório, de integração com outros setores para se fomentar uma relação sinergética e simbiótica, de desenvolvimento de capital humano e de gestão e de atração de investimentos, tal como já vem sendo discutido por este blog. Mas, dentre as chagas do setor que precisam ser atacadas com determinação, destaca-se a sua baixa competitividade.

A figura 2 mostra indicador de competitividade do setor de serviços construído a partir da razão entre preços relativos e produtividade do trabalho (ambos em relação aos EUA). O Brasil está na penúltima posição. Em razão da baixa eficiência e produtividade do setor, políticas inteligentes, bem desenhadas e focadas podem ter retornos elevados e podem ser determinantes para que o país possa abreviar a depressão em que está metido e retomar mais rapidamente o crescimento.

Pensar fora da caixa é atacar um setor esquecido, embora crítico para a economia.

competitividade

O que os serviços têm a ver com a primarização da economia brasileira?

A participação do setor primário nas exportações, investimentos e na agenda política brasileira avançou ferozmente desde o início da década passada. No caso das exportações, por exemplo, a participação dos primários e semimanufaturas (boa parte são bens intensivos em commodities) passou de cerca de 38% para 65% do total da pauta de exportações entre 2000 e 2014.

Explicações para isto não faltam, incluindo o boom dos preços das commodities, valorização cambial e mudanças nos termos de troca em favor daqueles bens e em desfavor dos produtos industrializados.

Mas há outros fatores. Um deles está associado ao preço, qualidade e disponibilidade da oferta de serviços comerciais, ou seja, de serviços que são insumos de produção. Arbache (2014) e Arbache e Aragão (2014) mostram que os serviços comerciais no Brasil são muito caros, subiram muito, têm baixa qualidade para padrões internacionais e que a sua oferta é deficiente.

O problema é que os serviços têm participação significativamente maior na matriz de custos da indústria do que no setor de commodities, o que decorre de as cadeias de produção da indústria serem bem mais longas.

Desta forma, as ineficiências e a baixa competitividade do setor de serviços intoxicam particularmente mais a indústria e a sua competitividade e, consequentemente, incentivam a transferência de recursos para outros setores, incluindo o  primário.

O gráfico abaixo ilustra o peso de dois serviços de infraestrutura, energia e transportes, no valor adicionado da indústria e da extração mineral. Enquanto o peso aumenta para a indústria, ele cai para o setor mineral, o que decorre da combinação de mudança de preços relativos industriais e de commodities com aceleração dos preços dos serviços comerciais.

Uma conclusão é que discussões sobre crescimento econômico, mudanças estruturais, soerguimento da indústria, inserção do país em cadeias globais de valor pela “porta da frente”, acordos comerciais e investimentos devem, necessariamente, incluir nas suas agendas a questão dos investimentos e da competitividade do setor de serviços.

 

Consumo de serviços de fretes e carretos e de energia em relação ao valor adicionado da produção

A participação do setor de serviços no PIB é elevada?

A figura abaixo mostra a renda per capita e a participação dos serviços em países desenvolvidos e emergentes. A relação positiva entre as variáveis resulta, dentre outros, da relação crescentemente simbiótica e sinergética entre bens e serviços, novas tecnologias de organização da produção e de produção, mudanças nas preferências dos consumidores e mudanças nos hábitos de consumo associados à renda e à demografia.

O caso do Brasil salta aos olhos. Isto porque combinamos renda per capita relativamente baixa com participação relativamente alta dos serviços no PIB. Jabuticaba? Como explicar esta anomalia?

São várias as explicações, sendo a mais importante a forte expansão das atividades de serviço a partir de meados da década de 1980, quando a indústria passou a experimentar processo lento e quase contínuo de contração. Por várias razões, os serviços ocuparam quase todo o espaço deixado e se tornou em definitivo a principal fonte de criação de emprego e renda. O problema é que o setor se tornou ainda mais caracterizado por ser composto por empresas pequenas, pouco produtivas, de baixa intensidade tecnológica e voltadas, sobretudo, para a provisão de serviços de consumo final.

