Economia de Serviços

um espaço para debate

Month: dezembro 2017

Os 10 posts mais lidos de 2017

Neste ano, vimos a discussão sobre a economia de serviços crescer no Brasil, tanto na academia e no setor privado, quanto na imprensa e na política pública. Acreditamos que este Blog colaborou com esse movimento, tal como sugere o crescente número de leitores e de visitas.

Abaixo, listamos os 10 posts mais lidos de 2017 para vocês (re)lerem, discutirem e comentarem.

Obrigado por nos acompanhar em 2017 e esperamos seguir contando com a sua companhia em 2018!

A Equipe do Blog Economia de Serviços

E-commerce: Black Friday cresce e aumenta expectativas sobre acumulado do ano

O e-commerce brasileiro fechou mais uma edição da Black Friday com números positivos, superando o faturamento do evento em 2016. Com o intuito de demonstrar a evolução do setor, a vitrine virtual UmSóLugar desenvolveu um infográfico destacando os resultados do primeiro semestre e o crescimento das vendas em demais datas significativas para o calendário do comércio eletrônico.

Fonte: Ebit Informação – www.ebit.com.br

Segundo dados da E-bit, empresa especializada em informações do comércio eletrônico, apesar da desaceleração do varejo nos anos de crise, o e-commerce mostrou expressivos 7,5% em crescimento nominal no primeiro semestre de 2017, registrando R$21 bilhões em vendas. Em 2016, o setor fechou o mesmo período faturando R$19,6 bilhões.

Fonte: Ebit Informação – www.ebit.com.br

A Black Friday, que no começo trouxe bastante desconfiança aos consumidores, acabou por garantir seu lugar ao sol poucos anos após estrear em solo nacional, em 2011. Ao menos no que diz respeito a vendas online o evento bateu o segundo lugar em faturamento, em 2016 (R$ 1,90 bi) e, neste ano, registrou alta de 10,3%, com um faturamento de R$2,1 bilhões.

Fonte: Ebit Informação – www.ebit.com.br

Durante todo o ano, o e-commerce brasileiro é movimentado por importantes eventos que já fazem parte do calendário do consumidor, como datas comemorativas, feriados e ofertas sazonais. Outras datas especialmente relevantes para o setor também superaram o faturamento do ano anterior, como o Dia das Mães 2016 (R$ 1,62 bi) e 2017 (R$1,9 bi); o Dia dos Namorados 2016 (R$ 1,65 bi) e 2017 (R$1,71 bi); e o Dia dos Pais 2016 (R$ 1,76 bi) e 2017 (R$1,94 bi).

Os bons resultados, somados aos também bons resultados do Natal, aumentam as perspectivas para o faturamento do setor em 2017. De acordo com o relatório Webshoppers 36, a estimativa é de que o mercado volte a registar expansão de dois dígitos, atualizando para 10% a expectativa de crescimento no acumulado do ano.

Jaqueline Beserra é formada em Jornalismo e atualmente é gerente de Marketing Online da vitrine virtual UmSóLugar, focada em moda, beleza e estilo de vida.

Virtualização da Educação

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

[1]Nota dos autores

O cenário será marcado pela utilização massiva de tecnologias e metodologias de ensino a distância (EAD), e-learning, ensino híbrido — on e off line — blended learning, mobile learning entre outras.

Um estudante universitário de 2017 que acorde em uma universidade do ano de 2025 terá um susto ao perceber a diferença do ensino a distância atual em relação ao do futuro. Mesmo em prazo tão curto, os saltos exponenciais da evolução tecnológica asseguram que cursos virtuais terão poucas semelhanças com o que se pratica na atualidade.

Na verdade, os conteúdos e a forma oferecidos atualmente pelas escolas, mesmo no exterior, podem ser avaliados como partes da pré-história do ensino intermediado pela tecnologia. Não haverá o smartphone, o desktop, a internet lenta e o excesso de textos. O vídeo será o padrão. Não em telas, mas em qualquer suporte, seja em uma mesa, uma parede, espelho ou no chão.

A força da digitalização de tudo

Para compreender a diferença profunda entre duas realidades é necessário identificar as principais forças das transformações tecnológicas vigentes por volta de 2025. O funcionamento do mundo estará moldado pela capacidade de processamento, velocidade de tráfego de informações e poder de armazenamento da computação.

