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Category: Saúde

Eles ficam altos? O Impacto do Acesso a Drogas nos Preços da Hospedagem

Poucos assuntos são tão presentes em cada esquina das cidades grandes de hoje em dia e possuem tão pouca pesquisa quanto as drogas. Temas mais convencionais, já consolidados na agenda mainstream, possuem dezenas de trabalhos com réplicas e tréplicas para cada variável, enquanto no que tange às drogas a literatura ainda se encontra no “O que são, o que comem e onde habitam?”

A ilegalidade na qual as drogas se encontram apresenta um grande entrave para a elaboração de estudos robustos e sem achismos, uma vez que informações se tornam praticamente inexistentes. A coleta de dados é bastante complicada, de forma que poucos conseguem fazê-la – como em Venkatesh e Levitt (2000). Isso faz com que as pesquisas fiquem um pouco limitadas, mas não menos interessantes. Até o momento, a maior parte das pesquisas se concentrava nas consequências orçamentárias da legalização (Miron, 2005) ou em questões de saúde e consumo (Bretteville-Jensen e Jacobi, 2011; Jacobi e Sovinsky, 2016; Palali e Van Ours, 2014). A pesquisa a ser tratada no resto deste texto, por exemplo, visa avaliar a existência de influência de Coffee Shops no mercado imobiliário de Amsterdam.

Os recentes movimentos de descriminalização e legalização da maconha têm servido como ótimo cenário para diversas pesquisas na área, tanto por trazerem consigo dados antes não existentes quanto por também proporcionarem grupos de controle e choques exógenos, em meio às mudanças legais. Até o momento, cada país que legalizou a maconha o fez à sua própria maneira, com modelos de legalização bastante heterogêneos. Todos eles têm como base, porém, a noção de que existe uma certa heterogeneidade entre os consumidores de cannabis e que a maior parte dos malefícios sociais vem, na verdade, do próprio fato da droga ser ilegal.

Miron e Zwiebel (1995) lançam um olhar econômico sobre o mercado das drogas. Para eles, pode-se classificar os consumidores em duas categorias, os dependentes químicos e os de uso recreativo. Estes, segundo os autores, respondem às mudanças nos preços das drogas assim como o consumidor mediano responde a mudanças em preços de bens “convencionais”, enquanto aqueles terão uma demanda pela droga muito mais inelástica. Isto é, responderão muito pouco a mudanças de preços, uma vez que o importante é saciar a necessidade química. Do lado da oferta, uma vez que todos os agentes ofertantes estão na ilegalidade, não há como solucionar disputas na justiça, como cobrança de dívidas, por exemplo. Além disso, uma vez na ilegalidade, cometer outro crime possui um custo adicional muito menor e é nessa situação que a violência se torna uma ferramenta factível para quem está no mercado das drogas. A grosso modo, para Miron e Zwiebel (1995), os maiores problemas relacionados às drogas – violência e criminalidade, resumidamente – são, na verdade, consequências de sua proibição, e não do consumo.

Este estudo ilustra de maneira breve o entendimento sobre as drogas que as autoridades responsáveis na Holanda passaram a ter, na década de 70. Durante os anos 70, começou-se a entender que o mais importante não era impedir o consumo de drogas em geral, como se é feito em quase todos os países hoje, mas sim garantir que os usuários e a sociedade como um todo sofressem os menores danos possíveis. Tendo isto em mente, era necessário mudar de um paradigma de guerra às drogas para um de redução de danos, no qual o Estado assiste à população em vez de puni-la.

Para adaptar e organizar as instituições à essa nova política de drogas, primeiro classificou-se as várias substâncias em dois grupos, baseado no nível de risco à sociedade em geral. O grupo I, com drogas tais como cocaína e LSD, por exemplo, contempla as substâncias cujo risco é reconhecido como inaceitável; já o grupo II, que engloba cannabis, seus derivados e alguns analgésicos, é composto pelas substâncias cujo risco é dado como tolerável.

