Conforme exposto em posts anteriores, o Acordo de Comércio de Serviços (TiSA, sigla em inglês), refere-se ao abrangente acordo plurilateral atualmente em negociação entre 23 membros da Organização Mundial do Comércio (totalizando 50 países). No comunicado da Comissão Europeia em 2013, são colocadas as motivações-chave do acordo, entre elas, a frustração com o impasse no avanço das negociações na Rodada Doha e a necessidade de um acordo que consiga refletir o atual cenário do comércio mundial de serviços.

A negociação já conta com mais de dezessete grupos de trabalho temáticos e dezoito rodadas de negociação, com uma lista abrangente de capítulos, conforme o quadro abaixo. Apesar de o acordo contemplar diversos setores tradicionais, ele também avança na discussão de temas ainda recentes, como a economia digital e a questão da restrição aos fluxos de dados entre fronteiras, que tem papel relevante para a oferta de serviços pela internet.

Temas em negociação no âmbito do TiSA

Comércio eletrônico Compras públicas
Empresas estatais Movimento de pessoas naturais
Regulação doméstica Serviços ambientais
Serviços de entrega competitivos Serviços financeiros
Serviços profissionais Serviços relacionados à energia
Telecomunicações Transparência
Transporte aéreo Transporte Marítimo
Transporte rodoviário e serviços de logística relacionados

Elaboração própria. Fonte: Wikileaks

Por englobar países que, conjuntamente, respondem por 70% do comércio de serviços e dois terços do PIB mundial, o acordo terá impactos significativos para participantes e não participantes. Tendo em vista a relevância dos serviços para a dinâmica de competitividade dos demais setores da economia, como indústria, agricultura e mineração, as implicações do TiSA claramente irão além do setor de serviços. Entre as possíveis implicações do Acordo estão mudanças em padrões regulatórios, nos fluxos de investimento direto (IED), na dinâmica e no posicionamento em cadeias globais de valor, bem como desvios de comércio entre não-participantes para participantes.

Em relação à estrutura do acordo, ele está sendo elaborado para ser compatível ao Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) da OMC, e incorpora alguns artigos centrais deste, como definições, escopo, acesso a mercados e tratamento nacional. Isso demonstra o desejo de expansão do acordo para demais membros, i.e., uma posterior “multilateralização” do acordo. Em função disso, o TiSA acaba por ser considerado com uma atualização do Acordo GATS.

O acordo também caminha próximo ao grandes acordos megarregionais, como o Acordo Transpacífico (TPP) e Parceria Transatlântica (TTIP). O TiSA tende, todavia, a ser o maior dentre eles por focar inteiramente no setor de serviços, cujo comércio tem crescido muito mais do que o comércio de bens. Quando se observa o crescimento no fluxo de dados entre fronteiras, todavia, é que se tem a real noção do que um acordo como o TiSA representa para o futuro do comércio.

Implicações para o Brasil

Recentemente o Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços anunciou que o Brasil buscará entrada nas negociações do TiSA. Apesar de a União Europeia afirmar que aceitaria a participação de qualquer país membro da OMC nas negociações a qualquer momento, como as discussões já estão bastante avançadas, isso pode ser difícil, já que os EUA já mostraram interesse em concluir a “fase um” da negociação até novembro, ainda durante o Governo Obama. Nesse contexto, a abertura para entrada do Brasil poderia gerar a demanda de entrada por outros países, com possíveis atrasos no andamento das negociações.

A entrada brasileira no Acordo é bem vista pelo mercado e pelo setor privado (ou parte dele, pelo menos). Há, todavia, um longo caminho a se percorrer até que a entrada no TiSA ocorra. Como já se sabe, o Brasil mantém um déficit significativo na balança de serviços – o qual chegou a US$ 36,9 bilhões em 2015, de acordo com dados do Banco Central. Informações computadas pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços – Siscoserv mostram um resultado similar. Pelos dados do Siscoserv observa-se que as exportações de serviços brasileiros estão muito concentradas em poucos parceiros comerciais. Seus cinco principais destinos – Estados Unidos, Holanda, Alemanha, Reino Unido e Suíça – são todos participantes do TiSA.

A entrada no acordo tem como potenciais benefícios a diversificação da pauta e dos destinos de exportações, bem como a melhoria da competitividade da indústria, que utiliza extensamente diversos serviços no processo produtivo. Além disso, as mudanças regulatórias a serem realizadas para entrada no Acordo poderiam contribuir não apenas para dinamizar serviços exportados, como também para fomentar o próprio mercado interno de serviços, já que parte das restrições ao comércio de serviços também são restrições no mercado interno (OCDE, 2013). Esse é o caso, por exemplo, dos setores de telecomunicações, bancário, transporte (em particular aéreo e marítimo) e logística, que possuem índice de restrição ao comércio (SRTI, sigla em inglês) superiores à média dos demais países (OCDE, 2015) e que são também intensamente demandados pela indústria.

Existem poucos estudos quantitativos acerca dos impactos do TiSA sobre a economia brasileira. Estudo de Ferraz (2016) baseia-se nos cálculos de equivalente-tarifário de barreiras regulatórias estimadas pelo Peterson Institute (2010) para estimar o impacto da redução de 50% no valor dessas barreiras entre os países membros do TiSA para a economia brasileira. Por essas estimativas, a adesão brasileira geraria impacto de 0,6% sobre o PIB, 2,8% sobre as exportações de manufaturas, 3,4% sobre exportações totais e 8% em exportação de serviços. Em relação aos setores da economia, a indústria teria a maior expansão relativa no PIB.

É importante que a discussão técnica que o Brasil travará não se limite apenas à adesão ou não do Brasil ao TiSA e que leve em conta, principalmente, os termos dessa adesão. Muito se argumenta que a entrada de futuros participantes será no esquema ‘take-it or leave-it’, apesar de muitos pesquisadores e governos advogarem em prol de uma agenda mais amigável para a entrada de países em desenvolvimento. Também é importante destacar, tal como já foi apontado diversas vezes neste blog, que a melhoria em setores como infraestrutura, logística e telecomunicações, apesar de terem papel relevante para a melhoria da competitividade do País, ajudarão a colocar o Brasil no jogo do comércio, mas isso não será suficiente para ganhar esse jogo. A análise dos textos dos mega-acordos regionais, bem como o atual cenário de altos fluxos de dados e da revolução digital por qual passa a economia mostram fortes indícios de que, para ganhar esse jogo, a agenda da economia digital é, de fato, a agenda que importa.