Economia de Serviços

um espaço para debate

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O Desafio de Acemoglu e Robinson

Em 2012 James Robinson e Daron Acemoglu lançaram o livro Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty que foi um sucesso imediato, não só no mercado acadêmico, mas também no mercado editorial geral. A hipótese central do livro é que instituições, e não cultura, geografia, ou sorte, são a causa fundamental do crescimento econômico de longo prazo. Era essencialmente a mesma mensagem que algumas décadas de literatura da nova economia das instituições já havia desenvolvido (Douglass North, Ronald Coase, Oliver Williamson e Elinor Ostrom): que instituições abertas e inclusivas, caraterizadas por impessoalidade e rule-of-law e acompanhadas por freios e contrapesos sobre o poder do Estado, são imprescindíveis para que um país se torne verdadeiramente desenvolvido. Eles mostram através de inúmeros exemplos históricos e dados comparativos que somente um pequeno grupo de países em todo mundo conseguiu atingir este tipo de desenvolvimento, enquanto a grande maioria, onde prevalecem instituições extrativas e acesso limitado a mercados econômicos e políticos, falharam.

Com o sucesso do livro os autores foram convidados a dar palestras e apresentações em vários lugares diferentes. Na época, eu devo ter ouvido mais de uma dezenas de palestras via podcasts ou no Youtube. Dado o nível dos autores e sua segurança na exposição de seus argumentos, sempre havia a sensação de que o público estava convencido. Mas inevitavelmente, quando o moderador abria o microfone para a sessão de perguntas do público, vinha a mesma pergunta avassaladora que fazia muitos reconsiderar sua posição: “Mas então como vocês explicam a China? É uma ditadura, com instituições fechadas, extrativas e excludentes, e, no entanto, é o país que mais cresce no mundo há muito tempo e logo será o país mais rico do mundo.” Os autores sempre davam a mesma resposta, na linha desta argumentação em seu Why Nations Fail Blog:

When economic institutions take steps towards greater inclusivity — which has happened many times in history and is exactly what happened in China starting in 1978 — this can usher a rapid period of economic growth. Where political institutions come in is that inclusive economic institutions can emerge and encourage growth in the short run but cannot survive in the long run under extractive political institutions. It is for this reason that the rapid growth of China over the last three decades isn’t an exception to our theory.

E eles seguem com o seguinte desafio: Se a China continuar a crescer por mais várias décadas e chegar a níveis de PIB per capita comparáveis aos dos EUA e da Alemanha, mantendo o tempo todo o mesmo tipo de instituições políticas autoritárias e extrativas, então isto refutaria a sua teoria. É assim que deve ser a ciência, sujeita à falsificação pelas evidências. No entanto, naquelas palestras esta resposta dos autores não parecia convencer muitas pessoas. Afinal a China não parava de crescer e de deslumbrar o mundo com sua capacidade de exceder todas as expectativas. Talvez instituições sejam importantes, mas a China seja um caso especial que desafia as explicações convencionais.

Este ainda não é o momento de tirar a prova e ver quem vence o desafio. A transição da China ainda está se processando e não é possível ainda tirar conclusões definitivas. A China já está alcançando os EUA em termos de PIB nominal, mas ainda está mais ou menos no mesmo nível do Brasil em termos per capita. Como diz o desafio, trata-se de uma questão de longo prazo (várias décadas) e não de conjuntura. No entanto, pode ser interessante ver como estão evoluindo algumas variáveis da economia e sociedade chinesa para termos uma ideia de como vai a contenda até agora.

Não é preciso fazer muito esforço para argumentar que a trajetória ascendente da China continua forte. Sua economia continua crescendo a altas taxas independente de crises mundiais. Em janeiro deste ano um artigo de capa da The Economist explica How China Could Dominate Science. No mesmo mês uma nave Chinesa foi a primeira a aterrissar no lado escuro da lua. Dos 20 prédios mais altos do mundo 10 estão na China (11 se contar um em Taiwan). As companhias de tecnologia da informação da China já rivalizam as ocidentais, com o trio BAT (Baidu, Alibaba e Tencent) valendo atualmente acima de um trilhão de dólares.

Em novembro, de 2017 eu estive na China pela primeira vez, para uma conferência em Shenzhen. Nesta cidade, mais jovem do que Brasília, porém já com uma população de mais de 12 milhões de pessoas, eu quase me convenci de que Acemoglu e Robinson estavam errados. A cidade era imensa, moderna, agradável e bonita. Além disto, os anfitriões nos levaram para visitar o moderníssimo trem-bala que estavam prestes a inaugurar, ligando à cidade a Guangzhou em menos de 50 minutos (em vez de duas horas) Um país que tinha a capacidade de fazer cidades e infraestrutura assim certamente tornar-se-ia em pouco tempo um país desenvolvido.

Mas apesar de todo este deslumbre, havia alguma coisa errada. Demorou até que eu conseguisse perceber o que era, mas logo ficou claro: onde estão os pobres? Embora a China tenha bolsões de prosperidade, como Shenzhen, ainda é um país predominantemente pobre. O fato de não haver pobres em Shenzhen não era algo natural. Cidades de países pobres costumam ser feias e sujas exatamente por que os pobres migram para as cidades em busca de melhores oportunidades e serviços públicos. Se não havia mendigos ou favelas em Shenzhen não era por que eles não quisessem estar lá, mas por que lá há acesso limitado às cidades, algo que só pode ser mantido com mão de ferro. Da mesma forma, as ferrovias, hidroelétricas e prédios não deviam tanto à engenharia chinesa como à capacidade de construir sem ter que se preocupar com questões de direitos de propriedade, direitos humanos e maio ambiente.

Estas questões ilustram por que é tão difícil prever quem está vencendo o desafio. Por um lado, há diversas evidências de progresso, crescimento e prosperidade. Por outro, há desigualdade, exclusão e acesso limitado. Sempre é possível imaginar que um dos lados eventualmente irá prevalecer, extinguindo o outro. Talvez seja preciso primeiro crescer para depois redistribuir como afirmava Delfim Neto na década de 1970 e Ronald Reagan na de 1980 com trickle-down economics. Pode ser que democracia e direitos humanos sejam bens de luxo, cujo consumo só aumenta à medida que a renda suba suficientemente. Sob esta perspectiva, à medida que a população chinesa enriquecesse, surgiria uma grande classe média que demandaria voz, participação e rule-of-law.

Um artigo recente no The Economist nota que a mesma dúvida sobre a trajetória futura da China já existiu com relação à União Soviética. Nas décadas de 1950 e 1960 muitos observadores ocidentais, inclusive o eminente economista Paul Samuelson, achavam que a União Soviética estava mostrando uma forma superior de organizar a economia e que estava fadada a dominar o mundo. Assim como a China, a União Soviética atingiu maiores taxas de produtividade e de crescimento transferindo pessoas do campo para as cidades. Porém lá, este tipo de crescimento eventualmente se esgotou, e o efeito das instituições fechadas e extrativas foi exatamente o que as teorias institucionalista previam.