Uma outra maneira que os holandeses encontraram para melhor controlar a forma pela qual o consumo de cannabis no país se daria foi a criação dos Coffee Shops. Os Coffee Shops são, basicamente, lojas que possuem permissão para vender cannabis e seus derivados e devem seguir uma série de restrições, tais como não vender bebidas alcoólicas; não vender para menores de idade e não permitir o consumo de outras drogas dentro do estabelecimento. Segundo as leis do país, o prefeito de cada cidade é quem decide se algum Coffee Shop pode ser aberto ou se algum deve ser fechado, de forma que o estoque de Coffee Shops nas cidades é completamente controlado pelas autoridades.

Desde seu início, a política de drogas é regularmente reavaliada a fim de corrigir aspectos antes não considerados pelas autoridades. Diferentemente de outros lugares onde a maconha foi legalizada, na Holanda até hoje os ganhos econômicos não são o ponto principal da política vigente, mas sim diminuir os danos das drogas e incômodos ao público. Dessa forma, o crescente turismo de drogas que se instalou no país acabou sendo malvisto por muitos políticos, de forma a pressionarem por medidas que aumentassem as restrições às drogas em gerais, principalmente a cannabis.

Junto a esse motivador, alguns grupos entenderam também que era necessário tomar medidas para diminuir a exposição de menores de idade à cannabis e seus derivados – embora exista estudos apontando diminuição do consumo da droga entre jovens (Simons-Morton, 2010). Como consequência dessa pressão, alguns prefeitos julgaram prudente criar cadastros de usuários, para permitir que apenas residentes comprassem na cidade, e outros acreditaram necessário fechar Coffee Shops próximos a escolas.

A cidade de Amsterdam começou a acatar essas mudanças a partir de 2011, sendo que os primeiros fechamentos se deram a partir de 2014. Os fechamentos foram realizados em função da distância que o Coffee Shop se encontrava da escola mais próxima, não podendo ficar a menos de 500m. Essa medida culminou no fechamento de cerca de 20 lojas baseado somente na distância para alguma escola.

O fato de os fechamentos se darem apenas devido ao posicionamento de escolas fez com que o choque no estoque de Coffee Shops da cidade pudesse ser considerado completamente exógeno aos estabelecimentos, isto é, não relacionados a eles.

Na literatura, é comum procurar impactos no mercado imobiliário quando se quer avaliar se determinada amenidade possui externalidades positivas ou negativas. Neste caso, nosso trabalho procurou avaliar se os Coffee Shops exercem alguma influência sobre os preços de imóveis ao seu redor. Para isso, utilizamos dados de aluguel de Airbnb na cidade, de 2014 até 2017, junto com informações espaciais como distância para transporte público; para o centro da cidade; quantidade de atrações turísticas nos arredores; índice de criminalidade da região, entre outras amenidades. A variável de interesse é o fato de ter o Coffee Shop mais próximo ao imóvel fechado ou não. Em outras palavras, temos uma variável binária que é igual a 1 caso o imóvel tenha tido o Coffee shop mais próximo dele fechado e 0 para o caso de o Coffee Shop mais próximo ter permanecido aberto.

Nós utilizamos um modelo de efeitos fixos, como de praxe na literatura de economia urbana, para quando se tem dados em painel, de forma que é possível controlar por fatores não observáveis porém constantes ao longo do tempo. Em um primeiro modelo, utilizamos apenas o fato de o Coffee Shop mais próximo ter fechado ou não. Em seguida, utilizamos essa informação junto com o fato de ele estar a menos de X metros do imóvel – variamos essa distância X de 250m até 1500m. Essa variação nos permite observar como a influência se comporta em distâncias variadas.
Nossos resultados mostram que ter o Coffee Shop mais próximo fechado fez com que os alugueis diminuíssem aproximadamente 2,5%, em média. Como é ilustrado na imagem, o fechamento de um Coffee Shop muito próximo possui uma influência significativamente maior no aluguel do que o fechamento de um Coffee Shop que se apresentava mais distante. O efeito do fechamento diminui de intensidade à medida que a distância aumenta até o ponto no qual deixa de ser significativo estatisticamente, para distâncias maiores de 500m.

