Economia de Serviços

um espaço para debate

Month: julho 2018

O milagre das microfinanças

Neste post, argumento que precisamos de mais avaliações de impacto de políticas (serviços) públicas no Brasil, porque a teoria econômica sugere que muitas políticas não são tão efetivas como muitos pensam.

O milagre das microfinanças? Para ilustrar meu argumento, considere o prêmio Nobel da Paz concedido a Muhammad Yunus, em 2006, por ter criado um banco (chamado Grameen Bank) que faz empréstimos para pessoas de baixa renda, em particular para mulheres, que não são capazes de obter empréstimo num banco convencional. No seu livro O Banqueiro dos Pobres(1999), Yunus conta como estes pequenos empréstimos transformaram a vida de algumas mulheres. Fátima, por exemplo, comprou uma galinha e passou a vender ovos. Com a receita, ela comprou mais uma galinha, e mais uma, e mais uma… e, assim, aos poucos, ela saiu da pobreza. Governos, organizações nacionais e internacionais abraçaram a ideia do microcrédito (ou microfinanças) e gastaram bilhões de dólares para criar bancos do tipo Grameen no mundo inteiro. A cúpula do movimento foi o prêmio Nobel para Yunus em 2006.

Logo depois, pesquisadores do MIT, Yale e de outras universidades renomadas queriam saber se microcrédito realmente seria o remédio mágico contra a pobreza. Eles fizeram um experimento com milhares de pessoas em vários países. Como na medicina, onde médicos avaliam a efetividade de um medicamento comparando um grupo de tratamento (que recebeu o medicamento) com um grupo de controle (que recebeu um placebo), os pesquisadores fizeram uma loteria para alocar pessoas de baixa renda em um grupo que iria receber microcrédito e outro grupo que não iria receber. Depois seguiram os dois grupos durante alguns anos, medindo renda, consumo, saúde e outros indicadores de bem estar.

Em 2015, eles publicaram os resultados do experimento em uma revista acadêmica renomada (referência no fim deste post). O grupo que recebeu o microcrédito alcançou níveis de bem estar maiores que o grupo que não recebeu, mas a diferença era muito pequena. Ou seja, não houve evidência de que o microcrédito proporcionou às pessoas a possibilidade de sair da pobreza. Daqui a pouco falarei sobre possíveis razões para isso.

Lição #1, cuidado com a “falácia da composição”. Por que governos e organizações nacionais e internacionais gastaram bilhões em uma política que aparentemente só tem impactos pequenos? A primeira razão, na minha opinião, é que muitos se deixaram convencer pelos casos de sucesso relatados por Muhammad Yunus (como Fátima, nossa vendedora de ovos). Mas o experimento sugere que estes casos são exceções, e não a regra. É um caso do que é conhecido como “falácia da composição”, o erro de assumir que o que é verdade para uma parte do conjunto é verdade para o conjunto todo. No nosso caso, o erro é assumir que o sucesso de Fátima se aplica a todos os outros tomadores de microcrédito.

Lição #2, cuidado com os efeitos colaterais. Existe uma lenda onde um rei, incomodado com a quantidade de ratos no seu reino, queria acabar com eles. Assim, o rei prometeu aos cidadãos uma moeda para cada cabeça de rato que lhe trouxessem. O rei tinha certeza de que sua política daria um fim nos ratos. O que você acha que aconteceu? Continue lendo para saber (provavelmente você já adivinhou!).

O microcrédito tem um apelo intuitivo: você dá dinheiro a uma pessoa de baixa renda, ela o investe com um retorno e, assim, gradualmente, sai da pobreza. Infelizmente a realidade não é tão simples. Muitas vezes, políticas têm efeitos colaterais que são difíceis de anteciparmos.

Uma das razões porque talvez microcrédito não seja tão efetivo é o que os economistas chamam de “efeito de equilíbrio geral”: se, de repente, metade do vilarejo toma um microcrédito para vender ovos, a lei da demanda e da oferta diz que o preço do ovo deve cair, porque a oferta de ovos (ao preço vigente) será maior do que a demanda. Assim, os vendedores serão obrigados a baixar o preço para conseguirem vender os seus ovos. No fim, é possível que eles tenham prejuízo ao invés de lucro, uma vez que o preço que irão obter pelos ovos não compensa os custos de manter suas galinhas.

Vou dar dois outros exemplos de políticas que você provavelmente conhece: Muitas pessoas não têm dúvida de que o programa Bolsa Família (PBF) ajuda seus beneficiários. Se alguém me der dinheiro, e eu não preciso repagar este dinheiro, como no caso no PBF, é um tanto óbvio que isso me ajudará, certo? Tudo bem, mas pergunte a beneficiários no interior do Amazonas (ou em outros lugares isolados) o que aconteceu no supermercado local quando o PBF chegou. É provável eles respondam que os preços subiram (ou seja, que o PBF causou inflação) e que, por isso, eles não podem comprar muito mais do que podiam antes. Pelo menos isso é o que a lei da demanda e da oferta prevê: um aumento na demanda (por causa do PBF, neste caso) em lugares onde é caro aumentar a oferta (por exemplo porque o lugar é isolado) provocará inflação. Intuição: suponha que os beneficiários demandem mais carne, e que o número de vacas do açougueiro local é insuficiente para satisfazer este aumento súbito na demanda, e que o açougueiro então irá até a próxima cidade (que é longe) para procurar carne. De volta na loja dele, ele irá demandar um preço maior pela carne para compensar o custo de transporte.

Ou considere o caso do Farmácia Popular (FP), o programa que distribui medicamentos basicamente de graça. Não há dúvida de que o FP melhora a saúde dos brasileiros, certo? Mais uma vez, a teoria econômica é mais cética. Por exemplo, se você tem diabetes e regularmente compra sua insulina, e de repente o governo dá o medicamento de graça, você então terá dinheiro sobrando no seu bolso no fim do dia (o dinheiro que antes você usava para comprar insulina). O economista chama isso de “efeito riqueza”, pois o programa te tornou mais rico. O que você irá fazer com este dinheiro? Talvez comprar doces, um gordo hambúrguer, ou outras coisas que prejudicam a sua saúde.

Conclusão. Os exemplos do Bolsa Família e do Farmácia Popular são apenas teorias. Não quer dizer que eles se aplicam ou dominam na realidade. Mas nós nunca saberemos até avaliarmos estes e outros programas brasileiros no mesmo estilo de experimento do microcrédito. É possível que, neste minuto, o governo esteja gastando bilhões (dos seus impostos) em políticas que não funcionam.

Isso precisa mudar.

PS: no reino dos ratos, após o rei prometer uma moeda para cada cabeça de rato, os cidadãos começaram a criar mais ratos.

Referências: Banerjee, Abhijit, Dean Karlan, and Jonathan Zinman. 2015. “Six Randomized Evaluations of Microcredit: Introduction and Further Steps.” American Economic Journal: Applied Economics, 7 (1): 1-21

Michael Christian Lehmann é professor adjunto na Universidade de Brasilia (Departamento de Economia). Suas áreas de pesquisa são avaliação de políticas públicas e economia do setor público. Possui doutorado em Economia pela Paris School of Economics (França).

Indústria de Transformação, Serviços e Qualidade do Emprego

Carlos Alberto Ramos [1]

 

Existe certo consenso sobre a existência da tendência de crescente desigualdade nos últimos 40 anos nos países centrais. As pesquisas empíricas identificaram diversas raízes na explicação desse fenômeno, causas que vão desde o impacto das novas tecnologias no perfil de demanda de mão-de-obra (Goldin, C.; Katz (2008), Acemoglu (2002)), passam pela introdução de robôs na indústria manufatureira e seu impacto no emprego e salários (Acemoglu; Restrepo (2017), Acemoglu (2017)) e chegam interpretações mais heterodoxas como a de Piketty (2013).

Esse aumento na dispersão dos rendimentos se observou em paralelo a uma alteração nas dinâmicas setoriais de emprego. O estoque de assalariados na Indústria de Transformação registra tendência de queda e é crescente a importância do emprego nos serviços. Esse deslocamento setorial seria mais acentuado em países que seriam pioneiros (talvez por esse vanguardismo) no processo de industrialização. Na Alemanha, a quantidade de assalariados na Indústria de Transformação (IT) representava em torno de 40% do emprego total em 1970, ano que podemos identificar como sendo o ápice do estilo de desenvolvimento pós-segunda guerra mundial. Um quarto de século depois o percentual apenas ultrapassa os 20%. Na Inglaterra, a “desindustrialização” do emprego também é particularmente acentuada (35% e 16%, respectivamente), tendência similar nos EUA (27% e 12%, respectivamente). [2]

A perda de relevância da Indústria de Transformação na geração de empregos ao se verificar em paralelo com uma crescente desigualdade abre espaço para uma reação quase intuitiva: estaria na “desindustrialização” do emprego a raiz última do aumento da polarização no mercado de trabalho?

