Em um post anterior havíamos comentado a necessidade de atualizar os acordos de comércio de serviços e as dificuldades para se contabilizar as implicações para os países que podem aderir ao TISA (Trade in Services Agreement), principalmente em decorrência do sigilo dos termos do acordo.

O Governo dos Estados Unidos pretende, ainda em 2015, avançar com o TISA e, para tanto, incluiu essas negociações na Agenda de Comércio do presidente. No dia 22 de Outubro, o Fórum Europeu de Serviços (ESF) se reuniu em Washington para tratar de uma declaração comum que, em suma, destaca que nas últimas semanas de 2015 será possível examinar oportunidades significativas de negociações de serviços direcionadas a modernização das regras relacionadas a serviços em nível regional, multilateral e plurilateral (como o TISA), com a finalidade de dar passos em favor do crescimento econômico, geração de empregos e as escolhas do consumidor.

Isso sugere que os países chamados pela União Europeia de “bons amigos dos Serviços” já estão se movimentando em relação ao TISA. Esses países, participantes do TISA, não se resumem a um grupo fechado de membros da OMC e, sim, a união de todos os países que sentiram a necessidade de avançar nas negociações relacionadas aos serviços. Eles representam uma mistura de países desenvolvidos e países em desenvolvimento que respondem por cerca de dois terços do comércio global de serviços.

As cadeias globais de valor e as tendências do comércio de serviços fazem surgir questionamentos como: o que perderão os países que ficarem fora do TISA? Vale a pena resistir ao acordo e tentar estimular os serviços internos ou é melhor ceder antes que o país acabe excluído dos acordos internacionais?

Wikileaks divulgou uma série de documentos a respeito das negociações do TISA sugerindo que o acordo pretende influenciar as leis comerciais locais, restringindo a autonomia dos governos, que terão seus projetos de leis controlados e precisarão de autorização para serem aprovados. Entretanto, os EUA e a União Europeia divulgaram um comunicado conjunto afirmando que nenhum acordo comercial exige que os governos privatizem seus serviços e que não vão impedi-los de atuar em áreas como educação, saúde, água e serviço social.

De acordo com esse documento divulgado, os países deverão abrir mão de algumas políticas nacionalistas, e inclusive o Brasil poderá ser afetado, já que uma das propostas do acordo veda a “transferência ou acesso de código-fonte de software como condição à prestação de serviços em seu território”, que é justamente o que o Ministério do Planejamento está tentando incluir na regulamentação sobre compras públicas de tecnologias de informação e comunicação.

A decisão de entrar ou não no TISA representa um trade-off  para os países em desenvolvimento: não aderir ao acordo implica em perder a oportunidade de influenciar e negociar em condições mais favoráveis. Não entrar pode levar a um arrependimento futuro e, quando os países resolverem aderir, podem ter perdido o timing e estar muito atrasados, seja tecnologicamente ou produtivamente em relação aos demais países participantes. Porém, entrar desde já implica que terão que praticamente renunciar ao desenvolvimento de vários setores de serviços que serão fonte fundamental de geração de riqueza no século XXI.

Analisemos o Brasil, que é um grande importador de serviços. A ampliação de serviços tecnológicos em nível doméstico, que representa parte significativa das importações, demandaria recursos humanos qualificados e condições para se fazer negócios que não temos no momento. Uma primeira reação mais pragmática seria, então, a de participar de acordos como o TISA. Porém, a decisão de entrar ou não necessita ser cuidadosamente examinada.

Para que possa valer a pena participar de um acordo de comércio de serviços, seja TISA ou qualquer outro com pauta similar, é necessário agir de forma estratégica, pensando nos benefícios e custos que se pode obter. Para tanto, é preciso:

  1. disposição por parte das autoridades para que o acordo beneficie a todos os participantes envolvidos;
  2. que sejam formuladas políticas domésticas para que o resultado das negociações seja eficiente e possa atingir os objetivos econômicos desejados para o país;
  3. que os países discutam as barreiras comerciais por eles enfrentadas nos diversos setores, e também que sejam esclarecidos quais os setores em que há maior pressão de demanda e qual a capacidade de oferta interna desses setores. Isso permitiria verificar se há excesso de demanda interna em algum setor que, eventualmente, não tem oferta nacional correspondente.
  4. observar que o momento da negociação também é um ponto muito importante, pois é preciso que o negociador seja devidamente qualificado e informado sobre os melindres do assunto;
  5. transparência à população a respeito das negociações também deve ser considerada, pois não é possível que países negociem os interesses públicos sem que o próprio público saiba quais decisões estão sendo tomadas, dificultando a avaliação dos resultados do acordo, se foi de fato benéfico ou não.

Por fim, vale uma ressalva: a maior parte do comércio internacional dos serviços já se encontra nas mãos daqueles que negociam o TISA e esse montante pode aumentar ainda mais, fator que deve ser notado, pois exige, a cada dia que se passa, mais atenção dos países não participantes, como o Brasil. O debate sobre o tema não pode ser deixado de lado, bem como um estudo mais aprofundado sobre as suas consequências.