Este resultado é bastante interessante pois, ao contrário do que muitos pensavam, é possível que a maconha tenha externalidades positivas em um cenário micro em uma cidade. Obviamente, esta pesquisa possui limitações, pois apenas com ela não é possível saber com certeza como os mercados reagiriam em outras cidades, por exemplo. Além disso, não é claro como imóveis regulares – fora da plataforma Airbnb – reagiriam, uma vez que é discutível se esse resultado é consequência do maior uso do Airbnb por turistas ou não, de forma que seria bastante interessante fazer este exercício com dados de imóveis convencionais.

Mesmo com todas essas limitações, esse estudo contribui para o início da construção de um conhecimento mais robusto sobre as drogas que foge de achismos e se baseia em dados e evidências. Ainda há muito o que se pesquisar sobre o assunto e como os mercados e agentes reagem às mudanças para assim podermos criar políticas que realmente contribuam para um melhor bem-estar da sociedade.

 Igor Koehne é mestrando em Teoria Econômica no Instituto de Pesquisas Econômicas/USP.

O Problema da Inflação de Serviços da Saúde no Brasil

A inflação no Brasil é um problema recorrente e o aumento dos preços relacionado a serviços da saúde tem chamado a atenção das famílias. Abaixo são apresentados alguns números que descrevem esta realidade.

Relativamente ao índice de preços geral, IPCA, a inflação dos serviços de saúde é muito acentuada a mais de uma década. Na tabela abaixo estes fatos são resumidos utilizando o IPCA do IBGE. Entre 1999 e 2018 o IPCA teve aumento acumulado de 214% frente a 314% de aumento no índice de preços de serviços de saúde. Quando se considera uma janela de 10 anos, 1998-2008, o IPCA subiu 83% e os serviços de saúde 139%. Por sua vez, no período de 5 anos o IPCA aumentou 39% enquanto que os preços dos serviços de saúde subiram 69%.

O que compõe a cesta de serviços de saúde são as despesas com médicos e dentistas, preços de hospitais e exames laboratoriais, bem como, os preços dos planos de saúde. Desta forma, o aumento dos preços dos serviços podem ser decompostos nestes três componentes. Após realizar investigação do comportamento destes componentes se observa que o o preço de planos de saúde é o que mais acelerou nos últimos 18 anos. Assim, a velocidade de crescimento dos preços dos planos de saúde aumenta as depesas das famílias com saúde. Resumidamente o aumento dos preços dos planos de saúde tem aproximadamente o dobro de aumento do IPCA.

Inflação acumulada IPCA, Serviços de Saúde em Geral e Planos de Saúde: Diversos Períodos

Inflação acumulada (%)

Período Serviços saúde Planos de saúde IPCA
1999-2018 314 396 214
2008-2018 139 155 83
2013-2018 69 82 39

Fonte: IPCA, IBGE.

Na Figura abaixo é apresentada a trajetória destes três índices de preços. Observe que a trajetória dos planos de saúde é a mais elevada e superior ao nível de preços dos serviços de saúde em geral. Outro ponto importante é que enquanto se observa desaceleração recente do IPCA, a inflação dos serviços de saúde continua crescendo na sua trajetória exponencial.

Quais os fatores estão por trás deste aumento exponencial dos preços dos planos de saúde? Dois fatores se destacam entre demais explicações. O primeiro é a mudança demográfica do Brasil e, o segundo, a ineficiência do sistema de saúde (público + privado). Estes dois fatores ou vetores são explicados abaixo.

