Economia de Serviços

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Outsourcing, shelfsourcing e netsourcing

A palavra outsourcing não é um desses anglicismos de modismo. Sua incorporação no linguajar empresarial/acadêmico brasileiro se presta a diferenciar a aquisição de serviços de custo de serviços de agregação de valor. Os serviços de custo são aqueles identificados com a terceirização.

A terceirização é decorre do acirramento da concorrência e da necessidade de cortar custos em toda sorte de atividades auxiliares – altamente padronizadas e raramente customizadas; são serviços de prateleira, simbolizando estágios cada vez mais radicais de um fenômeno que é tão antigo quanto o capitalismo: a divisão e especialização do trabalho. Portanto, o shelfsourcing não traz mudanças conceituais relevantes, pois a empresa compradora desse serviço apenas deixa de realizá-lo por conta própria e o adquire pronto e embalado nas prateleiras do mercado. Na contabilidade nacional, parte do crescimento do setor de serviços se deu pela mensuração do shelfsourcing (advocacia, contabilidade, transporte, limpeza, etc., são bons exemplos de atividades terceirizadas), que gerou uma “desindustrialização contábil” pela mudança de propriedade, mas dificilmente por mudanças estruturais reais.

Estudos[1] que investigam as razões que levam a organização empresarial para formatos mais centralizados ou descentralizados – no que diz respeito às suas atividades finalísticas – mostram que o alto nível de complexidade tecnológica de uma determinada atividade pode induzir à descentralização das decisões dentro de uma empresa. O aumento dessa complexidade proporciona estruturas de comando mais descentralizadas, na qual os gerentes das áreas finalísticas possuem maior autonomia decisória em virtude da elevação da assimetria de informações entre a direção central e os gerentes; um trade-off clássico do modelo principal-agente no qual os custos de delegação são comparados aos seus benefícios.

Se entendermos o outsourcing como o próximo passo após a descentralização empresarial, entenderemos que isso não trata da delegação externa de atividades avançadas previamente desempenhadas dentro da empresa; pelo contrário, elas representam o surgimento de soluções para desafios internos das empresas industriais, mas que, em face ao elevado grau de complexidade que tais desafios têm alcançado, não poderiam surgir internamente ou surgiriam a custos e esforços relativamente elevados. Mais do que isso, a multiplicação e o acúmulo de soluções disponíveis no mercado afrouxaram as fronteiras da capacidade inovadora de toda a economia, não apenas implicando em reduções de custo, mas tornando possível produtos e processos antes inimagináveis. Não se trata de uma empresa contratar um serviço de design industrial como ela contrataria um escritório de contabilidade. Nessa modalidade, a sinergia e a simbiose entre serviços e indústria não se manifesta apenas no design arrojado de um produto, mas na noção de que empresas operando em mercados distintos apenas conseguem evoluir em seus próprios negócios quando fornecem feedback mútuo. Nesse sentido, as empresas praticam netsourcing, pois a criação de soluções ocorre em redes, e é nelas que as empresas buscam e entregam tecnologias.

Esse momento de extrapolação dos limites da empresa em suas atividades finalísticas as coloca como conectores de um emaranhado de soluções que podem ou não ter sido elaboradas, inicialmente, para seus problemas específicos – essas soluções estão intimamente associadas aos serviços de agregação de valor. O netsourcing pode, sim, significar uma mudança conceitual relevante na forma como as empresas se organizam para a produção. No espaço-indústria a elevação da participação dos serviços na economia dos países desenvolvidos conjugada com o aumento da densidade industrial é consequência direta do netsourcing, e não do shelfsourcing – essas nações tornaram-se economias de serviços de agregação de valor, e não de custos. Muitos antigos centros de P&D internos de grandes corporações industriais abandonaram a pesquisa propriamente dita e tornaram-se membros colaborativos em redes de empresas, laboratórios governamentais e universidades, intercambiando agendas de pesquisa e soluções tecnológicas.

A maturidade e sofisticação industrial das últimas décadas estão na raiz do protagonismo do setor de serviços. O mundo moderno gerou uma vasta e complexa necessidade de novas soluções que estimulou a consolidação de uma rede de empresas especializadas em provê-las. Trabalhar em rede (o netsourcing) não é apenas o mantra do momento dos gurus da administração; é a verdadeira prática de organização empresarial que sustenta o domínio tecnológico e econômico das grandes corporações e das nações às quais pertencem.

[1] ACEMOGLU D. [et al.] Technology, information, and the decentralization of the firm [Artigo] // The Quarterly Journal of Economics. – Novembro de 2007. – pp. 1759-1799.

Menos emprego e mais trabalho

Meu pai me deu inúmeros conselhos. Um que jamais esqueci foi: “Em uma entrevista, nunca diga que quer emprego; diga que quer trabalhar”. Benjamin Franklin, Karl Marx e outros grandes pensadores nunca perceberam o caráter edificante e dignificante do emprego, mas todos o viram no trabalho. Na língua inglesa, a referência é labor e não job; no nosso português, trabalho e não emprego. No mercado de trabalho, as pessoas vendem sua capacidade de trabalho para que seja empregada nas necessidades das empresas. Nesse caso, a expressão mercado de trabalho é corretíssima: esse é um mercado em que se compra e se vende trabalho; o trabalhador vende seu trabalho, e o empregador o emprega como precisa.

Em economia dizem que a produtividade marginal do trabalho em relação ao capital é positiva, o que significa dizer que máquinas melhores ou mais maquinário por empregado o permitem produzir mais. Ainda segundo os preceitos da economia, a remuneração de um fator de produção é dada por sua produtividade marginal, implicando salários influenciados pela quantidade/qualidade das máquinas disponíveis aos empregados. Em resumo: mais máquinas, menos trabalhadores, maiores salários. A automação e a robotização não estariam substituindo “trabalhadores”, mas sim, contribuindo para a substituição de empregos menos qualificados por empregos mais qualificados – mas isso não costuma ocorrer na proporção 1:1. No limite, o que farão todas essas pessoas menos qualificadas? Se qualificarão para postos de trabalho mais qualificados que eliminam inúmeros outros postos de trabalho menos qualificados?