Será a internet ultra veloz, no planeta que estará mais próximo da computação quântica, propiciando força adicional à inteligência artificial. Entenda que os computadores serão praticamente invisíveis, como a eletricidade. Basta um botão — virtual — para acessar a rede em qualquer lugar, por qualquer plataforma.

Sistemas inteligentes adotados em processos de e-learning serão capazes de entender que a frase “vou chutar o balde” tem um significado diferente de “vou dar um chute em um recipiente de transportar água”. Ou seja, vai entender a linguagem natural através da qual os seres humanos se comunicam.

Máquinas que aprendem, que processam a fala, a ponto de “enganar” os interlocutores, e que reconhecem imagens já são tecnologias quase prontas. Agora, pense no seguinte: em pouco mais de sete anos, será possível acompanhar a aula de um professor em japonês ou mandarim. E trocar ideias com os seus colegas japoneses, chineses, sul-africanos em conversas animadas. Com tradução simultânea. E por voz.

Agora, a pergunta que não pode ser calada: será possível convencer o nosso estudante a sair de casa, enfrentar distâncias mesmo que em um carro confortável e totalmente automático para ter uma aula diante de um professor, no modelo atual? A resposta mais provável é que não. Parece mera questão de lógica. Estudantes vão querer experiências imersivas, mesmo em uma aula sobre filosofia de Platão, sobre literatura gótica ou matemática integral e derivadas.

É natural que se espere, para 2025, que os recursos de tecnologia educacional oferecidos aos alunos, mesmo em sala de aula, estejam todos adaptados para atender aos diferentes interesses e necessidades da comunidade de aprendizado. Adicione, então, à capacidade de processamento e à internet em todos os lugares a oferta dos sistemas de virtualização de imagens — realidades virtual (RV), aumentada (RA) e mista (RM) — e a receita para o fortalecimento do ensino a distância estará completamente definida.

Corrida pela adoção

A carência das melhores tecnologias não impede que já se tenha iniciado o movimento pela adoção das estratégias associadas ao ensino superior a distância. Nos Estados Unidos, por exemplo, universidades renomadas já aderem à modalidade de educação virtual. Em maio, a Universidade de Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) firmaram parceria para oferecer versões online de seus cursos presenciais.

As estatísticas revelam que, atualmente, 12% dos alunos de ensino superior estão na modalidade de ensino a distância. Já em 2022, estima-se que o segmento será responsável por 16% do total de matriculados. Deverão ser 1,2 milhão de pessoas, com crescimento médio anual de 3,8% até lá.

O potencial de crescimento se dá por causa da conveniência e custo mais baixo comparados aos cursos tradicionais. O avanço de tecnologias como realidade virtual, que possibilitam chats ao vivo, produção audiovisual intensa e softwares para provas e exames, por exemplo, também colabora para a disseminação desses cursos e para maior aceitação deles.

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[1] Este post é o primeiro da série que detalhará as dez tendências que afetarão o Ensino Superior até 2025. Os posts são baseados no estudo “10 tendências que moldarão o ensino superior no Brasil até 2025”, produzido pela empresa de consultoria Nous SenseMaking, de qual os autores fazem parte.

Brenner Lopes é Mestre em Administração com ênfase em Inteligência Competitiva e é sócio na Consultoria Nous SenseMaking.
 Carlos Teixeira é jornalista e futurista, consultor associado da Nous SenseMaking. Especialista em Comunicação Integrada, Gestão da Informação e Inteligência Estratégica. É editor do site Radar do Futuro

 

Os Mercadores das Novas Grandes Navegações

As Grandes Navegações portuguesas inauguraram o que, segundo Thomas Friedman, teria sido a primeira onda da globalização. O termo refere-se à interação e à conectividade desde então experimentadas pelas vias do comércio, do movimento de pessoas, da relação entre culturas e das trocas de ideias. Para Cesar Hidalgo, redes interativas como essas permitem a criação e incorporação de conhecimento e know-how, aumentando a capacidade de processamento de informação, o que, em última análise, leva ao desenvolvimento econômico.

Boa parte dos benefícios da primeira onda de globalização foi difusa. Mas quem, sem dúvida, mais se beneficiou das Grandes Navegações foram os mercadores, intermediários que conectaram vendedores e compradores para disponibilizar especiarias e outros produtos numa escala até então sem precedentes.

