Economia de Serviços

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Cenário e perspectivas para o comércio de serviços no Brasil

Balanço de Pagamentos

O balanço de pagamentos (BP) de um país é o espelho contábil das transações entre seus residentes e não-residentes em um determinado período de tempo. Os resultados obtidos do BP possibilitam monitorar a magnitude e a direção do fluxo de recursos entre um determinado país e o restante do mundo (FEIJÓ et al., 2003).

Desconsiderando possíveis erros e omissões de mensuração, o BP pode ser dividido em três contas principais: (i) a conta capital; (ii) a conta financeira; e (iii) a conta corrente. Cada conta do BP é dividida entre receitas e despesas. As receitas são formadas pela soma de gastos de não-residentes no país do BP. Por outro lado, as despesas correspondem aos gastos dos residentes desse país no exterior.

O saldo de uma conta do BP consiste na subtração entre as suas receitas e despesas. Quando uma conta do BP apresenta saldo negativo, tem-se que a soma dos pagamentos vindos do exterior (por não-residentes) foi menor do que a soma dos pagamentos feitos para o exterior (por residentes). De maneira simplificada, no caso brasileiro, as receitas das contas do BP são mensuradas a partir do total de gastos no Brasil por estrangeiros; enquanto as despesas são representadas pelos gastos de brasileiros no exterior.

A mensuração do BP de cada país é padronizada conforme as regras dispostas no Manual de Balanço de Pagamentos e Investimento Internacional do Fundo Monetário Internacional (IMF, 2009). O BP brasileiro, por sua vez, tem o seu equilíbrio/saldo regulado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), sendo responsabilidade do Banco Central do Brasil (BCB) a compilação e publicação dos dados que o compõem[1].

Conta de serviços

A conta de serviços faz parte da conta corrente do BP. Para tal, compreende-se como “serviços” o conjunto das atividades que possam influenciar as condições de consumo ou comercialização de produtos ou ativos financeiros em um país (IMF, 2009). No caso brasileiro, esses serviços são divididos conforme as categorias listadas abaixo, na tabela 1.

Tabela 1 – Categorias, receitas, despesas e saldo da conta de serviços do BP brasileiro em 2017, em milhões de dólares.

Categorias Receitas Despesas Saldo
Aluguel de equipamentos $125,71 0,36% $16.963,68 24,83% -$16.837,97
Viagens $5.809,21 16,85% $19.001,63 27,81% -$13.192,42
Transportes $5.790,10 16,79% $10.765,30 15,76% -$4.975,20
Serviços de propriedade intelectual $642,16 1,86% $5.211,81 7,63% -$4.569,66
Telecomunicação, computação e informações $2.186,20 6,34% $3.859,36 5,65% -$1.673,16
Serviços governamentais $801,79 2,33% $2.035,92 2,98% -$1.234,13
Seguros $687,81 1,99% $1.358,43 1,99% -$670,61
Serviços culturais, pessoais e recreativos $313,08 0,91% $863,76 1,26% -$550,69
Serviços financeiros $679,07 1,97% $703,69 1,03% -$24,61
Serviços de manufatura sobre insumos físicos. $6,83 0,02% $1,65 0,00% $5,18
Construção $14,45 0,04% $1,44 0,00% $13,01
Serviços de manutenção e reparo $464,16 1,35% $206,38 0,30% $257,78
Outros serviços de negócio, inclusive arquitetura e engenharia $16.957,81 49,18% $7.355,76 10,77% $9.602,06
Total $34.478,39 100% $68.328,81 100% -$33.850,42

Fonte: elaboração própria a partir de BCB (2018a).

Observa-se que a conta de serviços brasileira de 2017 foi deficitária, registrando um montante de aproximadamente US$ -34 bilhões. De maneira simplificada, isso significa que o gasto com serviços por brasileiros no exterior superou o de estrangeiros no Brasil naquele ano. Portanto, podemos dizer que o país foi “importador de serviços” em 2017.

Atualmente, o Brasil é um dos maiores deficitários globais no setor de serviços (CNI, 2014; MDIC, 2018). As categorias da conta que mais contribuíram para esse déficit em 2017 foram as de aluguel de equipamentos, viagens, transportes e serviços de propriedade intelectual.

Contexto brasileiro

O histórico do BP brasileiro indica que o déficit da conta de serviços de 2017 não foi inédito na série de saldos do fluxo comercial dessa conta. Entre 1995 e 2004, o saldo em serviços se manteve em patamares próximos a US$ -5 bilhões. Nos 10 anos seguintes, registrou-se vertiginoso crescimento do déficit, aproximando-se de saldo de US$ -50 bilhões em 2014, conforme se observa no gráfico 1.

Gráfico 1 – Série histórica do saldo da conta de serviços do Brasil, por principais categorias, em milhões de dólares (2004-2017).

Fonte: elaboração própria a partir de BCB (2018a).

Entre 2005 e 2014, a categoria de viagens internacionais registrou o maior aumento na participação sobre o déficit de serviços no Brasil. Outra categoria que reforçou a negatividade da conta foi a de aluguel de equipamentos que, associada à dependência do setor de gás e petróleo de tecnologias estrangeiras, contabilizou déficits crescentes a partir de 2008 (CNI, 2014).

Cuiabano et al. (2013) estudaram a relevância das variações no câmbio e na renda para explicar o saldo decrescente da categoria “viagens” na conta de serviços brasileira até 2011. Conforme os autores, menores taxas de câmbio reais (fortalecimento da moeda nacional) tendem a reduzir o saldo da conta de serviços. Isso porque a valorização do real torna o gasto por brasileiros no exterior relativamente mais barato, o que incentiva a importação de serviços de outros países por parte do residente no Brasil. Ao mesmo tempo, o gasto em moeda estrangeira no Brasil se torna relativamente mais caro, um desincentivo às receitas da conta de serviços do país.

No que tange a variações na renda, aumentos da produção de um país tendem a incrementar gastos de seus residentes no exterior. Cuiabano et al. (2013) verificaram que a correlação entre acréscimos na renda doméstica e maiores déficits em viagens internacionais apresenta maior sensibilidade do que a de reduções na taxa de câmbio com o saldo dessa conta. Nesse sentido, espera-se que variações na renda possuam maior relação com mudanças no saldo da conta de serviços brasileira do que variações no câmbio; em módulo, a elasticidade-renda da demanda por serviços no Brasil é maior que a elasticidade-preço (câmbio).

Entre 2013 e 2016, a economia brasileira sofreu instabilidades que refletiram negativamente sobre a produção interna e a moeda nacional (recessão e desvalorização do real). Não obstante, o déficit da conta de serviços do país em 2016 foi aproximadamente um terço menor do que o déficit de 2013, reduzindo-se de patamares próximos a US$ -50 bilhões para cerca de US$ -30 bilhões.

Gráfico 2 – Saldo da conta de serviços, em milhões de US$, e variação do PIB brasileiros, em percentuais, entre 2009 e 2017.

Fonte: elaboração própria a partir de BCB (2018a) e IBGE (2018).

Do gráfico acima, também se verifica que a melhora dos indicadores de produção econômica em 2017 foi acompanhada de reversão da trajetória da curva do saldo da conta de serviços brasileira; com valor mais deficitário em relação ao ano de 2016.

No acumulado dos nove primeiros meses de 2017, registrou-se saldo de US$ -24.347 milhões na conta de serviços brasileira. No mesmo intervalo de 2018, o saldo da conta foi 1,9% menor, acumulando déficit de US$ -24.814 (BCB, 2018a). Como esperado, essa redução do saldo de serviços (aumento do déficit), acompanha expectativa de melhora dos indicadores de produção econômica: o acumulado do IBC-Br[2] registrou crescimento de 1,14% entre janeiro e setembro de 2018[3].

Perspectivas

Em setembro de 2017 foi criado o Grupo Técnico de Serviços (GT Serviços). Esse Grupo, alocado na Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (SE/Camex), busca promover a competitividade dos serviços brasileiros no exterior com o debate de políticas públicas para atender esse propósito (MDIC, 2018).

Nos últimos meses, a SE/Camex promoveu consulta pública para avaliação de proposta de Plano de Trabalho 2019/20 do GT Serviços. O plano compila uma série de medidas para desburocratizar o comércio de serviços no Brasil, com maior ênfase em simplificações tributárias a setores com alcance internacional[4]. Essa linha de atuação foi desenhada para reduzir as barreiras à participação brasileira no comércio de serviços, que são, hoje, de caráter essencialmente regulatório (PEREIRA, 2016).

Nesse sentido, segundo a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil tem espaço para promover maior produtividade na prestação e no comércio de serviços, podendo, para tal, utilizar-se das recentes inovações tecnológicas em informação e em comunicação (OECD, 2017). A melhora do país no ranking do relatório Doing Business 2019, do Banco Mundial, relata que alcançamos melhorias necessárias, mas ainda insuficientes, para destravar o setor (e o comércio) de serviços no país (WB, 2018).

Diante da conjuntura das contas públicas e da possível reforma administrativa à qual o Ministério da Indústria, Serviços e Comércio Exterior (MDIC) está sujeito nos próximos meses, cabe acompanhar se permanecerão a estrutura, as diretrizes e a continuidade dos trabalhos do GT Serviços. No caso de continuidade da política de promoção da competitividade, o maior desafio do Grupo será superar os entraves institucionais que limitam o fluxo comercial de serviços pelo país.

Segundo as últimas publicações do Relatório de Mercado Focus, espera-se relativa estabilidade das taxas de câmbio e crescimento do PIB, em aproximadamente 2,5% a.a., até 2020 (BCB, 2018b). Como vimos, nessas condições e considerando elevada elasticidade-renda da demanda por serviços no Brasil, a tendência é que a retomada do crescimento amplie o déficit na conta de serviços brasileira (CNI, 2014). Portanto, tudo o mais constante, uma maior participação do país como importador de serviços é garantida.