Uma empresa emprega pessoas em seu negócio, mas também emprega capital e máquinas. Empregar é o mesmo que utilizar, aplicar. Portanto, o empregado está no polo passivo da ação. O empregador emprega; o empregado, bem… o empregado é empregado. Na economia, o empregado é aquele fator de produção que desempenha uma tarefa específica. Há um século, eram empregadas pessoas na linha de produção de automóveis e agora são empregadas máquinas. Então, não se iluda: os empregadores vão empregar mais máquinas – e robôs –, e, como cada máquina – e robô – substitui várias pessoas, a empregabilidade do ser humano enquanto fator de produção, “peça de uma engrenagem”, tende a diminuir consideravelmente no longo prazo. Carro anda sozinho, avião anda sozinho, até meu aspirador de pó anda sozinho!

O verdadeiro problema não é acabar o emprego, é acabar o trabalho. E este só aumenta e nenhuma máquina ou robô é capaz de fazê-lo. Os desafios que a humanidade vem acumulando são cada vez mais complexos e demandam soluções “fora da caixa” como nunca antes. Não é por outro motivo que parcela cada vez maior da população está trabalhando no setor de serviços em atividades não padronizadas, não repetitivas e não automatizáveis. E cada vez menos estão mantendo vínculos empregatícios.

Em 2015, mais de 50 milhões de americanos (aproximadamente ¼ da força de trabalho dos EUA) atuaram exclusivamente ou parcialmente como freelancers, e as razões para tanto são simplesmente incompreensíveis para robôs: liberdade e flexibilidade. Essa multidão de pessoas quer contribuir, realizar, trabalhar, passar para o polo ativo da ação, e não apenas vender sua capacidade de trabalho e serem empregadas em algo. Mais de 60% dos freelancers entrevistados numa pesquisa realizada pelo Freelancers Union nos EUA percorrem esse caminho por opção e não por necessidade e oferecem serviços e soluções baseados na criatividade, na empatia e no arranjo de decisões negociadas e compartilhadas em redes colaborativas. Esses trabalhos são realizados com base em algo que robôs não podem compreender, por razões igualmente incompreensíveis a eles.

O trabalho dignifica o homem porque o coloca no polo ativo da ação, lhe dá razão de ser e de fazer. O emprego resume a motivação ao salário, numa recompensa pelo tempo e esforço vendidos. Não é que o emprego de muitas pessoas não seja digno; é que ele é digno de uma pessoa até que um robô seja mais digno que ela. O empregado é, por definição, o polo passivo da história.

O ensejo protecionista de Trump e o futuro do emprego nos EUA

Em seu governo, Trump mantém um discurso carregado de práticas protecionistas em relação ao comércio internacional, em conformidade com sua campanha presidencial. Muitas de suas ações vão no sentido de desmontar o legado de seu antecessor e, mais do que isso, desafiam fenômenos marcantes da economia global das últimas décadas, como a globalização, a interdependência e até o curso das revoluções tecnológicas e digitais. Dentre esses atos, estão a retirada dos Estados Unidos do Acordo Trans-Pacífico (TPP), as críticas direcionadas ao NAFTA e certa coerção a grandes montadoras para que mantenham as suas plantas industriais nos EUA.

A principal justificativa de Trump para tais atos e para os vários outros que poderão vir – cujas consequências para o mundo ainda são incertas – é a de aumento e/ou recuperação de empregos nos EUA, sobretudo para a classe média na produção do setor manufatureiro. Nos discursos do presidente, no entanto, há uma simplificação muito grande da complexidade da economia atual, em grande parte moldada pela globalização, tecnologia e serviços.

Em relação às tendências para o emprego, há grandes desafios críticos para a administração de Trump perante esse objetivo no médio prazo, sendo muitos deles ligados às transformações estruturais que tem ocorrido na economia norte-americana.

Apesar de não haver redução da produção manufatureira dos Estados Unidos, é mais do que evidente que nas últimas décadas houve um aumento da importância do setor de serviços em termos de agregação de valor “embarcados” no produto. Razões para isso não faltam, e destacam-se duas: primeira, o aumento de renda da população tende a aumentar a demanda por serviços de qualidade, como cuidados com a saúde; e, segundo,  a competitividade no setor manufatureiro demanda cada vez mais uma íntima relação com o setor de serviços, tornando-os, sob diversos aspectos, praticamente inseparáveis. Nesse sentido, serviços tais como pesquisa e desenvolvimento, engenharia de software, marketing e “health care”, por exemplo, tornam-se campos nos quais haveria maior perspectiva de geração de emprego, cuja oferta não supre a demanda.

A figura abaixo mostra a evolução dos principais setores em termos de emprego para cada estado americano em quatro tempos. Nota-se que pelo menos desde 1990, o setor manufatureiro foi perdendo constantemente participação relativa para o comércio de varejo. ‘Relativa’ também porque um setor não necessariamente cresce às custas de outro setor. A indústria manufatureira permaneceu como maior empregador em 2013 apenas em estados próximos da região “Rust Belt”, como Michigan, Iowa, Wisconsin, Indiana e Kentucky, e outros mais ao sul do país, como Alabama e Mississípi. Estes últimos são estados que não se destacam por dinamismo econômico e estão entre as mais baixas rendas per capita do país. Do outro lado, segundo o Bureau of Labor Statistics, em 2013, o setor de cuidados de saúde e assistência social era predominante em 34 estados, sendo que no moderno estado de Nova York é o setor predominante desde 1992.