Nível de Preços IPCA: Serviços de Saúde em Geral, Planos de Saúde e Índice do IPCA (jul 1999 = 100)

O Brasil vive uma grande mudança estrutural. Em 2020, quase 10% da população terá idade acima de 65 anos. Esse padrão é similar a países ricos que possuem grande capacidade e organização para prover serviços de saúde. Esta mudança demográfica tende a pressionar muito as despesas com serviços de saúde no futuro se não forem realizados novos investimentos. Este é o primeiro vetor que contribui para o aumento recente dos preços dos planos de saúde.

No Brasil os preços dos planos de saúde são parcialmente livres. A parte crucial da forma de reajuste aqui é a de que estes preços recuperam custos e tem pouco a ver com regulação voltada para a eficiência da infraestrutura. Isto é, quanto maior a despesa maior deve ser o preço cobrado pelo plano de saúde – vale mencionar que esta lógica é similar para a saúde pública. Isto implica que quanto maior o custo maior será o preço do plano de saúde privado (e também dos impostos pagos). Portanto existe forte vetor de ineficiência de custos no sistema de saúde privado.

O Brasil gasta cerca de 9% do PIB em despesas com saúde para infraestrutura de 2,3 leitos hospitalares por mil habitantes (em média). Esta relação é desproporcional quando se compara com a média dos países da OCDE, onde, em média, o dispêndio é de menos de 10% do PIB para infraestrutura de 4,9 leitos por mil habitantes. Isto mostra parte da grande ineficiência do serviço brasileiro de saúde, qual seja, infraestrutura muito menor gera gasto comparável a de economias desenvolvidas.

Deste modo, se o sistema de determinação de preços dos planos de saúde não forem revistos e não existirem novos investimentos para atender a demanda decorrente do envelhecimento populacional, devemos esperar ao menos a manutenção da taxa de crescimento dos preços dos planos de saúde.

 

Serviços de saúde: cada vez mais on-line

Em artigo anterior, abordei a expansão do uso da telessaúde no Brasil, inclusive por universidades e hospitais públicos, permitindo a disseminação do conhecimento para regiões com menos acesso. A cada ano essa modalidade de ensino e compartilhamento de informações para ajudar no aprendizado e diagnósticos de doenças tem aumentado, auxiliando os médicos e pacientes em todo país.

Além da telessaúde, outras ferramentas digitais têm sido amplamente empregadas para auxiliar pacientes e médicos na prestação de serviços para saúde. De acordo com pesquisa realizada pelo SEBRAE, as startups de serviços são as mais buscadas pelos investidores (97%). Entre os serviços, destacam-se os serviços de saúde, com quase 30% da preferência.

O atendimento de pacientes para diagnóstico e tratamento on-line não é permitido atualmente, mas aplicativos e outras ferramentas podem ser utilizados para outros serviços relacionados à saúde, como o monitoramento dos pacientes, agendamento de consultas, histórico médico, etc. Além de diminuir os custos, essas ferramentas contribuem com a organização e economia de tempo (tanto do paciente como do serviço médico).

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem utilizado o sistema de envio de mensagens por SMS para agendar consultas de pacientes, lembrá-los do agendamento e monitorar pacientes crônicos (com diabetes e hipertensão). No monitoramento, o SMS é enviado aos pacientes cadastrados, que devem responder à mensagem informando sua pressão arterial ou seu nível de glicose. Com a informação em mãos, o serviço de saúde pode orientá-lo a procurar o posto médico mais próximo para orientações ou passar dicas de exercícios ou nutrição.

O envio de SMS custa ao governo entre R$ 1,50 e R$ 2,00 por paciente, por mês. Um custo baixo que pode auxiliar os médicos do serviço de saúde a monitorar seus pacientes mais críticos, sem a necessidade desses se deslocarem até o local. Esse método pode auxiliar a desafogar os ambulatórios que recebem milhares de pessoas diariamente, além de agilizar os atendimentos aos pacientes críticos, uma vez que os registros geram o histórico.