Luis Guilherme A. Batista é professor voluntário na Universidade de Brasília (UnB), bolsista da Capes, mestrando em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Gestão Pública pela AVM, e bacharel em Ciências Econômicas pela UnB. Foi Coordenador de Projetos e Gestão de Indicadores do Ministério da Cultura, e Assistente no Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Atua nas áreas de defesa comercial e da concorrência.

Referências

Banco Central do Brasil [BCB]. (2018a). Série histórica do Balanço de Pagamentos – 6ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição de Investimento Internacional (BPM6). Visualizado em 05 de novembro de 2018. Disponível em https://www.bcb.gov.br/htms/infecon/Seriehist_bpm6.asp.

BCB. (2018b). Focus – Relatório de Mercado. Visualizado em 14 de novembro de 2018. Disponível em https://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/readout.asp.

Confederação Nacional da Indústria [CNI]. (2014). Serviços e Competitividade no Brasil, Brasília: CNI.

Cuiabano, S. M.; Bertussi, G. L.; Vasconcelos, E. B. X.; Machado, D. L. (2013). Saldo da Conta de Viagens Internacionais no Brasil: a Contribuição da Taxa de Câmbio Real Efetiva e da Renda. Revista Tempo do Mundo, v. 5, n. 1, pp. 89-108.

Feijó, C. A.; Ramos, R. L. O. [org.]. (2003). Contabilidade Social: a Nova Referência das Contas Nacionais do Brasil, Rio de Janeiro: Elsevier, 3ª edição.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. (2018). PIB avança 1,0% em 2017 e fecha ano em R$ 6,6 trilhões. Visualizado em 13 de novembro de 2018. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/20166-pib-avanca-1-0-em-2017-e-fecha-ano-em-r-6-6-trilhoes.

International Monetary Fund [IMF]. (2009). Balance of Payments and International Investment Position Manual, sixth edition, Washington, D.C., USA.

Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços [MDIC]. (2018). Serviços. Visualizado em 04 de novembro de 2018. Disponível em http://www.camex.gov.br/servicos.

Organisation for Economic Co-operation and Development [OECD]. (2017). OECD Services Trade Restrictiveness Index (STRI): Brazil. Visualizado em 16 de novembro de 2018. Disponível em http://www.oecd.org/tad/services-trade/STRI_BRA.pdf.

Pereira, L. B. V. Além das barreiras ao comércio de mercadorias: os serviços. (2016). Conjuntura Econômica, v. 70, n. 5., pp. 62-65.

World Bank Group [WB]. (2018). Doing Business in Brazil. Visualizado em 16 de novembro de 2018. Disponível em http://www.doingbusiness.org/en/data/exploreeconomies/brazil.

  1. Cf. Lei 4.595/64.
  2. Como o PIB referente ao 3º trimestre de 2018 não havia sido disponibilizado até a redação deste texto, o autor se baseou no Índice de Atividade Econômica do Banco Central, IBC-Br, indicador que é comumente utilizado como uma prévia do PIB.
  3. Cf. noticiado pelo O Estado de São Paulo em 16/11/2018. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,previa-do-pib-tem-recuo-de-0-09-em-setembro-ante-agosto-aponta-bc,70002610124.
  4. A proposta de Plano de Trabalho está disponível no sítio eletrônico da Consulta Pública SE/Camex 02/2018: http://camex.gov.br/noticias-da-camex/2097-consulta-publica-se-camex-n-02-gt-servicos.

Agenda para competitividade no setor de serviços

O Brasil é um grande importador de serviços e opera recorrentemente com um dos maiores déficits globais neste setor (Em 2016, o Brasil foi o 21º maior importador de serviços, segundo Banco Mundial).

Em 2017, as importações de serviço foram de US$ 42,9 bilhões. As exportações foram de US$ 29,8 bilhões (MDIC, 2018), resultando um saldo negativo de US$ 13,1 bilhões. O déficit na balança de serviços foi quase 50% menor do que o registrado em 2016, quando as importações superaram as exportações em US$ 25 bilhões. Em 2015, o déficit foi de US$ 26,7 bilhões e em 2014, de US$ 27,7 bilhões.

O principal mercado das exportações brasileiras em 2017 foi os Estados Unidos. As vendas ao país somaram mais da metade do total exportado ( quase 54%). Os principais serviços exportados foram aqueles relacionados ao setor financeiro (quase 33%), seguidos dos serviços profissionais (19,8%) e os da Tecnologia da Informação (7%)

A diminuição do déficit deu-se também pelo aumento das exportações (em 2016, as vendas externas totalizaram US$ 18,6 bi e, em 2017 US$ 29,8 bilhões). Número que até então tinha se mantido praticamente estável nos anos anteriores (em 2014, as vendas externas somaram US$ 20,8 bilhões; em 2015, US$ 18,9 bi.) Para que esta tendência de alta seja uma constante estável, é necessário políticas capazes de promover a competitividade do setor como um todo, sem negligenciar políticas setoriais necessárias dada às especificidades de cada setor.

No Brasil, o setor exportador de serviços não enfrenta apenas barreiras externas de acesso a mercados, na medida em que os entraves internos são também responsáveis por dificultar e, em alguns casos, tornar inviável as exportações de serviços.

Em relação às barreiras externas, é importante mencionar a necessidade de se negociar acordos comerciais. O Brasil está atualmente negociando acordos com disposições relacionadas a serviços com a União Europeia, EFTA, México, Coreia do Sul, Chile e Canadá. Novas negociações que estão prestes a se iniciar também incorporarão o tema; como com Cingapura. É necessário, portanto, que sejam identificados interesses ofensivos e defensivos no setor de serviços no Brasil durante as negociações, de forma a garantir que esses acordos espelhem a realidade da economia de serviços no Brasil.

Em relação às barreiras internas, o setor exportador enfrenta problemas relacionados à burocracia, à incidência de tributos e à falta de financiamento para viabilizar as operações de exportação. As dificuldades perpassam, por exemplo, pela falta de uma definição clara de exportação de serviços no ordenamento jurídico brasileiro, dificuldade de enquadrar algumas exportações de serviços em operações beneficiárias de financiamento e de garantias à exportação, assim como a incidência de tributos internos na exportação/importação, contrariamente às disposições constitucionais, as quais excluem da incidência dos impostos nas operações de exportação de serviços.

Hoje, a única disposição que traz uma definição de exportação de serviços é a Lei Complementar nº 116/2003, que dispõe sobre o Imposto Municipal sobre serviços (ISSQN). Segundo o dispositivo, o imposto não incide sobre as exportações de serviços para o exterior do País, a não ser que elas sejam desenvolvidas no país, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.

A definição trazida por este normativo acaba sendo utilizada como parâmetro e como referência por outros dispositivos. A resolução do Simples Nacional também traz esta mesma disposição e o fisco federal se utiliza desta definição em algumas soluções de consulta.

A referência à Lei Complementar n. 116/2003 não seria problema, caso a definição não restringisse a interpretação do que é considerado ou não como uma exportação de serviços. Assim, ao utilizar como parâmetro a definição da Lei Complementar n. 116, exportações de serviços acabam sendo tributadas em nível municipal e federal e algumas operações acabam não sendo enquadradas como exportação de serviços para fins de obtenção de financiamento e garantia ás exportações.

A cobrança de tributos fere frontalmente a disposição constitucional de que os municípios deverão excluir da incidência de tributos municipais as exportações de serviços para o exterior (art. 156, § 3º, II da CF).

É necessário, portanto, alterar a definição de exportação presente na Lei Complementar n. 116/03, pois ela trará ganhos não apenas em termos de isenção de ISS. Na verdade, os benefícios são ainda maiores, pois o ISSQN, ao deixar de ser cobrado, também deixaria de compreender a base de cálculos de outros tributos. Ainda, com uma definição de serviços mais clara, será possível desenvolver políticas para o setor de forma mais eficaz.

É necessário, portanto, revisar a definição trazida pela Lei Complementar n. 116/2003. A nova definição de serviços deve levar em consideração os compromissos assumidos no âmbito do Acordo Geral do Comércio de Serviços da OMC (GATS), na medida em que tanto o Modo 01 quanto o Modo 02 referem-se a serviços executados no Brasil em benefício de pessoas estabelecidas no exterior.

Faz-se necessário, neste sentido, imprimir, em um eventual conceito de exportação de serviços, a ideia de que o “ consumo, fruição, uso, aproveitamento” do serviço ocorra no exterior, independentemente se realizado ou não no Brasil. Assim, é necessário assegurar que, ainda que o serviço seja prestado no Brasil, ele poderá ser considerado uma exportação, na medida em que ele é “ consumido” no exterior. Essa premissa, vale ressaltar, também está de acordo com as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O setor exportador de serviços necessita de políticas capazes de promover a competitividade dos serviços brasileiros no mercado global. Por conta disso, foi criado, no âmbito da Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior, o Grupo Técnico de Serviços (GT Serviços), com o objetivo de discutir e propor políticas públicas, mais especificamente de comércio exterior, para o setor de serviços. A ideia é abarcar questões internas de competitividade que impactam as exportações e importações de serviços.

As atividades do GT perpassam por iniciativas que vão desde a melhoria do ambiente de negócios, medidas de financiamento e garantias às exportações, economia de serviço e comércio eletrônico, facilitação do comércio de Serviços e reforço de coordenação governamental.

É premente necessidade de políticas que confiram maior estabilidade e previsibilidade para o setor empresarial. Essas dificuldades fazem com que empresas brasileiras busquem se estabelecer em países que fazem fronteira com o Brasil para aproveitar das facilidades trabalhistas e tributárias desses países.