Figura – Setores responsáveis pela maior parte do emprego por estado americano

A redução da participação relativa do setor manufatureiro é um marco da transição do sistema de riqueza industrial para a de economia do conhecimento. Em países de economia madura, dificilmente a produção manufatureira tradicional, de chão de fábrica, responderá de forma ascendente pela maior parte dos empregos. Países como a Alemanha – de alta participação do setor manufatureiro no PIB comparado a outros países desenvolvidos – têm reconhecido que, sem a incorporação de serviços de qualidade aos seus bens manufaturados (assim como sem a benesse do mercado europeu para as suas exportações), o país não conseguirá manter altos índices de competitividade na “Indústria 4.0”, ameaçando, assim, inclusive, os próprios ganhos salariais no setor de manufaturados.

De fato, o eleitor mediano de Trump não vem dos setores mais sofisticados voltados para serviços avançados e indústria de média/alta tecnologia, que são setores de alto desempenho na economia americana e mundial. Mas, com os novos modelos de negócios e revoluções tecnológicas, o hiato de salários entre os trabalhadores de alta e de baixa qualificação tende a aumentar, elevando ainda mais a preocupante desigualdade de renda. Seria mais razoável a utilização de recursos e esforços em um programa de requalificação de trabalhadores para reingressarem no mercado de trabalho com habilidades mais requeridas na economia moderna, mesmo que não seja efetivado na velocidade desejada.

O retorno aos EUA de etapas de processos produtivos que foram terceirizadas para o Leste Asiático na “fase de ouro” das cadeias globais de valor poderia ser feito pelas novas tecnologias de produção, reduzindo a fragmentação espacial da produção, e possibilitaria a produção fisicamente próxima do mercado consumidor. É incerto, no entanto, a velocidade com que esses processos se dariam, e se as normas e instituições internacionais contrarrupturas radicais poderiam adiar ou interromper tais mudanças.

Pode ser que o método da coerção realizado até aqui por Trump — discriminação contra produtos estrangeiros, privilégios tributários e investimentos em infraestrutura — traga de volta alguns empregos tradicionais para o solo americano sob o slogan “buy American, hire American”. Entretanto, é improvável que haverá geração significativa de empregos no setor manufatureiro, assim como é improvável que haverá prosperidade duradoura numa economia que se fecha.

Em algum momento, Trump terá que lidar de frente com o lado mais sofisticado e dinâmico da economia contemporânea, os serviços.

Jean Santos Lima é Doutorando em Relações Internacionais na UnB e se dedica ao estudo e pesquisa sobre Desenvolvimento Comparado, Globalização, e Política Internacional.

O Boeing Dreamliner e os riscos da descentralização da produção

A partir da década de 80, empresas multinacionais, com o objetivo de cortar custos e ganhar mais eficiência, passaram a decentralizar fortemente sua produção.[1] Uma empresa como a Nike, por exemplo, passou a concentrar as suas atividades de pesquisa, design, marketing, etc, na sua sede, nos Estados Unidos, enquanto que a fabricação e montagem dos produtos passaram a ser feitas em países em desenvolvimento, onde custos como os trabalhistas e tributários costumam ser mais atrativos.

A ideia por trás desse movimento era, além de economizar custos, obter ganhos com a especialização. Se no começo do século XX uma empresa como a Ford produzia desde a borracha dos pneus até a montagem final dos automóveis, no fim do século XX as empresas perceberam que algumas partes do processo de produção poderiam ser terceirizadas para empresas mais especializadas na parte específica do processo, seja ela a produção dos pneus ou a assessoria legal.

Dado esse contexto e o ambiente extremamente competitivo do mercado, a Boeing resolveu aplicar ao extremo esse conceito de descentralização da produção. Nascia a experiência produtiva do Boeing 787 Dreamliner. Segundo a empresa, o Dreamliner seria duplamente revolucionário: seria o primeiro avião comercial feito majoritariamente de fibra de carbono, o que o tornaria consideravelmente mais leve e econômico; e seria produzido de maneira “parceirizada”, em um modelo no qual os principais elos da cadeia de produção seriam “sócios” da Boeing, e não meros fornecedores.

Com o intuito de reduzir seu risco e tirar proveito de empresas especializadas, a Boeing decidiu fabricar o avião utilizando um “modelo de parceria global”, no qual algo entre 70% e 80% da produção seria terceirizada para empresas de ponta em diversos países[2] (TANG & ZIMMERMAN, 2009; MCKINSEY, 2012).

Em processos produtivos anteriores, a Boeing fazia todo o detalhamento das partes da aeronave, fabricava algumas delas internamente e encomendava outras dos seus fornecedores. Estes produziam-nas exatamente como desenhado pela Boeing que, por fim, montava o avião na sua fábrica. O Dreamliner, por sua vez, foi desenhado de maneira modular. Nesse sistema, grandes partes poderiam ser produzidas de forma independente e depois acopladas à aeronave (KOTHA & SRIKANTH, 2013).

Nesse modelo, a Boeing se limitava a determinar índices de performance que as partes deveriam atingir e os “parceiros” seriam responsáveis por todo o processo de pesquisa e desenvolvimento, financiamento, detalhamento do design, compra de matérias-primas e demais ferramentas necessárias para atingir a performance desejada pela Boeing. Esses parceiros estratégicos – cerca de 50 – gerenciariam suas próprias cadeias de fornecedores. Isso facilitaria e aceleraria a produção, pois os parceiros trabalhariam simultaneamente, e o processo de montagem teria seu tempo reduzido de 30 para 3 dias (TANG & ZIMMERMAN, 2009).

Figura 1 – Principais parceiros da Boeing na fabricação do Dreamliner, por país da empresa e parte da aeronave.

Fonte: Nolan e Kotha (2005), com base em dados da Boeing

Desde o início, o Dreamliner foi um sucesso de encomendas. Porém, no processo de produção, tamanha desverticalização começou a causar problemas. Atrasos e problemas diversos com os parceiros responsáveis pelos módulos da aeronave e seus fornecedores postergaram o lançamento do Dreamliner diversas vezes. O avião, que deveria fazer seu primeiro voo em agosto de 2007, acabou por fazê-lo somente em outubro de 2011 (FERREIRA, 2012).

