Economia de Serviços

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O Milagre Econômico da E-stônia

O ano é 1991.  Gorbachev anuncia a dissolução da União Soviética, reconhecendo a independência de diversas repúblicas que pertenciam à antiga União. O anúncio foi recebido festivamente, principalmente pelo menor desses estados, a Estônia, que usufruía de independência pela segunda vez na sua história; a primeira durara apenas vinte e dois anos, no período entre-guerras. O longo histórico de ocupação territorial obrigava os estonianos a se fortalecerem politicamente e economicamente para se afirmarem como estado independente

A liberdade, entretanto, não garantiu prosperidade. Pelo contrário, a quebra da estrutura econômica e das conexões comerciais com sua antiga matriz gerou dificuldades imediatas. Em 1992, o pequeno estado báltico sofreu uma queda de 30% na produção industrial e de 45% nos salários reais, além de apresentar taxa de inflação que superava 1000%. A economia não conseguia se estabilizar, ocasionando um declínio acumulado de 36% no PIB estoniano entre 1990 e 1994.

No meio do caos, há sempre uma oportunidade. O corte dos laços com a antiga estrutura econômica e política produziu grandes dificuldades para a Estônia, mas também configurou uma janela de oportunidade para que o país se reconstruísse a partir do zero. As reformas de estabilização macroeconômica aplicadas na década de 1990 abriram o caminho para políticas de inovação, de abertura econômica, de inclusão digital e de governança.

O processo de inclusão digital merece especial atenção. Em 2000, a Estônia se tornou o primeiro país a declarar o acesso à Internet um direito humano básico, mesmo ano em que ratificou lei reconhecendo assinaturas digitais. Os estonianos também foram os primeiros a permitir votação on-line em eleições, em 2005. Já em 2012, o sistema escolar do país começou a ensinar programação aos seus alunos. Reivindica-se que 99% dos serviços públicos migraram para plataformas digitais, funcionando 24 horas por dia.

A confluência de políticas favoráveis à digitalização e à abertura de negócios rendeu resultados, principalmente ao setor de serviços. Inúmeras startups de tecnologia emergiram da capital Tallinn nas  décadas recentes, dentre eles os famosos Skype e Kazaa. Robôs que realizam entregas (Starship Technologies) e plataformas que angariam capital para startups utilizando blockchain (FunderBeam) estão entre as novas soluções que essas empresas oferecem.

Pode-se afirmar que esse pequeno estado báltico, hoje pertencente à Zona do Euro, escapou da armadilha da renda média. O processo de desindustrialização ocorrido desde a independência foi acompanhado da ascensão de uma ampla gama de serviços profissionais e comerciais (PBS), como exemplificado acima, e, por conseguinte, do crescimento da densidade industrial. Lastreada em conexões industriais, a parcela de PBS no PIB somou 25% em 2014, valor similar ao da Dinamarca. As Figuras 1 e 2 explicitam a trajetória que o país tomou no espaço-indústria (clique aqui para saber mais sobre esse conceito), entre 2000 e 2014. O México, país que possuía densidade industrial similar à Estônia no começo desse período, percorreu outro caminho.

Atualmente, a Estônia tem PIB (PPP) per capita superior a US$27.000 e é a mais próspera das ex-repúblicas soviéticas. O país aproveitou a janela de oportunidade que surgiu e garantiu a sua passagem para o desenvolvimento.

Em momento de crise e discussão de políticas públicas no Brasil, pode-se aprender muito com o experimento estoniano, com a ressalva de que desenvolvimento não se faz como receita de cozinha. Talvez não tenhamos os ingredientes para reproduzir a legítima pirukas estoniana, mas nada impede que as nossas ideias e reflexões possam ser inspiradas pelos eestlased.

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Comércio eletrônico: é preciso regulamentar?

O entendimento sobre o que é comércio eletrônico abrange mais do que a simples venda de bens pela internet. Apesar do varejo em lojas físicas ainda representar a maior parcela do comércio total, o e-commerce – tanto business-to-business (B2B) como business-to-consumer (B2C) – tem crescido muito nos últimos anos, especialmente na modalidade transfronteiriça. Relatório da empresa internacional de logística DHL aponta que, em 2020, esse mercado poderá passar de US$ 1 trilhão, representando 22% de todo o e-commerce mundial.

