Economia de Serviços

um espaço para debate

Tag: tecnologia (page 2 of 5)

Globalização e a escada íngreme da tecnologia

A edição de abril do “World Economic Outlook (WEO)” do FMI trouxe um capítulo sobre como a globalização vem contribuindo para uma difusão de conhecimento pelos líderes tecnológicos mais rápida do que anteriormente. A difusão tecnológica transfronteiriça não só contribuiu para o aumento dos níveis de produtividade doméstica nas economias avançadas e emergentes, mas também facilitou uma reformulação parcial do mapa da inovação tecnológica, com alguns beneficiários se tornando novas fontes significativas de pesquisa e desenvolvimento (P & D) e patentes. Cabe a nós entender o que seria necessário para que essa mudança no cenário da inovação fosse ainda mais ampla.

A globalização difundiu conhecimento e tecnologia …

Maior comércio, investimento estrangeiro direto e uso internacional de patentes disseminaram mais intensamente o conhecimento e a tecnologia através das fronteiras. Um duplo dividendo pode potencialmente ser derivado de tal característica: como a tecnologia é tipicamente “não-rival” em seu uso, sua difusão pode levar a aumentos de resultados médios a custos relativamente baixos; além disso, seu uso múltiplo pode gerar efeitos de rede positivos por meio da polinização cruzada.

Os fluxos de conhecimento do exterior podem ter impacto tanto na produtividade, através da adoção de tecnologias estrangeiras no processo de produção, como – combinados com P & D interna – em inovação (Gráfico 1).

O WEO estima que, nas economias de mercado emergentes, “de 2004 a 2014, o conhecimento estrangeiro foi responsável por cerca de 0,7 ponto percentual do crescimento anual da produtividade do trabalho, ou 40 por cento do crescimento observado da produtividade setorial, comparado com o crescimento anual de 0,4 ponto percentual durante 1995–2003″ (Gráfico 2). Segundo o relatório, esses resultados permanecem robustos mesmo quando a China é excluída, o que indica que os efeitos da produtividade foram amplos entre as economias emergentes.

Além disso, o relatório mostra um quadro de mudança na constelação internacional de fontes de inovação tecnológica, à medida que os gastos com P & D crescem rapidamente na China e os estoques de patentes internacionais se acumulam na Coreia (Gráfico 3). Esses países se juntaram aos líderes tradicionais em setores como equipamentos elétricos e ópticos e, especialmente, na Coreia, em equipamentos de máquinas.

Isso aconteceu mesmo enquanto, desde o início da década de 2000, as economias tradicionais de fronteira passaram por uma desaceleração nos aumentos de produtividade da mão-de-obra e na produtividade total dos fatores, ao mesmo tempo em que houve um crescimento mais lento das patentes e, em certa medida, menor investimento em P&D. Duas linhas de explicação para tal têm sido oferecidas, vale dizer: refletem uma lacuna de tempo na transição entre a terceira e a quarta revoluções industriais ou manifestam um declínio secular nas oportunidades de levar a produtividade adiante. De qualquer maneira, como assinalei em 2010, as prevalentes lacunas de convergência tecnológica e a não-rivalidade no uso de tecnologias existentes ofereceram às economias de mercado emergentes a oportunidade de continuar avançando mesmo com o ritmo desacelerando na fronteira (Canuto, 2010).

O WEO também traz à tona os resultados de um exercício empírico mostrando os efeitos positivos da competição internacional em inovação e difusão tecnológica. Isso poderia ser considerado um canal adicional através do qual a globalização estaria reforçando os incentivos para inovar e adotar tecnologias do exterior.

… Mas existem requisitos locais para subir na escada de capacidades de inovação

Não obstante a melhoria dos fluxos transfronteiriços de conhecimento pela globalização, a simples interconectividade não gera automaticamente os aumentos de produtividade e a inovação local. Qualquer aplicação de tecnologia incorpora um conteúdo “tácito” e localmente específico – idiossincrático – que não pode ser adquirido ou transferido por meio de manuais ou qualquer outra forma codificável de transmissão de conhecimento. Esse conhecimento não pode ser tornado “explícito” em blueprints e, portanto, não pode ser perfeitamente difundido como informação pública ou propriedade privada. Tem de ser desenvolvido localmente (Canuto, 1995).

Há um aumento dos requisitos em termos de conhecimento tácito e idiossincrático e de desenvolvimento local de capacidades quando se pensa em produção, adoção de tecnologia e invenção, como mostrado no Gráfico 4. Pode-se também considerar típica para os retardatários uma evolução que geralmente começa com a produção e a adoção de tecnologia antes da invenção. Esse foi exatamente o caso da Coréia e da China, que empreenderam esforços para desenvolver capacidades de inovação após intenso aprendizado pelo uso e adaptação de tecnologias existentes.

O sucesso em montar e ascender na escada rolante de capacidades depende da presença de um amplo conjunto de complementaridades, na ausência das quais o retorno do investimento no desenvolvimento de capacidades é dificilmente obtido. O acesso a finanças, infraestrutura, mão de obra qualificada e práticas gerenciais e organizacionais importa. Soluções para falhas de mercado que geram desincentivos ao acúmulo de conhecimento também devem estar presentes. Além disso, os custos de transação associados ao ambiente de negócios – comércio internacional, contratação de mão de obra, execução de contratos, etc. – não podem ser muito altos (Canuto, Dutz & Reis, 2010).

Como a presença de tais complementaridades não é fenômeno generalizado, pode-se entender porque a mudança internacional na paisagem da inovação tem sido limitada. Também explica o que Cirera & Maloney (2017), do Banco Mundial, chamaram de paradoxo da inovação: os níveis de investimento relacionados à inovação nas economias em desenvolvimento não são proporcionais aos altos retornos que se espera acompanharem a adoção de tecnologias disponíveis e a convergência tecnológica. A globalização pode disseminar o conhecimento, mas não necessariamente vem com o que é necessário para desfrutar completamente disso.

O que é transformação digital?

No contexto atual, no qual empresas tradicionais estão enfrentando forte concorrência de startups ou das grandes empresas de tecnologia, muito tem se falado sobre “transformação digital”. Mas, o que isso significa? De acordo com Khan (2016), transformação digital é o “processo acelerado de adaptação técnica de indivíduos, empresas, sociedades e países à digitalização de tudo.”

A título de exemplo, é assustador o impacto que o smartphone teve na sociedade global em pouco mais de dez anos de existência. Na imagem ao fim deste post, há uma propaganda de 1991 da Radio Shack, uma das maiores redes varejistas eletrônicos nos EUA à época. Nela, 13 dos 15 produtos ofertados são facilmente encontrados em smartphones. A eleição no país mais rico do mundo pode ter sido decidida em grande medida por uma plataforma que começou há 14 anos com o simples propósito de conectar estudantes de Harvard. Redes sociais foram o motor de uma das maiores ondas revolucionárias do Oriente Médio, a chamada Primavera Árabe. Uma empresa de tecnologia da Califórnia compete diretamente com taxistas ao redor do mundo. E por aí vai.