Os atrasos ocorreram por motivos diversos: a empresa que produzia um software não conseguia programá-lo corretamente para o sistema de controle de voo produzido por outra companhia; algumas das partes, feitas por empresas distintas, não se encaixavam corretamente umas nas outras; alguns dos parceiros não conseguiam lidar com a maior independência e tiveram problemas com suas próprias cadeias de fornecedores. Para acelerar o processo, a Boeing acabou por comprar alguns desses parceiros e a acompanhar mais de perto os demais membros da cadeia, efetivamente “reverticalizando” parte da produção (FERREIRA, 2012; KOTHA & SRIKANTH, 2013).

Como se não bastassem os diversos problemas na produção, após ser lançado, o Dreamliner apresentou sérios defeitos, como vazamentos de combustível, incêndios e problemas diversos com baterias, turbinas, fuselagem, sistema elétrico e trem de pouso. Com tantos problemas, o Dreamliner ficou proibido de voar em todo o mundo por três meses em 2013. Esta foi a primeira vez desde 1979 que a FAA (órgão americano que regula e fiscaliza o mercado aéreo no país) proibiu um avião comercial de voar em todo o território norte-americano.

A bateria, principal fonte de problemas pós-lançamento e causa central da proibição de voo em 2013, foi encomendada pela Boeing a um de seus parceiros, a empresa francesa Thales. Esta, por sua vez, terceirizou o desenvolvimento e a produção da bateria para a empresa japonesa GS Yuasa. Já o carregador da bateria foi encomendado pela Thales à empresa americana Securaplane. Por fim, o sistema que monitora a bateria foi fabricado pela empresa japonesa Kanto. O distanciamento e o pouco controle da Boeing no processo de produção da bateria pode ter contribuído para as falhas.

No fundo, a história do Dreamliner é um exemplo dos riscos da descentralização excessiva. Por mais que o modelo totalmente verticalizado seja menos factível, eficiente ou desejável, o modelo excessivamente descentralizado também parece apresentar problemas, em especial no que concerne a dificuldades de coordenação.

Além disso, o Dreamliner é um exemplo claro de como a performance de uma empresa é afetada e, em certa medida, depende da performance de seus fornecedores e demais empresas com as quais ela interage. Assim, por mais eficiente e produtiva que seja uma empresa internamente, ela sempre dependerá parcialmente da performance de outras empresas.[3]

Não por acaso, algumas grandes multinacionais têm revisto seu modelo de produção nos últimos anos. A GE, por exemplo, retornou algumas linhas de produção da China para os EUA (muito antes de Trump ser eleito) por perceber que manter seus centros de pesquisa próximos à linha de produção é vantajoso para observar mais claramente erros, possibilidades de melhoria e adaptação às mudanças nas preferências do mercado. Além disso, em um mundo em que a diferenciação tem se tornado cada vez mais relevante para a competitividade, custos trabalhistas e tributários, por exemplo, estão perdendo importância.

Esse caso é importante para o Brasil, primeiramente porque aqui, também, a descentralização da produção é elevada e cresce e o aumento do consumo de serviços no processo de produção da indústria é parcialmente explicado por isto. Mas o caso é especialmente relevante porque a economia brasileira é desigual em diversos aspectos, inclusive na performance das empresas (MOREIRA, 2014; PORCILE & CATELA, 2012). Segundo dados da CEPAL & OCDE (2012), em média, no Brasil, microempresas têm produtividade do trabalho 10 vezes menor do que a de grandes empresas.

Com tamanha heterogeneidade de produtividade, mesmo as empresas de melhor performance podem estar sendo negativamente afetadas pelos elos menos produtivos de suas cadeias. Em suma, o aumento da produtividade brasileira passará, cada vez mais, por enfrentar a questão da heterogeneidade de performance de nossas empresas.

 

[1] Este post é baseado em um capítulo da dissertação do autor, “Descentralização da produção e produtividade no Brasil” (MOREIRA, 2015). An English version of this post can be found here.

[2] O nível de terceirização da produção dos aviões Boeing 737, modelo anterior ao Dreamliner, variava entre 35% e 55% (TANG & ZIMMERMAN, 2009).

[3] Essa hipótese é explorada por Moreira (2015).

 

Referências bibliográficas

CEPAL; OCDE. Perspectivas económicas de América Latina 2013 – Políticas de PYMES para el cambio estrutural. Santiago de Chile, 2012.

FERREIRA, M. J. B. Competências empresariais e políticas governamentais de apoio ao desenvolvimento aeroespacial: caso dos EUA. ABDI. Campinas-SP, 2012.

KOTHA, S.; SRIKANTH, K. Managing a global partnership model: lessons from the Boeing 787 ‘Dreamliner’ Program. Global Strategy Journal, vol. 3 (1), p. 41-66, fev. 2013.

MCKINSEY. Manufacturing the future: the next era of growth and innovation. Nov, 2012.

MOREIRA, R. F. C. A disparidade da produtividade das empresas brasileiras: possíveis determinantes, seu impacto nas cadeias de valor e na economia. In: SANTOS, C. A. (Org.). Pequenos Negócios: Desafios e Perspectivas – Encadeamento Produtivo. vol. 6, p. 52-67. Sebrae. Brasília-DF, 2014.

MOREIRA, R.F.C. Descentralização da produção e produtividade no Brasil. 2015. 103f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2015.

NOLAN, R. L.; KOTHA, S. Boeing 787: The Dreamliner. Harvard Business School Compilation 305-101. Boston, abril de 2005.

PORCILE, G.; CATELA, E. Y. A. S. Heterogeneidade estrutural na produtividade das firmas brasileiras: uma análise para o período 2000-2008. Anais do XL Encontro Nacional de Economia. ANPEC, 2012.

TANG, C. S.; ZIMMERMAN, J. D. Managing new product development and supply chain risks: the Boeing 787 case. Supply Chain Forum – an International Journal. v. 10, n. 2, 2009.