Diversos são os argumentos que poderiam ser esgrimidos para ancorar essa relação de causalidade. Vamos citar alguns deles, mencionando suas fragilidades.

O mais usual faz uma associação direta entre emprego industrial e emprego de “qualidade”. Contrariamente, o setor serviços se caracterizaria pela “precariedade” dos vínculos. Deixando de lado, de forma momentânea, a necessidade de qualificação desses adjetivos (“qualidade”, “precariedade”, etc.), as séries não parecem indicar um nexo direto entre a redução das desigualdades no período que vai dos anos 40 ao 70 do século passado com uma crescente importância do emprego na Indústria de Transformação. Observemos dois aspectos. Em nenhum momento da história o emprego na IT foi majoritário. Tomemos o caso dos EUA. Desde um máximo de quase 40% a começos do século passado se inicia uma continua queda até 27,3% no ano de 1970. [3] Ou seja, o período considerado dourado em termos de crescimento e desconcentração de renda (entre a segunda guerra mundial e meados dos anos 70), a IT apresenta uma contínua queda na sua relevância como geradora de postos de trabalho. Na Inglaterra, o percentual de ocupados na IT atinge máximos de em torno de 40% em meados de século passado, sendo o emprego nos serviços sempre superior. Entre 1960 e 1970 se inicia uma queda (em termos absolutos) do número de empregados na IT e essa redução não redundou em alterações do Gini, que se manteve em torno de 0,26. [4]  Ou seja, associar a desindustrialização do emprego à precarização dos postos de trabalho e, imediatamente, fazer um nexo com as crescentes desigualdades dos últimos 40 anos ou ao “wageless growth” merece certo cuidado.

Uma segunda linha interpretativa diz respeito à queda no poder de barganha dos assalariados quando transitamos de empregos industriais a postos de trabalho nos serviços. O emprego na IT nuclearia grandes unidades de produção com significativos contingentes de trabalhadores, o que viabilizaria a união dessa mão-de-obra em sindicatos com elevado poder de negociação. Contrariamente, nos serviços prevaleceriam pequenas e dispersas unidades de produção que ocupariam reduzidos estoques de empregados. Essa característica tornaria o poder de barganha dos sindicatos menor e até mesmo dificultaria a sua proporia existência. Acompanhando essa matriz interpretativa, a desindustrialização do emprego teria como contrapartida uma queda na capacidade de negociar salários e, nesse sentido, a trajetória na composição setorial do emprego das últimas décadas teria contribuído para o crescimento das desigualdades. Neste caso, os dados parecem ancorar este diagnóstico. A densidade sindical (percentual de assalariados afiliados a um sindicato) vem caindo desde os anos 70 do século passado e a abrangência das negociações coletivas também registra tendência de queda. [5] Fica em aberto determinar a importância do ganho de participação dos serviços na geração de emprego na redução do grau de sindicalização. Lembremos que a elevação do desemprego, a concorrência internacional, etc. são outras tantas variáveis que podem estar contribuindo a essa nova configuração de barganha.

A essa considerações teóricas e empíricas podemos contrapor diversas outras. Vamos mencionar algumas delas.

Essa segmentação industria/serviços seria maniqueísta. A articulação entre a IT e os serviços seria evidente na crescente participação destes últimos no valor agregado da primeira, chegando a mais de 25% (IMF (2018)). Essa ““servicification of manufacturing” não permitiria seccionar um binômio “bons postos de trabalho”/IT versus “vagas precárias”/serviços.

A segunda observação diz respeito à necessidade de definir com algum grau de objetividade o conceito de “bom posto de trabalho” e “emprego precário”. As variáveis usualmente utilizadas para tipificar a qualidade de um posto de trabalho são: condições de trabalho, satisfação com as tarefas realizadas, monotonia, estabilidade, autonomia, salários indiretos, insalubridade, flexibilidade no tempo de trabalho, etc. [6] As pesquisas indicam que uma segmentação entre bons empregos no setor industrial e empregos precários no setor de serviços não pode ser taxativa. Se a rotatividade, o emprego temporário e a tempo parcial são mais usuais no setor de serviços, simultaneamente programas de treinamento são mais freqüentes e as condições de trabalho mais favoráveis aos assalariados. Por outra parte, controladas as características pessoais, os salários são próximos. [7]  Esta proximidade se observa tanto nos países centrais (OCDE (2001), IMF (2018)) como no Brasil (Alvarez (2017)).

Por último, merece reflexão um usual mecanicismo histórico que associa o processo de desenvolvimento, de longo prazo, com uma transição setorial do emprego. Assim, as etapas que as sociedades teriam percorrido seriam a transição de um período no qual a agricultura seria o setor dominante para uma sociedade urbana-industrial e, posteriormente, se constataria o ingresso a um pós-modernismo no qual os empregos e as atividades nos serviços seriam hegemônicos. A primeira transição teria possibilitado ganhos de produtividade elevados, empregos “clássicos” (assalariado industrial com contratos por tempo indeterminado e sindicalizados) e uma redução da dispersão dos rendimentos. A terceira etapa, na qual os serviços seriam hegemônicos, a “precariedade” das vagas geradas estaria comprometendo os ganhos em termos de igualdade e mesmo não estariam alheios às raízes da diagnosticada “estagnação secular” (Gordon (2017)). Existem contribuições teóricas sugerindo que essa caracterização mecanicista do processo de desenvolvimento pode ter sido reducionista em excesso, podendo ser vislumbradas experiências nas quais sociedades agrícolas abertas ao comercio mundial abriram espaço para um setor de serviços que, posteriormente, alavancou a industrialização (Thomé; Galiani; Heymann; Dabús (2008)).

Dos argumentos apresentados nos parágrafos anteriores podemos concluir que seria prematuro atribuir à IT uma superioridade qualitativa na oferta de emprego. Concentrar nesse setor os “bons postos de trabalho” e identificar os serviços com a “precarização das ocupações” constitui uma simplificação que não ajuda a avançar a fronteira do conhecimento na área. Existem complementações entre a IT e os serviços, sendo questionável o realismo de segmentos com reduzidos vasos comunicantes. As exportações mundiais apresentam uma crescente participação dos serviços (IMF (2018)). A caricatura de uma IT “tradable”, capaz de gerar ganhos de produtividade via mercados mundiais e possibilitando a oferta de empregos de qualidade versus um setor de serviços reduzido a satisfazer o mercado interno, com escassos ganhos de produtividade e pressões de salários (como o Modelo de Baumol predizia) merece ser repensado. Talvez seja necessário redefinir a categorização setorial, uma vez que hoje são classificadas como serviços desde atividades como finanças e business até serviços de restaurantes e hotéis. Dada essa diversidade, uma média pode deixar de ter a representatividade desejada.

Como balanço podemos concluir sobre a conveniência de superar estereótipos e direcionar os esforços a pesquisas teóricas e empíricas nessa área.

Bibliografia Citada

Acemoglu, D., “Technical Change, Inequality, and the Labor Market” Journal of Economic Literature. v.40. p,70-72. 2002.

——————-, “Automation and the Future of Jobs” Technology and Academic Policy. June, 2017. (Disponível em: https://bit.ly/2uxXAi8; consultado em Julio de 2018).

——————-; Restrepo, P. “Robots and Jobs: Evidence from US Labor Markets” NBER. Working Paper No. 23285. March 2017. (Disponível em: http://www.nber.org/papers/w23285; consultado em Julio de 2018).

Alvarez, J., “Structural Transformation and the Agricultural Wage Gap” IMF Working Paper 17/289. 2017.

Goldin, C.; Katz, L.F., The Race between Education and Technology. Massachuttes (USA):Belknap Press. 2008.

Gordon, R.J., The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War. New Jersey:Princeton University Press. 2017.

IMF, World Economic Outlook. Chapter 3. 2018.