Os exemplos de como as tecnologias digitais têm impactado o mundo são praticamente infinitos. O fato é que as empresas tradicionais que quiserem sobreviver a esse mundo cada vez mais digital têm e terão que se transformar e se adaptar constantemente. Portanto, para empresas, “transformação digital” se refere, principalmente, a se tornarem capazes de se adaptarem a um cenário cada vez mais mutável. David L. Rogers, em seu livro de 2016  “The digital transformation playbook: rethink your business for the digital age”[1], apresenta cinco grandes áreas em que a transformação digital é mais evidente: consumidores, competição, dados, inovação e valor.

Na parte de consumidores, o que é mais destacado é como eles, os consumidores, têm se tornado mais influentes nas decisões de outros consumidores. Atualmente, restaurantes, hotéis, bancos e negócios de qualquer setor sabem (ou deveriam saber) que a sua reputação pode ser profundamente abalada por resenhas negativas em plataformas como o Google, Facebook, Tripadvisor ou ReclameAqui. Por outro lado, se, antes, o fluxo de valor era unidirecional, no sentido empresa-cliente, hoje, ele é recíproco. Um hotel oferece valor (estadia) para um cliente e recebe valor (reputação) do cliente que o resenha. Por fim, nesta área, vale ressaltar a expectativa cada vez mais presente da customização em massa. Da mesma forma que um usuário do Netflix espera que a sua experiência seja customizada especificamente para ele, cada vez mais o consumidor espera o mesmo de cada serviço e produto que ele adquire, seja ele presencial ou digital.

Na área de competição, destaca-se cada vez mais a competição entre empresas aparentemente de setores distintos. Atualmente, uma empresa de tecnologia norte-americana (AirBnB) compete com uma pousada brasileira. O Google compete até com médicos, ao dar informações cada vez mais detalhadas a respeito de doenças, seus sintomas e tratamentos. Ao mesmo tempo, há, em alguns casos, cooperação entre competidores em áreas-chave. Por exemplo, Google, Facebook, Amazon, IBM e Microsoft cooperaram para estabelecer padrões éticos para o uso da Inteligência Artificial. Por fim, no mundo digital, a competição pode ser difusa, mas há tendência, em vários mercados, de um cenário de winner-takes-all por conta dos efeitos-rede e dos modelos de negócio de plataforma.

Os dados também são um componente importante da transformação digital. Até pouco tempo atrás, dados eram caros de se obter e gerenciar. Atualmente, os dados estão cada vez mais abundantes e a principal dificuldade é transformar dados em valor, algo que as gigantes da tecnologia já conseguem fazer com maestria. Só é possível atender à já mencionada demanda por customização com a análise contínua de dados sobre o usuário. Como exemplo disto, basta lembrar o tanto que o Cambridge Analytica declarava conhecer sobre os usuários do Facebook. Segundo foi revelado, com poucos likes, é possível conhecer alguém mais profundamente do que os amigos e familiares da pessoa.

A formas de se inovar também têm mudado consideravelmente. Atualmente, é muito mais barato, rápido e fácil testar ideias. Entre startups, é comum lançar uma página anunciando um serviço que ainda nem existe para medir o interesse dos consumidores na ideia e colher feedback antes mesmo de se começar a desenvolver a ideia.

Outra mudança é o foco no problema. Atualmente, empresas que dominam mercados iniciaram atacando um problema claro e comum aos consumidores: o Uber começou a atuar pois percebeu que táxi era algo caro e burocrático e não resolvia eficientemente o problema do transporte individual; o AirBnB começou pois viu que os hotéis não eram suficientes e nem baratos em grandes cidades; o Google percebeu que, à época, ainda era difícil de se encontrar respostas na Internet, etc. Por fim, as empresas inovadoras têm menos foco no produto “finalizado” e se concentram em lançar um produto minimamente viável (MVP) que resolva um problema específico para aprender com o uso pelo cliente e evoluir constantemente. Serviços como Facebook, Whatsapp e outros têm atualização quase diária, ou seja, nunca têm um produto “pronto”.

Outra área afetada pela digitalização de tudo é o valor. Antes, a proposta de valor de uma empresa era facilmente compreendida: uma empresa automobilística entregava carros como valor. Hoje, uma empresa como a Amazon entrega qual valor exatamente? A empresa, que começou como uma simples loja de livros online, tornou-se megavarejista; fabricante de hardwares que entregam conveniência (Kindle, Amazon Echo, etc); espaço em nuvem para empresas; entre outras atividades, e está constantemente buscando novas formas de entregar valor para os seus clientes. Nas palavras de Rogers (2016), se, no passado, o sucesso permitia a complacência, hoje, “só os paranóicos sobrevivem.” Na visão do autor, as empresas que não buscarem novas formas de gerar valor para os seus clientes provavelmente morrerão antes do que esperam.

Com tantas mudanças, é importante ressaltar que, em geral, a mudança na estratégia e no modelo de negócios de uma empresa costuma ser mais relevante do que a tecnologia em si para responder aos desafios que resultam da digitalização de tudo. Essa é a conclusão de estudo do MIT com Deloitte feito com empresas do mundo inteiro e bem sintetizado e debatido em artigo de Sílvio Meira (2017), do Porto Digital. Afinal, o que há de mais disruptivo no modelo Uber não é a tecnologia em si, mas, sim, o seu uso para viabilizar um modelo de negócios que resolve um problema do dia-a-dia de maneira exponencial.

Em tempos de commoditização digital, se as empresas brasileiras quiserem ter relevância no mercado global, não bastará a elas utilizar as últimas tecnologias. Será preciso usá-las para oferecer produtos e serviços de maneira inovadora.

Imagem – Propaganda da Radio Shack de 1991. 13 dos produtos vendidos estão atualmente embutidos ou vendidos como aplicativos em smartphones

[1]No Brasil, o livro foi traduzido como “Transformação digital: Repensando o seu negócio para a era digital” (Autêntica Business, 2017)

2025: Novos Mestres

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

Ainda em 2025, professores como Claudio Faria, da escola de medicina de uma faculdade particular, continuarão necessários dentro de salas de aula. Também fora, como referências de conhecimento para o suporte ao crescimento exponencial do poder do ensino a distância. Tão essenciais como os alunos, que ainda frequentarão escolas com o objetivo de alcançar a formação universitária que, pelo menos em tese, abrirá novas oportunidades de trabalho.

Mesmo com a proliferação em larga escala de cursos a distância, os professores não serão, pelo menos ainda, membros de uma das categorias em extinção em ambientes físicos. Inclusive, porque alguém de carne e osso vai receber os estudantes nas salas de aula.