Natasha Martins do Valle Miranda é analista de comércio exterior, atualmente exerce a  função de Assessora Técnica na Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior. Possui Mestrado em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ( PUC-SP) e gradução em direito.

 

 

A Desoneração Tributária da Exportação de Serviços e a Possibilidade de Eliminação de Resíduos da Cadeia

Um dos legados da famigerada greve dos caminhoneiros foi a divisão com a sociedade brasileira dos ônus da desoneração tributária do diesel. Ao afetar a meta de arrecadação e sendo pressionado para não aumentar a carga tributária, o governo federal deliberou cobrir o deficit provocado, pela redução ou eliminação, à toque de caixa, de diversos incentivos vigentes, como é o caso do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras -Reintegra.

O art. 21 da Lei nº 13.043/2014, com a disciplina do Decreto nº 9.393, de 30 de maio de 2018, reduziu a alíquota para os créditos do Reintegra de 2% para 0,1%, com vigência imediata, a despeito de a regulamentação anterior determinar que essa alíquota seria mantida até o final do exercício.

O Reintegra permite que empresas que exportam determinados produtos apurem crédito no valor de percentual fixado sobre a receita auferida na operação de exportação. A finalidade da restituição é a devolução de parte dos resíduos tributários da cadeia de produção de bens exportados, em consonância com o princípio de comércio internacional, de que não deverá haver a exportação de tributos. A Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 540/2011, convertida, posteriormente, na Lei nº 12.546/2011, discorreu sobre a necessidade de combater as dificuldades das empresas exportadoras brasileiras. Os resíduos tributários existentes na cadeia produtiva de bens manufaturados reduz a competitividade de exportações brasileiras, pois representam de 5% a 10% do custo do produto exportado, a depender de fatores tais como a extensão da cadeia produtiva.

O Reintegra não se aplica aos serviços, apenas a produtos manufaturados. Mas a discussão que veio à baila com as medidas compensatórias decorrentes da greve dos caminhoneiros, trazidos pelos contribuintes exportadores prejudicados, é a indispensabilidade da eliminação dos resíduos tributários das cadeias de bens exportados.

Note-se que se a cumulatividade tributária afeta as mercadorias exportadas, os serviços padecem de uma deficiência na estrutura de tributação muito maior, considerando que a tributação sobre os serviços brasileira não dispõe de técnicas para a eliminação dos resíduos tributários.

A base de cálculo do imposto sobre serviços -ISS é o preço bruto do serviço, com alíquotas máxima de 5%, não se permitindo a dedução de insumos empregados na prestação de serviços, nem o quanto pago nas operações anteriores, de acordo com suas normas gerais, determinadas pela Lei Complementar n. 116/2003. A única exceção é o caso de serviços de construção civil, em relação aos quais há a previsão de dedução do valor de materiais e o das subempreitadas já oneradas pelo imposto.[1]

Em regra, não há a possibilidade de dedução dos materiais empregados para a prestação dos serviços, que já são gravados pelo IPI e pelo ICMS, gerando dupla imposição econômica, situação que não ocorrerá em ordenamentos jurídicos que tributam de forma unificada mercadorias e serviços.

Uma justificativa possível para a estrutura cumulativa do ISS é o fato de sua alíquota ser relativamente baixa, aliada ao fato de sua competência ser disseminada entre 5570 competências tributárias municipais: não oneraria demasiadamente aos contribuintes, ao mesmo passo que não ofereceria maiores dificuldades de fiscalização às administrações tributárias, pela simplicidade de sua estruturação.

Entretanto, sob a perspectiva do comércio exterior, da dificuldade de quantificação da carga tributária, que dependerá da configuração da cadeia de serviços, decorre a violação do princípio da não-discriminação, em desfavor do contribuinte brasileiro, pois o importado será onerado de forma distinta do fornecido internamente, uma vez que não é possível precisar a carga tributária interna.

A despeito de a alíquota máxima do ISS ser relativamente baixa, o que poderia compensar as múltiplas incidências ao longo da cadeia, não promove a neutralidade, vetor a ser perseguido por uma política tributária eficiente. Um dos efeitos de uma tributação cumulativa é a verticalização da cadeia, concentrando-se os diversos prestadores de serviço por razões alheias à eficiência do mercado, mas apenas para fugir à tributação.

Poder-se-ia se argumentar que não é inerente aos serviços a cumulatividade, pois, em geral, esgotam-se em uma única prestação, com algumas exceções, como nas hipóteses serviços de administração de outros serviços. Classicamente, os serviços não se inseririam em uma cadeia, isto é, esgotavam-se em uma única relação jurídica.

Todavia, o perfil das formas de serviços tem se alterado substancialmente em virtude da evolução tecnológica, tornando-se muito mais complexas e atreladas a diversos prestadores. A tendência é que quanto mais sofisticado o serviço, maior será a cadeia de prestadores e maior será o número de subcontratações de serviços, como o caso de serviços de engenharia e de elaboração de softwares.

Acresça-se que, segundo Anita Kon, ao longo do processo de internacionalização produtiva, os serviços, que numa visão tradicional, eram entendidos como não comercializáveis internacionalmente (non tradable), devido à sua intangibilidade e em vista de sua pouca representatividade nas pautas de exportação, mudaram o seu status. As mudanças tecnológicas e a intensificação do processo de globalização produtiva e comercial, incrementaram o fluxo de serviços, especialmente nas áreas de transporte, consultoria, comunicações, de maneira que o seu mercado internacional ampliou-se consideravelmente.[2]

No Brasil, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), baseados no Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio (Siscoserv), as exportações de serviços no Brasil representam pouco, se comparadas às de mercadorias, embora o setor terciário represente pouco mais de 70% (setenta por cento) do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), como se depreende:

Dos serviços exportados, dentre os mais relevantes estão serviços profissionais, técnicos e gerenciais, de consultoria, financeiros :

A política tributária tem seu papel na contradição desses dados. A cumulatividade do ISS e a “quase-cumulatividade” do PIS e Cofins, incidente sobre a receita das prestações de serviços, que também oferece dificuldades para os contribuintes eliminarem a cumulatividade da cadeia dos bens exportados, são uma das faces desse problema.

Dificuldades adicionais serão encontradas pelos contribuintes para implementar a desoneração nas saídas voltadas às exportações, em virtude da própria dificuldade de aplicação da norma, pela divergência de intepretação pelas administrações tributárias de definições como as de “local de desenvolvimento” e “de consumo” dos serviços.

Todavia, esses obstáculos para desoneração dos serviços exportados, são inconstitucionais. Defende-se que o legislador constitucional optou pela adoção do princípio do destino na tributação das operações de comércio exterior, em detrimento do princípio da origem, como elemento de conexão determinante do exercício da competência tributária. O princípio do destino implica na desoneração da carga tributária nas saídas voltadas à exportação, além da restituição ou creditamento da carga tributária que incidiu na cadeia de produção e distribuição do bem, internamente.

Contrariamente ao que existe no imposto de renda, em que há uma disputa internacional sobre a aplicação do princípio da residência ou fonte, como critério de determinação de competência tributária, há um notável consenso no comércio internacional pela aplicação do princípio do destino, optando as economias mundiais por desonerar as exportações, enquanto que no local de consumo desses bens, recairá a carga tributária.

 

Conforme o saudoso jurista Ricardo Lobo Torres, o princípio do destino está intimamente conectado e harmonizado com o princípio da territorialidade, com a ideia de Justiça e com o princípio da capacidade contributiva, ao estabelecer que os tributos devam ficar no país onde foram consumidos os bens, sendo o vetor para se evitar a dupla tributação no comércio internacional[3]

Nas palavras do também saudoso professor Alberto Xavier[4]:

Os impostos de consumo sobre as transações são geralmente lançados no país do consumidor, revertendo em benefícios dos Estados nos quais são consumidos os bens sobre que incidem. Precisamente por isso, o país de origem, isto é, o país no qual o bem foi produzido, procede normalmente à restituição ou isenção do imposto no momento da exportação; e, por razões simétricas, o país do destino, onde o bem será consumido, institui um encargo compensatório sobre as mercadorias importadas, em ordem de colocá-las ao menos em pé de igualdade com os produtos nacionais.

A Constituição de 1988 adota claramente o princípio do destino no comércio internacional, pois determina que os tributos não incidirão na exportação dos bens. Em diversos dispositivos consolida-se essa opção do legislador constitucional, como o art. 153, §3o, III, que determina que o IPI “não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior”; o art. 155, §2o, X, ‘a’, com a redação da EC n. 42/2003, que determina que o ICMS não incidirá “sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”; o art. 156, §3o, II, que determina, para o ISS, que cabe à lei complementar “excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior”; o art.149, §2o, I, que determina que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico “não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação” (com a redação da EC n. 33/2001) e “incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços” (com a redação da EC n. 42/2003).

Em um ambiente internacional cooperativo de tributação, a escolha pela eficiência econômica e por conseguinte, pelo princípio do destino é inequívoca, pois ao se permitir que um produtor não direcione o seu comportamento por força da tributação de insumos, determinando-se que a carga tributária recaia sobre o consumidor final, incrementa-se a produção e, assim, um governo pode assegurar que parte dessa produção excedente seja capturada pela tributação dos lucros, remanescendo o suficiente para o benefício dos consumidores.

E nesse ponto, retorna-se à ideia lançada no início do texto: o Reintegra, ao possibilitar a redução (não eliminação) dos resíduos tributários oriundos da tributação interna, não é um favor governamental, mas uma obrigação do legislador infraconstitucional. E mais: deve ser estendido aos serviços. Quanto ao ISS o art. 156, §3o, II da Constituição determina que a lei complementar deve excluir a incidência do ISS dos serviços exportados: não apenas a incidência do serviço exportados, como de sua cadeia.