 

AliExpress, Spotify e os novos intermediadores

Em muitos mercados, o número de intermediadores tem diminuído. Antigamente, se um consumidor precisasse de uma peça importada específica para o seu computador, ele teria que buscar em lojas especializadas, que, por sua vez, teriam que importar a peça de fornecedores no exterior, caso não a tivessem em estoque. Nos dias de hoje, esse mesmo consumidor pode comprar quase que diretamente dos produtores, por meio de sites como o AliExpress ou eBay.

Atualmente, grande parte dos aplicativos e sites de sucesso se baseiam em aproximar prestadores e compradores de serviços – em muitos casos, compradores também são prestadores e vice-versa. Em geral, aplicativos como o AirBnB ou mesmo sites como o Estante Virtual, nascem da percepção de uma falha de mercado.

Pense no exemplo da Estante Virtual, plataforma que reúne milhares de sebos espalhados pelo país. Antes, se um consumidor procurasse um livro fora de circulação, ele limitaria sua busca a lojas de livros usados locais. Caso encontrasse em uma dessas lojas, provavelmente não saberia se está pagando caro ou barato, pois estaria limitado às opções locais.

O site aumenta a concorrência entre sebos, já que o consumidor acessa o catálogo de lojas de todo o país. Adicionalmente, o serviço amplia de forma considerável o mercado para os sebos. Uma loja de livros usados no interior do Paraná pode, pelo Estante Virtual, vender seus livros para um cliente no Nordeste – algo impensável há 20 anos.

Portanto, o maior valor do site é agir como um intermediador, que informa tanto o preço quanto a qualidade do serviço ou bem prestado, por meio de avaliação de usuários. Esse processo, que se repete em diversos mercados, traz importantes ganhos de eficiência e de bem-estar. O consumidor passa a ter acesso a uma maior diversidade de bens e serviços, normalmente a preços mais baixos, por conta da menor assimetria de informação e maior concorrência.

Tal transformação acaba por diminuir o mercado de intermediários locais e, portanto, muda consideravelmente a estrutura de diversos setores. Um exemplo disso são os serviços de streaming de músicas, como o Spotify ou o Deezer. Até recentemente, um artista que não tivesse uma gravadora e distribuidora dificilmente conseguiria ser ouvido para além de sua região.

Uma grande gravadora era necessária não apenas para que o artista tivesse acesso a equipamentos de última geração, mas principalmente para que a sua obra fosse gravada em um meio físico (disco, fita, CD, etc) e fosse distribuída para lojas e estações de rádio. Nos dias de hoje, um músico ou uma banda pode gravar seu disco em casa e, por meio de distribuidores independentes, inserir sua música nessas plataformas que contam com milhões de ouvintes do mundo todo e seguem crescendo[1]. Os custos da intermediação são consideravelmente mais baixos, dado que há maior concorrência e os serviços são menos complexos do que antes.

Movimento similar está ocorrendo no mercado editorial. A Amazon, responsável por 74% do mercado norte-americano de e-books (ver gráfico abaixo), permite que um autor publique e venda seus livros em formato digital por meio do seu serviço Kindle Direct Publishing, com o escritor recebendo até 70% do preço em royalties.

Apesar dos ganhos para consumidores e empresas já discutidos, esses novos serviços também levantam algumas questões. Se por um lado eles aumentam a competição para o consumidor final, parece estar havendo uma concentração nos mercados de intermediários. Num futuro próximo, é possível que artistas e escritores sejam praticamente obrigados a publicar suas músicas no Spotify ou seus livros na Amazon, sob o risco de não terem audiência fora dessas plataformas.

Com isso, esses novos intermediários virariam quase monopsônios (compradores únicos) e teriam poder excessivo para determinar quanto um autor ou artista “mereceria”. Já há diversos artistas no Brasil e no resto do mundo se queixando das divisões de lucros dos serviços de streaming. Essa pode ser a primeira de muitas batalhas, em diversos mercados.

Gráfico 1 – Participação no total de ebooks vendidos no mercado americano em 2015

[1] Alternativamente, o artista pode simplesmente disponibilizar sua música em seu site, como muitos já o fazem.

Os serviços e a recuperação da indústria brasileira

A indústria brasileira passa por grave crise. Queda da competitividade, da participação no PIB, no emprego e por aí vai. Mas análises detalhadas mostram que tem algo de positivo fora do radar acontecendo no setor.

A figura abaixo mostra a decomposição dos serviços demandados pela indústria em 1996 e em 2012. Embora partindo de base pequena, cresceu significativamente a participação dos royalties e assistência técnica no total, o que sugere que a indústria estaria buscando agregar mais valor.

Serviços não industriais providos por terceiros, serviços industriais providos por terceiros e transporte e logística também tiveram crescimento expressivo. Tal crescimento sugere reestruturação do setor em favor da terceirização da produção.

Outro ponto que chama atenção é a queda da participação das despesas financeiras, o que, além do relativo avanço de outros serviços, pode estar associado aos juros reais mais elevados em 1996 com relação ao ano de 2012.

Políticas que facilitem o acesso à aquisição de royalties e assistência técnica, que modernizem os transportes e que facilitem a adoção de novas formas de produção terão, muito provavelmente, impactos positivos na competitividade das empresas e, portanto, na geração de valor e de empregos.

Este debate está associado às legislações na área da terceirização e outras que podem contribuir para colocar a nossa indústria em linha com o que já acontece na economia mundial.

Decomposição dos serviços demandados pela indústria – 1996 e 2012 –

participacao de servicos no CI

Fonte: cálculos do autor com dados da PIA-IBGE

Fonte: cálculos do autor com dados da PIA-IBGE

 

Novos serviços e o aumento (?) da competição

Na economia, considera-se que, em geral, mais competição traz benefícios para consumidores e para a sociedade como um todo. O aumento de competição costuma estar relacionado a aumentos de produtividade e disponibilidade de oferta e diminuição de preços para o consumidor final. Não por acaso, praticamente todas as grandes economias têm leis e instituições que visam coibir práticas anticompetitivas como carteis, dumping, etc.