As boas vindas diárias às salas de aula não serão dadas por robôs impessoais, muito menos por totens onde o aluno se identifica com a digital ou com reconhecimento facial. Estudantes ainda irão às faculdades e terão os responsáveis humanos para cada atividade do currículo. O que muda de verdade, na próxima década, é o conforto existencial dos mestres. No século anterior, eles praticamente não sentiram mudanças na relação com os estudantes.

Em 2018, o professor Claudio Faria, por exemplo, dava aulas para os seus 40 alunos de anatomia praticamente da mesma forma como fazia quando começou a lecionar no final dos anos 1990: As mesmas anotações, o mesmo Power Point, as mesmas observações. Até os cadáveres utilizados em atividades práticas eram identificados por apelidos durante anos seguidos.

Transformações exponenciais

As mudanças na relação entre alunos e professores começam a fazer efeito, de verdade, a partir do ano 2020, com o salto da velocidade da internet e com o amadurecimento geral das tecnologias. Agora, sim, a internet em todas as coisas mostra a sua verdadeira face, onipresente, absoluta. Vídeos são o padrão de comunicação. Telas estão em todos os lugares. Muitas das pessoas nem terão mais smartphones.

Um estudo do Pew Research Center e da Universidade de Elon, dos Estados Unidos, sintetiza o que terá acontecido. Assim como o acesso à Internet discada viabilizou o uso do e-mail e a navegação na web como padrão dos anos 1990 e a Internet de banda larga estimulou downloads de música, transmissão de vídeo e redes sociais, a Internet com velocidade gigabit estimulará um novo conjunto de tecnologias e serviços.

No cenário de transformação exponencial, o professor é obrigado a sair da zona de conforto para aprender a lidar com tecnologias como inteligência artificial, realidades virtual, aumentada e mista, sistemas de análise de dados, big data, assistentes virtuais e comunicação a distância com tradução online, entre outros. Mesmo em cursos como filosofia e história é impossível imaginar que a transmissão de conhecimento será da mesma forma dos nossos pais, avós e bisavós.

O que diferenciará o bom do mau professor não será, necessariamente, o domínio do conhecimento, mas a capacidade de explorar o poder tecnológico para ampliar o acesso dos alunos às informações. Portanto, o poder de uso da tecnologia faz a diferença. Mesmo que as aulas de anatomia ainda venham a precisar recorrer a cadáveres (o que é provável), o professor terá, à sua disposição, o apoio da realidade virtual e da realidade aumentada como suporte. Esqueça o que já existe hoje de virtualidade, no futuro, o aluno terá a sensação exata de estar diante de um corpo com seus bilhões de detalhes.

Ao contrário do que ainda é comum nos dias de hoje, o professor não é “aquele que fala”, como detentor absoluto do conhecimento. Professor é quem, detendo um saber, direciona estudantes para um roteiro de estudos. Por onde começar, para onde seguir. O que é prioridade ou não. Cada aula representa uma oportunidade de integração entre o aluno e a informação que se pretende alcançar.

Sob um viés conceitual, o educador passa a ocupar uma posição no centro da relação. Esqueça a sua memória de um mestre na lateral da sala, pouco vulnerável ao poder dos alunos. Em um futuro no qual serão cada vez mais comuns as aulas virtuais, o mestre terá a função de um intermediário entre o conhecimento, a tecnologia e o aluno.

Desafios do aprendizado

Estudantes, assim como os trabalhadores, estarão sendo desafiados em todos os momentos. O modelo de aula expositiva é substituído, então, pela estratégia de ensino por tarefas. A multiplicidade de informações disponíveis é tão relevante quanto a possibilidade de encaminhar estudos personalizados.

No caso do nosso professor de anatomia, Cláudio, ao invés de simplesmente apresentar um pedaço do crânio, pode desafiar a turma ou um aluno específico a encontrar na rede as últimas referências sobre o tema. E propor a criação de uma apresentação que, para os padrões atuais, certamente parecerá uma produção de cinema.

Indústria ou serviços? Afinal, qual é a participação da indústria na economia?

Muito tem se falado sobre o encolhimento da indústria manufatureira brasileira. Opiniões divergentes abundam. Uns dizem que o encolhimento da indústria fragiliza a economia nacional. Outros acham que a indústria já não importa e tomam o caso dos Estados Unidos como referência.

Mas, afinal, o que se passa com a nossa indústria? A partir das contas nacionais, o IBGE identifica que a indústria representaria algo em torno de 11% a 12% do PIB. Como já foi quase três vezes maior e a participação segue um padrão de queda quase monotônico desde os anos 1980, então muitos analistas acreditam que o país estaria passando por um processo de  desindustrialização. O professor da Universidade de Cambridge, Ha-Joon Chang, por exemplo, caracteriza o recuo da indústria no Brasil como um dos maiores movimentos de desindustrialização jamais registrados.

A atual participação da indústria americana no PIB é similar à brasileira, sendo que lá ela também já foi substancialmente maior. Porém, para Dani Rodrik, diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil estaria experimentando um processo de desindustrialização prematura, já que ainda é um país emergente.

De fato, a despeito das supostas similaridades das participações da indústria dos dois países no PIB, é preciso se levar em conta as substanciais diferenças entre os dois casos. Enquanto a queda da participação da indústria americana no PIB foi acompanhada de significativo aumento da densidade industrial, a queda da participação no Brasil foi acompanhada de estagnação da densidade — a densidade americana é, hoje, mais de quatro vezes maior que a brasileira e a diferença segue aumentando. Já a participação no PIB dos serviços utilizados como insumos de produção, tais como os serviços de custos e de agregação de valor, é quase duas vezes maior nos Estados Unidos do que no Brasil.

Logo, as evidências sugerem que a indústria americana mobiliza e articula uma extensa cadeia de valor e produz bens de muito mais alto valor adicionado que a brasileira.

É preciso, ainda, considerar que a indústria americana se estende mundo afora, com gigantesca presença global através das suas multinacionais e que é parte ativa de muitas das mais influentes cadeias globais de valor, como a automobilística, a química, a eletrônica e a aeronáutica. A contabilização da indústria americana operando no seu próprio e em terceiros territórios indica que os Estados Unidos têm, juntamente com a China, as duas mais poderosas indústrias manufatureiras do globo.

Indicadores menos convencionais, como emprego de engenheiros, patentes depositadas e encomenda e financiamento do P&D do setor de serviços, sugerem que a indústria americana tem vasta contribuição para a inovação e para a tecnologia e é mobilizadora de recursos para o P&D.

Pense, agora, na Google, Amazon, Microsoft, Uber e Apple, que estão entre as mais valiosas empresas globais de serviços. Um olhar mais cuidadoso mostra que essas empresas são, e cada vez mais, desenvolvedoras de bens industriais que trazem consigo elevadíssima porção embarcada de serviços e alta tecnologia.