Se no Brasil o princípio do destino tem matriz constitucional, a sua realização não é faculdade do Estado, sendo dever do legislador incluir as imunidades/isenções nas exportações e a constituição de técnicas que viabilizem o aproveitamento de créditos de saídas direcionadas à exportação, na proporção da carga tributária incidente internamente.

A tributação cumulativa traz prejuízos à alocação de recursos e à competitividade dos produtos nacionais, tanto no mercado externo como no doméstico, pois altera de forma incontrolável os preços relativos da economia. No comércio exterior, a realidade da cumulatividade prejudica a competividade das exportações brasileiras. Em relação ao custo dos bens exportados, é difícil a recuperação da carga tributária incidente sobre a cadeia de produção e comercialização, relativa aos insumos, bens de capital e à gestão de negócios.

E se essa discussão ainda necessita amadurecer no comércio exterior de mercadorias, no caso dos serviços, em que as mesmas premissas podem ser aplicadas, a discussão é incipiente.

A não-cumulatividade é técnica expressamente imposta constitucionalmente apenas para o IPI, o ICMS e mais recentemente, para o PIS e Cofins. Portanto, em princípio, não haveria a obrigação da municipalidade de instituir técnicas de implementação de não-cumulatividade para o ISS.

Não obstante, a cumulatividade da tributação dos serviços ofende a diversos preceitos constitucionais. Assim, como justificar que aquele que forneça serviços mais sofisticados e com maior peso econômico, seja mais gravemente tributado? Ademais, ao se estabelecer uma estrutura de tributação que verticalize a cadeia de produção, haverá não só ofensa à neutralidade, como aos vetores constitucionais da Ordem Econômica.

Essas são apenas algumas provocações que apontam para a estrutura anacrônica das técnicas de tributação sobre os serviços, que devem ser repensadas em um contexto econômico em que o setor terciário participa de forma crescente no PIB brasileiro.

  1. Observando-se que do projeto original da Lei Complementar n. 116/2003, foi vetada a possibilidade de dedução dos valores despendidos com terceiros pela prestação de serviços dos hospitais, laboratórios, clínicas, medicamentos, médicos, odontólogos e demais profissionais de saúde, por cooperativas médicas.
  2. KON, Anita. Nova Economia Política dos Serviços, p.53 et seq. São Paulo, Perspectiva, CNPq, 2015.
  3. TORRES, Ricardo Lobo.O Princípio da Não-Cumulatividade e o IVA no Direito Comparado. MARTINS, Ives Grandra da Silva (coord.). Série Pesquisa Tributárias, no 10, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 161.
  4. Direito Tributário Internacional, 2a ed. Coimbra: Edições Almedina, 2014, p.238-239

Brasil e Índia: possível aproximação em serviços?

Este ano são comemoradas sete décadas de relações diplomáticas entre os dois países. Nesse longo período é evidente que as duas economias experimentaram variações diversas em sua orientação de política, bem como nos resultados obtidos.

Juntamente com o Brasil, a Índia foi sistematicamente voz ativa nos fóruns internacionais, em defesa dos interesses das economias menos desenvolvidas. De fato, ambos países têm participado de diversas iniciativas voltadas para aquilo que até recentemente era conhecido como o Terceiro Mundo, hoje rebatizado como economias emergentes. À diferença do Brasil, contudo, nos anos de Guerra Fria o alinhamento indiano esteve mais próximo do bloco soviético.

Se a economia brasileira apresentou, nesses setenta anos, altos e baixos, com momentos de hiperinflação, crises nas contas externas alternadas com momentos de euforia, introversão em paralelo a iniciativas relativamente tímidas de abertura selecionada, etc, a história econômica da Índia é um pouco distinta.

À diferença da experiência brasileira, a inserção internacional da economia indiana tem um claro ponto de inflexão no início da década de 1990, quando uma crise importante nas contas externas levou a processo de abertura sem precedentes. Desde então, as exportações de bens e serviços triplicaram sua participação no PIB, passando de 7% em 1990 para 21% em média, entre 2014 e 2016, segundo dados do Banco Mundial[1]. Variação semelhante à registrada do lado das importações: de 8% para 23%.

Existem cinco vezes mais indianos que brasileiros no planeta. A população brasileira, de pouco mais de 200 milhões de habitantes, é pequena quando comparada com os mais de 1,3 bilhão de indianos. A Índia é o segundo país mais populoso do planeta, atrás apenas da China.

O valor da produção nas duas economias é, contudo, de ordem semelhante. Se medido em termos de poder de compra de paridade para a média do período 2014-2016, a preços constantes de 2010, o PIB nos dois casos é da ordem de US$ 2,3 trilhões.

Isso, evidentemente, afeta a estimativa da renda per capita. Quando medido em termos da paridade do poder de compra, isto é, a capacidade efetiva de compra da renda individual, o PIB per capita do Brasil, da ordem de US$ 15,6 mil em média em 2014-2016 é mais do dobro dos US$ 6 mil correspondentes na Índia.

Mais do que simples curiosidades estatísticas, esse conjunto de diferenças afeta o padrão de demanda predominante em cada uma dessas economias, portanto sua estrutura produtiva e seus interesses negociadores.

As duas economias diferem, também, na composição setorial básica da sua estrutura produtiva. A Tabela 1 mostra as participações dos três principais setores.

Tabela 1 – Estrutura Produtiva do Brasil e da Índia – média 2014-2016 (% do PIB)
Brasil Índia
Agricultura 5,1 17,6
Indústria 22,5 29,5
Serviços 72,4 52,8

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

Em ambas as economias há predominância da produção de serviços, mas a importância relativa desse setor é bem mais pronunciada no caso brasileiro, onde corresponde por quase três quartas partes do valor adicionado na economia. Essa diferença é particularmente notável quando se trata de comparação com a economia indiana, sabidamente uma economia com forte desempenho (muito mais pronunciado que o brasileiro) no comércio internacional de serviços.

As duas economias têm relação distinta, também, na sua relação com o comércio externo. Se considerado o valor total do comércio de mercadorias em relação ao PIB, esse percentual era em média, em 2014-2016, da ordem de 19% no caso do Brasil, bem menos que os 32% registrados no caso da Índia.

Nesse mesmo período, a economia brasileira exportou bens e serviços em montante correspondente a 12% do seu PIB, e importou 13%. Os mesmos indicadores para a Índia foram de 21% e 23%, respectivamente, indicando uma economia mais aberta ao comércio.

O grau de envolvimento das duas economias com o comércio internacional de mercadorias tem trajetória claramente diferenciada. Enquanto no Brasil o grau de abertura pouco se alterou nessas duas décadas e meia (a relação entre o comércio de mercadorias e o PIB brasileiro passou de 12% em 1990 para 18% em 2016), na Índia esse indicador aumentou duas vezes e meia, no mesmo período, passando de 13% para 28%.

Seja como for, o maior grau de abertura comercial não significa que o desempenho da economia indiana no comércio de mercadorias tenha gerado resultado marcante, em termos de saldo comercial. De fato, o que se observa é que essa economia é deficitária no comércio de mercadorias, e compensa esse resultado negativo com a exportação de serviços, como mostra a Tabela 2.

Tabela 2 – Balança Comercial e Comércio de Serviços (US$ milhões)
Média 1990-99 Média 2000-2010 Média 2011-2016
Índia
Balança comercial -5151 -52873 -14433
Saldo de serviços -2420 14152 68737
Brasil
Balança comercial 778 20078 9964
Saldo de serviços -6304 -11744 -39793

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

É notável, na comparação entre as duas economias, que o peso relativo do setor de serviços na produção nacional seja bem mais elevado no caso do Brasil do que na Índia.

Existem, portanto, diferenças notáveis entre as duas economias, tanto no que se refere a suas estruturas produtivas – o que implica diferenças nas estruturas de demanda e nos interesses de produtores – quanto à sua relação com o Resto do Mundo.

À semelhança do comércio entre o Brasil e outros países, também as relações comerciais bilaterais com a Índia são essencialmente do tipo “Norte-Sul”, significando um intercâmbio em que um dos parceiros (Brasil) exporta produtos básicos e importa mercadorias processadas.

Além disso, a pauta de exportações é bastante mais concentrada do lado brasileiro do que para os indianos.

Em 2010 não mais que três produtos – óleos brutos de petróleo, açúcar de cana em bruto e sulfetos de minério de cobre – correspondiam a 67% do valor exportado pelo Brasil, tendo como destino o mercado indiano. Os 100 produtos mais importantes representavam 96,3% do valor exportado pelo Brasil no comércio bilateral.

As importações brasileiras provenientes da Índia eram, naquele mesmo ano, mais diversificadas. Os três principais produtos – óleo diesel, fio de algodão e fio de poliéster – representavam apenas 47% do valor total, indicando um grau bem mais diversificado que as exportações brasileiras. Os 100 principais produtos correspondiam a 80%.

Decorridos sete anos, em 2017 os três principais produtos de exportação brasileira – óleo bruto de petróleo, óleo de soja em bruto e outros açúcares de cana – correspondiam a 60% do valor total, enquanto os 100 principais produtos representavam 95%. Isto é, houve pouquíssima diversificação da pauta exportadora brasileira no comércio com a Índia.

O registro é um tanto diferente do lado das importações brasileiras. Em 2017 os três principais produtos indianos – fios têxteis de poliéster, inseticidas e querosene de aviação – representavam não mais que 12% do total da pauta. E os 100 principais produtos corresponderam a apenas 63%.

Esses indicadores são ilustrativos do baixo grau de elaboração dos produtos exportados pelo Brasil e de quão limitado foi o processo de diversificação da oferta brasileira.

Ao mesmo tempo, contudo, eles mostram que do lado indiano houve claramente ganho de participação por parte de produtos mais elaborados e um notável grau de desconcentração da pauta exportadora.