Os ganhos da intermediação se traduziriam na alavancagem política dos mercadores o que, para Acemoglu e outros, viria a se constituir num dos pilares dos modernos direitos de propriedade. Juntamente com o boom populacional, aquele desenvolvimento institucional viria a ser decisivo para a Revolução Industrial.

Não estamos mais no século XV, nem Colombo está prestes a descobrir a América. Entretanto, a era das Grandes Navegações está de volta. Assim como naquela altura, inovações tecnológicas também estão desencadeando a era das “Grandes Navegações Digitais”. Mas, ao invés de bússolas, astrolábios, quadrantes e caravelas, é a internet e os dispositivos digitais que estão nos conduzindo pelos oceanos virtuais. E busca-se, agora, intermediar outro tipo de especiaria, esta, muito, mas muito mais valiosa: a informação.

A popularização da Internet tem levado à emergência de martkeplaces, mercados digitais operados por plataformas de gigantesco alcance público. Amazon, Alibaba, WeChat, Facebook, Google, Apple, Microsoft, Linkedin, Uber, dentre outros, se tornaram os intermediários das Grandes Navegações Digitais. Ao desempenhar as funções de mercadores da informação, essas plataformas têm proporcionando ganhos difusos para a sociedade ao reduzirem assimetrias de informação e custos de transação, além de integrar compradores e vendedores que antes pouco ou nada tinham acesso aos mercados.

A distância entre compradores e vendedores diminuiu e eliminaram-se intermediários. Ficou substancialmente mais fácil achar um amigo, um emprego, um quarto de hotel, chamar um táxi, comprar uma geladeira ou até mesmo contratar um serviço empresarial.

O nivelamento das oportunidades para se competir em igualdade de condições no oceano digital ajudou a levar Thomas Friedman a considerar que “o mundo seria plano”.

Cesar Hidalgo fez argumento similar, mas a partir da lógica de redes: quanto mais conectados estiverem os agentes, mais meritocrático será o sistema econômico. Em outras palavras, quanto menor for o número de intermediários necessários para se chegar ao comprador, maior será o valor apropriado pelo produtor do bem comercializado. Com isto, recompensa-se mais quem originalmente mais gera valor. Já em redes pouco conectadas, o intermediário é o maior beneficiário, o que leva a uma topocracia.

Estaria o mundo moderno se tornando mais meritocrático? Infelizmente, não. A eliminação de intermediários veio acompanhada de elevada e crescente concentração das transações em poucas plataformas. Apesar de haver maior competição horizontal entre produtores de bens e serviços, há elevada e crescente codependência deles para com as plataformas para intermediar transações.

De fato, os efeitos-rede e plataforma tornaram quase impossível contestar os modernos mercadores. Até mesmo os unicórnios, startups tecnológicas que chegaram a valer US$ 1 bilhão ou mais, pouco ou nada conseguem competir com as grandes plataformas.

O que estamos vendo, na verdade, são os grandes mercadores se apropriarem tanto dos excedentes do consumidor, como, também, da firma, uma característica topocrática que eleva o poder daquele grupo à uma condição sem precedentes na história econômica.

Difícil negar que as grandes plataformas digitais estão revolucionando os mercados. Mas, ironicamente, se, de um lado, essas inovações digitais estão nos proporcionando uma verdadeira revolução tecnológica de acesso à informação, por outro lado, a crescente concentração da informação em poucas mãos está comprometendo a horizontalidade e a difusão dos benefícios daquela revolução.

Essa hierarquização da rede econômica está trazendo consigo características topocráticas agudas. O mundo é plano, mas não para todos.

Como disse Jeff Bezos, CEO da Amazon, ainda estamos no “day one” da era digital. É difícil prever quais serão as consequências dessa crescente concentração da informação. Mas, do pouco que já pudemos ver, pode-se dizer que, quanto mais plano for o mundo, melhor será para todos.

Brasil: líder e (ainda) perdedor no mercado de café

Em outubro deste ano, o jornalista Mauro Zafalon observou, em texto publicado pela Folha de São Paulo, que, apesar de figurar como líder mundial de produção e exportação de café, o Brasil se distanciava cada vez mais das receitas mundiais geradas pelo comércio do produto. Isto porque, segundo ele, a “industrialização e a geração de ‘blends’ (misturas) para a bebida com cafés de diferentes regiões do mundo são o que interessam hoje ao mercado internacional.”.