Seria a China diferente? Certamente há bastante diferenças. A China possui uma economia essencialmente capitalista e está integrada na economia global. Sabemos muito mais sobre a China hoje do que sabíamos sobre a União Soviética. Mas, e quanto às instituições políticas? Existe alguma evidência de alguma abertura política ou na direção de mais voz, inclusão e participação da população? Estes são os elementos chave na teoria do Acemoglu e Robinson, sem os quais, segundo eles, a China não poderia sustentar o crescimento recente.

Em um post não é possível considerar toda a evidência que seria necessário para resolver esta questão. Vejamos, no entanto, quatro fatos sobre a evolução recente das instituições políticas Chinesas, escolhidos, admitidamente, com um certo viés de confirmação. São todos elementos que refletem mudanças recentes nas instituições políticas Chinesas:

  1. Em Fevereiro de 2015 o Partido Comunista Chinês eliminou a regra que limitava o Presidente a um mandato único. Isto permitirá a Xi Jinping permanecer indefinidamente no poder. Como a China já era uma ditadura, pode não parecer uma mudança particularmente importante. Outras mudanças simultâneas, porém, sugerem uma centralização e endurecimento contrários à aparente abertura que muitos desejavam ver. Em outubro de 2017, a Constituição do Partido Comunista adicionou um novo princípio aos 23 já existentes. O novo princípio estabelece o conjunto de normas de comportamento e crenças conhecido por Xi Thought, como guia para o socialismo com características chinesas para a nova era. Já existe um instituto de Xi Jinping Thought com o objetivo de desaminar este conhecimento nas universidades e entre a juventude. Four legs good, two legs bad! Four legs good, two legs bad!
  2. Hoje o setor privado é responsável por 80% da produção industrial chinesa. Embora o Presidente Xi costume enaltecer este setor em seu discurso, tem havido uma clara tendência de aumento da interferência e usurpação do Estado em firmas privadas, muitas vezes para favorecer as grandes empresas estatais. Isto inclui desde interferência política nas decisões das firmas, pressão para incluir membros do Partido Comunista nas diretorias e até a compra forçada da empresa. O fenômeno é tão prevalecente que tem até um nome; guojin mintui, ou seja, ‘o Estado avança enquanto o setor privado se retraí’. Está certo que isto costuma acontecer em vários países. O Brasil, por exemplo, tem sua própria versão de guojin mintui tupiniquim. A questão de quão nocivo isto possa ser para a eficiência, investimento e inovação no longo prazo talvez dependa da existência de salvaguardas e freios e contrapesos que os empresários e investidores possuam para recorrer contra abusos e injustiças (Levy and Spiller, 1996). No Brasil existe um judiciário independente, uma imprensa livre, um ministério público atuante, uma sociedade civil organizada e participante, e eleições periódicas. Na China não há nada disso.
  3. O crescimento econômico chinês gera prosperidade e confortos, mas naturalmente tem os seus descontentes. O Partido Comunista permite protestos de massa, e eles existem em grande número. Não se tem números muito claros pois o Ministério da Segurança Pública parou de divulgar dados e vários pesquisadores e ONGs que tentam documentar os protestos costumam ser presos ou reprimidos. Em geral, os protestos permitidos são aqueles que não são percebidos como ameaça, em particular protestos que não tem alcance nacional. O Partido Comunista até encoraja protestos locais – muitas vezes relacionados à propriedade da terra, poluição ou escolas – como uma forma de controlar e monitorar políticos locais.
  4. A China construiu mais arranha-céus em 2018 do que qualquer outro lugar no mundo ou da história de acordo com o Council of Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH). São 88 prédios de mais de 200 metros. Isto pode parecer uma coisa boa. Existe porém uma maldição dos arranha-céus (skyscraper effect) segundo a qual a construção de arranha-céus em um país costuma levar a recessão. Esta regularidade empírica foi notada primeiro pelo economista Andrew Lawrence em 1999. Não se trata de superstição ou mandinga. O efeito atua através de distorções nos mercados de crédito, capital, terra e trabalho, além do gasto público, assim como a realização de Olimpíadas costuma deixar um contra-intuitivo legado negativo nos países hospedes.

Possivelmente, daqui a cinco ou dez anos iremos olhar para trás e estes quatro pontos terão sido pequenos percalços eventualmente superados por uma China próspera, dominante e democrática. Se este for o caso, Acemoglu e Robinson não terão sido refutados. As instituições políticas terão mudado e permitido que um crescimento de curto prazo se tornasse desenvolvimento de longo prazo. Se, porém, estes quatro indícios recrudescerem e forem seguidos de outros desenvolvimentos semelhantes, e isto provar ser um empecilho à transição chinesa, mantendo o país em uma armadilha da renda média (middle-income trap), eles não terão sido refutados. Façam as suas apostas.

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https://www.area148.com/the-babel-syndrome/

Bernardo Mueller é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e autor dos livros Brazil in Transition: Beliefs, Leadership and Institutional Change (2016) e Institutional and Organizational Analysis: Concepts and Applications (2018).

O Valor e a Medida do que não se Embrulha

O jornalista Elio Gaspari, na sua coluna na Folha de São Paulo do 2 de dezembro, criticando a falta de nomes ligados à produção na equipe de Paulo Guedes, apela a uma suposta definição do banqueiro Gastão Vidigal: “Produto é aquilo que se pode embrulhar. Pregos, por exemplo”. No parágrafo seguinte menciona uma exceção, um nome oriundo do setor privado (Salim Mattar), fundador da Localiza, empresa especializada (nas palavras do próprio Elio Gaspari) no serviço de locação de carros. A crítica de Gaspari está dirigida ao suposto predomínio, na equipe de Guedes, de funcionários procedentes do Setor Público (Mansueto Almeida, Waldery Rodriguez, etc.) sobre indivíduos ligados à oferta de bens que se “embrulham”. A dúvida fica por conta da inclusão de Salim Mattar, que não tem como berço o setor público mas, contudo, a oferta da firma que criou (serviços de locação de carros) não se “embrulha”.

Gaspari, subliminarmente, parece outorgar uma certa superioridade valorativa à oferta daquilo que se “embrulha”. Curiosa essa hierarquia, uma vez que hoje os países, na medida de suas possibilidades (disponibilidade de recursos humanos, tecnologia, capital, etc.) tendem a fugir da produção de “pregos”. As fronteiras, em termos de bem-estar material, se encontram em economias que, justamente, geram e exportam uma oferta de bens que não se “embrulham” e tendem a importar coisas que sim se “embrulham”, como pregos.