Esses são indicadores relativos ao comércio de mercadorias. No entanto, a Índia é uma economia que se destaca pelo seu dinamismo na exportação de serviços.

Uma das limitações básicas quando se trata do comércio de serviços é a dificuldade em conseguir dados. Em particular, a identificação de fluxos bilaterais demanda pesquisa específica, o que transcende os objetivos deste artigo.

Algo é possível informar, contudo, no que se refere à importância relativa do comércio de serviços para cada uma das duas economias.

A Tabela 3 mostra que a participação do comércio (exportações e importações) de serviços no PIB de cada um dos dois países é crescente, mas bastante distinta. Ao longo do período considerado o comércio de serviços representou, em termos do produto nacional, duas vezes mais para a Índia do que o observado no Brasil.

Tabela 3 – Comércio de Serviços (% do PIB)
2000 2005 2010 2016
Brasil 3,77 4,31 4,15 5,40
 
India 7,76 12,28 11,83 11,39

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

Na comparação com a Tabela 1 chama a atenção – como já referido – que na economia brasileira o setor de serviços representa um percentual do PIB bem mais elevado do que na economia indiana. No entanto, o comércio externo de serviços é bem mais significativo em proporção ao PIB nesta última.

Em termos do valor adicionado pelo setor de serviços como proporção do PIB houve aumento, entre 2000 e 2017, de 68% para 73%. Na Índia essas proporções foram mais modestas, com o valor adicionado em serviços tendo aumentado de 45% para 54%.

Uma explicação para tanto reside no fato de que o tipo de serviços produzidos no Brasil é predominantemente voltado para o consumo final, com baixo valor agregado e grau limitado de sofisticação. Ao passo que na Índia há destaque para os serviços de apoio à atividade produtiva, portanto mais comercializáveis

Há diferença igualmente no desempenho recente das duas economias no que se refere ao valor exportado de serviços. Entre 2000 e 2017 as exportações brasileiras de serviços cresceram, em dólares correntes, 313%. No mesmo período, o valor exportado pela Índia aumentou não menos de 853%.

Representando mais de US$ 160 bilhões, as exportações de serviços pela Índia são concentradas (45%) no setor de software, seguido (20%) por apoio a negócios, viagens (14%), transportes (10%) e outros com pesos menos relevantes, como serviços financeiros, seguros e comunicações[2].

Em 2016 os principais serviços exportados pelo Brasil foram[3] serviços profissionais, técnicos e gerenciais (11% do total); serviços gerenciais e de consultoria gerencial (11%); serviços auxiliares aos serviços financeiros (8%); serviços de manuseio de cargas (6%) e serviços de transporte aquaviário de cargas (6%). Praticamente a metade foi exportada para os Estados Unidos e os Países Baixos.

Se no caso indiano há um padrão de especialização identificável e a preocupação é diversificar a pauta de exportações de serviços, no Brasil essa pauta é relativamente pulverizada (numa relação inversa à que se observa em mercadorias).

Em ambos os casos, há preocupação em diversificar os mercados de destino, reduzindo a dependência de poucos consumidores.

Em resumo, as relações comerciais entre o Brasil e a Índia são claramente influenciadas por diferenças na composição da estrutura produtiva em cada economia, assim como nas diferenças na relação entre o comércio de mercadorias e de serviços. No entanto, e em que pese a maior importância das exportações de serviços no caso indiano, aquele país foi capaz de diversificar e sofisticar sua pauta exportadora de mercadorias para o Brasil em proporções bem mais significativas do que se observa nas exportações brasileiras.

Não foi possível conseguir dados para a composição do comércio bilateral de serviços. Mas é possível inferir que há claras implicações para um eventual processo negociador entre as duas economias.

O fato de o Brasil pertencer ao Mercosul é determinante de que eventuais negociações de preferências comerciais devam ser feitas no formato 4+1, o que implica identificar tanto os interesses negociadores de parte da Índia quanto os interesses dos quatro membros do Mercosul.

Tendo em vista as considerações acima, parece razoável esperar que a Índia tenda a ter maior interesse nas negociações no setor de serviços, mais do que no comércio de mercadorias.

E no âmbito dessas negociações, dada a concentração de exportações indianas em software, seria de se esperar interesse em medidas que facilitem as transações do chamado Tipo 2 do GATS, isto é, serviços “ofertados no território de um país para consumidores em outro país”.

Isso, sem prejuízo de interesse igualmente em negociações de medidas que facilitem transações de Tipo 3 (serviços ofertados através de algum tipo de estabelecimento profissional ou comercial de um país no território de outro país), dada a participação importante, no processo produtivo indiano, de tecnologia de informação e comunicação e serviços de apoio aos negócios, sem prejuízo, claro, de outros tipos de serviços.

Da perspectiva brasileira é menos fácil identificar como poderia ser a composição de sua demanda negociadora em serviços, até pela diversidade da pauta de exportação, o que dificulta identificar as vantagens comparativas da economia brasileira em serviços.

Eventuais negociações para ampliar o comércio de mercadorias são mais previsíveis. De fato, o acordo firmado entre a Índia e o Mercosul em 2004 compreende uma lista limitada de itens: poucas centenas de itens, quando a pauta comercial dos dois lados é formada por milhares de produtos. Há, de fato, processo em curso para ampliar a cobertura do acordo, com a inclusão de um número mais expressivo de itens.

No tocante a serviços, seria da maior importância poder dispor de informações comparáveis sobre a composição dos fluxos bilaterais. Seja como for, parece razoável imaginar a existência de demanda indiana para a facilitação das transações bilaterais em serviços. E dada a composição da pauta exportadora daquele país, com forte concentração setorial, é possível especular sobre onde estariam focados, em princípio, seus interesses.

O aspecto relevante a ressaltar é o grau de possível complementaridade entre as duas economias, e que deveria ser explorado de maneira mais intensa e focada, seja no âmbito de acordos bilaterais, seja na convergência de posições em fóruns multilaterais.

 

[1] http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

[2] Ver https://thewire.in/business/can-india-double-services-exports-five-years

[3] MIDC, Serviços – Panorama do Comércio Internacional, 2016

Aproximação Mercosul – Aliança do Pacífico e o Comércio de Serviços

Já se disse, em relação aos países vizinhos do Brasil, que a opção de se integrar é destino, tendo em vista a proximidade geográfica, a longa coexistência não conflitiva e a proximidade dos padrões de consumo.

Cabe investigar se os países da região são “parceiros naturais”.

A literatura econômica tem, entre muitos outros, um debate sobre como identificar um “parceiro natural”, com quem um país possa negociar tratamento preferencial, em termos comerciais e outras dimensões econômicas[1].

São candidatos imediatos os principais parceiros comerciais (aqueles com maior peso enquanto destino das exportações) ou com fluxos bilaterais de investimento direto mais intenso, os países geograficamente mais próximos, as economias mais estáveis, os países com maior poder econômico ou aqueles com nível similar de desenvolvimento econômico, e aqueles que possibilitem um potencial de exploração de diferenciação produtiva vertical, em paralelo a vantagens comparativas tradicionais.

A lista de variáveis a considerar pode ser extensa. Idealmente, seria um “parceiro natural” aquele país que correspondesse à maior parte desses critérios.

Não é claro, contudo, que a condição de “parceiro natural” seja facilmente identificável, ou mesmo possível de ser cumprida. Talvez o exemplo mais óbvio seja o fato de que para diversos países a maior proximidade com uma economia desenvolvida não corresponde ao principal parceiro comercial. No caso dos países latino-americanos, a primeira condição seria claramente atendida pelos Estados Unidos, enquanto a segunda corresponde cada vez mais à China. Qual das duas economias seria o “parceiro natural” dos latino-americanos? Difícil dizer.

Esse tipo de consideração pode ser útil para o debate sobre a aproximação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico. Será possível identificar num desses dois grupos de países o “parceiro natural” do outro grupo?

Independentemente da discussão sobre se os países da Aliança do Pacífico seriam “parceiros naturais” do Mercosul, existem alguns argumentos que podem ser considerados em prol de maior aproximação entre os dois grupos de países.

Um primeiro argumento é aritmético. Se ocorre desvio de comércio como resultado de um processo de integração, quanto maior o número de países envolvidos em um mesmo processo menor a probabilidade de que ocorra desvio. Assim, a união dos oito países provavelmente promoveria mais criação que desvio de comércio do que no caso dos dois grupos isoladamente.

O segundo argumento é igualmente trivial. Poder contar com acesso a um mercado ampliado sem barreiras permite aproveitar as economias de escala em diversos setores.

Um terceiro argumento está relacionado com o chamado “efeito aprendizagem”. As empresas de um dos grupos, sobretudo aquelas de menor porte, poderão expandir a produção e exportação para o mercado regional e a partir daí amadurecer a capacidade de competir em mercados mais competitivos.

Quarto, cada país isoladamente tem dificuldade em afetar suas relações de troca. Em conjunto, contudo, um grupo de países pode pretender exercer poder monopólico. Isso será ainda mais verdadeiro quanto maior o tamanho desse grupo de países.

Quinto, há evidência empírica abundante indicando que boa parte da competitividade das exportações de produtos industriais por parte dos países do Sudeste Asiático, da União Europeia e dos países da América do Norte é influenciada pelos processos produtivos em cadeia.

Em Baumann/Ng (2012) foi mostrado que a intensidade do comércio regional em bens de produção é claramente associada a um melhor desempenho. Comparando-se as experiências de duas décadas da América Latina e do Sudeste Asiático fica claro que mesmo com a variação nos termos de intercâmbio beneficiando em nível recorde as economias da primeira região e punindo fortemente as da segunda, estas foram capazes não apenas de crescer mais e exportar mais, como também reduzir a distância entre elas. Resultado praticamente inverso ao experimentado na América Latina, no mesmo período.