Há também aplicativos desenvolvidos com o intuito de aproximar médicos e pacientes, onde quer que estejam. Esses aplicativos permitem a “contratação” de especialistas que visitam os pacientes em casa ou em consultórios próximos à localização do paciente, facilitando o atendimento e o tratamento de casos menos graves. Além de atendimento médico, esses aplicativos disponibilizam uma rede integrada de laboratórios, fisioterapeutas e cuidadores.

Em um país como o Brasil, que passa por um processo de envelhecimento de sua população, serviços desse tipo facilitam o atendimento de idosos. Em muitos casos não há como deslocar a pessoa idosa, e o aplicativo permite o deslocamento do especialista. De certa forma, esses aplicativos ajudam na prestação do serviço de saúde suplementar. Tornam-se alternativas viáveis às pessoas que não podem arcar com os custos de um plano de saúde, mas podem pagar por uma consulta com preço mais baixo.

As operadoras de serviços de saúde também se utilizam dessas ferramentas. Visando a comodidade dos clientes, os prestadores de serviços disponibilizam aplicativo com a rede credenciada, a possibilidade de agendamento de consultas, boleto virtual, além de instrumentos de promoção da saúde (como contador de passos, alimentação saudável, etc.). Há ainda o uso de aplicativos gerenciais, que auxiliam as operadoras do serviço a gerenciar seus fluxos. Isso é de grande valia para empresas de menor porte. De certa forma essas ferramentas contribuem para respostas mais imediatas aos pacientes/clientes, podendo agregar ainda mais valor ao serviço prestado.

Outra modalidade de serviço digital para saúde é o de diagnóstico. Além daqueles aplicativos já bastante conhecidos que medem frequência cardíaca e temperatura, uma nova tecnologia portátil deve chegar ao mercado, diagnosticando de maneira rápida e precisa doenças a partir de um exame de sangue. Uma gota de sangue colocada em um dispositivo que captura imagens em alta resolução conta as células e identifica anomalias. O equipamento portátil está em análise pelo FDA, agência reguladora dos EUA, e deve ser aprovado para uso em breve.

A tecnologia tem agregado muito valor aos serviços de saúde, agilizando diversos processos, auxiliando na organização (tanto de empresas como de clientes) e facilitando o diagnóstico de doenças e os tratamentos. Ainda tem reduzido custos do serviço, o que permite uma ampliação do atendimento. Há grande expectativa de que a tecnologia seja cada vez mais agregada aos serviços de saúde, dando maiores oportunidades aos usuários desse importante serviço.

Aplicativos médicos e segurança dos dados

À medida que se dissemina o uso de aplicativos com as mais variadas finalidades, um enorme volume de dados é gerado. Frequentemente esses dados são transferidos a outras empresas para fins de marketing ou pesquisa, sem que isso seja de conhecimento do usuário do aplicativo. Esse foi o tema de artigo publicado pelo jornal NEXO há alguns dias no qual se questiona a falta de transparência na utilização dos dados coletados por aplicativos de monitoramento do ciclo menstrual.

O uso desses aplicativos tem se difundido entre as mulheres, pois eles facilitam o monitoramento do ciclo menstrual, auxiliando tanto aquelas que desejam engravidar quanto as que querem evitar uma gravidez. Neles, as usuárias fornecem várias informações como humor, peso, temperatura, uso de medicamentos, intensidade do fluxo menstrual, frequência de relações sexuais e resultados de testes de gravidez. Em troca, elas recebem uma variedade de informações como aviso de ovulação, aviso de exames médicos, lembrete para uso da pílula anticoncepcional, vídeo educativos, sessão de perguntas e respostas entre outras funcionalidades.

exemplos de aplicativos disponíveis na loja virtual

exemplos de aplicativos disponíveis em lojas de aplicativos

Usualmente esses aplicativos fornecem seus serviços gratuitamente, embora também sejam disponibilizadas versões pagas. No entanto, o que à primeira vista é um serviço gratuito, na verdade exige sua contrapartida: o fornecimento dos dados das usuárias. Os dados coletados pelo aplicativo são então vendidos para outras empresas, seja para fins de marketing ou de pesquisa.  Isso significa que uma mulher pode informar ao aplicativo estar sentindo cólicas menstruais e minutos depois visualizar uma propaganda de remédio na tela do seu computador.