As implicações desse movimento para a economia são cada vez mais visíveis. Basta observar o valor de mercado e o crescimento projetado das vendas de empresas como Amazon e Alibaba, e o fortalecimento dos braços de compras de plataformas como Facebook e Google (Google Shopping) para compreender porque temas ligados ao comércio eletrônico estão ganhando cada vez mais espaço nas discussões internacionais de comércio.

A consolidação do mercado global de e-commerce está se tornando desafio crescente para empresas locais ou entrantes competirem com “superestrelas” como a Amazon. A lógica do winner-takes-all explica as aquisições e fusões defensivas de grandes varejistas. No fundo, é uma competição não mais por nichos de mercados, mas uma busca pela sobrevivência. Afinal, já há sinais de que as plataformas de fornecimento cuidarão de quase tudo que o consumidor precisa e deseja comprar. Como resultado, o único caminho para os varejistas locais, principalmente as lojas de médio e pequeno portes, é vender nessas megaplataformas ou marketplaces se subjugando às regras do jogo e imposições das plataformas (há algo ainda mais importante aqui, que é o fato de a plataforma capturar e usar todos os dados originados da relação entre o consumidor e o lojista – mas isto será objeto de outro post).

Apesar de paralisadas as negociações, o Tratado da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês) cumpriu papel importante ao revelar que o e-commerce é uma das novas arenas de “luta” no comércio mundial. Basicamente, o TPP pretendeu determinar os rumos da economia digital ao definir regras e procedimentos, incluindo o comércio eletrônico de bens e serviços, e temas como padrões, regras e tarifas sobre produtos digitais, localização de servidores, códigos fonte, etc. – todos considerados como “barreiras” aos mercados dos gigantes digitais do e-commerce. Assim, o TPP teria consequências contundentes para os seus signatários e também para os não signatários, em particular para o espaço de formulação de políticas públicas para o setor de serviços e para o e-commerce. Apesar de estar atualmente paralisado, o TPP se tornou inspiração e ponto de partida para as novas negociações comerciais.

Para economias em desenvolvimento, a atenção a essas condições deve ser redobrada, pois a participação em acordos que tratam do comércio eletrônico sem um cuidadoso debate interno sobre onde queremos chegar e o que precisa ser feito poderá dificultar o desempenho do setor e até mesmo as perspectivas do crescimento econômico de médio e longo prazos. O caso do Chile é simbólico: o comércio de varejo do país já é dominado pelos gigantes globais do e-commerce.

A corrida de ocupação dos espaços do e-commerce já tem players bem sucedidos, mas com estratégias distintas. A China praticamente fechou o mercado de e-commerce ao funcionamento de empresas americanas, como o Google e o Facebook, e limitou a ação da Amazon a vendas de bens que ela dispõe em seus próprios armazéns, impedindo-a de exercitar o seu superpoderoso braço de marketplace. Com isso, a China pavimentou o caminho para o desenvolvimento de novos gigantes como o Alibaba, JD.com e Weibo, que hoje já têm projeção global e são, juntos, substancialmente maiores que a Amazon. A China percebeu a sua condição de latecomer num setor crítico e usou ferramentas protecionistas para desenvolver a sua indústria digital nascente. Para empresas estrangeiras que podem operar na China, todos os dados devem ser depositados em servidores lá sediados.

Já os EUA estão empenhados na promoção de ampla liberalização e desregulamentação do mercado digital global, já que, à exceção das chinesas, quase todas as principais plataformas digitais globais são americanas, bem como o são as gigantes do e-commerce com maior presença no ocidente.

Os europeus, cientes dos efeito-rede e efeito-plataforma no mundo digital e no e-commerce, e temendo os efeitos de seu atraso nessas tecnologias, também estão jogando pesado em suas negociações comerciais com regiões menos desenvolvidas em prol da liberalização dos mercados de serviços, inclusive do e-commerce, em favor das suas empresas. Talvez não sejam apenas a preocupação concorrencial e com o bem estar do consumidor que expliquem as recentes multas bilionárias para a Microsoft e Google impostas pelas autoridades de competição de Bruxelas.