No século XXI, parece estar em curso um grande movimento de aumento da competição em diversos mercados, puxado pelo surgimento de novos serviços e tecnologias. Isso se dá principalmente na chamada “economia compartilhada” ou “colaborativa”.

Atualmente, taxistas enfrentam a competição de empresas como Uber; hotéis e pousadas competem com pessoas que alugam as suas casas no Airbnb ou gratuitamente no Couchsurfing; serviços de ônibus disputam espaço com pessoas que oferecem um espaço em seu carro no BlaBlaCar; grandes e pequenos varejistas concorrem com usuários do MercadoLivre, OLX e até mesmo de serviços como o Facebook e o Instagram, inicialmente voltados para outros fins.

Neste novo mundo, consumidores parecem estar de fato se beneficiando de menores preços e serviços e produtos mais customizados. Além disso, pode estar havendo alguma diminuição das ineficiências na economia. Afinal, um carro que passa a fazer viagens com mais de uma pessoa por conta do BlaBlaCar ou um espaço ocioso em uma residência alugado por temporada  são, sem dúvidas, exemplos disso.

Porém, se há uma maior concorrência no nível micro, no nível macro, parece estar em curso um movimento diverso, com uma grande concentração em poucas empresas globais.

Entre viajantes de negócios nos EUA, segundo estudo da Certify, o Uber já responde por 59% do mercado de transporte individual versus 22% em maio de 2014. Segundo outro estudo, a empresa já é – ou está em vias de se tornar – dominante no mercado de aplicativos de transporte individual em países tão distintos quanto Canadá e Arábia Saudita (ver mapa abaixo).

Atualmente, o Airbnb tem valor de mercado superior e oferece mais leitos que redes de hotelaria como Marriott e Accor. O Whatsapp, que pertence ao Facebook, já conta com 900 milhões de usuários ativos ao redor do mundo e tem concorrido diretamente com as empresas de telefonia no Brasil e em outras partes do globo.

Apesar dos consumidores estarem, atualmente, se beneficiando desses novos serviços, a concentração de mercados em nível global poderá trazer desafios não desprezíveis para reguladores e empresas de menor porte estabelecidas localmente.

Soluções pensadas no século XX dificilmente servirão para o século XXI.

 

Mapa – Quanto mais azul, mais dominante o Uber no país

Fonte: Forbes.

Fonte: Forbes.

Economia do Compartilhamento: crescimento e desafios

sharing-economy

                                 Fonte: PwC, 2015

Economia colaborativa, do compartilhamento, da recorrência, do frila, do acesso, peer-to-peer (P2P), mesh. Inúmeros termos são utilizados para definir um modelo de negócios que permite a geração de receita por indivíduos e grupos a partir de dois eixos importantes: a desintermediação e o emprego de ativos ou capacidades subutilizadas. É o compartilhamento transformando ativos físicos em serviços. Mais do que uma ação altruísta, o modelo é baseado em negócios que geram ganhos para usuários e fornecedores de serviço – e, indubitavelmente, para as plataformas de interação entre esses agentes.

Esse novo modelo de negócios vai muito além dos já tradicionais Uber e Airbnb. Como apontado pela McKinsey&Company, diversos aplicativos obtiveram sucesso ao identificar ineficiências de mercado e permitir a transferência do controle nas transações para os consumidores. As plataformas possibilitam as mais diversas atividades, como a elaboração de refeições por chefs de cozinha, venda ou troca de itens usados, compartilhamento de casas, escritórios, caronas, vagas de garagem, wifi e horas como guia turístico, troca de tempo livre, empréstimo de utilidades domésticas, recursos financeiros e trabalho em afazeres como a montagem de uma estante ou um serviço de jardinagem.

A PwC estima o tamanho atual da economia compartilhada em US$ 15 bilhões, podendo chegar a US$ 335 bilhões até 2025. Como esperado, a grande maioria dos participantes desse mercado tem até 25 anos, mas quase 40% dos que se declaram fornecedores possuem mais de 45 anos.

Apesar do entusiasmo acerca do potencial do consumo colaborativo[1], há, indiscutivelmente, diversos desafios ao crescimento desse mercado. O baixo incentivo financeiro à locação de itens de baixo valor, como uma furadeira, por exemplo, vindos de custos de transação à la Coase, pode estar por trás dos inúmeros insucessos no modelo de micro-sharing, os quais se opõem ao sucesso no compartilhamento de itens únicos e de maior valor – como nos casos do Uber e do Airbnb. Aplicativos para venda de artigos semi-novos, por exemplo, parecem uma excelente ideia – mas quem já passou algum tempo explorando as plataformas já deve ter se confrontado com a infinidade de itens com preços pouco amistosos e qualidade discutível.

Há ainda sérias questões regulatórias a serem enfrentadas pelas startups e plataformas de compartilhamento. Indo além das questões que envolvem a Uber, poucas cidades avançaram na regulação de locações de pequena temporada, como aquelas prestadas pelo Airbnb, em relação a itens como pagamento de tributos. Enquanto Amsterdam incorporou esse tipo de prestação de serviço à legislação do setor, Paris seguiu o caminho oposto, com imposição de multas a ofertantes.  Outras questões envolvem a proteção ao cliente, coerência com regulações sobre mercado de trabalho e defesa da concorrência.

Ao crescimento da economia do compartilhamento adiciona-se o desafio da confiança do consumidor. O desenvolvimento de mecanismos que permitam a entrada de milhares de usuários como ofertantes, mas que ao mesmo possibilitem algum tipo de controle quanto à prestação de serviços com qualidade e segurança, figuram entre as questões a serem enfrentadas por qualquer empresa que vislumbre atuação no setor. Parte disso pode ser resolvida por sistemas de peer-regulation, como o envio de feedbacks e posterior ação das plataformas para lidar com os pontos levantados, como a retirada de prestadores de menor qualidade desse mercado.