Tradicionalmente, empresas de torrefação, grandes distribuidores e marcas de produtos encontrados em prateleiras dos mercados consumidores capturavam a maior parcela de valor gerado neste subsetor de alimentos e também ditavam padrões de qualidade e de produção ao restante da indústria (os produtores, grosso modo). No entanto, esta dinâmica veio sofrendo drástica alteração nas últimas décadas, deslocando a percepção do consumo do produto café para o consumo do café com conteúdo social. Assim, diferem-se os segmentos consumidores de café: convencional, diferenciado e aquele consumido como experiência – também chamados, em relatório recém-publicado da World Intelectual Property Organization (WIPO), respectivamente, de café da primeira, segunda e terceira ondas (ou gerações) – e que se diferenciam em termos de público-alvo, de nuances do produto e, claro, de preço.

A figura abaixo, retirada do referido relatório (World Intelectual Property Organization Report 2017), permite visualizar essa inflexão, causada pela crescente incorporação de capital intangível na cadeia de valor do café consumido mundialmente e que permitiu aos países consumidores capturarem parcela cada vez maior da renda gerada no setor em ritmo que se acentuou a partir de fins da década de 1970.

Gráfico – Participação dos países exportadores e importadores na renda total gerada pela venda de café – 1965-2013

Fonte: World Intelectual Property Organization Report 2017.

Os consumidores tradicionais de café, que correspondem à primeira onda, eram atendidos por cerca de 65 a 80% da quantidade total de café produzida mundialmente, o que, no entanto, corresponde a apenas 45% do valor total de mercado. Por si só, esta informação já reflete o alto valor pago pelos consumidores da segunda onda – que passaram a levar em conta padrões voluntários de sustentabilidade – e da terceira onda, composta por demandantes dispostos a pagar um preço premium para terem peculiaridades de gosto atendidas por um produto que considerarem superior ao das demais ondas.

A sofisticação da demanda por café ao longo dessas décadas não só incrementou a parcela da renda capturada pelos países que mais gastam com seu consumo final. Ainda que em menor medida, os produtores de café cujo preço acompanhou a elevação dos padrões de produção – em termos de melhorias tecnológicas ou de aspectos socioambientais – também tiveram sua renda elevada. O mesmo relatório atesta que, enquanto países produtores de café da primeira geração faziam jus a US$3 por quilo do produto, os da segunda e terceira gerações o vendiam a cerca de US$6 e US$11 respectivamente. Neste sentido, é fácil inferir que a política pública ideal em um grande país produtor procuraria incrementar os ganhos “nas duas pontas”: promovendo o consumo de segunda e terceira geração por meio de táticas como o branding, para elevar o dispêndio do consumidor final local e externamente e, ao mesmo tempo, redistribuindo ao menos parte dos ganhos adicionais para segmentos de inovação (inclusive em termos de aumento da variabilidade de grãos) e padrões sustentáveis de produção (ambientais e sociais).

O relatório cita ao menos dois países que lograram melhorar sua inserção no mercado mundial de café ao perceber e promover políticas neste sentido, a ponto de terem suas marcas indissociáveis de suas nacionalidades: o café colombiano Juan Valdez e o jamaicano Blue Mountain. É digno de nota que nossos vizinhos sul-americanos contavam, ao final de 2016, com 371 cafeterias no “formato Starbucks”, das quais 120 fora da Colômbia. Ao fechar as portas para esse tipo de industrialização, o Brasil se consolida como líder em quantidade produzida, e, ao mesmo tempo, como o grande perdedor, pois não pode se orgulhar da marca, se os verdadeiros vencedores estão levando quase tudo em termos da renda total gerada.

Espera-se, no entanto, que iniciativa do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), na região das montanhas do Caparaó (entre Minas Gerais e o Espírito Santo), consolide caminho alternativo à cafeicultura nacional. Agricultores visitados por seus técnicos vêm conseguindo capturar parcela crescente do que antes seguia para atores intermediários. Isto foi possível por meio de qualificação técnica, alterações importantes em processos (principalmente pós-colheita) e aquisição de novos maquinários, como beneficiadoras. Assim, em 2016, conforme informa a Associação Brasileira de Cafés de Especialidade (BSCA), “a produção de cafés brasileiros de qualidade superior chegou a 8 milhões de sacas, 54% a mais que em 2015”.