O que tem se questionado é a privacidade e a segurança dos dados fornecidos aos Apps (ou a falta delas). Muitos desses aplicativos têm falhas de segurança que permitiriam que esses dados fossem roubados por hackers, expondo, portanto, a privacidade das usuárias. Outros não informam de maneira clara e transparente aos seus usuários que os dados fornecidos por eles podem ser vendidos para outras empresas.

O debate sobre a segurança e a transferência de dados não se restringe aos aplicativos de monitoramento do ciclo menstrual. No começo desse ano, a JAMA (revista cientifica da Associação Médica Americana) publicou um trabalho no qual foi testada a segurança dos dados de 75 aplicativos de saúde voltados especificamente para pacientes diabéticos.  Os resultados mostraram que era usual o compartilhamento dos dados coletados com outras empresas. Além disso, 81% dos aplicativos analisados não tinham política de privacidade e os 19% restantes eram pouco transparentes quanto à política adotada. Na verdade, esse debate tem se tornado mais relevante graças ao advento da Internet das Coisas. No entanto, a natureza pessoal e sensível dos dados disponibilizados nos aplicativos de saúde exige um cuidado maior da indústria.

Muito dos dados fornecidos a esses aplicativos normalmente seriam sigilosos, exclusivos aos pacientes, o que os torna especialmente sensíveis para uso comercial. Se as regras da relação médico e paciente estão bem definidas quando são presenciais, esse não é o caso nas relações digitais. Ainda não existem proteções legais por parte do governo contra a venda de dados a terceiros ou sobre a transparência quanto ao uso desses dados, especialmente no caso de aplicativos de saúde, o que já foi, inclusive, discutido em post anterior desse blog.

Essa discussão deve ganhar novas proporções à medida que cresce o uso de aplicativos de saúde. Como mostra o relatório mHealth e Wearables 2015, o uso de aplicativos voltados para saúde e fitness teve um crescimento de 15% no ano de 2014. No Brasil, esse crescimento foi de 5%.

As novas tecnologias digitais trazem com elas grandes benefícios a usuários e oportunidades para as empresas, mas também grandes desafios aos governos. É o que temos visto no caso do Uber, por exemplo. A segurança e privacidade dos dados são duas questões que advêm da difusão desses aplicativos. Outros temas como a fundamentação cientifica e questões éticas também têm sido levantadas. O desafio de legisladores e reguladores será garantir a segurança dos usuários, sem inviabilizar a inovação tecnológica e seus benefícios para os consumidores.

fotoRebeca Miranda é Mestre em Economia pela Universidade de Brasília e Analista de Comércio Exterior no Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

O financiamento dos serviços de saúde no Brasil

A saúde no Brasil não vai bem. Observa-se diariamente a dificuldade financeira da União, dos estados e municípios em manter o Sistema Único de Saúde (SUS) e garantir o direito constitucional à saúde universal no país. A saúde suplementar não está em situação melhor, sofrendo com dificuldades financeiras e uma estrutura de financiamento não sustentável.

Foram feitas diversas mudanças na legislação que regula o financiamento do SUS nos últimos anos. Em 1996, houve a criação da CPMF (suspensa em 2007); em 2000, a promulgação da Emenda Constitucional nº 29 e a regulamentação desta em 2012. Essa regulamentação (dada pela Lei Complementar 141/2012) não previu mudanças na participação federal no financiamento dos serviços de saúde. Com isso, estados e municípios, que costumam ter maior limitação orçamentária que o Governo Federal, seguiram financiando importante parte dos serviços de saúde.