Nada disto está colocado para o Brasil. Logo, comparar Brasil com Estados Unidos é como comparar laranjas com maçãs.

Isto posto, é difícil concluir que o caso do Brasil é similar ao dos Estados Unidos. Pelo contrário, o que parece é que a indústria americana estaria passando por um sofisticado processo de transformação baseado numa relação sinergética e simbiótica com os serviços para criar valor em nível global.

Em tempos de densidade industrial e de profundas transformações nas tecnologias de produção e de gestão da produção e no conceito de produto industrial, a comparação da participação da indústria no PIB ou mesmo a comparação do perfil geral da produção de países pode pouco ou nada dizer.

Serviços em agricultura – A revolução verde de nossa época

[1]Ver nota do autor

O Brasil enfrenta o chamado “imperativo da produtividade”, situação em que o crescimento, geração e distribuição de renda de um país não pode mais ser baseado em variáveis exógenas — como aumento da demanda externa, preços de commodities ou ganhos demográficos –, e passa a depender basicamente do aumento sustentado de sua produtividade média. Como temos visto no blog, um dos grandes entraves para o aumento da produtividade brasileira é o setor de serviços. De fato, a rápida desindustrialização da economia brasileira tem revelado que o padrão de rápido crescimento da produtividade puxado pela atividade manufatureira vivido pelo Brasil até a década de 80 dificilmente se repetirá. O país busca então novas formas de se valer do setor de serviços para crescer a passos mais rápidos e sem a grande volatilidade de outrora (retratada por Arbache e J.B Sarquis em “Growth Volatility and Economic Growth in Brazil“).

O setor agrícola é constantemente citado como exceção à estagnação brasileira, ensejando esperança em tal busca. De fato, a produtividade total dos fatores neste setor teve crescimento alto e estável desde a década de 1970 (em torno de 3.5% ao ano), na contramão da tendência de estagnação ou leve crescimento de grande parte dos demais setores da economia brasileira. A abertura de novas fronteiras agrícolas impulsionada pelo avanço genético e técnico liderado por instituições como a Embrapa — como o caso do cerrado –, a mecanização e profissionalização do campo (particularmente em grandes e médias propriedades), e a adoção em larga escala dos pacotes bioquímicos e defensivos explicam o “milagre” agrícola brasileiro. Em suma, a fazenda Brasil se expandiu e adotou novas máquinas e técnicas para converter mais eficientemente seus abundantes recursos naturais em produtos agropecuários, colhendo os frutos da chamada Revolução Verde.

A inovação agrícola no mundo, no entanto, tem se deslocado atualmente do modelo mecânico-químico do século XX para um novo paradigma de produção baseado na incorporação de serviços de alto valor agregado nos produtos agrícolas. Ao invés de novas expansões da fazenda e de seu maquinário, o foco agora é conectá-la aos novos conhecimentos tecnológicos do século XXI — especialmente tecnologias digitais, biotecnologia, tecnologia da informação e ciência de dados — para aumentar a produtividade agrícola na mesma medida em que se reduz a intensidade de uso de recursos naturais e insumos químicos em sua produção.

Conhecida no mundo como as inovações “agtech”, muitos entendem que esta onda transformadora de avanço tecnológico corresponda à nova Revolução Verde do século XXI. Uma de suas principais tendências é o impulso para digitalizar a agricultura. Aplicações digitais como drones e satélites para monitoramento de solo e de plantações de forma remota; sensores para o controle do crescimento e nutrição das plantas; e chips eletrônicos para monitoramento e detecção localizada de doenças em animais conectam o agricultor a dados valiosos que guiam sua tomada de decisão nas principais dimensões de seu negócio, tornando seu sistema de gestão de informação uma ferramenta tão importante quanto seu maquinário.

Diversas startups “agtech” que oferecem aplicações digitais têm aflorado no Brasil, como a Agrosmart, que oferece soluções de detecção antecipada de doenças em soja e milho e poupa até 60% da necessidade de água para irrigação com a colocação de sensores nas plantações (em sistema de Internet das Coisas); a empresa InCeres, que oferece softwares para análise de dados climáticos e do solo viabilizando agricultura de precisão com algoritmos geoestatísticos para aumento da fertilidade da terra; e a empresa TerrasApp, que desenvolve ferramentas de monitoramento satélite e aplicações digitais que permitem o diagnóstico precoce de doenças bem como o monitoramento da conservação ambiental e do solo; entre tantas outras.

Outra tendência “agtech” é o uso de novos conhecimentos de biotecnologia para reduzir a intensidade do uso de defensivos químicos com a utilização aplicações naturais, como anticorpos que previnem pragas e novos macrobióticos que melhoram seu desempenho nutricional. A startup BR3, por exemplo, desenvolve microrganismos naturais que substituem a necessidade de defensivos químicos em certos tipos de pragas. Outro exemplo é a startup ChipInside, que desenvolveu uma coleira biológica que monitora a ruminação, saúde e cio em bovinos leiteiros, permitindo aumento da produção e prevenção de doenças no rebanho.

A onda “agtech” representa uma oportunidade concreta e plenamente atingível de liderança global para o Brasil, e pode ensejar o início de um novo ciclo de crescimento de produtividade no campo brasileiro, potencialmente mais sustentável ambientalmente. No entanto, para que o Brasil se torne não apenas um usuário, mas um desenvolvedor e gerenciador global de soluções “agtech”, terá de enfrentar diversos entraves regulatórios e tecnológicos, como integração efetiva da pesquisa acadêmica com a indústria e o agronegócio; acesso a financiamento e capital de fundos de capital empreendedor (venture capital); redução de entraves regulatórios no setor agrícola (principalmente para permitir a adoção exponencial das novas soluções pelos agricultores); novas formas de propriedade intelectual; e formação de profissionais da área. Esta seria uma área interessante para a implementação de uma nova geração de políticas de desenvolvimento produtivo que solucionem as falhas de coordenação entre setor público e privado que surgirão no caminho.

Ainda assim, há ao menos duas razões estruturais que deveriam nos motivar a perseguir a ponta na corrida “agtech”.

Em primeiro lugar, evidência empírica de diversos autores (como Giuseppe Berlingieri, 2014) mostra que os serviços de alta produtividade (especialmente aqueles conhecidos como professional business services) não surgem de forma autônoma, e sim por demanda dos setores finalísticos, como indústria e agricultura. Países com setores finalísticos mais desenvolvidos tem maiores condições de desenvolver serviços de alto valor agregado. Se por um lado a desindustrialização torna cada vez difícil para o Brasil desenvolver serviços complexos para a indústria, por outro, o país tem um mercado agrícola interno capaz de demandar e impulsionar o desenvolvimento de um rico ecossistema de soluções “agtech”.