Esta inflexão foi noticiada também na Folha de São Paulo pouco mais de 2 meses após a publicação do artigo de Zafalon, ao qual é importante contraponto. De todo modo, assim como para o café, deve-se ter em conta que mudanças de rumo como as promovidas pela Incaper devem servir de referência para outras culturas, como a soja, de modo que se contorne obstáculos como os impostos por oligopsônios (haja vista as implicações negativas da predominância do consumo chinês deste nosso grão – vide artigo de Zafalon) e ainda gerar mais renda por peso da produção. Assim, torna-se possível não somente remunerar melhor nossa produção, como garantir melhores condições de trabalho a produtores e de preservação de recursos naturais.

Breno Simonini Teixeira é economista formado pela Universidade de Brasília e mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente pelo Centro de Estudos em Economia, Meio Ambiente e Agricultura (CEEMA), vinculado ao Departamento de Economia da UnB. Atualmente, trabalha na Superintendência de Meio Ambiente na VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias.

O que, afinal, é indústria no século XXI?

Um dos assuntos mais populares nos dias de hoje é a indústria manufatureira. Pontos de entrada nesta agenda não faltam. Uns discutem a desindustrialização; outros a reindustrialização; outros a indústria 4.0; outros questionam a sua relevância; outros examinam a relação entre indústria, emprego, comércio exterior e inovação, e por aí vai.

Mas, afinal, de que indústria estão todos falando? Seria a indústria manufatureira, tal como a conhecemos dos livros-texto e das contas nacionais, ou seria algo diferente disto? A pergunta parece banal e até mesmo sem propósito. Mas não é. E razões para isto não faltam, incluindo as que seguem.

Primeiro, a atividade industrial dentro do chão-de-fábrica vem mudando substancialmente. Se, antes, a atividade envolvia várias etapas do processamento e da transformação industrial, hoje, boa parte das atividades acessórias e complementares, e até mesmo algumas mais centrais, já foi terceirizada. Contabilidade, folha de pagamento e logística, por exemplo, que tipicamente faziam parte da matriz básica de custos de uma fábrica, já estão no rol das atividades mais comumente terceirizadas. Com o advento da TI na nuvem e de tantos outros serviços fornecidos por arranjos cada vez mais flexíveis e sofisticados, muitas outras atividades antes dentro da empresa passaram a ser providas a partir de terceiras partes, muitas delas até mesmo localizadas em outros países. Consequentemente, o “tamanho” da indústria foi diminuindo ao longo do tempo em termos de emprego e de valor adicionado, o que levou muitos analistas a, precipitadamente, concluírem que a indústria teria encolhido.

Segundo, a indústria está se terciarizando. Se, antes, a indústria manufatureira vendia “coisas”, está se tornando cada vez mais parte do “novo normal” a indústria vender um pacote de coisas e serviços associados a elas. Por exemplo, fábricas de turbinas de aviões arrendam turbinas e, junto, os serviços de manutenção, seguros e soluções financeiras. Esses serviços são, muitas vezes, a parte mais atrativa e melhor remunerada do negócio. Mas esse movimento está se sofisticando ainda mais com a commoditização digital, em que até mesmo fábricas super-sofisticadas, com robôs, impressoras 3D, sensores e internet das coisas,  são vendidas a preços “subsidiados” em troca da fidelização a serviços de plataforma na nuvem que fazem a interface entre equipamentos e sensores, possibilitando toda uma nova gama de inteligência da informação e aplicação de business intelligence para atender a  dashboards que proveem resultados de melhoria em manutenção preditiva e de qualidade e de todo um novo menu de possibilidades produtivas.

Terceiro, uma das estratégias mais comuns entre os economistas para examinar as dificuldades da indústria é a análise comparada entre países. O problema é que esse método é inadequado para os dias de hoje. De fato, com o advento das cadeias globais de valor e com a crescente operação industrial das empresas multinacionais em nível global, temos ali elementos  fundamentais que devem, necessariamente, ser levados à consideração. Faz pouco sentido medir o tamanho da indústria de um país como, por exemplo, os Estados Unidos, apenas a partir das operações industriais em território americano. Afinal, a indústria desse país está espalhada em vários continentes e opera de forma coordenada e em rede. A operação de uma multinacional americana no Brasil não está isolada da operação, digamos, na Pensilvânia.  O que, normalmente, se vê nos casos de empresas de grande porte como as automobilísticas é que, para além da produção das peças mais sofisticadas, atividades mais nobres, como P&D, design, marketing, marcas e gestão geral da produção, ficam sediadas em território americano. As operações internacionais são, na verdade, um continuum das operações no país-sede e atendem aos interesses e estratégias corporativas.