A economia compartilhada é sim um passo importante em direção ao uso mais racional dos itens, e seu rápido crescimento cria espaço para novas oportunidades no mundo inteiro.  Mas é preciso lembrar que há uma racionale econômica inegável por trás dos casos de sucesso no mercado, pois há bilhões de dólares sendo gerados por essas plataformas. Modelos que buscam ganhos de eficiência no match entre oferta e demanda existem há décadas.  O potencial disso, todavia, foi desencadeado de forma inimaginável com o crescimento no número de dispositivos ao alcance da mão e capazes de conectar indivíduos de forma rápida e dinâmica. Os impactos sobre a inovação são claros. Resta ainda entender como esse modelo conseguirá se envolver de forma mais estruturada na solução dos evidentes entraves regulatórios a seu crescimento.

[1] BOTSMAN, R. & ROGER, R. What’s Mine Is Yours: The Rise of Collaborative Consumption. Ed. HarperBusiness, 2010.

O uso da tecnologia em serviços de saúde

Com os avanços tecnológicos e o crescimento do uso de tecnologias de comunicação, como a internet e os smartphones, os bens industriais trazem cada vez mais serviços embutidos. O mesmo ocorre com os serviços de saúde, que são cada vez mais demandados pela população.

O uso de tecnologias na área da saúde pode tornar a distribuição desses serviços mais fácil e rápida, atingindo um número maior de pessoas, com custo menor. Estima-se que atualmente cerca de 85% da população mundial é atendida por rede sem fio de internet (wireless), sendo que há mais de 5 bilhões de aparelhos celulares em funcionamento.

Com o maior acesso, tem-se desenvolvido o chamado mHealth (Mobile Health), em que se utiliza a tecnologia da informação para atendimento e monitoramento dos pacientes e, em alguns casos, o aparelho celular funciona até como um produto médico[1]. Além de ser uma maneira de facilitar o acesso da população aos serviços de saúde, aplicativos de smartphones têm colaborado até com a formação de médicos e profissionais da saúde.

O aumento do uso desses sistemas fez com que a agência reguladora americana Food and Drug Administration (FDA) regulamentasse os aplicativos que podem ser utilizados como produtos médicos, tais como os que servem para diagnóstico de doenças, controle e monitoramento de pacientes, dando segurança para os usuários e orientação para os fabricantes dos produtos e desenvolvedores de aplicativos.

No Brasil, também se observa o uso desses aplicativos. Basta acessar as lojas virtuais dos telefones celulares para se encontrar aplicativos voltados à saúde. Alguns auxiliam no diagnóstico de doenças; outros visam o controle pelo próprio paciente no uso de medicamentos e exames diários, como de glicose ou pressão arterial; outros visam o monitoramento por parte dos médicos. Nestes, é possível compartilhar os resultados diários de exames com os médicos.

No país, este tipo de aplicativo ainda não tem regulamentação específica, apesar de serviços e produtos para saúde serem altamente regulamentados pelas agências reguladoras, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Outros dois usos de tecnologias em celulares que têm sido bastante utilizados no Brasil são o de telemedicina e o de telessaúde. No caso do primeiro, um sistema desenvolvido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) permite a disponibilização de informações e imagens através de smartphones e tablets para qualquer faculdade de medicina do país, facilitando o acesso de alunos a informações básicas imprescindíveis para a formação médica. Com isto, é possível, por exemplo, construir uma imagem 3D de um órgão e disponibilizá-la para impressão através das impressoras 3D, possibilitando aos alunos tocar e avaliar detalhadamente a estrutura e funcionamento do corpo humano.

Já no telessaúde, programa desenvolvido pelo Ministério da Saúde, o objetivo é munir de informações profissionais da saúde que tratam da atenção básica. Neste caso, esses profissionais, que se encontram normalmente em locais distantes e, por vezes, não possuem acesso a informação, conseguem uma consultoria para esclarecimentos de dúvidas, procedimentos clínicos e ações em saúde, auxílio para diagnóstico de doenças, cursos e treinamentos específicos e acesso a uma segunda opinião baseada em estudos científicos e informações do sistema de saúde.

O crescente uso desses serviços agrega valor, melhora o acesso da população e de profissionais aos serviços e informações de saúde e pode representar um avanço no controle de doenças e diagnósticos mais rápidos.

Teleconsulta, foto por Intel Free Press.

veronicaVerônica M. Horner Hoe é graduada em Biologia, MBA em Políticas e Gestão Governamental, Mestranda em Desenvolvimento Sustentável. Foi gerente de assuntos regulatórios e meio ambiente, e atualmente é gerente de relações institucionais na ABIPLA (Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins). Coordena ações do Programa Movimento Limpeza Consciente, do setor de produtos de limpeza.

 

[1] BARTON, A. The regulations of mobile health application. BMC Medicine, 10:46, 2012.

Por que as novas gerações não vão adquirir produtos?

Somos parte da geração que pertence à modernidade, tecnologia e facilidades! O que dizer de tempos passados quando o celular só servia para fazer ligações e mais nada? Hoje temos um computador na palma da mão e uma vida alterada pelo acesso.

Os serviços de assinatura, por exemplo, tornaram-se imprescindíveis para o cotidiano dos conectados. Se música é a paixão, o Spotify é o primeiro nome que jovens citam. Se livros: Amazon. E filmes, então, já não vêm mais em mídias, e sim por streaming.

Não dá para ficar sem as atualizações do LinkedIn que indicam quais são os melhores profissionais para a empresa, sem a timeline do Facebook, que mais parece um planeta do que uma rede social, sem as notificações do Twitter quando alguém que você segue favorita algo, sem as atualizações do app de música, sem todas as opções de assistir séries pelo Netflix, Youtube e aquela foto do almoço em família, que você precisa postar no Instagram. É o mundo em torno de um smartphone. E esse mundo é bem diferente de tempos atrás.

É uma vida mobile.