Contudo, a oferta composta por coisas que não se “embrulham” reintroduz um desafio já velho na economia: a questão da medição e valoração. O desafio não é novo e não está colocado, exclusivamente, na oferta intangível ou não-embrulhável (como é a quase maioria no caso dos serviços). Lembremos que o quesito da medição era o cerne da denominada “Controvérsia do Capital” ou “Controvérsia das duas Cambridges” no tocante à agregação dos bens de capital e a remuneração desse fator em função da sua produtividade marginal. Muito sinteticamente, o eixo da controvérsia era (e é): como adicionar um trator e um computador ? Simplesmente pelos seus preços de mercado, seria a resposta mais óbvia. Dada essa agregação, a contribuição marginal dessa magnitude seria sua retribuição (∂Q/∂K = r). Ocorre que o valor de K não pode ser seu custo, depende do retorno estimado. Mas se K (como agregado) depende de seu retorno, não podemos estimar a produtividade marginal para estimar o retorno: estamos diante de um referencial auto-circular. O debate não foi conclusivo, está em aberto. Em termos históricos (com Joan Robinson à frente), a Cambridge (UK) questionava o próprio conceito de função de produção e a Cambridge (US), especialmente Samuelson, propunha abordagens alternativas que mantinham o modelo canônico em pé.

Se a questão da medição e agregação é, no caso particular dos bens de capital que se podem “embrulhar”, polêmica, demanda amplos espaços de reflexão teórica e metodológica, o desafio é ainda maior quando estamos lidando com uma oferta que “não se embrulha”, como seria o caso da utilização do conhecimento na produção, de melhoras organizativas, de imagem, etc., ou seja, ativos intangíveis. Percebamos a magnitude do desafio. No caso de um trator temos uma dimensão física, concreta, que devemos quantificar monetariamente. Quando estamos em uma dimensão não tangível, devemos lidar com a reputação de uma firma, o prestígio de uma marca, uma forma de organização, etc. que devemos mesurar em termos de magnitudes de potenciais trocas. O ponto é: como medimos e como é remunerado essa dimensão não tangível?

A questão da medição é crucial uma vez que, se a principal alavanca para transitar de um país de “classe média” (como é o Brasil hoje) rumo ao clube das nações avançadas passa por quesitos não tangíveis (que não se “embrulham”, como educação, formas de organização, incentivos, I+D, etc.), se torna necessário algum tipo de indicador para avaliar e direcionar políticas públicas. Por exemplo, hoje a relação entre investimento e PIB é assumida como um parâmetro crucial para determinar o crescimento potencial. Contudo, nesse investimento só é considerada a oferta que se pode “embrulhar”. Como contabilizar o conhecimento incorporado nas máquinas, na organização das firmas, nos processos, na conduta dos trabalhadores, etc.? Como medir o conhecimento acumulado em firmas e instituições? Como medimos e contabilizamos o capital humano que os assalariados acumulam nos seus anos de experiência nos seus empregos?

A tentação é assumir que a medição/valoração da oferta não-embrulhável pode ser realizada com os mesmos instrumentos metodológicos que o capital físico. Lembremos que uma boa e consensual definição de investimento consiste em determinar quanto abrimos mão do consumo presente para expandir o consumo futuro. Nesse sentido, reduzir o trabalho de jovens hoje para possibilitar a freqüência ao sistema escolar, a fim de elevar sua produtividade no futuro, deve ser considerado um investimento que mereceria receber o mesmo status que a construção de um porto. Contudo, o problema pode ser mais complexo quando, por exemplo, em um país (como é o caso do Japão) os vínculos trabalhistas são mais estáveis (menor rotatividade) e essa característica permite elevar a qualidade (produtividade) da mão-de-obra. O desempenho da PEA (População Economicamente Ativa) pode ser mensurado, não unicamente pela quantidade e qualidade da educação recebida no sistema escolar, senão que, também, pela qualidade das trajetórias profissionais. Os contornos institucionais das firmas em cada país (práticas, processos, formas de remuneração e incentivos, valor das marcas, etc.) parecem constituir fontes de capital intangível com desdobramentos nos níveis de produtividade (ver, por exemplo, os artigos de Cummins; e Lev & Radhakrishnan). Aqui estamos diante das mais diversas nuances que são difíceis de delimitar, medir, valorar. Por exemplo, uma firma pode comprar um novo equipamento, mais desenvolvido tecnologicamente. O provedor pode incluir, no pacote, os serviços de formação dos assalariados da firma compradora, sendo este último um capital intangível e de difícil medição. Outras vezes, a valoração pode utilizar metodologias mais clássicas. Por exemplo, um investimento em I&D pode ser valorado seja pelo seu custo seja pelo valor presente do fluxo futuro de benefícios. Neste último caso, porém, se vai requerer a definição de um horizonte temporal, tarefa não trivial.

Contudo, as dificuldades de medição nos “não embrulháveis” estão no próprio DNA. Como contabilizar, nas Contas Nacionais, o investimento realizado para elevar o valor da marca de um produto? A valoração deste tipo de bens (não tangíveis) já merece esforços de reflexão no âmbito do paradigma mainstream. Ou seja, não é um programa de pesquisa que deva, necessariamente, fazer jus a um carimbo de “heterodoxo”. Existem elementos para afirmar que, em certas economias (EUA, por exemplo) o investimento em intangíveis supera o investimento tradicional. Em geral, quanto maior a importância dos intangíveis no investimento total maior será a importância do capital humano, da inovação, da produtividade, etc. na explicação da performance de uma economia e, nas modernas abordagens, esses parecem ser os nutrientes que permitem fugir de um cenário de estagnação secular no longo prazo.

Estes problemas se agregam a desafios mais antigos e que já receberam amplo tratamento na literatura. Por exemplo, os serviços de saúde. Se uma operação de ponte de safena hoje tem uma taxa de sobrevivência de mais de 90% e uma excelente qualidade de vida posterior, como comparar esse “serviço” (não embrulhável) com a mesma operação feita há 50 anos, quando a taxa de sobrevivência era de 20% (exemplo hipotético) e a qualidade de vida no pós-operatório sofrível. Estamos falando do mesmo produto (operação hoje e há 50 anos)? Neste post direcionamos a nossa atenção ao investimento, uma vez que existe consenso sobre uma das diversas restrições que dificultam a retomada do crescimento no Brasil. Limitar a nossa atenção à clássica relação investimento de “embrulháveis”/PIB, com certeza, deixa fora uma série de fatores que talvez sejam tão ou mais importantes que os tangíveis. Quiçá essa seja uma tarefa inglória e a contribuição dos não embrulháveis continue sendo contabilizada como sendo a PTF (Produtividade Total dos Fatores, denominada, adequadamente, como sendo o tamanho de nossa ignorância) pela nossa incapacidade de dar valor a singularidades tão vagas como capital social, instituições, valor de uma marca, etc. Contudo, seria bom sermos conscientes de nossas limitações.

Carlos Alberto Ramos é Professor do Departamento de Economia, UnB. Graduação Universidad de Buenos Aires, Mestrado na Universidade de Brasília, Doutorado na Université Paris-Nord.