Quarto, as análises convencionais sobre a indústria normalmente se focam no desempenho de variáveis como investimentos em prédios, máquinas, equipamentos, chaminés e caminhões e procuram acompanhar o consumo de caixas de papelão, energia elétrica e tudo o mais que tipicamente está associado à performance das fábricas. Mas o valor adicionado da indústria está se originando cada vez mais dos serviços e do digital . Pense no valor adicionado do iPhone. Além disto, os investimentos industriais em intangíveis já superam os em tangíveis em vários países. Decomposições mostram que os serviços já respondem por ao menos 70% do valor adicionado industrial nos Estados Unidos. No Brasil, exercícios de decomposição feitos a partir da Pesquisa Industrial Anual do IBGE mostram que os serviços respondem, em média, por 64% do valor adicionado da manufatura. É preciso, pois, novas métricas para identificar e medir a indústria. A densidade industrial, que é o valor adicionado da manufatura per capita num país, é uma alternativa que tem se mostrado bastante razoável para a tarefa. Ela revela a importância dos serviços para a cadeia da indústria e indica que não é o tamanho no PIB ou no emprego que importam, mas a capacidade da indústria de mobilizar recursos para gerar valor, sejam eles dentro ou fora da porta da fábrica, e sejam eles em serviços à jusante ou à montante da atividade industrial convencional.

A participação da indústria no valor adicionado dos Estados Unidos é muito similar à do Brasil, algo em torno de 11% do PIB. Contudo, a densidade industrial americana é várias vezes maior que a brasileira. Logo, com os supostos 11%, gera-se uma quantidade muito maior de riquezas e de bons empregos. Como mostra exame do espaço-indústria, a riqueza e os bons empregos vêm da relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços para criar valor. Investigação das contas nacionais dos dois países e das matrizes de insumo-produto revela que os serviços voltados para a indústria nos Estados Unidos são duas vezes maior que no Brasil em termos de participação no PIB. E, ainda mais importante, a parcela de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos no PIB, que inclui P&D, design, marcas, softwares sofisticados e serviços profissionais especializados, é quase quatro vezes maior que no Brasil.

Desta forma, a suposta queda da participação da indústria no PIB americano não implicou, necessariamente, em perda de importância da indústria. Na verdade, a indústria se transformou para seguir como protagonista, embora as métricas convencionais não capturem esse movimento. No Brasil, por outro lado, a queda da participação da indústria no PIB de 34% para 11% revelou uma desindustrialização clássica .

Essa discussão nos conduz a duas conclusões. Primeiro, temos um problema conceitual e de métrica do que seja a moderna atividade industrial, já que as contas nacionais seguem metodologias incapazes de identificar e medir a “nova indústria”. Segundo, análises territoriais da indústria são inadequadas para os dias de hoje.

Em razão dessas limitações, temos sido induzidos a conclusões limitadas, falsas até, sobre a relevância da indústria. A indústria é, e muito provavelmente continuará sendo, atividade fundamental e que comanda vastas redes de atividades econômicas e de inovação muito maiores do que as que normalmente lhe são atribuídas. Não por outra razão, governos de países avançados voltaram a colocar a indústria no cerne das políticas de crescimento e de geração de riquezas.

Boletim de Serviços – Novembro de 2017

O Boletim de Serviços de novembro de 2017 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços registrou queda de 2,7% em setembro na comparação anual, com destaque positivo para os serviços tradicionais (10,0%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses seguiu alta, em 5,7% em outubro, consideravelmente acima do IPCA geral (2,7%).
  • O setor de serviços seguiu apresentando resultado positivo na geração líquida de emprego, tendo criado 47,2 mil novas vagas em outubro, com destaque para os serviços de custo (44,4 mil vagas criadas).
  • A balança de serviços seguiu apresentando déficit no mês de outubro, de US$ 2,7 bi.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.