Lebergott, S., Labor Force and Employment, 1800–1960, in Brady, D.S., (Ed.) Output, Employment, and Productivity in the United States after 1800. NBER. 1966. (Disponível em: http://www.nber.org/chapters/c1567.pdf; Consultado em Julio de 2018).

OCDE, Employment Outlook 2014. Paris:OCDE. 2014.

——–, Employment Outlook 2001. Chapter 3 (The Characteristics and Quality of Service Sector Jobs). Paris: OCDE. 2001.

Piketty, T., Le Capital au XXIe Siècle. Paris:Editions du Seuil. 2013.

Thomé, F.; Galiani, S.; Heymann, D.; Dabús, C., “On the emergence of public education in land-rich economies” Journal of Development Economics. v.86. p.434-46. 2008.

  1. Fonte: US. Department of Labor, Bureau of Labor Statistics. Essa desindustrialização do emprego é uma tendência mundial. As exceções estão situadas quase todas em Ásia (China, Tailândia, Indonésia, etc.). Ver IMF (2018).
  2. Ver https://www.census.gov/prod/99pubs/99statab/sec31.pdf (Consultado em Julho de 2018).
  3.  Fonte: IFS (Institute for Fiscal Studies), UK.
  4.  Ver OCDE (2014). Logicamente, que esta tendência à “desindiscalização” tem nuances segundo cada país.
  5.  Ver OCDE (2001).
  6.  Essa proximidade depende muito do sub-setor nos serviços, sugerindo uma pronunciada heterogeneidade.
Professor do Departamento de Economia, UnB. Graduação Universidad de Buenos Aires, Mestrado na Universidade de Brasília, doutorado na Université Paris-Nord.

 

O setor de serviços tem papel diferenciado na redução da desigualdade de gênero?

A igualdade de gênero é, sem dúvida, um tema que ganhou espaço no debate de comércio internacional. O empoderamento feminino foi objeto de Declaração Ministerial Conjunta na 11ª Conferência Ministerial da OMC realizada em 2017 na Argentina, além de ser o Objetivo #5 da Agenda para Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, negociada em 2015. Ademais, iniciativas relacionadas à importância da participação das mulheres no comércio ganham força, como o #SheTrades do International Trade Center e a rede de GenderChampions das Nações Unidas. Alguns países, como o Canadá, já tomaram a decisão de incluir a questão de maneira horizontal em todos os seus acordos de comércio. No Brasil, o tema também ganhou força e espaços para discussão, como no blog WomenInsideTrade, por exemplo.

O setor de serviços aparece de maneira recorrente nessas discussões como um setor Gender Champion. O argumento é de que, além de ser um setor chave para o desenvolvimento econômico, o setor de serviços é responsável por uma alta parcela do emprego feminino, de maneira que o seu desenvolvimento poderia ter um importante papel na redução da desigualdade de gênero, tanto no comércio internacional, quanto no emprego da força de trabalho doméstica.

De fato, estatísticas indicam alto nível de emprego feminino no setor de serviços, que corresponde a quase 50% do emprego feminino global total[1]. Em economias avançadas, a porcentagem de mulheres trabalhando no setor de serviços chega a 85%. Em países em desenvolvimento, apesar de a maior parte das mulheres estarem empregadas no setor agrícola, a parcela de mulheres que trabalha no setor de serviços aumentou 7,6% entre 1992 e 2012, e tem tendência crescente[2].

Contudo, um olhar mais detalhado sobre esses dados mostra que as mulheres parecem ter uma participação concentrada em determinados subsetores, quando comparadas com os homens. A Figura 1 mostra que os setores “predominantemente femininos” são atacado e varejo, hotéis e restaurantes, educação, saúde e trabalho social. Esses subsetores são, usualmente, caracterizados por pagamentos baixos e arranjos informais de trabalho. A força de trabalho masculina, por outro lado, está mais concentrada em serviços relacionados às atividades de manufatura, construção, agricultura e transportes e comunicações, subsetores usualmente responsáveis pela maior geração de valor agregado e, consequentemente, maiores salários.

Figura 1 – Diferenças na média das participações em subsetores, por sexo (Masculino – Feminino)

Últimos dados disponíveis: 2000

Fonte: The Gender Dimension of Services.

 

Dessa forma, apesar de o setor de serviços de fato empregar mais mulheres que o setor industrial, os dados sugerem que o setor tende a perpetuar a desigualdade de gênero, no sentido de que a força de trabalho feminina está empregada majoritariamente em subsetores de menores salários, menor geração de valor agregado e arranjos de trabalho informais, enquanto os subsetores de alta geração de valor agregado e salários maiores continuam com força de trabalho majoritariamente masculina.

A maneira correta de combater a desigualdade de gênero reside no combate aos motivos que levam as mulheres a atuarem, tanto no setor industrial quanto no setor de serviços, em trabalhos com menor remuneração e menor geração de valor agregado.

Tomemos como exemplo a chegada iminente da Revolução Industrial 4.0. Como se sabe, a Revolução Industrial 4.0 é marcada pela automação da indústria, processos influenciados por inteligência artificial, internet das coisas e intenso fluxo de dados. É, portanto, válido afirmar que carreiras promissoras para o futuro estão relacionadas a tecnologia da informação e comunicação, ciência da computação e engenharia. Um combate eficaz à redução da desigualdade de gênero seria proporcionar a igualdade de participação feminina e masculina desde a formação, para que o resultado se configure no momento de emprego da força de trabalho.

Infelizmente, estatísticas sugerem o contrário. As figuras 2, 3 e 4 apresentam dados de obtenção de diploma em carreiras de humanas e artes (2), tecnologia da informação e comunicação (3) e engenharia, manufatura e construção (4).

Os dados mostram que no Brasil e nos países da OCDE, mais de 80% dos diplomas na área de tecnologia da informação e comunicação são concedidos a homens. Na área de engenharia, manufatura e construção, o valor é similar, atingindo 70%. Os diplomas concedidos às mulheres se concentram, sobretudo, na área de humanas e artes, em que aproximadamente 70% dos diplomas nos países da OCDE, e 60% no Brasil, são concedidos a pessoas do sexo feminino.

Figura 2. Diplomas concedidos a homens e mulheres em carreiras de humanas e artes, 2015

 

Figura 3.  Diplomas concedidos a homens e mulheres em carreiras de tecnologia da informação e comunicação, 2015

Figura 4. Diplomas concedidos a homens e mulheres em carreiras de engenharia, manufatura e construção, 2015

 

Fonte: OCDE

 

Iniciativas que trazem a questão da desigualdade de gênero para o centro do debate são importantes e merecem reconhecimento. É digno de destaque esse importante momento em que a igualdade de gênero tem a atenção dos países, de organismos internacionais e da mídia. É necessário, contudo, olhar a questão com uma lente ajustada para identificar os fatores que levam à desigualdade. Buscar incentivar setores, subsetores ou áreas do comércio que possuem maior participação feminina, sem o devido trabalho de avaliação, pode apenas perpetuar a desigualdade de gênero, sendo ineficaz ou tendo o efeito inverso do esperado.

[1] ILO. Global Employment Trends 2014. Geneva: International Labour Organization, 2014.

[2] ILO. Global Employment Trends for Women 2012. Geneva: International Labour Organization, 2012

20 anos do Google: Como a empresa evoluiu seguindo métodos e princípios não tradicionais

Em 2018, o Google completa 20 anos de sua fundação nos Estados Unidos. Desde 1998, a empresa é ao mesmo tempo produto e propulsora da globalização, pelo grande espectro de serviços fornecidos e pela explosão do número de dados on-line reproduzidos e disponibilizados. Já não é mais aceitável a concepção de um mundo sem o acesso livre e imediato à informação como o de décadas atrás.

É notável a importância da economia digital e dos serviços para o desenvolvimento econômico, e da adaptação às tendências. Muitas sociedades e organizações diversas buscam grandes resultados, e para isso desejam uma inserção mais ativa no mundo digital, para isso, tendem a abandonar práticas que possam ser disfuncionais no século da Internet.

Comumente sociedades discutem sobre a criação e replicação de “Vales do Silício”, regiões que concentrariam uma proliferação de inovações, de startups, e de empresas visionárias. O que também merece atenção são fatores como a cultura, a filosofia, e os novos modos de operação e de organização das empresas que despontaram como grandes plataformas. O Google é uma dessas plataformas, e alguns dos seus princípios e métodos foram descritos na obra “How Google Works” (2016) de Schmidt, Rosenberg e Eagle. Muitos desses princípios e métodos são compartilhados por outras grandes empresas do ramo, salvo algumas exceções (como a plataforma aberta).