Por analogia, pode-se supor que a promoção de complementaridade produtiva – ao menos entre os países da América do Sul, uma vez que a distância geográfica em relação ao quinto membro da Aliança, o México, pode ser um complicador nesse sentido – poderia contribuir para um melhor desempenho das exportações de produtos industrializados por parte dos países da região.

O comércio existente entre os dois grupos é expressivo (próximo a 1/3 das transações no âmbito da ALADI), e a composição dos fluxos de comércio entre os dois grupos tem participação significativa de produtos com grau de elaboração (portanto valor adicionado) mais pronunciado do que se observa no comércio extra-regional.

Do ponto de vista comercial, as negociações no âmbito da ALADI já contribuíram bastante para o livre-comércio entre os países membros. Restam, evidentemente, numerosos exemplos de barreiras não-tarifárias no comércio regional, e há pouca dúvida sobre as restrições impostas pela qualidade – ou mesmo inexistência – de infraestrutura, entre os membros de cada um desses grupos de países e – ainda mais – entre os dois grupos.

Mas a análise do potencial de integração entre os dois blocos não deveria se limitar aos fluxos de mercadorias. Os processos produtivos em todas as partes são cada vez mais intensivos em serviços de tipos variados. Cabe, portanto, uma digressão sobre esse comércio, para identificar o tipo de especialização dos países membros dos dois grupos em suas exportações de serviços.

As exportações totais de serviços indicam trajetórias um tanto distintas. Em 2010 as exportações totais de serviços por parte dos países do Mercosul eram da ordem de US$ 47 bilhões, e nos seis anos seguintes tiveram crescimento de 5%, atingindo US$ 50 bilhões em 2016[2].

No início do período, as exportações totais de serviços por parte dos países da Aliança do Pacífico somavam US$ 35 bilhões, ou 70% do exportado pelo Mercosul.

Em 2016 as exportações de serviços pelos países da Aliança alcançavam US$ 48 bilhões, próximas das do Mercosul, com um crescimento de não menos que 37%. Esse desempenho se deveu, sobretudo, ao desempenho mexicano, cujo valor exportado total cresceu 58% no período, atingindo, em 2016, quase ¾ do total exportado pelo Brasil.

Ao se considerar a composição dos fluxos de exportação de serviços, contudo, em cindo dos oito países nos dois grupos há predominância (mais da metade do valor total transacionado) de viagens (pessoais e de negócios). Esse dado, isoladamente, sugere que a margem para a complementaridade em serviços é limitada.

São destaques (Tabela 1) a Argentina, o Brasil e o Chile, com os dois primeiros apresentando parcela significativa de “outros serviços empresariais” (serviços empresariais, profissionais e técnicos, e serviços jurídicos, contábeis, de assessoramento administrativo e relações públicas) e o Chile, com destaque para transportes (sobretudo transporte marítimo). Nesses casos, as perspectivas para uma integração parecem mais promissoras.

De fato, a Matriz de Insumo-Produto para a América do Sul, estimada pelo IPEA e a CEPAL, com dados para o ano de 2005, indica a existência, embora ainda incipiente, de alguma integração entre exportações de serviços – sobretudo serviços empresariais – de alguns dos países sul-americanos e uns tantos setores produtores de mercadorias nos países vizinhos. Se a complementaridade entre setores produtores de serviços parece algo distante, a julgar pelos dados da Tabela 1, a interação entre serviços e produção de mercadorias já é uma pequena realidade, ao menos na América do Sul.

Um tema que merece análise mais detalhada, além do permitido por este espaço. De todos modos, algo é possível ilustrar, a partir de coeficientes selecionados da referida Matriz.

A Tabela 2 mostra os indicadores relativos a alguns dos fluxos de exportações de serviços mais expressivos entre países dos dois grupos. Desnecessário lembrar que, por ser a matriz focada nos países sul-americanos, não há informação correspondente ao México.

Segundo essa Tabela, o intercâmbio regional em serviços compreende tanto fluxos de serviços de um país para outros tipos de serviços em outros, como – o que é mais notável e promissor, do ponto de vista de potencial para complementaridade produtiva – serviços que são exportados para viabilizar atividades em setores produtores de mercadorias.

A julgar pelos dados da Matriz para 2005, o país na região mais ativo na exportação de serviços no âmbito regional é a Argentina. Não são mostrados na Tabela 2 alguns outros fluxos, associando – com valores não muito desprezíveis – “outros serviços” argentinos exportados para setores como mineração, celulose, borracha, máquinas e equipamentos, celulose e papel e produtos químicos e farmacêuticos, no Chile. De fato, o eixo Argentina-Chile parece ser o mais ativo, nesse sentido.

O Brasil aparece como parcialmente “integrado” com os países da Aliança do Pacífico, no sentido de ser exportador (embora em pequena escala) mas também importador de serviços do Chile e também da Colômbia.

A título de consideração final, portanto, há margem para uma ampliação significativa das transações entre o Mercosul e as economias que compõem a Aliança do Pacífico, também no que se refere ao comércio de serviços.

E mais: foi apresentado um conjunto de argumentos que apoiam atitudes mais proativas no estímulo a essa intensificação de relações comerciais, uma vez que ela muito provavelmente possibilitaria, em princípio, margem para apropriação de ganhos de escala, aprendizado na atividade exportadora e maior competitividade dos produtos exportados, se implicar a exploração de atividades de menor custo e maior complementaridade produtiva.

A racional da busca de competitividade pela via da complementaridade daria um Norte ao processo de integração regional, hoje carente de objetivos claros e perpetuado pelo custo implícito que poderia derivar da interrupção do processo negociador herdado das últimas décadas.

Mais do mesmo em termos de negociações no âmbito regional não significa avançar em direção clara, nem tampouco – como mostram à saciedade os indicadores do comércio regional latino-americano até aqui – melhora das condições de inserção internacional.

 

REFERÊNCIAS

R. Baumann, F. Ng (2012), Regional productive complementarity and competitiveness, International Trade Journal, vol. 26, No.4

J. Bhagwati (1993), Regionalism and multilateralism: an overview, em J. de Melo, A. Panagariya (orgs), New dimensions in regional integration, Cambridge University Press, Cambridge

P. Krugman (1991), Is bilateralism bad?, em E. Helpman, A. Razin (orgs), International trade and trade policy, Cambridge, MA, MIT Press

P. Krugman (1991a ), The move towards free trade zones, em Federal Reserve Bank of Kansas, Policy implications of trade and currency zones, Kansas City

L. Summers (1991), Regionalism and the world trade system, em Federal Reserve Bank of Kansas, Policy implications of trade and currency zones, Kansas City

[1] Ver, a propósito, Krugman (1991), Krugman (1991a ), Summers (1991) e a crítica a esse conceito em Bhagwati (1993).

[2] Dados da ALADI.

Trade in Services and Trade Balance

Production in the service sector and trade in services have become two variables of increasing importance that are hard not to take into account. In most countries, the service sector accounts for more than half of GDP: according to the World Bank’s World Development Indicators, in 2015 in only ten countries[1] did the service sector correspond to less than 50% of GDP.

As far as foreign investment flows (FDI) are concerned, two thirds of global FDI stock is concentrated (UNCTAD (2017)) in services, mainly in finance, business activities, trade and telecommunications[2]. Finance and business activities account for 62% of total global FDI stock in services.

The service sector – or at least several segments in it – often pays higher than average wages. Yet several of these high wage-sectors are precisely the sources of a good deal of service exports, like software and financial services.

The empirical difficulty in mapping the actual contribution of the service sector goes beyond the limits imposed by the conventional National Accounts and by analyses based on the limited number of sectors in input-output matrices. Statistics of trade in services rely strongly on the information provided by the Balance of Payments, often rather aggregated and hardly illustrative of the intertwining relation between goods and built-in services in the production and commercialization of each good.

Trade in services presents some peculiarities.

Trade in services has been the fastest growing component of international trade since the early 1990s, with average annual growth rates of about 10%. Over the past two decades, trade in goods has grown by a factor of 3.5, whereas total trade in services has increased by a factor of 5. Trade in services now accounts for about one-fifth of global trade[3].

In parallel to this impressive growth, there has also been a change in the type of services that are most intensevely traded, with an increasing share of high-skill intensive services. Consequently, the importance of new features that challenge traditional trade disciplines, such as cross-border services, has increased significantly.

This makes the identification of the actual barriers to trade in services more challenging. In the case of merchandise trade, there is a considerable amount of conventional methodologies to measure existing barriers and their multiple effects. Not so much for services. If a doctor or a lawyer decides to establish himself in another country this is not something that can happen by paying some tax at the border. Each country has its own regulations and imposes conditions to allow for the work by one such professional. Likewise, if a bank decides to open a branch in another country it has to be formally authorized by the authorities and fulfill a number of requirements in order to be allowed to operate.

Barriers to trade in service are mostly “behind the border”, comprising a whole set of norms and regulations that differ from country to country.

It is, therefore, hardly surprising that the producers of services in industrialized countries have been pressing for quite some time for a more disciplined and open world market for services, given the difficulties in surpassing domestic regulations.

According to UNCTAD statistics, in eleven years (2005 to 2016) the value of global trade (exports plus imports) in services increased 185%, compared to the 151% increase in global trade in goods. As an outcome, trade in services gained importance, increasing from 25% to 30% of the corresponding amount of merchandise trade. This is a universal tendency (Table 1): the share of trade in services to trade in goods increased to 35% in developed economies, to 24% in developing economies and to 28% in transition economies.