Seinfeld e a Economia de Serviços

Muitos leitores deste blog devem conhecer a série de comédia Seinfeld, que foi ao ar entre 1989 e 1998. Segundo a Wikipedia, esta série é considerada “uma das melhores e mais influentes sitcoms jamais produzidas, tendo sida ranqueada entre os melhores programas de televisão de todos os tempos por publicações como a Entertainment Weekly, Rolling Stone, e TV Guide.” A Guilda de Escritores da América escolheu a série como a segunda mais bem-escrita de todos os tempos (após The Sopranos). Uma rápida pesquisa no IMDb, site de dados e informação sobre filmes, televisão, vídeo e games, que permite que os usuários criem suas próprias listas de melhores programas de todos os tempos, mostra o impacto que a série teve na cultura popular mundial.

Mas o que isto tem a ver com a Economia de Serviços? A série é conhecida por ser ‘um programa sobre nada’. Os personagens basicamente se encontram no apartamento em Nova Iorque do protagonista Jerry Seinfeld e conversam sobre trivialidades do dia-a-dia ou seguem suas rotinas diárias onde nada de particularmente importante parece acontecer. Nenhum dos personagens tem características ou personalidades fora da média: não são particularmente feios ou bonitos, amáveis ou deploráveis, e são medianamente hedonistas, preguiçosos e centrados em si mesmos como a maioria das pessoas. Então novamente a pergunta: o que uma comédia sobre nada, ou sobre as miudezas da vida diária tem a ver com este blog?

Talvez um breve resumo de alguns dos episódios mais memoráveis trará algumas dicas.

No episódio ‘Soup Nazi’ (S07E06) os personagens vão à uma loja de sopas extremamente popular, com filas na porta, mas onde o proprietário é autoritário e impaciente, capaz de se negar a vender a sopa caso o cliente não sega à risca a peculiar etiqueta: manter a fila em ordem, não fazer perguntas, não falar desnecessariamente, não elogiar ou criar qualquer outra comoção. No episódio ‘The Alternate Side’ (S03E10) Jerry está na locadora de veículos onde, embora ele tenha reservado um carro médio, a loja está sem carros médios e querem lhe dar um compacto. Em ‘The Understudy’ (S09E24) Elaine (amiga do Jerry) acha que as manicures Coreanas estão falando mal dela quando conversam entre si em coreano (e sim elas estão). Em ‘The Pothole’ (S08E16) Elaine quer encomendar um delivery de um restaurante Chinês especial, mas seu apartamento fica uma rua além da fronteira para a qual eles entregam, obrigando-a a fingir ser a faxineira do prédio da frente para enganar o entregador. Em ‘The Smelly Car’ (S04E21) um valet com odor corporal extremo deixa o carro do Jerry fedendo tanto que nem lavagens especiais resolvem. Com certeza leitores se lembrarão de vários outros exemplos.

O que todos estes episódios têm em comum é o papel central de relações entre provedores de serviços e os clientes que estão sendo servidos. Não é coincidência que uma série que trata da rotina diária de pessoas comuns nas grandes cidades acabe sendo também uma série sobre a ubiquidade de relações entre provedores e clientes. Dado o elevado nível de especialização na sociedade moderna, cada indivíduo acaba se engajando diretamente em um conjunto de ocupações e tarefas cada vez mais estreito e se volta a outros indivíduos e firmas para obter a variada gama de outros bens e serviços de que precisa, tais como sopa, locação de veículos, manicure, comida chinesa, e estacionamento. Sob esta perspectiva, seria quase impossível fazer uma serie sobre a vida contemporânea sem que esta estivesse, assim como Seinfeld, totalmente embrenhada por relações de serviços.

No entanto, os escritores de Seinfeld tiveram a sensibilidade de perceber uma sutileza sobre estas relações que pode não ser imediatamente óbvia para a maioria dos espectadores. As situações apresentadas na série não se limitam a retratar superficialmente serviços sendo demandados e ofertados pelos personagens. Em vez, o foco é, de maneira bastante perspicaz, serem essas relações frequentemente envoltas em conflito, decepções e frustrações. Existe uma tensão latente em cada transação de serviço. Quando Jerry e Elaine são convidados para um jantar e passam em uma confeitaria para comprar um bolo de presente, eles esquecem de pegar uma senha e acabam perdendo o último babka de chocolate¸ levando a desgosto e arrependimento (The Dinner Party S05E13). No banheiro de um restaurante Jerry vê que o cozinheiro não lavou as mãos e depois, constrangedoramente se recusa a experimentar a pizza especialmente preparada para a sua mesa (The Pie S05E15). Em uma livraria George, amigo de Jerry, leva um livro para o banheiro e é depois obrigado a comprar o livro (The Bookstore S09E14).

Após assistir algumas temporadas de Seinfeld o espectador se convence que toda relação de serviços é uma potencial fonte de atrito. Uma forma econômica de entender este fenômeno está na percepção de que estas trocas necessariamente envolvem custos de transação e direitos de propriedade incompletos. Para adquirir um serviço, há todo um processo de busca, avaliação, negociação, matching, feedback, etc. que é repleto de incertezas e assimetrias de informação. Por mais que existam intermediários, reguladores e apps dedicados a resolver estes dilemas, alinhar expectativas, e dirimir conflitos, a relação envolve contratos incompletos e continua sujeita a surpresas e consequências não-intencionadas. Um cliente em uma mercearia tem o direito de experimentar uma uva? E se forem dez uvas? Pode-se apertar os tomates? Até que nível de força é aceitável? Por mais que se estabeleça normas formais e informais, alguns direitos de propriedade sempre estarão mal especificados e, portanto, no domínio público. Tudo isto é fonte de conflitos, pendengas e discussões, levando às situações típicas de Seinfeld.

Outra ótica pela qual se pode analisar a questão é pela psicologia social. A relação de serviço é muito mais que uma mera transação comercial. Ela envolve expectativas que costumam não ser atendidas, não somente com relação ao serviço em si, mas principalmente sobre o que o comportamento do outro revela sobre como somos percebidos e avaliados pelos outros. Um sorriso amarelo, uma má escolha de palavras, ou um olhar de canto de olho podem estar carregados de sentimentos de desprezo, desdém ou apequenamento. É como se cada transação fosse um julgamento de seu pertencimento e valor. Seu desconforto quando o garçom demora para trazer sua bebida não é tanto devido à sede, e sim ao que este comportamento lhe diz sobre a importância que o garçom lhe atribui relativo aos outros clientes. Afinal, aquele outro casal chegou depois e já está com suas bebidas. O episódio The Chinese Restaurant (S02E11) se passa inteiramente na entrada de um restaurante chinês enquanto Jerry, Elaine e George se desesperam na suspeita de que estão sendo passados para trás na lista de espera.

Adam Smith já havia intuído no século 18 que não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que devemos esperar o nosso jantar, e sim do seu interesse próprio. Seinfeld nos mostra que a realidade é até pior. A nossa dependência de uma gama variada de serviços não só não pode contar com benevolência dos provedores, mas ainda deve aturar o seu desdém, menosprezo e antipatia. Ou seja, o que Hamlet de Shakespeare (no monólogo “Ser ou não ser”, ao considerar se matar devido a este estado de coisa) classificou como the whips and scorns of times, ou seja, todas as humilhações da vida:[1]

For who would bear the whips and scorns of times

Th’ oppressor’s wrong, the proud man’s contumely,

The pangs of despised love, the law’s delay,

The insolence of office, and the spurns

That patient merit of th’ unworthy takes …

A beleza do mercado é que apesar de tudo isto, as coisas ainda funcionam bem e no final das contas podemos ser felizes, contanto que encaremos com naturalidade os atritos inevitáveis das relações de serviço.