A autonomia de pensamento é um princípio indispensável para o processo de criação e colaboração, e está desde o início no Google. É uma influência da raiz no mundo acadêmico da empresa, ao ser criada por Larry Page e Sergey Brin, cientistas da computação na Universidade de Stanford, com o suporte posterior de engenheiros e profissionais criativos. Na empresa, a discordância não é só estimulada, como é necessária, o que dá maior liberdade de opinião nas reuniões e encontros. E a qualidade da ideia é muito mais importante do que quem a sugere. Inclusive, há momentos em que, para o bem da empresa, a opinião da pessoa que recebe mais (tratadas de “Hippos”: Highest-Paid Person Opinions) não deve ser ouvida (!). Isso pode afetar o processo de criação na empresa, e o surgimento de novas ideias na equipe. Além disso, é muito valorizado na empresa a diversidade de origens dos talentos contratados, o que fornece vários pontos de vista e pensamentos.

Organizações de estrutura excessivamente hierárquica inibem a colaboração ativa e o questionamento. Tais estruturas supostamente promovem maior estabilidade, e os processos de tomada de decisão estão concentrados. No entanto, a competição com organizações de sucesso que estão mais adaptadas ao século das tecnologias da informação e comunicação pode tonar mais evidente a falta de progresso das empresas tradicionais. Ainda que seja necessária uma estrutura organizacional formal, arranjos mais planos permitem o acesso mais direto aos tomadores de decisões finais e fornecem maior celeridade na realização de projetos.

A própria organização do local de trabalho no Google é realizada de forma a valorizar a autonomia e a liberdade dos trabalhadores (o filme de comédia “The Internship”, de 2013, ajudou a difundir o ambiente pouco tradicional do Google ao público geral). Nesse ambiente, não necessariamente o reconhecimento está no tamanho da sala ou a vista mais bonita da janela. Os escritórios são projetados para maximizar a colaboração e a interação, evitando também a formação de “silos”, grupos que falham ao não se comunicarem livremente e efetivamente entre si.

O ambiente mais livre e que valoriza a autonomia de pensamento também é atrativo aos talentos denominados como “smart creatives”, trabalhadores multifuncionais e muito valorizados no mercado de trabalho. A contratação desses profissionais é uma das atividades mais importante dos executivos. E os líderes serão aqueles que demonstrarem maior paixão e desempenho (e não necessariamente experiência), sendo em torno deles/delas que serão formadas as equipes de trabalho. Nesse sentido, a recomendação é a de que os empreendedores invistam muito mais nas pessoas e na formação de equipes do que nos planos de trabalho. Os planos devem ser flexíveis e mudarão de acordo com o progresso e com as novas descobertas sobre produtos e tendências de mercado, e os talentos irão descobrir novos caminhos naturalmente.

No Google, assim como em outras plataformas digitais, a filosofia de trabalho defendida é a de foco no usuário e na excelência do produto. Para isso, a recomendação é apostar mais nos insights técnicos dos produtos e serviços do que necessariamente na receita. Supostamente, a receita acompanhará o ganho de mercado da excelência produzida. Como destacam Schmidt, Rosenberg e Eagle (2016), inicialmente os fundadores do Google não sabiam claramente como criar um modelo geral de receitas com adverstising, mesmo tendo uma ideia de um potencial. Larry Page e Sergey Brin passaram mais tempo no aumento de escala da plataforma. Mais tarde, a chegada de profissionais de conhecimento dos negócios ajudou no marketing e na captação de recursos.

Os insights técnicos promovem uma solução inovadora para algum problema, e são sobre eles que os produtos e plataformas são construídos. Exemplo disso é o mecanismo de anúncio e publicidade do Google que gera a maior parte da receita da empresa: o Google AdWords. O serviço foi baseado no insight de que os anúncios pudessem ser classificados e colocados em uma página com base em informações de valor e utilidade para os usuários, e não por quem ou qual empresa estivesse disposta a pagar mais (Schmidt; Rosenberg; Eagle, 2016).

O rápido crescimento da plataforma Google foi possível diante de outra importante decisão da empresa desde seus primeiros anos: deixá-la aberta aos usuários, o máximo possível. Após adquirir o sistema operacional Android em 2005, por exemplo, o Google optou por mantê-lo aberto, concedendo liberdade para usuários desenvolverem novos produtos, além de tê-lo disponibilizado para operadoras e fabricantes dos aparelhos. Tal decisão permitiu que a plataforma Google – e o acesso à Internet de modo geral – se expandisse ligeiramente pelos aparelhos móveis. Apesar disso, é claro que nem todo o sistema Google é aberto. A empresa mantém algoritmos relacionados ao mecanismo de pesquisa em segredo, sob a justificativa de manter a qualidade do serviço além da proteção da propriedade intelectual.

O Google inicialmente no final dos anos 1990 – com a concorrência da Netscape e da Microsoft – focou-se na qualidade de seu mecanismo de pesquisa, medindo-o em termos de velocidade, precisão, facilidade de uso, abrangência e atualização. Ao tornar-se principal referência na área no mundo, expandiu sua linha de atuação e de produtos. A empresa mais uma vez apostou mais nos insights técnicos e menos na pesquisa de mercado, buscando assim oferecer aos consumidores o que ainda não sabiam o que queriam (ponto também várias vezes destacado por Steve Jobs, apaixonado por excelência, e inspiração para os próprios fundadores do Google).

As atividades do Google foram e têm se expandido de tal forma que os seus fundadores realizaram em 2015 a maior restruturação da companhia ao criar a holding Alphabet. Dentre os objetivos estava o de tornar o Google mais enxuto e dedicado às atividades mais vinculadas aos serviços na Internet. Além, é claro, do Google, a Alphabet incorpora uma série de empresas e projetos: Fiber, serviço de Internet ultrarrápida; Verily, com pesquisas sobre saúde e prevenção de doenças; Sidewalk Labs, destinado a criar ambientes melhores nos centros urbanos; Calico, voltada à biotecnologia, e pesquisa sobre a longevidade; os braços de investimento CapitalG e GV; Jigsaw, que utiliza tecnologia para lidar com desafios de segurança global, como censura on-line, extremismo, ataques digitais; DeepMind, destinado à pesquisa sobre inteligência artificial; Waymo, para desenvolvimento de carros autônomos; Loon, voltada à provisão de acesso à Internet em áreas rurais e remotas; Project Wing, para desenvolvimento de drones para serviços de entrega; X, a fábrica de ambiciosos projetos de P&D; e Nest, voltada a produtos e dispositivos de automação residencial – “internet das coisas”, e incorporada pela equipe de hardware do Google. Esse “guarda-chuva” parece estar em constante mutação de acordo com o surgimento de novos projetos.

Apesar do sucesso, a dimensão de empresas como o Google merece muita atenção. Quanto maior o uso, maiores as plataformas, mais investimentos e recursos elas alavancam, e maior poder e concentração de mercado conseguem reter. Além disso, empresas de destaque como as citadas DeepMind e a Nest acabaram sendo adquiridas pelo próprio Google/Alphabet, o que o mantém numa posição muito privilegiada no mercado de inovação. Do ponto de vista da sociedade como um todo, essa concentração pode levar a questionamentos diversos, dentre eles a dificuldade de entrada de novos competidores e da livre concorrência.

Grande exemplo foi a decisão de autoridades antitruste da União Europeia em julho de 2018 de aplicar uma multa recorde de 4,34 bilhões de euros contra o Google por “utilizar o Android como um veículo para consolidar a posição dominante em seu motor de busca”, violando, assim, regras de livre concorrência, como o favorecimento de seus aplicativos. Além da grande parcela de mercado atingida, questiona-se a adoção de práticas abusivas pela empresa. A Comissão Europeia alega que o Google estaria obrigando operadoras e fabricantes a instalarem determinados aplicativos para ter acesso aos demais, além de incentivos financeiros, e impedimento para instalação de sistemas operacionais rivais por meio do Android. Outras investigações estão em andamento, como a do sistema de publicidade AdSense. O Google irá recorrer da decisão, e destaca os preços considerados acessíveis e a inovação rápida colaborativa dentro do ecossistema da plataforma.