Table 1 – Trade(*) in Services as (%) of total merchandise trade
2005 2016
World 24.6% 30.1%
Developing Economies 18.6% 24.0%
Transition Economies 20.4% 28.3%
Developed Economies 28.0% 34.9%
(*) Exports plus Imports Source: UNCTADStat

The increasing importance of trade in services raises several new issues. This phenomenon affects the international movement of human resources, it provides dynamic comparative advantage, it increases the presence of domestic producers abroad, hence demanding norms to facilitate the operation of foreign suppliers in the domestic markets, and it requires the adaptation of domestic regulation with regards to a number of aspects, such as temporary and permanent migration rules.

Furthermore, these statistics refer only to exclusive trade flows in services. They do not identify the amount of services incorporated into merchandise trade, such as export financing and insurance, management and others. Hence, the actual importance of trade in services is probably bigger than these data suggest.

While disaggregating by categories of countries (Graph 1), it is clear that most of the trade in services (exports plus imports) is done among developed economies, even though there has been a remarkable increase in the volume of trade in services involving developing economies, in comparison to the starting position, in 2005. Transition economies remain in a marginal position.

Source: UNCTADStat

Comparing exports and imports of services, Graph 2 shows that the set of developed countries has always experienced trade surplus in services and has increased its surplus recently. The years 2009 to 2014 have witnessed an increase in the trade deficits of both developing and transition economies – certainly much bigger than in 2005 – even though figures for 2016 indicate a light reduction of those deficits in the latter.

Source: UNCTADStat

In summary, trade in services has become a very dynamic activity, but remains dominated by the developed countries. This phenomenon naturally influences the direction of the negotiations to facilitate this type of trade. It also brings some specific political economy implications.

The service sector comprises a wide range of heterogeneous activities. Shoe-shining is a service, as much as housekeeping, taxi driving, health treatment and space engineering. Hence the difficulties in dealing more clearly with the object of analysis, especially at an aggregate level.

Conventional approaches of the Heckscher-Ohlin type explain a good deal of trade in services. Think, for instance, in terms of health care. Medical procedures are approximately the same everywhere to deal with a given kind of disease. Serious doctors learn the best practices from the same set of respected journals, and keep updated in terms of new techniques and of new medicines and medical apparatuses. What is it, then, that explains the movement of people from, say, the United States, to Central American countries, looking for medical treatment? The sheer difference in costs. Because wages in these countries are lower than in the US, and presumably the quality of the services provided are not too different (same technology), some countries in the region have become exporters of medical care. The main reason for that is the lower costs of a labor-intensive activity in countries that are relatively abundant in labor, in comparison to the US.

Connell (2006) reports on a number of countries exploiting this type of tourism, such as India, Singapore, Thailand, South Africa, Belarus, Latvia, Lithuania and others. In Latin America, Cuba is well-known for the quality of its treatment of skin diseases, plastic surgery and dentistry. In Costa Rica, medical tourism accounted in 2016 for 13% of total tourism revenue; in El Salvador health tourism revenue tripled in the last five years, and in Guatemala there has been a 18% increase in the number of tourists looking for medical and dental treatment between 2015 and 2016.

The production of services is essentially labor-intensive. Jensen (2011) presents data for the US economy in 2007 that illustrate this point: in that year mining has generated only 0.5% of the total employment, construction 5.5% and manufacturing 9.9%. The set of services related to business (finance, professional services, administrative services and others) accounted for 25% of total jobs, and personal services (education, health, arts, entertainment and others) another 25%. There is a clear concentration of well-paid, more qualified workers in services than in other sectors of the US economy. For instance, only 7% of the employees in manufacturing had high degrees of professional qualification in manufacturing, whereas in business services this percentage reached 17%, 12% in finance and insurance, and 27% in technical and scientific areas.

Other sources of supply-side determined comparative advantages are linked to the cheapening of commodities stemming from the existence of economies of scale. Certain productive processes have the characteristic that one additional unit of input provides more than one unit of output. This is often the case in sectors with high fixed costs, such as the pharmaceutical industry: a new drug, however expensive to create, might be of universal use, hence provide a significant return to the firm that designed its formula. The increasing return leads to an ever-increasing production: the more a firm produces, the lower its costs per product unit.

From the perspective of international trade, a country that hosts these kinds of industries with economies of scale of some sort is likely to become a net exporter, given the increasing amount of production, at decreasing unit costs.

The relation of economies of scale to services is not immediate. Services often require specific work that depends on individual skills. This makes the service industry less prone to capture economies of scale than manufacturing.

This is not to say, however, that service sectors cannot take advantage of economies of scale in some ways. If service industry outputs tend towards customization, it can capture economies of scale through big orders. This is the case, for instance, of health plans and fast-food chains. Standardization allows for improving efficiency and produce more in the same amount of time.

The evidence presented thus far raises the question of to what extent does the increasing involvement of developing economies in trade in services contribute to their trade balance.  Between 2009 and 2016 the aggregate trade surplus in services for developed economies increased from US$ 323 billion to US$ 483 billion. At the same time, the corresponding result for the set of developing economies increased from a deficit of US$ 191 billion to an even more negative result of US$ 382 billion in the same period.

The reason seems to be in the peculiarities of (at least) some service sectors. Table 2 illustrates the point. Take as a reference the five BRICS countries and four major economies, in 2005 and 2016. It follows that for “charges for the use of intellectual property” the BRICS have increased their share of world exports, yet their trade deficit actually increased. The same is observed in “commercial services” for Brazil and China, whereas the selected developed countries have improved their trade balance. For financial services, the four developed economies improved their trade balance, in spite of the performance by the BRICS.

What these figures suggest is that notwithstanding a high positive performance by developing countries in the exports of services there seem to be some elements that determine a more favorable position by developed countries, at least in some sectors.

If confirmed, this leads to the recommendation of a cautious opening of the service sector. To the extent that trade is made in foreign currency, the concern with the actual impact on trade balance should not be disregarded.

REFERENCES

Connell, J. (2006), Medical tourism: Sea, sun, sand and…surgery, Tourism Management, 27, 1093-1100

Jensen, J.B. (2011), Global Trade in Services – Fear, Facts and Offshoring, Peterson Institute for International Economics, Washington

UNCTAD (2017), World Investment Report, Geneva

UNCTAD (2017a), Handbook of Statistics

 

[1] Mali, Mauritania, Niger, Oman, Qatar, Sierra Leone, Tajikistan, Tanzania, Togo and Vietnam.

[2] The same report by UNCTAD alerts to the fact that this high percentage of FDI stock in services is partly due to sectoral classification. A good deal of reported FDI data are based on the economic activity of foreign affiliates, performing activities such as financial holdings, logistic hubs, distribution and after-sales services, hence not classified as in the same industry of the transnational company to which they belong.

[3] See UNCTAD (2017a).

O Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul

No dia 21 de dezembro de 2017, durante a 51ª Cúpula do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul. Embora o bloco tenha sido criticado nos anos recentes pela sua aparente dificuldade em concretizar avanços relativos à integração econômica, com a assinatura deste Protocolo e com o avanço do Mercosul em negociações de acordos comerciais com terceiros países, podemos esperar um ciclo mais promissor no que se refere à agenda econômica e comercial da região.

O Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul é um acordo sobre compras governamentais cujos princípios basilares são a transparência, a não discriminação e o acesso a mercados entre seus Estados Partes. Isso significa que cada uma de suas partes se comprometem a aplicar padrões mínimos de transparência em seus procedimentos de licitação, de forma a permitir que empresas instaladas em suas contrapartes sejam tratadas como fornecedores locais para um conjunto de contratações públicas.

É importante notar que, a exemplo dos compromissos sobre compras governamentais vigentes em diversos acordos de livre comércio firmados entre outros países e mesmo no Acordo sobre Compras Governamentais da OMC, o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul também não abrange a totalidade das compras públicas de seus membros. Em geral, cada país busca manter algumas exceções relativas a certas políticas públicas específicas que poderiam ser incompatíveis com as obrigações do acordo.

Em suma, o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul representa um importante passo em direção à consolidação de um mercado comum. Uma vez que os países do bloco buscaram preservar algumas de suas políticas de compras públicas, é razoável supor que há espaço para adotar uma cobertura mais ambiciosa no futuro. Neste sentido, o aspecto de maior destaque imediato do Protocolo para potenciais exportadores interessados em oferecer seus produtos e serviços consiste na eliminação de tratamento discriminatório presente em várias de suas legislações internas, além de maior previsibilidade nas regras aplicáveis.

Outro importante aspecto do acordo é seu caráter evolutivo. Isto porque, por um lado, suas cláusulas de cooperação (com destaque para a cooperação em políticas para micro, pequenas e médias empresas) abrem espaço para uma convergência normativa que, futuramente, facilitará ainda mais a participação de empresas do bloco em contratações públicas fora de seu estado parte. Os efeitos dessa convergência e o aproveitamento das oportunidades geradas tendem a fortalecer empresas dos países do Mercosul, inclusive frente a competidores de terceiros mercados. Por outro lado, o acordo também prevê uma ampliação gradativa da sua cobertura, por meio da ampliação da lista de entidades e, idealmente, da inclusão de todos os bens e serviços atualmente excetuados, sob sua aplicação.

A experiência na aplicação do acordo trará aprendizados importantes para empresas e governos relativas à eficácia das políticas públicas de compras e novas oportunidades poderão ser criadas, com efeitos na produtividade das empresas e possível especialização. Importante destacar, ainda, que o aproveitamento das oportunidades advindas do Protocolo dependerá também de esforços de promoção comercial e de integração produtiva entre os países do bloco.

José Carlos Cavalcanti de Araújo Filho é formado em administração (UFPE) e pós-graduado em Relações Internacionais (UnB). Atualmente é Coordenador-geral de Comércio Exterior do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

Quem são os maiores exportadores de serviços?

A figura 1 mostra os 30 países que mais exportaram serviços em 2016. Com exportações de US$ 752 bilhões, os Estados Unidos lideraram de longe a fila. Quatro itens responderam por 75% das exportações de serviços americanas: royalties e licenças de propriedade intelectual, serviços financeiros, serviços profissionais e viagens.