Bernardo Mueller é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e autor dos livros Brazil in Transition: Beliefs, Leadership and Institutional Change (2016) e Institutional and Organizational Analysis: Concepts and Applications (2018).

  1. Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo,
    O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,
    Toda a lancinação do mal-prezado amor,
    A insolência oficial, as dilações da lei,
    Os doestos que dos nulos têm de suportar
    O mérito paciente, quem o sofreria,
    Quando alcançasse a mais perfeita quitação
    Com a ponta de um punhal?

    https://www.pensador.com/frase/NTcxODg2/

Blog de Conjuntura Econômica do DF

No dia 14 de dezembro a Companhia de Planejamento do Distrito Federal – CODEPLAN lançou o Blog de Conjuntura Econômica do DF. O Blog foi criado com o objetivo principal de reunir em apenas um sítio todas as informações e análises que a equipe da CODEPLAN produz e dissemina a respeito da conjuntura econômica do Distrito Federal.

A ideia é que o blog facilite o acesso do público alvo às informações econômicas que a CODEPLAN produz e/ou acompanha. A partir da maior flexibilidade que uma ferramenta como um blog oferece, espera-se incorporar dinamismo com informações e estatísticas que dizem respeito especificamente à economia do Distrito Federal, utilizando-se de elementos gráficos atualizados de maneira automática e instantânea.

Uma interface como a do Blog de Conjuntura Econômica do Distrito Federal permite reunir, por meio da criação e manutenção de uma lista de e-mails (mailing), profissionais interessados especificamente com os trabalhos de fundo econômico da CODEPLAN. Pode-se assim, disseminar informações, divulgar publicações e análises de maneira mais direta e efetiva.

Desta forma, caso tenha interesse em saber mais sobre a economia do Distrito Federal ou acompanhar seu desempenho ao longo do tempo, basta acessar:www.economia.codeplan.df.gov.br.


Clarissa Jahns Schlabitz é bacharel em ciências econômicas pela UnB, mestre e doutora em economia pela UFRGS. Atua como Gerente de Contas e Estudos Setoriais da DIEPS/CODEPLAN desde 2017. Possui experiência com assessoria econômica,  análise econômica e de conjuntura setorial e regional.

Programa Nacional de Banda Larga – Uma tragédia previsível

Em “Por que mais recursos, leis, dados, e peritos não significam melhores serviços ou políticas públicas?” o Professor Bernardo Mueller apresenta sua explicação para o fato de as políticas públicas sempre darem errado. Segundo Mueller, “Todas as fases de concepção, projeção, implementação e operação destes projetos e políticas públicas são permeadas de incompetência, ignorância, corrupção, interesse próprio e custos de transação”. Além desses problemas, Mueller também apresenta argumentos no sentido de que pelo fato de que as políticas públicas “se dão em contextos de sistemas complexos, que por sua natureza não podem ser controlados nem previstos”.

É a partir dessa referência do Prof. Mueller que pretendo aqui trazer uma breve análise de um caso concreto de política pública que falhou miseravelmente: o Programa Nacional de Banda Larga – PNBL.

Em 2010 o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu, por meio do Decreto nº 7.175, o Programa nacional de Banda Larga – PNBL. Esse programa, ainda vigente, tem objetivos muito nobres e acima de qualquer suspeita, como por exemplo, “massificar o acesso a serviços de conexão à Internet em banda larga”; “reduzir as desigualdades social e regional” e “promover a geração de emprego e renda”.

Entretanto, entre a nobreza das intenções e a realidade dos fatos, o PNBL foi um exemplo de como não se construir uma política pública. Seja pelos erros de diagnósticos, seja pelos erros de execução, posso dizer com absoluta certeza que o PNBL, até hoje, continua a me surpreender com a sua ineficácia e desperdício de recursos públicos.

Antes de entrar nos detalhes dessa malfadada empreitada estatal convém explicar ao leitor a principal estratégia de execução desse programa.

Para alcançar os nobríssimos objetivos estabelecidos no art. 1º do referido Decreto o PNBL “ressuscitou”[1] uma antiga estatal supostamente privatizada em 29 de julho de 1998, a famigerada Telebrás.

A idéia central por trás do PNBL foi a de reestabelecer a Telebrás para a criação de uma rede nacional sob controle estatal que iria competir com as redes dos agentes privados no mercado de oferta de capacidade de transporte[2], de forma a indiretamente reduzir os preços dos serviços de banda larga ao consumidor final; além de criar uma rede privativa para o Governo, que estaria assim protegido de vulnerabilidades no mundo cibernético.

Ou seja, a refundação da Telebrás para consecução dos objetivos previstos no art. 1º do Decreto nº 7.175 se fundamentou num misto de intervenção estatal na economia para fomentar a competição e de ufanismo nacionalista. Assim, com o PNBL o Estado brasileiro teria uma rede nacional própria de telecomunicações, que garantiria a segurança nas comunicações do governo e ainda poderia concorrer com os agentes privados no mercado de banda larga.

A lógica econômica era a seguinte: como a Telebrás é uma empresa do Estado ela não objetivaria o lucro, mas sim a maximização do bem-estar social, de tal forma que sua estratégia ótima seria estabelecer o preço da rede de transporte exatamente igual ao custo incremental de longo prazo. Logo, se a Telebrás tivesse reduzindo drasticamente os preços, então os agentes privados também teriam que reduzir os preços para manter suas parcelas de mercado. Assim, o governo esperava “regular” o preço do mercado por meio da Telebrás.

O que deu errado então?

Erro nº 1 – Premissas de estrutura de mercado

Primeiramente precisamos entender um pouco sobre a cadeia produtiva do serviço de banda larga, que é dividida, grosso modo, em duas redes: rede de acesso e rede de transmissão.

A rede de acesso é aquela que chega na casa do consumidor, análoga à rede de distribuição no mercado de energia elétrica. No Brasil existem milhares empresas que ofertam acesso à internet por meio da banda larga, de tal forma que, em geral, este não é um mercado altamente concentrado. A rede de acesso é contratada diretamente pelo consumidor final, por isso dizemos que é um serviço de varejo.

Já a rede de transmissão, assim como na transmissão de energia elétrica, é constituída de elementos de rede que garantem capacidade para transmitir todo o conteúdo que trafega nas redes de acesso, conectando o consumidor com o resto do mundo. Diferentemente do mercado de acesso à banda larga, o mercado de transmissão é mais concentrado, contando com poucas empresas com capilaridade nacional. A rede de transmissão é contratada por redes de acesso, por isso dizemos que é um serviço de atacado.