Hoje, temos um setor de serviços imenso que é mais um problema do que solução. Mudar esta realidade deve ser parte fundamental de qualquer agenda de política de crescimento sustentado, combate à pobreza e aumento da competitividade e da produtividade.

A figura mostra que a África do Sul também tem situação parecida com a do Brasil. Mas, lá, a razão principal está associada às consequências econômicas do regime do apartheid, assunto que discutiremos num outro post.

Participacao dos servicos no PIB

Como se dá a moderna relação entre bens e serviços?

O aumento da participação do setor de serviços na economia é um fato estilizado. Mas o aumento desta participação e a forma como ela evolui dependem do estágio de desenvolvimento do país.

Análise da trajetória do desenvolvimento industrial ajuda no exame do crescimento e da dinâmica dos serviços.[1] Os países iniciam as suas respectivas jornadas de desenvolvimento industrial, cada um ao seu tempo e ao seu modo, na região R1 do gráfico 1 abaixo. Nessa região, a participação da agricultura no PIB ainda é elevada. Mas à medida que as economias se urbanizam, cresce a demanda por produtos industriais básicos como ferro, aço, cimento e produtos químicos. A região R2 caracteriza a fase do desenvolvimento em que expandem a indústria de base, manufaturas de baixo valor adicionado e serviços gerais.

Tudo o mais constante, quanto mais as indústrias básicas e leves expandem, menor será a sua contribuição marginal para o crescimento do PIB, o que decorre do aumento da diversificação da demanda em favor de bens e serviços mais sofisticados.

espaco industria

As economias eventualmente atingem um ponto de inflexão e entram num outro estágio da dinâmica do desenvolvimento industrial, este, muito mais sofisticado que R2. A região R3 é caracterizada pela fase em que crescem os investimentos em atividades industriais que requerem mais serviços de logística, serviços financeiros, projetos de engenharia, marketing, dentre tantos outros de apoio ao desenvolvimento industrial, ao comércio e à terceirização da produção. Nesta fase, a densidade industrial passa a crescer rapidamente e vir acompanhada do aumento da participação dos serviços comerciais na economia, ao tempo em que declina a participação relativa da indústria no PIB.

A passagem de R2 para R3 normalmente caracteriza o rompimento da armadilha da renda média. Neste estágio, a demanda das famílias por serviços mais sofisticados de saúde, educação, previdência, lazer, mobilidade urbana, segurança e conectividade crescem rapidamente.

A região R4 é caracterizada pelo estágio mais avançado do desenvolvimento industrial. A densidade industrial continua a expandir e vem acompanhada de demanda mais que proporcional de serviços comerciais, enquanto a participação relativa da indústria continua a declinar. Esse estágio também é caracterizado pela intensa participação da indústria no desenvolvimento de inovações e soluções do setor de serviços com vistas a se produzir bens cada vez mais sofisticados e com mais funcionalidades. Serviços avançados nas áreas de telecomunicações, serviços de Internet, big data, internet das coisas, cloud computing e desenho de sistemas de computadores, por exemplo, estão na mira dos investimentos em P&D da indústria.

O declínio da participação relativa da indústria no PIB não implica dizer que a indústria perdeu relevância. Na verdade, o aumento da densidade industrial caracteriza uma fase muito mais sofisticada e influente da indústria, a qual é marcada pela mudança da natureza dos bens, da forma como são produzidos e da sua relação com os serviços. A indústria passa a ocupar papel catalisador de geração de riquezas e de P&D, mas num nível muito mais complexo e sofisticado.