Em segundo lugar, diferente de outros ramos de economia digital (como e-commerce, sistemas computacionais e entretenimento) onde os efeitos de rede e plataforma já consolidaram grandes plataformas globais (como Amazon, Google, Facebook), o ramo “agtech” segue campo relativamente aberto a ser conquistado. Ainda que a recente aquisição da empresa Climate Corporation pela Monsanto por quase US$ 1 bilhão seja um exemplo simbólico da possível formação de plataformas globais de agricultura digital, que podem por exemplo oferecer soluções de big data para agricultores em diversos biomas e culturas, o ecossistema “agtech” ainda está em fase de crescimento fragmentado, o que permite ao Brasil colocar-se na fronteira da criação de conhecimento nesta área sendo potencialmente um dos líderes de sua futura consolidação global.

Com quase duas décadas findas, o Brasil já olha pelo retrovisor para diversas ondas tecnológicas do século XXI. A onda “agtech”, no entanto, ainda está aberta a quem souber surfá-la.

 

[1]As opiniões ou visões contidas no texto não necessariamente representam aquelas das instituições com as quais o autor mantém vínculos empregatícios ou acadêmicos.

Tomás é formado em economia pela Universidade de São Paulo e possui mestrado em desenvolvimento econômico pela Universidade de Harvard. Ele é especializado em desenvolvimento produtivo e inovação, e atuou no setor público, privado e em organismos multilaterais – como economista das Nações Unidas (ONU) em Genebra e do Banco Mundial. Atualmente lidera operações de inovação via setor privado no Banco Interamericano de Desenvolvimento na América do Sul.

2025: o ano do ensino massivo, online e aberto

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

Sebastian Thrun estava certo, apesar dos escorregadas de previsão acumuladas pelo caminho. Em 2015, o co-fundador da Udacity disse que, em 2025, a formação baseada em Cursos Massivos Abertos e Online (MOOCs, em inglês) estaria não apenas consolidada, seria um padrão global, capaz de deixar para trás, finalmente, a atual estrutura, criada nos séculos passados.

A Udacity é fruto de um experimento na Universidade de Stanford, onde os fundadores Sebastian Thrun e Peter Norvig lecionavam e queriam fazer um curso aberto para o mundo. Inicialmente, eles criaram a plataforma para oferecer um curso aberto e gratuito de “Introdução à Inteligência Artificial”. Após o estrondoso sucesso, com mais de 160 mil alunos inscritos em 190 países, a  plataforma começou a operar comercialmente em 2011. Atualmente, conta com centenas de cursos criados em parceria com empresas como Amazon e Facebook.

Em 2025, de uma forma geral, os cursos de formação profissional, inclusive os universitários tradicionais, deverão ter perdido espaço e sentido com o amadurecimento das tecnologias e com a transformação dos modelos de ensino. O ensino será mais online porque a internet terá altíssima velocidade. Ele deverá ser também mais aberto, como consequência das mudanças e eliminação dos entraves vinculados às atuais normas e regras de ensino. Os MOOCs deverão ser, também, fenômenos de massa, pois as tecnologias possibilitarão a formação de turmas globais.

Entre erros e acertos

O criador do Udacity foi ousado. Além de dizer que os seus “diplomas” seriam um padrão, ele também previu que, por volta de 2065, haveria apenas uma dezena de instituições educacionais no mundo fornecendo educação superior, e que a Udacity seria uma delas. Porém, até aqui, o caminho para essa dominação não parece tão simples como de início, quando o mercado era dominado por Udacity, Coursera e edX, as três pioneiras no segmento MOOC.

Em 2012, talvez empolgado pelo crescimento acelerado do segmento, o New York Times chegou a declarar 2012 como o ano do MOOC. Foi o ano em que as três empresas pioneiras criaram uma onda e prometeram um tsunami positivo.

Dois anos depois, em 2014, o próprio Sebastian Thrun voltou atrás em suas convicções absolutas. Ele disse, então, que “o MOOC básico é ótimo para os 5% melhores estudantes, mas não é ideal para os 95% restantes “. Como resultado, o  Udacity mudou suas prioridades de curto prazo e implantou estratégias para se tornar uma das 10 maiores instituições do mundo com foco em treinamento corporativo e profissional.

A concorrência também cometeu erros de avaliação. Também em 2012, Anant Agrawal, CEO da edX, previu que, em menos de um ano, uma das universidades parceiras da edX ofereceria um diploma puramente online. Os anos se passaram desde então e ainda não há sinal de diploma puramente online de nenhuma das instituições parceiras. Em 2015, a Coursera, fundada por dois professores de Stanford, é, de longe, a maior em termos de número de cursos oferecidos e estudantes matriculados.

Em 2025, os atestados de sucesso

O tempo passou, o tempo voou nos braços da revolução digital e os MOOCs passaram pelo processo de amadurecimento, como qualquer outro negócio. Em 2025, aos 58 anos, cada vez mais remoçado, Sebastian Thrun reconhecerá que a transformação da educação superior ocorreu por razões diferentes daquelas inicialmente imaginadas.

Inclusive, Thurn terá se equivocado com relação à expectativa de uma enorme quantidade de estudantes recorrendo às instituições de ensino de ensino massivo. O desenvolvimento dos MOOCs terá se adaptado, então, a mudanças sociais. Ok, até lá, a tecnologia terá consolidado o avanço exponencial previsto. As aulas serão em realidade mista, com a incorporação de benefícios dos avanços da holografia. E, com a tradução instantânea, será possível integrar turmas em todos os idiomas.

Todas as condições para a existência de cursos superiores integralmente online via MOOCs estarão disponíveis no cenário. O problema deverá ser, ironicamente, o excesso de tecnologia. Cada cidadão global deverá ter 9,5 dispositivos tecnológicos vinculados a ele. Portanto, é possível prever, também, uma onda anti-MOOCs, como um desejo global de resgatar a humanização do ensino. Com isso, é provável que o segmento siga evoluindo.

Como (não) competir com o Google?

Temos falado há algum tempo no blog sobre o poder das cinco grandes empresas do mundo digital: Google, Facebook, Amazon, Apple e Microsoft. Estas cinco companhias estão em praticamente tudo. Apenas a título de exemplo, 2 bilhões de pessoas usam celulares Android, do Google; 2,1 bi. de pessoas usam Facebook; a Amazon responde por mais de um terço do mercado de serviços de armazenagem em nuvem do mundo; mais de 700 milhões de Apple iPhones estão em uso atualmente; e 1,5 bilhão de pessoas usam o Windows, da Microsoft.