A justificativa para a estratégia do PNBL ser fundamentada na atuação da Telebrás no mercado de transmissão de telecomunicações (atacado) era basicamente a alta concentração desse mercado. Já a premissa por trás dessa estratégia era de que a estrutura concorrencial desse mercado era de uma concorrência por preços, tipo Bertrand.

Em “Uma Nota Sobre a Oferta de EILD e Fechamento Vertical[3] utilizei informações sobre o mercado de oferta de capacidade de transmissão de banda larga para avaliar qual a estrutura desse mercado. Os resultados indicaram uma estrutura de Cournot, ou seja, uma concorrência por quantidade (capacidade) e não por preços.

Com esse resultado, já fica claro o primeiro erro de concepção do PNBL, qual seja, a premissa sobre a estrutura de mercado. Ora, se temos uma politica pública que tem como estratégia principal o uso de uma empresa estatal para regular um mercado privado, o mínimo que se espera do policy maker é pelo menos um conhecimento básico de como esse mercado funciona. Infelizmente, no caso concreto do PNBL, o Governo Federal não tinha conhecimento nenhum sobre como funciona o mercado de oferta de capacidade de transmissão de banda larga.

Erro nº 2 – Execução desastrosa

Não só bastasse o erro de concepção do PNBL a execução da construção da rede estatal também foi marcada por erros crassos.

No afã de apresentar resultados imediatos para a sociedade a Telebrás iniciou a construção de sua rede em regiões de alta densidade populacional e com atratividade econômica. Como podemos ver no Gráfico abaixo, a presença regional da Telebrás era muito maior nas regiões Sudeste e centro-oeste do Brasil.

Fonte: Anatel in A Estrutura Concorrencial do Mercado de Redes de Transporte de Telecomunicações e os Impactos de Políticas de Massificação da Banda Larga no Brasil”[4].

Conforme resultados apresentados em “Stimulating Broadband Adoption: State-Owned Companies versus Tax Exemptions – The Brazilian Case” [5], a elasticidade-preço da demanda é muito maior nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Ou seja, não só o Governo Federal errou na avaliação e na concepção da política pública, como a Telebrás errou desastrosamente na execução dessa política.

Erro nº 3 – Mudança de prioridade

Além das trapalhadas da Telebrás na execução do PNBL, a recriada estatal decidiu também se aventurar no espaço sideral, construindo e lançando seu próprio satélite, o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC).

Depois de vários anos e após gastar R$ 2,8 bilhões com a construção do SGDC, finalmente o SGDC foi colocado em órbita no dia 4 de maio de 2017. Apesar da grande celebração feita pelo Governo Federal quando do lançamento do satélite, até o momento o SGDC, pelo menos na sua parte civil, tem acumulado frustrações.

Ora, a praxe do mercado privado é a de vender a capacidade satelital por meio de contratos de longo prazo. Somente após à celebração desses contratos é que as companhias iniciam a construção do satélite. Ou seja, toda a capacidade do satélite é vendida ANTES da construção e lançamento do satélite.

Infelizmente as regras de mercado muitas vezes não se aplicam às empresas estatais. No caso da Telebrás e do SGDC não foi diferente. Somente após o lançamento do satélite, quando esse já estava em órbita geoestacionária, é que a Telebrás iniciou os estudos para definir o modelo de negocio de exploração do satélite. Ou seja, construíram o satélite, lançaram o satélite e quando este já estava em órbita é que os geniais burocratas se perguntaram “e agora? O que fazemos?”.

A celeridade e a qualidade nas decisões empresariais infelizmente também não são pontos fortes na gestão estatal. Assim, o plano de negócio da Telebrás para o SGDC foi definido e até hoje é contestado judicialmente. Como resultado dessa execução desastrosa da política pública, até hoje a parte civil do SGDC ainda não está operacional.

Conclusão

Desenhar e executar políticas públicas são atividades extremamente desafiadoras justamente pelo fato de se darem em sistemas complexos. Assim, muitos dos efeitos das intervenções do Estado na economia não são controlados ou previsíveis.

Quando a esse desafio se somam a incompetência, a ignorância e o interesse próprio do policy maker temos uma tempestade perfeita para o desperdício de recursos públicos.

No caso do PNBL não poderia ser diferente. Uma política pública que tem erros crassos desde sua concepção até a sua execução não tem a mínima chance de ser eficaz e efetiva para a sociedade. Talvez exista esperança ainda para que as políticas públicas de banda larga do Brasil sejam revistas, construídas e executadas com objetivos mais realistas e menos demagógicos.

Carlos Baigorri atua no setor de telecomunicações há mais de 12 anos. É especialista em regulação dos quadros da Anatel desde 2009, tendo sido aprovado em primeiro lugar em concurso público. Na Anatel já atuou como chefe da assessoria técnica (2 anos); superintendente de competição (3 anos) e superintendente executivo (2 anos), sendo atualmente o superintendente de controle de obrigações. Doutor em economia, foi ganhador em 2009 de prêmio do Conselho Federal de Economia pela melhor dissertação de mestrado do Brasil. Em 2014 ganhou o premio do Ministério da Fazenda pela melhor tese de doutorado do Brasil na área de regulação. Atuou também como professor universitário, colunista no portalLivecoins.com.br sobre criptoeconomia e é diplomado em Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra (ESG).
  1. A Telebrás nunca chegou a ser extinta, mas desde a privatização do sistema estatal em 1998 a empresa apenas fazia a gestão dos seus passivos judiciais e gestão dos funcionários realocados em outros órgãos do Governo Federal.

  2. Capacidade de transporte é o jargão setorial utilizado para se referir à rede de alta capacidade que interliga as redes de distribuição de acesso à internet.

  3. “Uma Nota Sobre a Oferta de EILD e Fechamento Vertical do Mercado de Banda Larga no Brasil”, Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 69, n. 4, p. 489-502, dez. 2015. ISSN 0034-7140.

  4. Disponível em: http://esaf.fazenda.gov.br/assuntos/pesquisas-e-premios/premio-seae/9o-premio-seae-2014/9o-premio-seae-2014/monografias-premiadas-seae-2014/tema-2-1o-lugar-carlos-manuel

  5. “Stimulating Broadband Adoption: State-Owned Companies versus Tax Exemptions – The Brazilian Case” Journal of Economic Studies, Vol. 45 Issue: 4, pp.738-759, https://doi.org/10.1108/JES-05-2016-0113

Nova equipe de editores

Prezado(a)s Amigo(a)s,

Após três anos e meio sob a nossa liderança, o Blog Economia de Serviços passará, nos próximos dias, por mudanças. Temos o grande prazer de anunciar que Bernardo Mueller, Carlos Alberto Ramos, Geovana Lorena e Vanessa Carvalho serão os novos editores do Blog. João Pedro Arbache seguirá como membro da equipe de apoio.

Os novos editores são destacados acadêmicos e profissionais em áreas cruciais associadas à economia de serviços, como economia das instituições, economia da complexidade, economia do trabalho, economia da infraestrutura, economia digital, entre outras. Estamos seguros que o Blog entrará numa etapa ainda mais rica e pujante.