As regiões R3 e R4 caracterizam estágios do desenvolvimento industrial em que se desenvolve relação simbiótica e sinergética entre a indústria e os serviços para criar valor. O valor do bem industrial será maior quando combinado com serviços para formar um terceiro produto que não é propriamente um bem industrial nem tampouco um serviço. Trata-se de bens industriais com elevada participação de serviços no seu valor agregado, como é o caso dos iPads e de produtos vendidos em “pacotes”, como computadores de grande porte ou turbinas de aviões – a comercialização de turbinas, por exemplo, é acompanhada de serviços de leasing, seguros, treinamento, engenharia, manutenção e outros serviços pós-venda e B2B. Mas produtos com elevado componente de serviços, como aqueles em que design e branding têm grande contribuição no valor final, também não se enquadram nas rígidas classificações convencionais de bens e serviços.

O gráfico 2 mostra o espaço-indústria em 2011. Brasil e Estados Unidos tinham participação parecida da indústria no PIB. No entanto, a densidade industrial americana era oito vezes maior que a brasileira, a qual se devia, em boa parte, à criação de valor conjunta e complementar entre a indústria e os serviços. No século XXI, o setor de serviços é crucial e determinante para o desempenho da indústria e para a geração de riquezas.

Espaço Indústria

[1] A densidade industrial de um país é calculada como o valor adicionado da indústria de transformação dividido pela sua população total. A densidade industrial reflete a disponibilidade de recursos que contribuem para a agregação de valor, incluindo capital humano, C&T, P&D, instituições e infraestrutura. A densidade industrial captura a disposição, tácita ou explicitamente, da sociedade de disponibilizar recursos para o avanço do desenvolvimento industrial (Arbache 2012). O espaço-indústria tem três dimensões: participação da indústria no valor adicionado (D1), densidade industrial (D2), e participação dos serviços comerciais no PIB (D3).

Serviços e desenvolvimento econômico

No século XXI, as empresas estão cada vez mais conectadas e interdependentes, com a produção crescentemente descentralizada. Se no começo do século XX uma empresa automobilística como a Ford produzia internamente desde o aço até o carro, nos dias atuais, a Boeing produz em suas fábricas menos de um terço do seu último modelo de avião comercial, o Dreamliner.

Esse fenômeno de descentralização está intimamente ligado ao aumento de serviços na economia, que têm participado cada vez mais do processo produtivo de outros setores, como insumos. Veja, por exemplo, o caso do iPhone e do iPad: a Apple é responsável pelo planejamento e design dos produtos, desenvolvimento de software e marketing, enquanto a fabricação das peças é quase toda realizada por outras empresas na Ásia. Todas as atividades realizadas pela Apple nos processos citados são inerentemente de serviços, e a empresa americana é responsável por 80% dos lucros do iPhone e 64% dos lucros do iPad (ver interessante estudo de Kraemer, Linden e Dedrick, 2011).

Em trabalho de nossa autoria (Arbache & Moreira, 2015), mostramos que, em geral, quanto mais a indústria de um país consome serviços em seu processo produtivo, maior será sua produtividade. O gráfico abaixo, com dados de 1995 a 2009, demonstra isso claramente. Para ver essa relação ao longo dos anos, basta arrastar o a barra acima do gráfico.

Fonte: Arbache e Moreira (2015) com base em WIOD (2015).

Esses dados suscitam uma pergunta instigante: o que é mais importante para um smartphone ou tablet – o produto ou os serviços atrelados a ele? Na realidade, a resposta parece estar no meio do caminho: o smartphone precisa de software e design para ter valor, assim como esses serviços precisam de uma plataforma para existir.

Tal panorama implica que tornar os serviços brasileiros – normalmente caros e de baixa qualidade – mais eficientes e competitivos, principalmente aqueles que mais agregam valor a outros negócios, como design, engenharia de ponta, desenvolvimento de softwares, etc, teria impacto não apenas neles mesmos, mas na economia como um todo.

No passado, países se desenvolveram se industrializando. No século XXI, o desafio do desenvolvimento exigirá novas soluções, e é provável que fortalecer a indústria, somente, não baste. Para se desenvolver, o Brasil terá que tornar seus serviços competitivos internacionalmente e trabalhar para que eles agreguem mais valor às cadeias produtivas de outros setores como a indústria e o agronegócio.

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