Em comum, essas empresas têm plataformas pelas quais passam diariamente praticamente todos os usuários e desenvolvedores online fora da China. Esse fato traz a elas dados e conhecimentos sobre o mundo digital que lhes permitem aperfeiçoar progressivamente seus algoritmos e aplicações de maneira a capturar ainda mais valor ao longo das suas cadeias. Para o usuário, é cômodo e vantajoso seguir utilizando os serviços cada vez mais vastos dessas empresas.

Digamos que surja um sistema operacional de smartphone mais eficiente que o Android ou o iOS (da Apple). Uma pergunta plausível é: por que um desenvolvedor tomaria seu tempo construindo aplicativos para essa plataforma que começaria com um número reduzido de usuários? Pelo lado do usuário, uma pergunta plausível seria: por que comprar um celular com esse sistema operacional se ele terá muito menos opções de aplicativos que os dois sistemas operacionais dominantes?

Esse tipo de questão também já ficou aparente entre redes sociais: diversos serviços surgiram tentando desbancar o Facebook, mas quase todos fracassaram pela baixa adesão de usuários. Se meus amigos não estão nessa nova rede social, melhor seguir na rede em que estão praticamente todos. Esses fenômenos são conhecidos como efeito-rede e efeito-plataforma.

O que tem ocorrido, portanto, é que essas empresas conhecem cada vez mais seu mercado e expandem suas atividades para mais serviços, estes progressivamente mais customizados para os seus usuários devido aos dados adquiridos. Não à toa, a revista The Economist recentemente chamou os dados de “petróleo do século XXI”. As cinco grandes, por sua abrangência e controle de plataformas globais, têm mais capacidade de mudar a economia do que muitos Estados nacionais. Também não é coincidência o aumento da preocupação, por parte das autoridades de defesa da concorrência, com o poder de mercado dessas gigantes.

Nesse cenário, está ficando mais difícil competir no mundo digital. Assim que uma empresa desponta como potencial competidora das grandes irmãs, seus fundadores normalmente têm duas opções: vendê-la ou morrer por ter seus serviços “imitados” pelas gigantes. O caso do Snapchat, rede social de vídeos curtos e que se auto-deletam, está entre os mais famosos: o Facebook tentou comprá-la, sem sucesso, por US$ 3 bilhões em 2013. Desde então, o Facebook incluiustories”, muito similares aos vídeos do Snapchat, em pelo menos três de seus serviços: Instagram, WhatsApp e o próprio Facebook. Em parte por conta disso, o Snapchat tem encontrado dificuldades para crescer e suas ações caíram consideravelmente desde a sua oferta pública, em março de 2017.

É possível não competir com os gigantes do mundo digital? Se uma empresa deseja alcançar milhões de usuários pelo mundo, dificilmente ela não incomodará ou interessará as grandes irmãs. Vejam o caso do WhatsApp, concorrente do Facebook Messenger, que foi vendido por US$ 19 bi. para o Facebook.

Empresas como Uber, AirBnB e outras conseguiram crescer e se consolidar nos últimos anos, a despeito das gigantes, talvez por ainda não estarem no caminho delas. Porém, investimentos pesados do Google, Amazon, Apple, Facebook e Microsoft em carros autônomos e em serviços concorrentes ao Uber mostram que elas seguem expandindo para competir em áreas de negócio relativamente povoadas atualmente. Quanto ao AirBnB, o Google recentemente injetou mais de meio bilhão de dólares na companhia.

Então, será possível competir, com sucesso, com as cinco gigantes? É algo a ser observado. No curto prazo, sim. O Twitter, por exemplo, segue disputando com o Facebook, sem nunca ter sido verdadeiramente ameaçado (a despeito das tentativas).

Gigantes chinesas, como o Alibaba (dona de marketplace com cerca de 500 milhões de usuários), Tencent (dona do WeChat, com quase 1 bilhão de usuários) e a Baidu (com cerca de 2 bi. de usuários), também têm conseguido competir, em parte por conta do enorme mercado asiático e do fechamento da China para diversos serviços das norte-americanas.

É difícil responder com segurança à pergunta acima. O cenário que está se desenhando é de uma grande concentração e consolidação e é possível que a era dos unicórnios (empresas que em pouco tempo valem US$ 1 bilhão) esteja chegando ao fim.

Virtualização da Educação

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

[1]Nota dos autores

O cenário será marcado pela utilização massiva de tecnologias e metodologias de ensino a distância (EAD), e-learning, ensino híbrido — on e off line — blended learning, mobile learning entre outras.

Um estudante universitário de 2017 que acorde em uma universidade do ano de 2025 terá um susto ao perceber a diferença do ensino a distância atual em relação ao do futuro. Mesmo em prazo tão curto, os saltos exponenciais da evolução tecnológica asseguram que cursos virtuais terão poucas semelhanças com o que se pratica na atualidade.

Na verdade, os conteúdos e a forma oferecidos atualmente pelas escolas, mesmo no exterior, podem ser avaliados como partes da pré-história do ensino intermediado pela tecnologia. Não haverá o smartphone, o desktop, a internet lenta e o excesso de textos. O vídeo será o padrão. Não em telas, mas em qualquer suporte, seja em uma mesa, uma parede, espelho ou no chão.

A força da digitalização de tudo

Para compreender a diferença profunda entre duas realidades é necessário identificar as principais forças das transformações tecnológicas vigentes por volta de 2025. O funcionamento do mundo estará moldado pela capacidade de processamento, velocidade de tráfego de informações e poder de armazenamento da computação.

Será a internet ultra veloz, no planeta que estará mais próximo da computação quântica, propiciando força adicional à inteligência artificial. Entenda que os computadores serão praticamente invisíveis, como a eletricidade. Basta um botão — virtual — para acessar a rede em qualquer lugar, por qualquer plataforma.

Sistemas inteligentes adotados em processos de e-learning serão capazes de entender que a frase “vou chutar o balde” tem um significado diferente de “vou dar um chute em um recipiente de transportar água”. Ou seja, vai entender a linguagem natural através da qual os seres humanos se comunicam.

Máquinas que aprendem, que processam a fala, a ponto de “enganar” os interlocutores, e que reconhecem imagens já são tecnologias quase prontas. Agora, pense no seguinte: em pouco mais de sete anos, será possível acompanhar a aula de um professor em japonês ou mandarim. E trocar ideias com os seus colegas japoneses, chineses, sul-africanos em conversas animadas. Com tradução simultânea. E por voz.

Agora, a pergunta que não pode ser calada: será possível convencer o nosso estudante a sair de casa, enfrentar distâncias mesmo que em um carro confortável e totalmente automático para ter uma aula diante de um professor, no modelo atual? A resposta mais provável é que não. Parece mera questão de lógica. Estudantes vão querer experiências imersivas, mesmo em uma aula sobre filosofia de Platão, sobre literatura gótica ou matemática integral e derivadas.