Por fim, o século da Internet deve combinar a colaboração e a abertura, para que empreendedores tenham uma liberdade real de poder ascenderem nas redes com propostas inovadoras. Por outro lado, grandes plataformas digitais como o Google ditam os rumos da tecnologia e inovação, e possuem grande capacidade de se reinventarem. Por essas razões, possuem certo “poder de realizar previsões”. Logo, é extremamente importante acompanhá-las, e compreender sua forma de atuação – e suas mudanças, para que possamos conhecer um pouco do nosso futuro.

O Problema da Inflação de Serviços da Saúde no Brasil

A inflação no Brasil é um problema recorrente e o aumento dos preços relacionado a serviços da saúde tem chamado a atenção das famílias. Abaixo são apresentados alguns números que descrevem esta realidade.

Relativamente ao índice de preços geral, IPCA, a inflação dos serviços de saúde é muito acentuada a mais de uma década. Na tabela abaixo estes fatos são resumidos utilizando o IPCA do IBGE. Entre 1999 e 2018 o IPCA teve aumento acumulado de 214% frente a 314% de aumento no índice de preços de serviços de saúde. Quando se considera uma janela de 10 anos, 1998-2008, o IPCA subiu 83% e os serviços de saúde 139%. Por sua vez, no período de 5 anos o IPCA aumentou 39% enquanto que os preços dos serviços de saúde subiram 69%.

O que compõe a cesta de serviços de saúde são as despesas com médicos e dentistas, preços de hospitais e exames laboratoriais, bem como, os preços dos planos de saúde. Desta forma, o aumento dos preços dos serviços podem ser decompostos nestes três componentes. Após realizar investigação do comportamento destes componentes se observa que o o preço de planos de saúde é o que mais acelerou nos últimos 18 anos. Assim, a velocidade de crescimento dos preços dos planos de saúde aumenta as depesas das famílias com saúde. Resumidamente o aumento dos preços dos planos de saúde tem aproximadamente o dobro de aumento do IPCA.

Inflação acumulada IPCA, Serviços de Saúde em Geral e Planos de Saúde: Diversos Períodos

Inflação acumulada (%)

Período Serviços saúde Planos de saúde IPCA
1999-2018 314 396 214
2008-2018 139 155 83
2013-2018 69 82 39

Fonte: IPCA, IBGE.

Na Figura abaixo é apresentada a trajetória destes três índices de preços. Observe que a trajetória dos planos de saúde é a mais elevada e superior ao nível de preços dos serviços de saúde em geral. Outro ponto importante é que enquanto se observa desaceleração recente do IPCA, a inflação dos serviços de saúde continua crescendo na sua trajetória exponencial.

Quais os fatores estão por trás deste aumento exponencial dos preços dos planos de saúde? Dois fatores se destacam entre demais explicações. O primeiro é a mudança demográfica do Brasil e, o segundo, a ineficiência do sistema de saúde (público + privado). Estes dois fatores ou vetores são explicados abaixo.

Nível de Preços IPCA: Serviços de Saúde em Geral, Planos de Saúde e Índice do IPCA (jul 1999 = 100)

O Brasil vive uma grande mudança estrutural. Em 2020, quase 10% da população terá idade acima de 65 anos. Esse padrão é similar a países ricos que possuem grande capacidade e organização para prover serviços de saúde. Esta mudança demográfica tende a pressionar muito as despesas com serviços de saúde no futuro se não forem realizados novos investimentos. Este é o primeiro vetor que contribui para o aumento recente dos preços dos planos de saúde.

No Brasil os preços dos planos de saúde são parcialmente livres. A parte crucial da forma de reajuste aqui é a de que estes preços recuperam custos e tem pouco a ver com regulação voltada para a eficiência da infraestrutura. Isto é, quanto maior a despesa maior deve ser o preço cobrado pelo plano de saúde – vale mencionar que esta lógica é similar para a saúde pública. Isto implica que quanto maior o custo maior será o preço do plano de saúde privado (e também dos impostos pagos). Portanto existe forte vetor de ineficiência de custos no sistema de saúde privado.

O Brasil gasta cerca de 9% do PIB em despesas com saúde para infraestrutura de 2,3 leitos hospitalares por mil habitantes (em média). Esta relação é desproporcional quando se compara com a média dos países da OCDE, onde, em média, o dispêndio é de menos de 10% do PIB para infraestrutura de 4,9 leitos por mil habitantes. Isto mostra parte da grande ineficiência do serviço brasileiro de saúde, qual seja, infraestrutura muito menor gera gasto comparável a de economias desenvolvidas.

Deste modo, se o sistema de determinação de preços dos planos de saúde não forem revistos e não existirem novos investimentos para atender a demanda decorrente do envelhecimento populacional, devemos esperar ao menos a manutenção da taxa de crescimento dos preços dos planos de saúde.

 

Ser produtivo ou ser inovador?

A economia é um sistema de interconexões produtivas. Cada produto de um determinado setor econômico necessita de insumos de outros setores, e pode ele mesmo ser insumo. Existem, então, conexões “para frente e para trás”, o que demonstra a capacidade de cada setor em gerar demanda e gerar oferta. A ideia de que os setores estão conectados e simultaneamente demandam e ofertam bens e serviços gerou um razoável esforço dos economistas em buscar quais seriam aqueles setores nevrálgicos capazes de provocar mais efeitos dinâmicos no sistema produtivo.

Na tentativa de entender como as interconexões afetam a produção econômica, a importância relativa de cada setor na economia foi analisada a partir do estudo de coeficientes derivados da matriz insumo-produto. Os conceitos de backward linkage e forward linkage foram concebidos para interpretar como um dado setor se relaciona com o resto da economia, seja demandando insumos, seja viabilizando negócios – são os termos técnicos das conexões “para frente e para trás”.

A intuição do forward linkage não é tão óbvia quanto à do backward linkage. Um exemplo hipotético seria pensar que, para cada $ 1,00 de medicamentos produzidos seriam necessários $ 1,5 em insumos diretos e indiretos como energia e produtos químicos – esse é o backward linkage; no entanto, porquê foi produzido $ 1,00 de medicamentos, $ 2,00 em negócios puderam ocorrer, como novos tratamentos e novos exames. O backward linkage seria a capacidade de arrasto produtiva, enquanto o forward linkage seria a capacidade de indução produtiva.

A conexão entre esses dois conceitos possui rebatimentos sobre um terceiro: produtividade. Vale dizer que a produtividade relaciona a necessidade de insumos com a capacidade de produção, então aumentos de produtividade num setor A poderiam reduzir sua interconexão sobre os setor fornecedor de insumo B, uma vez que backward linkage é o requerimento de insumos sobre o setor B para garantir a produção de $ 1,00 do setor A. O conceito de produtividade inserido no debate do desenvolvimento econômico é limitado porque não se trata simplesmente de se buscar meios de reduzir a necessidade de insumos para dar cabo à produção, mas também do quão relevante para a economia e para a sociedade é o resultado final dessa produção.

Imagine que a Olivetti, nos anos 80, realizava um esforço para aumentar a produtividade de suas fábricas para reduzir a quantidade de insumos – e seus custos – para fabricar suas máquinas de escrever; num belo dia, a IBM chega ao mercado e populariza o computador. Então, o que exatamente significa ser mais produtivo na elaboração de algo cada vez menos relevante? Não vamos confundir as coisas: ser eficiente e produtivo é importante, mas o poder da inovação é insuperável.

A inovação é o cerne do sistema capitalista porque ele transforma o modo como a economia mobiliza bens e serviços na forma de insumos e os transforma em indutores de outras atividades econômicas. O potencial inovador de uma economia sinaliza a capacidade de coordenação produtiva de cada setor, na medida em que traduz não o quão eficientemente um determinado conjunto de insumos é combinado para produzir um produto, mas sim o quão surpreendentemente um determinado conjunto de insumos é combinado para inaugurar novas atividades produtivas ou, no mínimo, induzir a atividade produtiva de outros setores.

Novas Habilidades, Novos Desafios

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025”]

Durante a Revolução Industrial e meados do século XX, trabalhar de maneira repetitiva e mecânica era algo considerado comum, um sinônimo de padronização. O que as máquinas não faziam repetidamente os trabalhadores faziam à exaustão.

Ford aprimorou a repetição com sua linha de produção, buscando a máxima performance por meio da recorrência e especialização, modelo de gestão conhecido como Fordismo, que elevou o patamar de produção industrial e revolucionou os sistemas de gestão. Cruzando esses conhecimentos com outras teorias da administração, gestores adaptavam conceitos para vários tipos de empresas.