De nossa parte, saímos com a sensação de dever cumprido. O Blog ajudou a chamar a atenção para a agenda até então pouco explorada de economia de serviços e suas interrelações com áreas críticas da economia e do direito. Por conta desse trabalho, nos tornamos referência nacional e até internacional na temática. Já passamos da marca das 300 mil visualizações e somos acompanhados em todos os continentes.

Muito obrigado a todos os nossos leitores, autores de posts e amigos.

Um caloroso bem-vindo à nova equipe!

Jorge Arbache e Rafael Moreira

A falácia da composição na economia digital

Falácia da composição é um dos mais importantes princípios da teoria econômica. Porém, é, também, um dos menos conhecidos. Embora o princípio não seja próprio da economia, ele foi empregado por muitos dos grandes economistas, com destaque para Paul Samuelson, para análises de problemas econômicos fundamentais.

De forma simples, o princípio diz que o que é válido para a parte pode não necessariamente ser válido para o todo. Trata-se de um problema de não neutralidade da agregação. Por exemplo, é provável que um torcedor acompanhe melhor as jogadas do seu time se ele estiver de pé no seu assento no estádio; porém, é improvável que o mesmo seja válido para cada torcedor se todos os demais torcedores também estiverem de pé.

O princípio da falácia da composição é útil para jogar luz em muitas situações de áreas tradicionais da microeconomia, como a organização industrial, economia do trabalho, economia do consumidor, finanças públicas, comércio internacional, dentre outras.

Mas a falácia da composição também parece ser útil em áreas novas, como a economia digital. De fato, quando combinado com a comoditização digital, conceito tanto explorado por este blog, o princípio da falácia da composição nos ajuda a entender fenômenos críticos da economia digital.

A falácia da composição surge em ao menos duas situações. Empresas que empregam, logo no início, tecnologias sujeitas aos modelos de negócios da comoditização digital tendem a se beneficiar mais do que as que as empregam mais tardiamente, quando as tecnologias já se tornaram “commodities”. Àquela altura, o emprego da commodity digital passa a ser uma espécie de condição de operação e não mais um diferencial competitivo.

Uma outra situação surge em decorrência do efeito-rede e do efeito-plataforma, duas das características mais fundamentais da economia digital, e que ajudam a explicar a crescente concentração dos mercados digitais, as dificuldades para se contestar o poder das big-techs e a ascensão e queda dos unicórnios. Trata-se do princípio do “winner takes all”, ou da economia das superestrelas.

Em ambas as situações, “chegar primeiro” pode fazer toda a diferença para as chances de sucesso. Mas chegar primeiro não é algo restrito às decisões da empresa, mas, também, condicional às suas circunstâncias, incluindo as políticas públicas do país e o ambiente para investir e fazer negócios.

O emprego da falácia da composição para a análise econômica em economia digital é, porém, altamente sensível à escolha adequada do ponto temporal de partida do fenômeno que se examina. Aqui, a maldição do t-0 é especialmente relevante.

Por fim, a comoditização digital e a falácia da composição ajudam a explicar o paradoxo da desaceleração da taxa de crescimento da produtividade em pleno ambiente de popularização das tecnologias da informação e de queda nos preços relativos dos bens de capitais. Esta pode ser uma das chaves para se compreender a estagnação secular.

Desafio da atenção-foco (Tendências que moldarão o ensino superior em 2025)

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025”]

12/06/2025, 19:10 hs – O professor Herbert Simon está atrasado para o comício de um dos candidatos a presidente na Brasiléia. Ele como professor da disciplina de Análise do Discurso Político, está correndo pois não quer dar um mal exemplo aos alunos da disciplina. Na programação da disciplina para essa noite, o professor e a turma iriam se encontrar no local do comício por volta das 19:15 hs, para poderem assisti-lo juntos e após o pronunciamento do candidato, previsto para finalizar-se por volta das 20:30 hs, retornariam para a sala de aula (ou melhor para um espaço reservado para os trabalhos e discussões que irão desenvolver, já que agora “a sala de aula” é qualquer espaço dentro ou fora da universidade, físico ou virtual; mas nesse dia específico, o espaço integrava a estrutura física da universidade), que teria como foco a aplicação das técnicas de análise do discurso que permeiam a espinha dorsal do conteúdo dessa disciplina. Divididos anteriormente em grupos de trabalho, uma parte dos alunos filma o pronunciamento com seus celulares, enquanto uma outra parte faz anotações (também nos seus celulares) sobre pontos de destaque que serão melhor trabalhados em “sala de aula”; outro grupo ainda (sim, grupo, já que praticamente todas as atividades são desenvolvidas em grupos), faz rápidas interações com alguns dos presentes no comício, gravando e filmando algumas declarações.
Em 2025, com o objetivo de manter o foco e atenção dos aprendizes (aprendiz, porque continuarão o processo de aprendizagem pelo resto da vida), as instituições de ensino superior estão focadas em disponibilizar condições para a reflexão e análise crítica da sociedade à qual seus aprendizes (os chamados centennials, todos nativos digitais e com características predominantemente imediatistas, ansiosos e sempre interagindo com múltiplas tarefas e plataformas), fazem parte.
A construção do aprendizado se dá a partir de sua construção individual por cada um dos aprendizes, já que o papel do professor, como facilitador, não é o de discorrer sobre uma profunda explicação sobre tudo o que envolve aquele assunto, mas sim o de estimulá-los a desenvolver suas capacidades mentais. Isso foi aprendido ao longo dos anos a partir de percepções, análises e pesquisas profundas de especialistas em educação, que foram taxativos em afirmar que o aprendizado só pode ser realizado pelo sujeito que aprende; que assim adquirem, nesse processo, a capacidade de aprenderem por conta própria.
Nos espaços de aprendizagem na universidade, quase não se encontra papeis disponíveis, mesmo porque faz algum tempo, eles foram quase totalmente abolidos, os aprendizes já não realizam tarefas, exercícios e outros trabalhos escrevendo em papel. Assim como questões como gravar em suas mentes fatos históricos antigos ou gravar fórmulas para provas (provas?), ficaram para trás, já que têm à sua disposição, um acervo quase infinito de informações disponíveis, atualizadas e de qualidade, que acessam através de um “click” (todos os livros e outras fontes de consulta de que necessitam estão no formato virtual).
O espaço físico / temporal no contexto da interação entre o aluno e o professor também está diferente, pois a tecnologia mudou essa relação e agora o aprendiz não irá mais precisar esperar até a aula para tirar suas dúvidas sobre a disciplina, agendas, etc.; podendo buscar de maneira simplificada as respostas nos suportes digitais disponíveis pela universidade ou simplesmente enviando uma mensagem aos professores ou colegas via redes sociais ou aplicativos de mensagens em celulares.
Segundo pontuado por Davenport (2001, p. 25), “atenção é o envolvimento mental concentrado com determinado item de informação. Os itens entram em nosso campo de percepção, atentamos para um deles e, então decidimos quanto à ação pertinente”.
Ou seja, em 2025, a questão do atenção-foco, será uma prioridade e a problemática que a envolve hoje em grande parte estará resolvida por ambientes, metodologias, interações e tecnologias, como algumas das que foram descritas no contexto desse artigo.
O desafio da atenção-foco, é a oitava tendência, dentre dez identificadas no trabalho de cenários “Tendências que moldarão o ensino superior em 2025”, conduzido pelo time de consultores da Nous SenseMaking.