É natural que se espere, para 2025, que os recursos de tecnologia educacional oferecidos aos alunos, mesmo em sala de aula, estejam todos adaptados para atender aos diferentes interesses e necessidades da comunidade de aprendizado. Adicione, então, à capacidade de processamento e à internet em todos os lugares a oferta dos sistemas de virtualização de imagens — realidades virtual (RV), aumentada (RA) e mista (RM) — e a receita para o fortalecimento do ensino a distância estará completamente definida.

Corrida pela adoção

A carência das melhores tecnologias não impede que já se tenha iniciado o movimento pela adoção das estratégias associadas ao ensino superior a distância. Nos Estados Unidos, por exemplo, universidades renomadas já aderem à modalidade de educação virtual. Em maio, a Universidade de Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) firmaram parceria para oferecer versões online de seus cursos presenciais.

As estatísticas revelam que, atualmente, 12% dos alunos de ensino superior estão na modalidade de ensino a distância. Já em 2022, estima-se que o segmento será responsável por 16% do total de matriculados. Deverão ser 1,2 milhão de pessoas, com crescimento médio anual de 3,8% até lá.

O potencial de crescimento se dá por causa da conveniência e custo mais baixo comparados aos cursos tradicionais. O avanço de tecnologias como realidade virtual, que possibilitam chats ao vivo, produção audiovisual intensa e softwares para provas e exames, por exemplo, também colabora para a disseminação desses cursos e para maior aceitação deles.

………………….

[1] Este post é o primeiro da série que detalhará as dez tendências que afetarão o Ensino Superior até 2025. Os posts são baseados no estudo “10 tendências que moldarão o ensino superior no Brasil até 2025”, produzido pela empresa de consultoria Nous SenseMaking, de qual os autores fazem parte.

Brenner Lopes é Mestre em Administração com ênfase em Inteligência Competitiva e é sócio na Consultoria Nous SenseMaking.
 Carlos Teixeira é jornalista e futurista, consultor associado da Nous SenseMaking. Especialista em Comunicação Integrada, Gestão da Informação e Inteligência Estratégica. É editor do site Radar do Futuro

 

Os Mercadores das Novas Grandes Navegações

As Grandes Navegações portuguesas inauguraram o que, segundo Thomas Friedman, teria sido a primeira onda da globalização. O termo refere-se à interação e à conectividade desde então experimentadas pelas vias do comércio, do movimento de pessoas, da relação entre culturas e das trocas de ideias. Para Cesar Hidalgo, redes interativas como essas permitem a criação e incorporação de conhecimento e know-how, aumentando a capacidade de processamento de informação, o que, em última análise, leva ao desenvolvimento econômico.

Boa parte dos benefícios da primeira onda de globalização foi difusa. Mas quem, sem dúvida, mais se beneficiou das Grandes Navegações foram os mercadores, intermediários que conectaram vendedores e compradores para disponibilizar especiarias e outros produtos numa escala até então sem precedentes.

Os ganhos da intermediação se traduziriam na alavancagem política dos mercadores o que, para Acemoglu e outros, viria a se constituir num dos pilares dos modernos direitos de propriedade. Juntamente com o boom populacional, aquele desenvolvimento institucional viria a ser decisivo para a Revolução Industrial.

Não estamos mais no século XV, nem Colombo está prestes a descobrir a América. Entretanto, a era das Grandes Navegações está de volta. Assim como naquela altura, inovações tecnológicas também estão desencadeando a era das “Grandes Navegações Digitais”. Mas, ao invés de bússolas, astrolábios, quadrantes e caravelas, é a internet e os dispositivos digitais que estão nos conduzindo pelos oceanos virtuais. E busca-se, agora, intermediar outro tipo de especiaria, esta, muito, mas muito mais valiosa: a informação.

A popularização da Internet tem levado à emergência de martkeplaces, mercados digitais operados por plataformas de gigantesco alcance público. Amazon, Alibaba, WeChat, Facebook, Google, Apple, Microsoft, Linkedin, Uber, dentre outros, se tornaram os intermediários das Grandes Navegações Digitais. Ao desempenhar as funções de mercadores da informação, essas plataformas têm proporcionando ganhos difusos para a sociedade ao reduzirem assimetrias de informação e custos de transação, além de integrar compradores e vendedores que antes pouco ou nada tinham acesso aos mercados.

A distância entre compradores e vendedores diminuiu e eliminaram-se intermediários. Ficou substancialmente mais fácil achar um amigo, um emprego, um quarto de hotel, chamar um táxi, comprar uma geladeira ou até mesmo contratar um serviço empresarial.

O nivelamento das oportunidades para se competir em igualdade de condições no oceano digital ajudou a levar Thomas Friedman a considerar que “o mundo seria plano”.

Cesar Hidalgo fez argumento similar, mas a partir da lógica de redes: quanto mais conectados estiverem os agentes, mais meritocrático será o sistema econômico. Em outras palavras, quanto menor for o número de intermediários necessários para se chegar ao comprador, maior será o valor apropriado pelo produtor do bem comercializado. Com isto, recompensa-se mais quem originalmente mais gera valor. Já em redes pouco conectadas, o intermediário é o maior beneficiário, o que leva a uma topocracia.

Estaria o mundo moderno se tornando mais meritocrático? Infelizmente, não. A eliminação de intermediários veio acompanhada de elevada e crescente concentração das transações em poucas plataformas. Apesar de haver maior competição horizontal entre produtores de bens e serviços, há elevada e crescente codependência deles para com as plataformas para intermediar transações.

De fato, os efeitos-rede e plataforma tornaram quase impossível contestar os modernos mercadores. Até mesmo os unicórnios, startups tecnológicas que chegaram a valer US$ 1 bilhão ou mais, pouco ou nada conseguem competir com as grandes plataformas.

O que estamos vendo, na verdade, são os grandes mercadores se apropriarem tanto dos excedentes do consumidor, como, também, da firma, uma característica topocrática que eleva o poder daquele grupo à uma condição sem precedentes na história econômica.

Difícil negar que as grandes plataformas digitais estão revolucionando os mercados. Mas, ironicamente, se, de um lado, essas inovações digitais estão nos proporcionando uma verdadeira revolução tecnológica de acesso à informação, por outro lado, a crescente concentração da informação em poucas mãos está comprometendo a horizontalidade e a difusão dos benefícios daquela revolução.

Essa hierarquização da rede econômica está trazendo consigo características topocráticas agudas. O mundo é plano, mas não para todos.

Como disse Jeff Bezos, CEO da Amazon, ainda estamos no “day one” da era digital. É difícil prever quais serão as consequências dessa crescente concentração da informação. Mas, do pouco que já pudemos ver, pode-se dizer que, quanto mais plano for o mundo, melhor será para todos.

O que, afinal, é indústria no século XXI?