O gráfico 1 mostra a contribuição, em percentual da receita de impostos, nos últimos três anos, da União, estado de SP e município de São Paulo (usados como exemplo), para o financiamento dos serviços de saúde. De acordo com a Lei Complementar 141/2012, os estados e Distrito Federal devem destinar no mínimo 12% da receita de impostos e os municípios 15% . À União cabe o investimento de 10% da receita arrecadada com impostos. Assim, observa-se que os municípios investem muito mais do que o exigido por lei, enquanto estados e União investem menos do que o mínimo obrigatório.

Gráfico 1: Financiamento dos serviços de saúde de São Paulo-SP, por fonte, em percentual da receita de impostos.

Gráfico financiamento saúde

 

Fonte: autoria própria, a partir de dados do SIOPS (2016).

Além da questão do financiamento, outros aspectos contribuem para a atual situação dos serviços de saúde. Nas últimas décadas, o poder público tem conseguido dar mais acesso à saúde. Com isso, pessoas que não tinham atendimento passaram a tê-lo com a descentralização do sistema e a criação de unidades básicas. O aumento do número de pessoas atendidas gerou aumento da demanda. Porém, como tratado anteriormente, a destinação de recursos para saúde não acompanhou o ritmo.

Especificamente nos últimos dois anos, tem-se observado significativo aumento do número de atendimentos, o que pode ser explicado, ao menos em parte, pelo aumento das pessoas que deixaram de ter planos de saúde, seja porque perderam o emprego, seja para cortar despesas de seu orçamento. Esse aspecto atinge tanto a saúde suplementar, que perde recursos para o financiamento da sua rede privada, como também o SUS, que vê a demanda pelos seus serviços aumentarem e a arrecadação diminuir.

Somam-se a esse quadro:

  •  O envelhecimento da população, que contribui consideravelmente para o aumento das despesas com saúde.
  • O maior número de carros e motocicletas, o que vem acompanhado de maior número acidentes de trânsito, com impacto nas despesas com saúde — entre 2008 e 2013, o número de internações por acidentes de transporte terrestre no SUS aumentou 72%.
  • Tendência à judicialização dos serviços de saúde — tratamentos que não tinham cobertura prevista passaram a ser obrigatórios por meio de mandados judiciais, criando despesas imprevistas para o Estado e planos de saúde.

É preciso reconhecer que o atual sistema de financiamento dos serviços de saúde, tanto público como privado, não tem funcionado. Diante dos enormes desafios que se apresentam, atores públicos e privados do setor de saúde terão que desenvolver novas estratégias de financiamento ou até mesmo repensar o próprio sistema.

Leitos hospitalares no Brasil: temos pouca infraestrutura?

A demanda por mais médicos para atendimento público e o déficit de leitos no país são questões que tendem a se agravar frente ao envelhecimento populacional e a crise fiscal. Certamente devemos pensar em reformas que promovam a eficiência do sistema nacional de saúde (a combinação da oferta pública e privada). A questão que colocamos aqui é que a oferta de infraestrutura, hospitais, leitos e equipamentos é escassa quando comparamos com outros países e heterogênea entre os Estados, como esperado em um país grande e diverso como o Brasil.

O que define uma boa rede de infraestrutura de assistência a saúde? De forma mais simples, qual o volume de leitos hospitalares que é considerado adequado para se ofertar a determinada população?

De acordo com o padrão internacional, a Organização Mundial de Saúde estabelece uma faixa de 3 a 5 leitos por mil habitantes como ideal. Neste padrão estabelecido pela OMS, o Brasil se apresenta como um país com baixa oferta de leitos, com 2,3 leitos por mil habitantes. A posição do Brasil é assim qualificada quando comparamos com a média dos países da OCDE, que é de 4,9 leitos por mil habitantes (veja Figura abaixo). No panorama internacional o Brasil está acompanhado de países como Turquia (2,5 leitos por mil habitantes) e Chile (2,22). A densidade brasileira ainda é mais baixa do que países asiáticos de crescimento recente, como é o caso de China (2,75) e Coréia (9.56).

Figura 1 – Número de leitos por mil habitantes, em países selecionados

graficoleitos

Fonte: OECD e CNES/Datasus.