Brenner Lopes é Mestre em Administração com ênfase em Inteligência Competitiva e é sócio na Consultoria Nous SenseMaking.
João Lopes é consultor da Nous SenseMaking e professor, com graduação em Administração de Empresas e pós-graduação em Engenharia da Produção e Gerenciamento de Projetos.
Davenport, Thomas; Beck, John C. A economia da atenção. RJ: Campus, 2001.

Compras governamentais e a agenda de abertura econômica do Brasil

A crise pela qual passou a economia brasileira recentemente trouxe ao debate público nacional o tema da abertura econômica como parte da solução para o aumento de sua produtiviade e, consequentemente, de sua capacidade de gerar renda, empregos e bem-estar à sua população de forma sustentada no tempo.

Como a literatura econômica aplicada nas últimas décadas nos confirmou, tecnologia e concorrência são os dois vetores fundamentais de mundança estrutural de uma economia vinculados ao seu processo abertura ao mundo.

Pela tecnologia, o acesso a bens e serviços tecnológicos mais avançados traz consigo um incremento direto à produtividade total dos fatores da economia que se abre. Essa substituição tecnológica, quando observada de forma ampla e espalhada, pode reposicionar uma economia, colocando-a em novos patamares de produção e competitividade.

Pela concorrência, motor primordial da inovação e do desenvolvimento econômico, o processo de ampliação das trocas de uma economia com o mundo traz forte impacto sobre seus níveis de preços, além de empurrá-la em direção a uma modernização de processos de produção e atualização de cestas de bens e serviços produzidos, com efeitos positivos sobre sua produtividade e sua capacidade de realização de crescimento econômico sustentado.

No debate atual brasileiro em torno da agenda de abertura econômica, os custos e benefícios desse processo são comumente analisados tendo em conta o setor privado, as empresas hoje instaladas no país e os efeitos que teriam num contexto de liberalização de trocas do Brasil com  mundo. Contudo, é igualmente importante averiguar os efeitos dessa agenda sobre o setor público, especialmente no que concerne às compras governamentais.

Em um contexto de crise fiscal, que deve perdurar por algum tempo, e de patente necessidade de transperência e avaliação de políticas públicas no Brasil, implementar uma agenda pró-ativa de negociações de acordos de compras governamentais deve ser componente basilar de uma estratégia de inserção internacional e de transformação estrutural da economia brasileira, seja no setor privado, seja no setor público.

Pelo vetor tecnologia, uma agenda de abertura com redução de margens de preferências a empresas nacionais em compras públicas funcionaria como catalisador de modernização, com redução de custos para o fucionamento da máquina do Estado brasileiro e estímulos de eficiência em sua gestão.

A ampliação da concerrência, por sua vez, teria função primordial em economizar recursos orcamentários para a manutenção dos serviços públicos, ampliando a transparência e os estímulos ao incremento de eficiência para as empresas domésticas com capacidade de fornecimento de bens e serviços ao Estado.

Cabe destacar que já se inciou esse processo de abertura a partir dos esforços recentes de negociação de acordos de compras governamentais, liderado pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, conjuntamente com o Itamaraty e Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. A própria entrada do Brasil como membro observador no acordo plutilateral de compras governamentais é passo útil e denotativo da vontade de se avançar no aprofundamento de acordos nessa área.

Como mostra a tabela 1, as compras governamentais representaram em média 12,5% do PIB brasileiro entre 2006-2016, tendo as compras da União correspondido a cerca de 50% do mercado de compras governamentais brasileiro nesse período, segundo recente estudo do IPEA feito por Cássio Garcia Ribeiro e Edmundo Inácio Júnior, ainda no prelo.

Nesse contexto, não se pode obviamente esquecer do papel relevante que as compras governamentais podem ter como mecanismo de estímulo a determinados setores da economia doméstica, especialmente por conta da magnitude do mercado de compras governamentais no universo dos gastos do Estado, bem como sua importância econômica para os países. Entretanto, o uso estratégico das compras governamentais como política pública de estímulo econômico ao setor privado deve passar cada vez mais pelo escrutínio técnico e análises de custo-benefícios das ações tomadas nesta área.

Assim, por um lado, não se pode abandonar a capacidade do Estado de usar inteligentemente sua capacidade de demanda de bens e serviços para gerar estímulos setoriais que venham a ser relvantes no quadro do nosso desenvolvimento econômico. Por outro, tampouco se pode perder a opotunidade de usar a política de compras governamentais no Brasil como parte de uma estratégia maior de desenvolvimento que passe por maior integração com o mundo. É do equilíbrio entre esses dois pesos, sustetado em boa avaliação de políticas, que deve sair a renovação e atualização da agenda de compras governamentais no Brasil.

Tabela 1 – Compras governamentais do Brasil, segundo entes da federação

(2006 – 2017), em R$ bilhões – preços correntes

Ano União1 Estados2 Municípios2 Total PIB PIB
Valor %/ PIB Valor %/ PIB Valor %/ PIB R$ % PIB
2006 172 7,2 59 2,5 85 3,6 320 13,5 2.409
2007 192 7,0 58 2,1 96 3,6 347 13,0 2.720
2008 241 7,8 76 2,5 117 3,9 436 14,4 3.110
2009 250 7,5 88 2,6 103 3,2 444 13,7 3.333
2010 301 7,7 103 2,7 121 3,2 529 14,0 3.886
2011 309 7,1 92 2,1 141 3,4 542 13,1 4.376
2012 379 7,9 91 1,9 161 3,7 637 14,5 4.815
2013 406 7,6 116 2,2 153 2,9 675 12,7 5.332
2014 443 7,7 142 2,5 173 3,0 759 13,1 5.779
2015 383 6,4 113 1,9 176 2,9 672 11,2 5.996
2016 322 5,1 121 1,9 190 3,0 633 10,1 6.259
2017 324 4,9 6.560
  3.721 6,8 1.060 2,2 1.516 3,2 5.994 12,5 54.575
  Total Média Total Média Total Média Total Média Total

Fonte:  1 MPOG (2016 e 2017). Tesouro Gerencial (2006-2017). Total da Tabela 1.

2 FINBRA (2006-2017).

 

Sobre o autor:

Pesquisador do IPEA, é atualmente Diretor de Estudos Internacionais do instituto. Foi Assessor Especial, chefe do Núcleo Econômico, da Secretaria-Executiva da CAMEX (2016-2017) e Pesquisador Visitante junto à UNCTAD (2010). Tem Doutorado em Administração pela Universidade Federal da Bahia.

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