Neste post, argumento que precisamos de mais avaliações de impacto de políticas (serviços) públicas no Brasil, porque a teoria econômica sugere que muitas políticas não são tão efetivas como muitos pensam.

O milagre das microfinanças? Para ilustrar meu argumento, considere o prêmio Nobel da Paz concedido a Muhammad Yunus, em 2006, por ter criado um banco (chamado Grameen Bank) que faz empréstimos para pessoas de baixa renda, em particular para mulheres, que não são capazes de obter empréstimo num banco convencional. No seu livro O Banqueiro dos Pobres(1999), Yunus conta como estes pequenos empréstimos transformaram a vida de algumas mulheres. Fátima, por exemplo, comprou uma galinha e passou a vender ovos. Com a receita, ela comprou mais uma galinha, e mais uma, e mais uma… e, assim, aos poucos, ela saiu da pobreza. Governos, organizações nacionais e internacionais abraçaram a ideia do microcrédito (ou microfinanças) e gastaram bilhões de dólares para criar bancos do tipo Grameen no mundo inteiro. A cúpula do movimento foi o prêmio Nobel para Yunus em 2006.

Logo depois, pesquisadores do MIT, Yale e de outras universidades renomadas queriam saber se microcrédito realmente seria o remédio mágico contra a pobreza. Eles fizeram um experimento com milhares de pessoas em vários países. Como na medicina, onde médicos avaliam a efetividade de um medicamento comparando um grupo de tratamento (que recebeu o medicamento) com um grupo de controle (que recebeu um placebo), os pesquisadores fizeram uma loteria para alocar pessoas de baixa renda em um grupo que iria receber microcrédito e outro grupo que não iria receber. Depois seguiram os dois grupos durante alguns anos, medindo renda, consumo, saúde e outros indicadores de bem estar.

Em 2015, eles publicaram os resultados do experimento em uma revista acadêmica renomada (referência no fim deste post). O grupo que recebeu o microcrédito alcançou níveis de bem estar maiores que o grupo que não recebeu, mas a diferença era muito pequena. Ou seja, não houve evidência de que o microcrédito proporcionou às pessoas a possibilidade de sair da pobreza. Daqui a pouco falarei sobre possíveis razões para isso.

Lição #1, cuidado com a “falácia da composição”. Por que governos e organizações nacionais e internacionais gastaram bilhões em uma política que aparentemente só tem impactos pequenos? A primeira razão, na minha opinião, é que muitos se deixaram convencer pelos casos de sucesso relatados por Muhammad Yunus (como Fátima, nossa vendedora de ovos). Mas o experimento sugere que estes casos são exceções, e não a regra. É um caso do que é conhecido como “falácia da composição”, o erro de assumir que o que é verdade para uma parte do conjunto é verdade para o conjunto todo. No nosso caso, o erro é assumir que o sucesso de Fátima se aplica a todos os outros tomadores de microcrédito.

Lição #2, cuidado com os efeitos colaterais. Existe uma lenda onde um rei, incomodado com a quantidade de ratos no seu reino, queria acabar com eles. Assim, o rei prometeu aos cidadãos uma moeda para cada cabeça de rato que lhe trouxessem. O rei tinha certeza de que sua política daria um fim nos ratos. O que você acha que aconteceu? Continue lendo para saber (provavelmente você já adivinhou!).

O microcrédito tem um apelo intuitivo: você dá dinheiro a uma pessoa de baixa renda, ela o investe com um retorno e, assim, gradualmente, sai da pobreza. Infelizmente a realidade não é tão simples. Muitas vezes, políticas têm efeitos colaterais que são difíceis de anteciparmos.

Uma das razões porque talvez microcrédito não seja tão efetivo é o que os economistas chamam de “efeito de equilíbrio geral”: se, de repente, metade do vilarejo toma um microcrédito para vender ovos, a lei da demanda e da oferta diz que o preço do ovo deve cair, porque a oferta de ovos (ao preço vigente) será maior do que a demanda. Assim, os vendedores serão obrigados a baixar o preço para conseguirem vender os seus ovos. No fim, é possível que eles tenham prejuízo ao invés de lucro, uma vez que o preço que irão obter pelos ovos não compensa os custos de manter suas galinhas.

Vou dar dois outros exemplos de políticas que você provavelmente conhece: Muitas pessoas não têm dúvida de que o programa Bolsa Família (PBF) ajuda seus beneficiários. Se alguém me der dinheiro, e eu não preciso repagar este dinheiro, como no caso no PBF, é um tanto óbvio que isso me ajudará, certo? Tudo bem, mas pergunte a beneficiários no interior do Amazonas (ou em outros lugares isolados) o que aconteceu no supermercado local quando o PBF chegou. É provável eles respondam que os preços subiram (ou seja, que o PBF causou inflação) e que, por isso, eles não podem comprar muito mais do que podiam antes. Pelo menos isso é o que a lei da demanda e da oferta prevê: um aumento na demanda (por causa do PBF, neste caso) em lugares onde é caro aumentar a oferta (por exemplo porque o lugar é isolado) provocará inflação. Intuição: suponha que os beneficiários demandem mais carne, e que o número de vacas do açougueiro local é insuficiente para satisfazer este aumento súbito na demanda, e que o açougueiro então irá até a próxima cidade (que é longe) para procurar carne. De volta na loja dele, ele irá demandar um preço maior pela carne para compensar o custo de transporte.

Ou considere o caso do Farmácia Popular (FP), o programa que distribui medicamentos basicamente de graça. Não há dúvida de que o FP melhora a saúde dos brasileiros, certo? Mais uma vez, a teoria econômica é mais cética. Por exemplo, se você tem diabetes e regularmente compra sua insulina, e de repente o governo dá o medicamento de graça, você então terá dinheiro sobrando no seu bolso no fim do dia (o dinheiro que antes você usava para comprar insulina). O economista chama isso de “efeito riqueza”, pois o programa te tornou mais rico. O que você irá fazer com este dinheiro? Talvez comprar doces, um gordo hambúrguer, ou outras coisas que prejudicam a sua saúde.

Conclusão. Os exemplos do Bolsa Família e do Farmácia Popular são apenas teorias. Não quer dizer que eles se aplicam ou dominam na realidade. Mas nós nunca saberemos até avaliarmos estes e outros programas brasileiros no mesmo estilo de experimento do microcrédito. É possível que, neste minuto, o governo esteja gastando bilhões (dos seus impostos) em políticas que não funcionam.

Isso precisa mudar.

PS: no reino dos ratos, após o rei prometer uma moeda para cada cabeça de rato, os cidadãos começaram a criar mais ratos.

Referências: Banerjee, Abhijit, Dean Karlan, and Jonathan Zinman. 2015. “Six Randomized Evaluations of Microcredit: Introduction and Further Steps.” American Economic Journal: Applied Economics, 7 (1): 1-21

Michael Christian Lehmann é professor adjunto na Universidade de Brasilia (Departamento de Economia). Suas áreas de pesquisa são avaliação de políticas públicas e economia do setor público. Possui doutorado em Economia pela Paris School of Economics (França).