Além do Brasil possuir baixa densidade de leitos, devemos observar que internamente somos desiguais. A definição da oferta de leitos parece não depender apenas do número de vidas em cada unidade da Federação.

Quando comparamos a densidade de leitos entre os Estados, observamos dois fatos estilizados (ver Tabela 1 abaixo) [1]. Os Estados com menor razão de leitos por habitantes estão na região Norte e Nordeste. A região Nordeste é a que apresenta mais disparidade. Por exemplo, Alagoas apresenta 3,5 leitos por mil habitantes em 2015, enquanto que Sergipe, estado vizinho, tem apenas 1,5 leitos de densidade. Seria como se o primeiro possuísse densidade similar aos EUA, e o segundo com densidade do México (que possui 1,68). Ainda na região Nordeste, a maior proporção de leitos do país está no Estado de Pernambuco, com 4,3 leitos por mil habitantes, enquanto que a Bahia possui apenas 1,94.

A riqueza não parece ser o grande determinante da capacidade de oferta de leitos, como poderia se esperar. Apenas Alagoas e Pernambuco apresentam densidade de leitos superior a 3, que é o corte de mínimo sinalizado pela OMS. Para se ter idéia de comparação, um Estado rico como São Paulo possui densidade de 2,03, que é inferior a média do Brasil (2,2) e muito inferior à média de grande parte dos países da OCDE.

A comparação direta entre leitos pode levantar alguma dúvida se estamos objetivamente falando de estruturas comparáveis. O mesmo leito em um Estado diferente pode utilizar diferentes procedimentos e tecnologias. Para tentar trazer mais elementos de comparação entre a infraestrutura dos Estados, olhamos para a densidade de máquinas de tomografia computadorizada (CTScan) por grupo de um milhão de habitantes[2].

De acordo com a comparação internacional (veja os dados na Organização Mundial de Saúde), países ricos possuem, em média, 20 aparelhos de tomografia para cada milhão de habitantes – o Japão é exceção e possui mais de 40 aparelhos por um milhão de pessoas. Vários Estados brasileiros apresentam número de densidade em torno de 20, o que é melhor do que a medida de leitos. Também aqui não observamos padrão homogêneo por região. Na região Norte e Nordeste existe a maior predominância de baixa densidade de equipamentos, mas ao mesmo tempo também temos os Estados com a mais alta densidade – são os casos de Alagoas, Pernambuco e Piauí. No sentido internacional, a oferta de aparelhos de tomografia parece mais adequada, mas com grande variação entre grande parte dos Estados.

Para resumir, o Brasil possui poucos leitos quando comparamos com outros países. Internamente os desequilíbrios são grandes. Estados como São Paulo, que possui quantitativo menor de leitos do que o esperado, acendem a luz da necessidade de organização do serviço de oferta de serviços de saúde.

Tabela 1 – Densidade de leitos e máquinas de tomografia computadorizada (CTScan), por Estado

Estados Leitos por mil hab. CTScan por milhão de hab.
AC 1.8 13.7
AL 3.6 21.0
AM 1.6 8.1
AP 1.4 11.7
BA 1.9 11.8
CE 2.0 13.8
DF 2.5 29.8
ES 2.1 19.3
GO 2.5 20.9
MA 2.0 10.7
MG 2.0 19.2
MS 2.2 20.7
MT 2.3 26.6
PA 2.0 12.5
PB 2.2 16.6
PE 4.3 19.7
PI 2.3 18.7
PR 2.4 21.6
RJ 2.3 26.1
RN 2.1 11.3
RO 2.6 20.9
RR 1.9 13.8
RS 2.7 24.5
SC 2.2 22.4
SE 1.5 9.4
SP 2.0 22.1
TO 1.8 17.8

Fonte: CNES/Datasus.

[1] Para se comparar os leitos entre Estados excluímos os leitos de tratamento de longo prazo.

[2]Utilizamos aqui dados do CNES/Datasus de 2015.