Em segundo lugar, e bem atrás em termos de valor, vem o Reino Unido, seguido por Alemanha e França. A China, maior exportador de bens do mundo, ocupava a quinta posição, com US$ 208 bilhões, portanto, uma fração das exportações americanas.

A figura 2 mostra os 30 países que mais importaram serviços em 2016. Os Estados Unidos também ocupavam a primeira colocação, com importações de US$ 504 bilhões. Em seguida veio a China, com US$ 452 bilhões, seguida por Alemanha, França e Reino Unido.

As figuras 1 e 2 sugerem que comércio de serviços é uma característica de países avançados. De fato, a grande maioria dos grandes exportadores e importadores são países com renda per capita elevada. Tal como temos discutido neste blog, essa característica reflete, ao menos em parte, as transformações por que passam os bens e a forma como estão sendo produzidos, as mudanças nas preferências dos consumidores em favor de bens com cada vez mais serviços “embarcados”, e também mudanças na natureza das cadeias globais de valor.

Enquanto os Estados Unidos tiveram um multibilionário déficit comercial de bens, a conta de serviços teve um multibilionário superávit de US$ 248 bilhões. Porém, como a taxa de crescimento do comércio de serviços tem sido bem maior que a do comércio de bens, tudo o mais constante, os serviços deverão financiar parcela crescente do déficit de bens. Considerando, ainda, a nova orientação protecionista da política comercial do país, a conta agregada de comércio poderá, eventualmente, passar para o azul num futuro não muito distante.

Já a China teve déficit na conta de serviços de US$ 244 bilhões, enquanto teve um multibilionário superávit no comércio de bens. Observa-se, portanto, uma curiosa assimetria nos números de Estados Unidos e China, que reflete, ao menos em parte, a natureza atual das duas economias e da sua inserção internacional.

A China, através do Ministério do Comércio, está implementando um ambicioso plano para que o país se torne grande produtor e exportador de serviços. Programas-piloto estão em curso em 15 cidades e o foco está em serviços de alto valor adicionado.

À exceção do Reino Unido, que também teve um elevado superávit de US$ 125 bilhões, muitos dos países avançados operam com pequenos déficits ou superávits da conta de serviços, o que sugere haver uma política ativa de monitoramento e controle desta conta.

A condição de já ser grande exportador de serviços e de ter o maior potencial exportador de serviços digitais e de e-commerce do mundo ajuda a explicar a prioridade dos Estados Unidos para a agenda de serviços em fóruns e em negociações internacionais.

Os gráficos indicam que a Índia é um caso excepcional de país emergente que apostou no setor de serviços como instrumento de política econômica. Como sabemos, o setor de serviços de TI, sobretudo softwares, bem como serviços de outsourcing, como telemarketing, contabilidade, recursos humanos, controle de estoques, dentre outros (são os chamados back office support services), são cada vez mais dinâmicos e ativos. O superávit do comércio de serviços vem crescendo rapidamente e, em 2016, foi de nada menos que US$ 70 bilhões.

Já o Brasil exportou US$ 33 bilhões e importou US$ 64 bilhões em serviços em 2016. O país é um grande importador de serviços e opera recorrentemente com um dos maiores déficits globais neste setor, o que reflete a baixa competitividade da atividade no país. Evidências empíricas já discutidas no blog mostram que o Brasil tem uma elevada elasticidade das importações de serviços em face do crescimento do PIB, o que revela alta dependência de serviços importados. Os números do balanço de pagamentos  mostram que o déficit da conta de serviços é uma das maiores fontes de pressão nas contas correntes. Esta equação não para de pé no médio prazo.

Boletim de Serviços – Novembro de 2017

O Boletim de Serviços de novembro de 2017 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços registrou queda de 2,7% em setembro na comparação anual, com destaque positivo para os serviços tradicionais (10,0%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses seguiu alta, em 5,7% em outubro, consideravelmente acima do IPCA geral (2,7%).
  • O setor de serviços seguiu apresentando resultado positivo na geração líquida de emprego, tendo criado 47,2 mil novas vagas em outubro, com destaque para os serviços de custo (44,4 mil vagas criadas).
  • A balança de serviços seguiu apresentando déficit no mês de outubro, de US$ 2,7 bi.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

O Novo Trans-Pacific Partnership (TPP)

Após anos de negociações, o TPP experimentou dramático colapso com a saída dos Estados Unidos do acordo logo após a posse do Presidente Trump. Mas como Fênix, o mais ambicioso acordo de comércio jamais negociado está renascendo das cinzas e deverá ser finalizado nos próximos meses. Agora, como CPTPP (Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership). O acordo também tem sido chamado de TPP 11 em razão de seus 11, e não mais 12 membros originais.

O TPP 11 representa 15% da economia global e inclui economias importantes como Japão, Canadá, Austrália e México. Outros países já indicaram interesse de se juntar ao grupo, como Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia, Indonésia e Filipinas. Estimativas do PIIE indicam que, com a entrada desses países, haverá ganho anual de comércio de US$ 500 bilhões, valor até maior que o esperado com os países do acordo original. Isto aconteceria em razão da criação de novas cadeias de valor na Ásia associadas a Japão, Coreia do Sul e Taiwan, que ainda não têm acordos de livre comércio entre si e outros membros.

Sob a liderança do Japão, oficiais dos governos envolvidos no acordo original, à exceção dos americanos, negociaram um texto-base. O texto, ainda não divulgado para o público, não está fechado, mas os “core elements” já teriam sido definidos, quais sejam, remover apenas temporariamente pontos polêmicos com o compromisso de seu eventual restabelecimento mais para frente e manter quase intacto o acordo original.

Ainda que haja reservas a muitos pontos que teriam sido duramente defendidos pelos Estados Unidos na TPP, notadamente nas áreas de propriedade intelectual, serviços e economia digital, a principal razão das alterações minimalistas seria a de criar as condições para atrair aquele país de volta para o acordo.

Em razão da ampla e inconteste competitividade das empresas americanas nas áreas de serviços e economia digital, há consenso entre analistas e diplomatas de que o retorno dos Estados Unidos ao acordo seja apenas questão de tempo.

Do texto original de 622 páginas (fora anexos), o atual teria 584 páginas. Dos 29 capítulos, 17 tiveram nenhuma ou quase nenhuma mudança. Os demais tiveram apenas alterações pequenas, à exceção do capítulo de propriedade intelectual. Os compromissos originais de desgravação e acesso a mercados de bens e serviços, listas negativas, investimentos, movimento temporário de pessoas de negócios, compras públicas e empresas públicas, por exemplo, foram todos mantidos. Capítulos cruciais como os de comércio eletrônico, economia digital, serviços em geral, serviços financeiros, coerência regulatória, regras de origem, barreiras técnicas ao comércio, competição e temas sanitários e fitossanitários foram mantidos praticamente na sua totalidade.  Em serviços, manteve-se até mesmo o controverso requerimento de limitação de presença local; em economia digital, manteve-se até o não requerimento de se sediar dados do país no próprio país, a despeito das já reconhecidas potenciais consequências para segurança e privacidade.

Ainda que minimalistas, houve mudanças que merecem destaque, incluindo as que seguem.

  • Encomendas expressas – preservou-se espaço de competição para empresas públicas de serviços postais.
  • Mecanismo de disputa Estado-investidor – aumentaram-se os espaços para governos promoverem alterações legais e regulatórias de interesse público.
  • Investimentos – removeram-se da cobertura do acordo os chamados acordos de investimentos e autorização de investimentos, modalidades tipicamente associadas a investimentos nos setores de óleo, mineração e outras commodities.
  • Propriedade intelectual – este foi o capítulo que passou por maiores alterações. Foram removidas ou alteradas provisões de proteção a patentes biológicas (o lobby farmacêutico americano teria sido o principal responsável pela rejeição do TPP pelo Presidente Trump), testes de dados de patentes, novos meios de proteção a tecnologias da informação, incluindo medidas de proteção tecnológica (TPMs), direitos de informação, sinais criptografados de TV a cabo e satélite e portos seguros para provedores de serviços de internet, e reduziu-se o período de copyrights de 70 para 50 anos.

Ao promover a convergência regulatória em serviços e em economia digital e remover barreiras para o comércio de serviços e de dados, o CPTPP será o primeiro acordo de comércio a favorecer o livre trânsito de dados entre fronteiras.

Embora possa haver benefícios imediatos com a ampla liberalização daqueles setores, é preciso levar em conta que serviços e economia digital se tornarão  a mais importante fronteira de crescimento econômico e de geração de empregos e a face mais fundamental das relações econômicas entre países no século XXI. É a globalização 2.0, com amplas repercussões para o crescimento de países emergentes e para as perspectivas deles superarem a armadilha da renda média.

É preciso também levar em conta as assimetrias e as muitas repercussões dos efeito-rede e plataforma e as consequências da crescente consolidação de mercados em torno de algumas poucas grandes e poderosas empresas dos setores de serviços e economia digital, as superestrelas. A questão, portanto, é menos a de se e mais a de como se engajar nessas liberalizações.

Dada a abrangência de escopo das disciplinas envolvidas, a CPTPP deverá inspirar outros acordos. Na verdade, o acordo já é visto como um benchmark para futuras negociações comerciais e elementos do acordo Mercosul-EU, por exemplo, já se inspiram no TPP.

Novas rodadas de negociações acontecerão nas próximas semanas para remover obstáculos ainda remanescentes e detalhar procedimentos associados aos próximos passos. Há um acordo de assinatura do documento já no primeiro trimestre de 2018. O CPTPP entrará em funcionamento após a ratificação por pelo menos seis países. Espera-se que até o final de 2018 o acordo já esteja operacional.

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