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(Foto: reprodução ilustração do livro Life as a Service)

Antigamente, somente pessoas mais velhas tinham condições e poder para comprar e tomar as decisões. Hoje, o alcance da maturidade possibilita que jovens de todas as idades comprem casas, carros e tudo mais. Mas será que eles estão preocupados com isso? Na constante transformação pela qual adquirir algo é menos importante que experimentar, os jovens serão os grandes donos das novas economias. O sonho de um jovem, na sua maioria, não é mais ter bens, acumular patrimônios, ter a segurança de se aposentar em uma grande empresa e ter a tranquilidade que nossos pais sempre buscaram.

Agora, o sonho é a experiência e a liberdade de escolher o próprio futuro, sem precisar seguir os padrões com os quais estávamos acostumados.

Economia do acesso 

Setenta e dois porcento da geração Millennials não sobrevivem sem seus dispositivos. Pesquisa da Nielsen identificou que, para os jovens de até 29 anos, o maior sonho é o acesso. Eles não sabem o que é viver sem internet, smartphones, aplicativos e toda tecnologia de conexão com a qual vivemos hoje. Muitos colocam celulares, por exemplo, como itens indispensáveis. Já automóveis, sonho máximo da “geração coca-cola”, não é mais o desejo deles.

As gerações anteriores, de certa forma, prepararam esse novo consumidor para dar valor às novas tendências de produtos e serviços. Com o advento da tecnologia no final dos anos 90, nossos pais começaram com a mudança de “Propriedade para Acesso”. E isso vem transformando empresas, vidas, negócios e produtos. Tudo passa a ser serviço.

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(Foto: reprodução ilustração do livro Life as a Service)

Na ilustração acima, a casa é o único item no qual necessitamos ainda ter a propriedade. Até o telefone, que há 20 anos era item que se adquiria com linha e título, já virou um serviço mais do que comum.

Da propriedade para o acesso

Dois grandes exemplos de que o acesso a serviços já domina parte do nosso consumo são os filmes e a fotografia. Difícil não ter na nossa cabeça como principal exemplo a morte da Blockbuster e a crescente adesão a serviços de streaming de filmes. Pra quê, em pleno 2015, precisamos comprar um DVD? Nesse mesmo espírito, deixamos de revelar fotos há anos.

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(Foto: reprodução ilustração do livro Life as a Service)

Esse novo consumo nos trouxe um agente importante para o segmento de serviços. Tudo é serviço, praticamente. Música, filmes, educação, entretenimento, segurança e, agora, transporte. Sem levar em questão a miopia de empresas como Kodak, Blockbuster, entre outras que vão morrer brevemente, podemos afirmar que quem dita a regra são os consumidores empurrados pela tecnologia. O Uber é um bom exemplo. Deixando de lado a polêmica, ele potencializa ainda mais a teoria do acesso. Em algumas cidades dos Estados Unidos, caso de São Francisco, o Uber, Lyft e Sidecar geram mais receita do que a maioria dos transportes públicos.

O Airbnb, o serviço de hospedagens 3.0, permite que, cada vez mais, preços e experiência estejam na vida dos viajantes. Redes de hotéis, operadoras de turismo e até sites de reservas já se desesperam por conta da popularização de serviços como esse, no qual o usuário quer a experiência além do serviço. Poderíamos enumerar centenas de novas empresas como essas que já iniciam a revolução do consumo de propriedade para acesso.

Preço e valor percebido

O valor percebido pelos consumidores atuais mudou bastante, o que faz com que algumas culturas simplesmente desapareçam. Adquirir algo e usar por poucas vezes é extremamente desnecessário nesses tempos. No livro Life as a Service, em parceria com o Murilo Gun, um dos pontos centrais é o exercício comum das pessoas em ter algo extremamente obsoleto como um bem. Caso da furadeira, citada pelo livro, ferramenta comum de se ter em casa, mas de pouco uso. Pra que a furadeira, se o que precisamos é um furo? Esse tipo de produto será automaticamente colocado na proposta de acesso. Alugar uma furadeira por, por exemplo, R$15/dia vale muito mais à pena que comprar uma por R$250 numa loja de departamentos.

Imobilizar um patrimônio será um grande sacrilégio para novas gerações.

A experiência acima de tudo e a reputação como pagamento

A geração Y (dos chamados Millennials) e as novas que virão vão pressionar ainda mais a mudança como empresas ganham dinheiro. Negócios que visam ao lucro somente já são percebidos por eles como “sem valor algum”. É evidente que algumas empresas ainda não notaram, outras tentam se adaptar e poucas assumem as rédeas da transformação.

Novas economias como a Criativa, a da Recorrência e a do Compartilhamento (todas elas inseridas no segmento de serviços) serão, de fato, os pilares para que empresas como o Uber, por exemplo, valha mais do que uma mineradora, que aplicativos como WhatsApp sejam o meio de comunicação universal, entre outros bons exemplos nos quais a experiência do consumidor está acima de qualquer coisa. Já existem, inclusive, formas de pagamento para receber um serviço que vão além da questão financeira. Caso do CouchSurfing, onde pessoas recebem, em suas casas, viajantes de quaisquer lugares do mundo, sem cobrar um centavo em troca. É a reputação em forma de pagamento. Dois imóveis no mesmo local, com o mesmo preço de aluguel, mas com reputações diferentes no Airbnb são diferenciados rapidamente um do outro, por conta de um simples “review” positivo. E o que esses novos consumidores buscam? Experiência e acesso.

Acima de tudo, as novas gerações serão os motores para que empresas tradicionais desapareçam e novas formas de se ganhar dinheiro e emprego se renovem.

 

rodrigo dantasRodrigo Dantas é fundador e CEO da Vindi (www.vindi.com.br) – plataforma de pagamentos online), criador do maior evento de empresas SaaS e Assinaturas do país, o “Assinaturas Day” (assinaturasday.com) e co-autor do livro Economia do Acesso e os modelos de negócios baseados em compartilhamento, recorrência e assinaturas.
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