As habilidades técnicas (hard skills), em um cenário de repetição e processos controlados, são as mais desejadas. Porém em um mundo cada vez mais dinâmico, e em especial, em um mundo onde o que é repetitivo está sendo automatizado, surgem novas demandas por habilidades sociais (soft skills).

E todo esse contexto tem impactado também a educação. A questão é que todo sistema educacional se especializou em ensinar habilidades técnicas, negligenciando muitas vezes habilidades sociais. Essas últimas são buscadas muitas vezes apenas por pessoas em cargo de gestão, por meio de MBAs, sinal claro que a base educacional não está preparada para formar profissionais para o futuro que chegou.

Habilidades do futuro

Em 2025, competir contra máquinas não será fácil. Por esse motivo, os centros de ensino superior já investem em metodologias que focam também em desenvolvimento humano, no desenvolvimento de competências que serão necessárias para esse novo mercado.

Segundo o World Economic Forum, algumas das novas habilidades desejadas são pensamento crítico, criatividade, comunicação, colaboração, curiosidade, iniciativa, persistência, adaptabilidade, liderança e conhecimento social e cultural. Essas habilidades são dificilmente transferíveis para máquinas ou algoritmos.

Habilidades musicais e artísticas também deverão estar em alta, por serem essencialmente humanas, e contarão como diferenciais em processos seletivos (algo que já vem acontecendo). As empresas provavelmente não buscarão pintores ou músicos para suas empresas, mas sim cérebros que transitem em diferentes universos e que consigam trazer novas visões para as companhias.

Centro educacional e as empresas

A aproximação dos centros educacionais com as empresas será natural, devido ao modelo educacional por projetos, que será uma prática comum em 2025. Ao se ensinar dessa forma, é requerido do aluno a aplicação das habilidades citadas anteriormente.

Deverá ser mais comum o nascimento de empresas dentro de escolas, fruto do estímulo ao empreendedorismo e projetos de conclusão de curso voltados para o lançamento de empresas no mercado. Com a qualidade da educação mundial alcançando novos patamares, será uma das responsabilidades sociais dos centros educacionais criar novas tecnologias e empresas para tornar o Brasil competitivo globalmente.

Já é possível ver grandes movimentos surgirem nesse sentido, com hackathons multidisciplinares acontecendo em centros universitários em todo país. Esse é o início de uma prática que se tornará cada vez mais comum e até mesmo indispensável para o desenvolvimento técnico e humano dos profissionais em formação.

Cada vez mais, o brasileiro educado deverá ver oportunidades na iniciativa privada, devido ao número de empresas de sucesso que surgem de iniciativas estudantis. O mercado em constante mutação é também um ambiente propício para a fundação de novas empresas, que aproveitam a morte de antigos modelos de negócios e o nascimento de novos.

Educação customizada e seus impactos

Com a Inteligência Artificial aplicada à educação, muitos alunos conseguirão transpor as barreiras das limitações criadas pelo atual modelo de ensino. Por meio de um ensino customizado para cada indivíduo (associado a um ensino híbrido), a perseverança deverá ser, cada vez mais, fator decisivo no sucesso acadêmico e profissional.

Teremos, a partir disso, pessoas de diferentes perfis de aprendizado competindo em nível de igualdade. A antiga divisão entre as áreas humanas e exatas serão amenizadas por esse modelo de ensino, entregando ao mercado profissionais com bagagens mais abrangentes e complementares.

Não será exclusividade de um estudante de engenharia ou ciência da computação conseguir analisar grandes massas de dados. Em 2025 todas as profissões estarão inundadas com quantidades massivas de dados. A capacidade de manipular e interpretá-los  precisará ser desenvolvida em profissionais de qualquer área de atuação.

Além disso, o aprendizado contínuo, facilitado por grandes plataformas de ensino online, tornará o profissional um ser em constante estudo. A vida estudantil não acabará na graduação ou pós-graduação, mas perpetuará por toda a vida profissional daquele que desejar se manter atrativo às empresas.

A grande questão do aprendizado para 2025 não é se seremos substituídos pelas máquinas e Inteligência Artificial, mas sim se teremos as competências necessárias para operar essas ferramentas e atuar em conjunto com elas.

O mundo é digital: e é pra lá que eu vou

Eu sei, parece que a administração pública do Brasil não percebeu o potencial da tecnologia na melhoria da gestão e da qualidade dos serviços prestados à população. E olha que começamos bem: em 2003, estávamos em 41º no ranking de governo digital da Organização das Nações Unidas e chegamos a 33º em 2005. Infelizmente, nos perdemos em algum lugar pelo caminho e caímos até a 61ª posição em 2010. Em 2016, subimos um pouquinho e chegamos a 51ª, ufa!

Já nós, cidadãos brasileiros, invadimos o mundo digital. Somos o 4o maior país do mundo em número de usuários na internet. Conhecidos como early adopters de redes sociais, não resistimos a uma novidade.

Mas não foi só o governo que ficou para trás nessa história.

A vanguarda ficou do lado de fora da porta do trabalho. Inicialmente, nem o setor público nem o privado deram prioridade para a transformação digital e a inovação. O IBGE já mostrou que somente cerca de 35% das empresas investem em novos bens ou serviços ou na melhoria dos processos no Brasil.

E o mais curioso, eu costumo dizer, é que o desafio da transformação digital não é tecnológico, e sim conseguir reunir os diversos – e muitas vezes repetidos – esforços da sociedade e do governo para que o País esteja melhor preparado para aproveitar as oportunidades que a economia digital vem proporcionando.

Acredito que boa parte dos gestores públicos concordam que a tecnologia se tornou o motor do serviço público e que a transformação digital promove economia e simplificar a vida dos cidadãos brasileiros.

Hoje, entre outras conquistas, destaco o Processo Eletrônico Nacional (PEN), o portal de Serviços, o Login único e o caçula Documento Nacional de Identidade (DNI), ainda em piloto. Estes são componentes da Plataforma de Cidadania Digital, a partir da qual estamos acelerarando a transformação de serviços e de políticas públicas.

Desde o 2o semestre de 2017, lançamos 41 serviços públicos em ambiente digital, que  apresentaram redução da ordem de 90% no custo para o estado e para o cidadão. Parece promissor, mas ainda estamos muito longe de onde queremos e podemos chegar.

Primeiro é preciso ter em mente que a burocracia no setor público acaba por prejudicar as pessoas que mais precisam. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) fez um levantamento na América Latina e revelou que, em média, um quarto dos serviços públicos requer três ou mais interações, às vezes presenciais, até ser concluído.

Dá para imaginar o tanto de dinheiro, tempo e paciência que os cidadãos perdem por ano porque um serviço não foi modernizado? São passagens de ônibus, combustível, ligações telefônicas, preenchimento de formulários e tempo gasto em filas.

Até o ano passado, os jovens brasileiros de 18 gastavam R$ 118 milhões por ano para fazer o Alistamento Militar Obrigatório. Depois da transformação digital, o alistamento é feito pela Internet, e a presença do jovem só é necessária se ele for realmente servir. Além disto, para o governo, reduzimos a despesa em R$ 180 milhões por ano. Viu como dá para melhorar?

O Censo de Serviços Públicos, realizado pela primeira vez em 2017, revelou que menos de 40% de todos os serviços públicos prestados pelo Governo Federal são digitais. Ou seja, temos mais de mil serviços que devem ser transformados para efetivamente comemorarmos a virada.

Por fim, segundo a Accenture, a cada 1% de crescimento na digitalização do governo, crescerá 0,5% o PIB do país, 0,13 o IDH, 1,9% o comércio internacional entre diversos outros benefícios menos tangíveis. Ou seja, o desafio é grande, mas ainda maior será a recompensa: quem está comigo?

 Luis Felipe Salin Monteiro é Secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, responsável pelo processo de transformação digital do governo federal. É Mestre em gestão de tecnologia da informação pela Universidade Católica de Brasília e pela Fundação Getúlio Vargas, com graduação em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Maria.

Comércio Exterior de Serviços – o recorte dos serviços agregadores de valor

 Panorama

O setor de serviços é o setor que mais impulsiona a economia no século 21. O papel do setor na geração de novos negócios (por exemplo, a economia digital) e na criação de empregos qualificados, além de sua capacidade de apoiar a competitividade, é atualmente consenso entre analistas e formuladores de políticas. Por outro lado, o papel disruptivo dos serviços, em especial aqueles agregadores de valor, nas economias globais e nacionais é uma realidade.