Um dos assuntos mais populares nos dias de hoje é a indústria manufatureira. Pontos de entrada nesta agenda não faltam. Uns discutem a desindustrialização; outros a reindustrialização; outros a indústria 4.0; outros questionam a sua relevância; outros examinam a relação entre indústria, emprego, comércio exterior e inovação, e por aí vai.

Mas, afinal, de que indústria estão todos falando? Seria a indústria manufatureira, tal como a conhecemos dos livros-texto e das contas nacionais, ou seria algo diferente disto? A pergunta parece banal e até mesmo sem propósito. Mas não é. E razões para isto não faltam, incluindo as que seguem.

Primeiro, a atividade industrial dentro do chão-de-fábrica vem mudando substancialmente. Se, antes, a atividade envolvia várias etapas do processamento e da transformação industrial, hoje, boa parte das atividades acessórias e complementares, e até mesmo algumas mais centrais, já foi terceirizada. Contabilidade, folha de pagamento e logística, por exemplo, que tipicamente faziam parte da matriz básica de custos de uma fábrica, já estão no rol das atividades mais comumente terceirizadas. Com o advento da TI na nuvem e de tantos outros serviços fornecidos por arranjos cada vez mais flexíveis e sofisticados, muitas outras atividades antes dentro da empresa passaram a ser providas a partir de terceiras partes, muitas delas até mesmo localizadas em outros países. Consequentemente, o “tamanho” da indústria foi diminuindo ao longo do tempo em termos de emprego e de valor adicionado, o que levou muitos analistas a, precipitadamente, concluírem que a indústria teria encolhido.

Segundo, a indústria está se terciarizando. Se, antes, a indústria manufatureira vendia “coisas”, está se tornando cada vez mais parte do “novo normal” a indústria vender um pacote de coisas e serviços associados a elas. Por exemplo, fábricas de turbinas de aviões arrendam turbinas e, junto, os serviços de manutenção, seguros e soluções financeiras. Esses serviços são, muitas vezes, a parte mais atrativa e melhor remunerada do negócio. Mas esse movimento está se sofisticando ainda mais com a commoditização digital, em que até mesmo fábricas super-sofisticadas, com robôs, impressoras 3D, sensores e internet das coisas,  são vendidas a preços “subsidiados” em troca da fidelização a serviços de plataforma na nuvem que fazem a interface entre equipamentos e sensores, possibilitando toda uma nova gama de inteligência da informação e aplicação de business intelligence para atender a  dashboards que proveem resultados de melhoria em manutenção preditiva e de qualidade e de todo um novo menu de possibilidades produtivas.

Terceiro, uma das estratégias mais comuns entre os economistas para examinar as dificuldades da indústria é a análise comparada entre países. O problema é que esse método é inadequado para os dias de hoje. De fato, com o advento das cadeias globais de valor e com a crescente operação industrial das empresas multinacionais em nível global, temos ali elementos  fundamentais que devem, necessariamente, ser levados à consideração. Faz pouco sentido medir o tamanho da indústria de um país como, por exemplo, os Estados Unidos, apenas a partir das operações industriais em território americano. Afinal, a indústria desse país está espalhada em vários continentes e opera de forma coordenada e em rede. A operação de uma multinacional americana no Brasil não está isolada da operação, digamos, na Pensilvânia.  O que, normalmente, se vê nos casos de empresas de grande porte como as automobilísticas é que, para além da produção das peças mais sofisticadas, atividades mais nobres, como P&D, design, marketing, marcas e gestão geral da produção, ficam sediadas em território americano. As operações internacionais são, na verdade, um continuum das operações no país-sede e atendem aos interesses e estratégias corporativas.

Quarto, as análises convencionais sobre a indústria normalmente se focam no desempenho de variáveis como investimentos em prédios, máquinas, equipamentos, chaminés e caminhões e procuram acompanhar o consumo de caixas de papelão, energia elétrica e tudo o mais que tipicamente está associado à performance das fábricas. Mas o valor adicionado da indústria está se originando cada vez mais dos serviços e do digital . Pense no valor adicionado do iPhone. Além disto, os investimentos industriais em intangíveis já superam os em tangíveis em vários países. Decomposições mostram que os serviços já respondem por ao menos 70% do valor adicionado industrial nos Estados Unidos. No Brasil, exercícios de decomposição feitos a partir da Pesquisa Industrial Anual do IBGE mostram que os serviços respondem, em média, por 64% do valor adicionado da manufatura. É preciso, pois, novas métricas para identificar e medir a indústria. A densidade industrial, que é o valor adicionado da manufatura per capita num país, é uma alternativa que tem se mostrado bastante razoável para a tarefa. Ela revela a importância dos serviços para a cadeia da indústria e indica que não é o tamanho no PIB ou no emprego que importam, mas a capacidade da indústria de mobilizar recursos para gerar valor, sejam eles dentro ou fora da porta da fábrica, e sejam eles em serviços à jusante ou à montante da atividade industrial convencional.

A participação da indústria no valor adicionado dos Estados Unidos é muito similar à do Brasil, algo em torno de 11% do PIB. Contudo, a densidade industrial americana é várias vezes maior que a brasileira. Logo, com os supostos 11%, gera-se uma quantidade muito maior de riquezas e de bons empregos. Como mostra exame do espaço-indústria, a riqueza e os bons empregos vêm da relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços para criar valor. Investigação das contas nacionais dos dois países e das matrizes de insumo-produto revela que os serviços voltados para a indústria nos Estados Unidos são duas vezes maior que no Brasil em termos de participação no PIB. E, ainda mais importante, a parcela de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos no PIB, que inclui P&D, design, marcas, softwares sofisticados e serviços profissionais especializados, é quase quatro vezes maior que no Brasil.

Desta forma, a suposta queda da participação da indústria no PIB americano não implicou, necessariamente, em perda de importância da indústria. Na verdade, a indústria se transformou para seguir como protagonista, embora as métricas convencionais não capturem esse movimento. No Brasil, por outro lado, a queda da participação da indústria no PIB de 34% para 11% revelou uma desindustrialização clássica .

Essa discussão nos conduz a duas conclusões. Primeiro, temos um problema conceitual e de métrica do que seja a moderna atividade industrial, já que as contas nacionais seguem metodologias incapazes de identificar e medir a “nova indústria”. Segundo, análises territoriais da indústria são inadequadas para os dias de hoje.

Em razão dessas limitações, temos sido induzidos a conclusões limitadas, falsas até, sobre a relevância da indústria. A indústria é, e muito provavelmente continuará sendo, atividade fundamental e que comanda vastas redes de atividades econômicas e de inovação muito maiores do que as que normalmente lhe são atribuídas. Não por outra razão, governos de países avançados voltaram a colocar a indústria no cerne das políticas de crescimento e de geração de riquezas.

Older posts Newer posts