A produção industrial cada vez mais é movida pela inovação disponibilizada pela incorporação de serviços em seu processo produtivo ou na forma como os produtos são ofertados aos consumidores. A própria revolução da indústria avançada (4.0) é, em grande parte, uma revolução no uso de serviços avançados. Por este motivo, o salto na competitividade das indústrias é fortemente impactado pela melhoria da qualidade e produtividade dos serviços.

Atualmente, a dicotomia que ainda separa o comércio exterior de serviços do comércio de bens e mercadorias faz pouco sentido. O que existe é uma sinergia entre a produção de bens e a oferta e prestação concomitantes de serviços, gerando assim um processo de indução e contínua simbiose na economia e no interior das empresas. O valor agregado e a sofisticação que o uso de serviços incorpora aos produtos agrícolas e industriais faz com que as empresas obtenham as habilidades necessárias para serem bem-sucedidas em suas estratégias locais e de internacionalização. O processo de conquista de mercados estrangeiros por empresas industriais muitas vezes alavanca igualmente a internacionalização de empresas de serviços. Por sua vez, o processo de servitização faz com que os serviços assumam a liderança em termos de agregação de valor e inovação às demais atividades econômicas.

Uma compreensão clara da economia e do comércio de serviços, bem como de suas contribuições para o desenvolvimento sustentável e inclusivo (Arbache, 2017), deve ser parte integral das políticas e ações dos países em desenvolvimento, especialmente diante dos novos desafios criados pela economia digital e a necessidade sempre urgente de manutenção e criação de empregos. Nesse sentido, avançar na direção dos serviços de valor agregado é fundamental para conferir maior densidade à produção e propiciar maior competitividade ao comércio exterior.

 

Economia de serviços e o comércio exterior no Brasil

Mesmo que a crescente contribuição do setor de serviços para o desenvolvimento da economia brasileira seja mais perceptível no tocante a aspectos como Produto Interno Bruto, emprego e inovação, a importância do comércio exterior de serviços (exportações e importações) ainda permanece pouco visível.

Os serviços correspondem a 72% do valor adicionado ao PIB brasileiro[1] e a 69% do total de empregos formais[2]. Entretanto, tal magnitude não se reflete no comércio exterior brasileiro. Em 2017, o setor de serviços correspondeu a apenas 13,3% do total das exportações de bens e serviços e 29,9% das importações de bens e serviços[3]. O Brasil tem um déficit estrutural na conta de serviços do Balanço de Pagamentos, que recuou em 2015, mas voltou a crescer em 2017. No período de cinco anos entre 2008 e 2013 ocorreu uma rápida expansão das exportações e das importações de serviços, que mostraram, respectivamente, um crescimento médio anual de 6,3% e 12%. No entanto, nos últimos cinco anos (2013- 2017) as exportações apresentaram crescimento médio anual negativo ( -1,5%) e as importações também recuaram ainda mais acentuadamente (-3,9%). De fato, após um pico em 2014, as importações caíram gradualmente.

 

Serviços que agregam valor à produção

Como proposto por Arbache (2014), os serviços podem ser divididos em dois grupos de natureza distinta. O primeiro grupo é denominado “serviços de custo” e refere-se às funções que afetam os custos de produção (ou seja, logística e transporte, serviços gerais de infraestrutura, armazenamento, serviços de reparo e manutenção, serviços de terceirização de produção em geral, TI em geral, serviços financeiros e de crédito, viagens, alojamento, produtos alimentícios, distribuição, entre outros). O segundo grupo refere-se a funções que contribuem para agregar valor, diferenciar e customizar produtos, fazendo assim com que se tornem únicos, elevando substancialmente o seu preço de mercado e contribuindo para aumentar a produtividade do trabalho e o retorno sobre o capital. Esse grupo é composto por serviços que exigem níveis relativamente altos de capital humano e outras capacidades, incluindo projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), design, engenharia e arquitetura, serviços de consultoria, software, serviços técnicos especializados, serviços de TI de ponta, branding, marketing, comercialização, entre outros.

Atualmente, há evidências suficientes que indicam que em um futuro próximo será impossível criar riqueza, gerar empregos de qualidade e participar das cadeias de valor globais sem a capacidade de desenvolver e gerenciar serviços sofisticados e “empacotá-los” em bens e serviços de terceiros. Essas tendências, aliadas à “commoditização” digital, sugerem fortemente que o comércio de serviços deve ser parte relevante das políticas de crescimento econômico sustentável, bem como daquelas relacionadas ao comércio exterior em geral, ao investimento, ao capital industrial, tecnológico, humano e a infraestrutura (Arbache, 2017).

 

Serviços de valor agregado no comércio brasileiro de serviços

O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) trabalha ativamente para fortalecer o comércio exterior de serviços. Com esse propósito, em 2012, foi lançado o Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços e Intangíveis (Siscoserv), um sistema automatizado mantido pelo Ministério (especificamente pela Secretaria de Comércio e Serviços – SCS), em parceria com a Receita Federal do Brasil, e que tem como finalidade a coleta, análise e divulgação de dados do comércio de serviços brasileiro. O Siscoserv foi criado a partir da necessidade de dados para apoiar políticas públicas baseadas em evidências para o desenvolvimento do setor de serviços no Brasil.

Ao priorizar fluxos de comércio e operações individuais, o alcance do Siscoserv vai além dos aspectos financeiros do comércio exterior de serviços. O sistema é, portanto, capaz de capturar detalhes operacionais que não são abarcados por estatísticas financeiras. O registro no Siscoserv abrange os serviços fornecidos nos quatro modos de prestação de serviços.

Para avaliar a participação das categorias propostas por Arbache (2014) no comércio brasileiro de serviços, essas categorias foram correlacionadas com a Nomenclatura Brasileira de Serviços (NBS)[4], tendo sido levantados os dados correspondentes registrados no Siscoserv. Como resultado, é possível apresentar um breve levantamento das exportações e importações de serviços de valor agregado no Brasil.

De acordo com dados do Siscoserv, em 2017, as exportações de serviços de valor agregado representaram aproximadamente 33% de todas as exportações de serviços do Brasil. Isso significa exportações de US$ 9,9 bilhões de serviços de agregação de valor, um aumento de 11,4% em comparação com o ano anterior (que registrou exportações de US$ 8,9 bilhões).

Gráfico 1 – Exportações de Serviços Brasileiros – 2016/2017 (bilhões de dólares)

Fonte: Siscoserv (2018)

Em 2017, em comparação com 2016, houve um aumento nas exportações brasileiras de “serviços de consultoria” (+15,9%), “serviços técnicos especializados” (+15,7%), “serviços de propriedade intelectual” (+52%), “serviços de branding e marketing” (+17,6%), “serviços avançados de TI” (+25,9%), “serviços jurídicos” (+2,6%) e serviços de P&D (+20,4%). Por outro lado, houve contratação nas exportações de “serviços relacionados a projetos” (-11%), “serviços financeiros sofisticados” (-5,8%) e “serviços de software” (-2,5%)

Considerados como um grupo, é a seguinte a participação de cada categoria de serviço de valor agregado no total: “serviços de consultoria” (30%), “serviços técnicos especializados” (25%), “serviços de branding e marketing” (10%); “serviços financeiros sofisticados” (10%), “serviços de P&D” (8%), “serviços de software” (6%) e “serviços relacionados a projetos” (5%), “serviços de propriedade intelectual”, “serviços avançados de TI” e “serviços jurídicos”, que alcançaram apenas 2% cada.

Gráfico 2 – Exportações de Serviços de Valor Agregado – 2017

Fonte: Siscoserv (2018)

Com relação às importações, o grupo de serviços de valor agregado foi responsável por 23,6% de todas as importações de serviços do Brasil, ou US$ 10,1 bilhões, o que representa uma queda de 6,7% se comparado a 2016 (que totalizou US$ 10,8 bilhões).

Gráfico 3 – Importações de Serviços Brasileiros – 2016/2017 (bilhões de dólares)

Fonte: Siscoserv (2018)

Em 2017, em comparação com 2016, houve uma redução de -6,7% (ou -US$ 730 milhões em termos absolutos) nas importações brasileiras de serviços de valor agregado. Essa redução foi ainda mais importante do que a redução verificada no total das importações brasileiras de serviços, que apresentaram queda de -1,5%. Apenas as importações dos “serviços de consultoria” caíram -45%. Também houve queda nas importações dos “serviços técnicos especializados” (-14,3%), “serviços de propriedade intelectual” (-17,1%), “serviços relacionados a projetos” (-9,2), “serviços jurídicos” (-18,6%) e “serviços de P&D” (-1,7%). Por outro lado, houve um aumento nas importações de “serviços relacionados a software” (+5,1%), “serviços de branding e marketing” (+44,1%), “serviços avançados de TI” (+3,2%) e “serviços financeiros sofisticados” (+99, 2%).

Considerados como um grupo, é a seguinte a participação de cada categoria de serviço de valor agregado no total: “serviços relacionados a software e intangíveis” (30% do total), “serviços de branding e marketing” (22%), “serviços técnicos especializados” (14%), “serviços de consultoria” (13%) e “serviços de propriedade intelectual” (13%). Os “serviços avançados de TI”, “serviços financeiros sofisticados” e “serviços relacionados a projetos” tiveram uma parcela de 2%, enquanto “serviços jurídicos” e “serviços de P&D” participaram com apenas 1%.

Gráfico 4 – Importações de Serviços de Valor Agregado – 2017

Fonte: Siscoserv (2018)

 

Considerações finais e perspectivas

A análise da conta de serviços do balanço de pagamentos do Brasil coloca em perspectiva os desafios do País, não especificamente no sentido de eliminar o déficit estrutural na conta de serviços[5] (que seria desejável de qualquer forma), mas de dotar o comércio de serviços e intangíveis com uma parcela maior de serviços que contribuam para aumentar a produtividade da economia, ou seja, aumentar a participação dos serviços de valor agregado. Essa é uma ação importante tanto no campo das exportações, quanto no sentido de uma maior qualificação das importações brasileiras.

A partir de uma breve análise do balanço de pagamentos, e apesar do comportamento positivo da conta de serviços empresariais, profissionais e técnicos (que engloba grande parte dos serviços de valor agregado), é possível antecipar a necessidade de uma atenção especial no Brasil em relação a áreas como a de “serviços de propriedade intelectual” (que é historicamente negativa para o Brasil), além dos setores de telecomunicações, computação e informação.

Essa visão mais geral é confirmada pelo exame minucioso dos microdados produzidos pelo Siscoserv, com foco nas transações comerciais específicas e no tratamento dos serviços como produtos. Ao examinar os dados do Siscoserv, pode-se verificar a necessidade de políticas públicas que contribuam para o aumento da participação dos serviços de valor agregado no comércio global brasileiro de serviços. Como vimos acima, os serviços de valor agregado compreendem apenas 33% das exportações totais de serviços e 23,6% das importações totais. Esse perfil de importação pode ter impacto na qualidade dos serviços produzidos no Brasil e na competitividade das exportações (não apenas de serviços, mas especialmente da indústria). Também pode significar que boa parte das importações está sendo direcionada para serviços de custo ou consumo.

O MDIC tem trabalhando em várias iniciativas para fortalecer e melhorar o perfil do comércio exterior brasileiro de serviços. A criação do Siscoserv é uma dessas iniciativas, juntamente com a publicação da NBS, que tem como base a CPC[6]. Essas ferramentas para formulação de políticas públicas baseadas em evidências consomem uma quantidade razoável de recursos, mas já produzem resultados positivos: o Siscoserv tem sido ressaltado em fóruns internacionais por sua abrangência[7] e contribuição efetiva para um melhor entendimento do setor de serviços. O Sistema tem agora uma base de dados que reúne quatro anos (2014-2017), produz uma variedade de subprodutos para o público em geral, especialistas e também para órgãos do governo, e está se tornando mais flexível e acessível. A NBS, por sua vez, teve ampla aceitação no Brasil em seu papel de classificadora geral de serviços. Publicada pela primeira vez em 2012, está agora sob revisão para aproximá-la ainda mais do modelo da CPC. A nova versão (NBS 2.0) será publicada em breve.

O contato com o setor privado brasileiro é fundamental para o trabalho e atividades do MDIC, uma tarefa que fica sob responsabilidade de sua Secretaria de Comércio e Serviços (SCS). Para cumprir essa missão, a SCS mantém dois canais de comunicação com o setor privado, o Fórum de Competitividade do Setor de Serviços e o Fórum de Competitividade do Varejo. Esses fóruns se reúnem regularmente e direcionam os temas de interesse do setor privado para o MDIC e para diferentes áreas do governo federal. Estão entre as tarefas e os objetivos dos fóruns: aumentar a competitividade interna como forma de alavancar a competitividade externa; identificar obstáculos nas cadeias produtivas; selecionar mercados-alvo para atividades de promoção comercial e ações de acesso a mercados e; identificar barreiras existentes no exterior em relação aos serviços brasileiros.

No âmbito da Secretaria Executiva da CAMEX[8], a Secretaria de Comércio e Serviços participa de uma ampla agenda de competitividade para o setor de serviços brasileiro. A agenda é composta de temas oriundos principalmente dos fóruns supramencionados e abrange áreas como melhoria do ambiente de negócios para o setor de serviços, financiamento e garantia de exportações, facilitação do comércio e fortalecimento da coordenação entre órgãos de governo no Brasil.

Mais uma vez, avançar na direção dos serviços de valor agregado é fundamental para aumentar a densidade da produção e competitividade do comércio exterior. No Brasil, permanece o desafio de aumentar a produtividade do setor de serviços como vetor para o desenvolvimento de outros setores da economia nacional. Como concluído por Arbache e Moreira (2015), os serviços são altamente interligados e interdependentes com os demais setores produtivos e, portanto, afetam o desempenho geral da economia. Essa interdependência significa que, ao tornar os serviços mais competitivos e mais adequados às necessidades das empresas, é provável que se tenha um impacto no desempenho da própria empresa.

Douglas Finardi Ferreira é pós-graduado em Comércio Exterior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e tem MBA em Negócios Financeiros pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente é Secretário de Comércio e Serviços do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Referências

Arbache, J. (2014). Serviços e Competitividade Industrial no Brasil. Brasília: Confederação Nacional da Indústria. 

Arbache, J. (2017). Comércio exterior de serviços – o que vem pela frente? Economia de Serviços. Maio. 

Arbache, J. and R. Moreira (2015). How Can Services Improve Productivity? The Case of Brazil. Paper presented at the 2015 REDLAS Conference, Montevideo. 

Os dados de comércio exterior de serviços oriundos do Siscoserv estão disponíveis em: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-servicos/estatisticas-do-comercio-exterior-de-servicos

[1] Contas Nacionais Trimestrais / IBGE

[2] CAGED / Ministério do Trabalho

[3] Receitas e Despesas da Conta de Serviços  do Balanço de Pagamentos, deduzidos da Conta de Serviços Governamentais/ Banco Central

[4] Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio.

[5] A análise refere-se à subconta da conta de serviços do Balanço de Pagamentos “Serviços empresariais, profissionais e técnicos, incluindo arquitetura e engenharia”. Em 2017, as receitas totalizaram US$ 17 bilhões e os pagamentos, US$ 7,3 bilhões, apresentando um superávit de US$ 9,6 bilhões.

[6] A Classificação Central de Produtos (Central Product Classification – CPC) é uma classificação de bens e serviços promulgada pela Comissão Estatística das Nações Unidas. Destina-se a ser um padrão internacional para organizar e analisar dados sobre produção industrial, contas nacionais, comércio, preços e assim por diante. É a classificação utilizada pela OMC nas negociações internacionais de serviços.

[7] O Siscoserv inclui o registro de operações de comércio exterior de serviços cursadas nos 4 Modos de Prestação previstos no Acordo GATS/OMC. Os dados apresentados neste trabalho referem-se aos Modos 1 (Transfronteiriço), 2 (Consumo no Exterior) e 4 (Movimento Temporário de Pessoas Físicas). O Modo 3 (Presença Comercial no Exterior) é um registo especial realizado em separado dos demais e possui características e formas de divulgação particulares.

[8] A CAMEX é a Câmara de Comércio Exterior, um órgão interministerial criado em 1995 para formular, coordenar e implementar políticas de comércio exterior do Brasil. A Secretaria Executiva da CAMEX faz parte da estrutura do MDIC.