EUA e China são dois modelos extremos. O Brasil não é um líder digital e, por isso, agendas ultra-liberalizantes ou ultra-protecionistas devem ser vistas com cautela. Mas o Brasil não pode se enclausurar e proteger a ineficiência, sob pena de repetir os conhecidos erros do passado que ajudaram a nos trazer aqui. Talvez o mais razoável seja desenvolver uma estratégia que leve os operadores internacionais da economia digital a estabelecerem bases operacionais no Brasil (com servidores e abertura de código fonte) e formarem clusters digitais nacionais com parceiros locais.

Nessa discussão, também será preciso levar em conta que o comércio de varejo é, de longe, o setor que mais emprega no Brasil, em especial pessoas com pouca qualificação, bem como um dos setores que mais recolhem ICMS. A eventual expansão do e-commerce internacional no país não será, portanto, neutra em efeitos sociais nem fiscais, incluindo ali os impactos nos recolhimentos e nos benefícios previdenciários.

Uma estratégia nacional para inserir o Brasil na economia digital global deveria incluir ações em ao menos três direções: regulamentação interna do comércio eletrônico; construção de “capabilities”; e inserção internacional.

A regulação interna do comércio eletrônico deve partir do pressuposto de que esse não é um mero canal de vendas remoto, pois as modernas tecnologias permitem experiências de compra e venda tão ou mais completas quanto às do mundo real. Isso traz implicações para os direitos do consumidor, direito econômico (defesa da concorrência, mais especificamente), tributação, entre outros. Além disso, o Marco Civil da Internet e toda a sua regulamentação devem ser pensados numa perspectiva de desenvolvimento econômico, para além das questões sobre democracia e liberdade de expressão. Até mesmo a infraestrutura de transportes e armazenamento e suas regras precisam se adaptar para comportarem uma maior demanda por entregas rápidas, com extensa capilaridade e com projeção internacional. Também é preciso simplificar leis e normas. Porém, algumas das iniciativas recentes requerem atenção. Exemplo disso é a lei – suspensa por liminar no STF – que obriga varejistas online a recolherem ICMS em dois estados em transações interestaduais.

A construção de capabilities é uma tema especialmente importante. Apesar da tendência de consolidação do varejo eletrônico, ainda existe possibilidade de crescimento do mercado, especialmente o de nichos. Análise feita pela FedEx aponta que os segmentos de varejo eletrônico de médio porte crescem mais rapidamente que o segmento de massa. Isso ocorre pela possibilidade de prestação de vendas online e serviços com maior customização e especialização. Obviamente, isso faz parte de uma cultura empresarial na qual a possibilidade de contribuição do governo está centrada numa política de ambiente de negócios e incentivos à inovação e ao capital humano que incorporem, desde a alfabetização, o contato e a aprendizagem de linguagens de programação, machine learning e tecnologias digitais.

Finalmente, a inserção internacional deve ser o farol que orienta os dois pilares anteriores. Para isso, o país precisa amadurecer rapidamente seus planos de abertura comercial, inclusive com vistas à conquista de mercados externos. Manter a economia fechada será um equívoco; abrir o mercado digital de forma apressada sem um plano estratégico será outro equívoco.

Mas que uma coisa fique clara: o Brasil está atrasado na agenda da economia digital, que é a verdadeira guerra dos tronos do século XXI. Embora o momento atual seja de reformas estruturais que estabilizem e reorganizem a economia, é preciso ter clareza do contexto e propor políticas públicas que pensem as fronteiras econômicas do futuro. O que não podemos é esperar que o dirigismo estatal ou que o mercado por si só apareçam com soluções que parem de pé neste complexo novo mundo. Elas simplesmente não aparecerão.

O 5G como catalisador de negócios no meio digital

Num mundo onde os dados assumem cada vez maior centralidade na geração de riqueza, as comunicações móveis evoluem para possibilitar maior capacidade, velocidade, segurança, ubiquidade e menor latência nas trocas de informações. Nesse contexto, a quinta geração de sistema sem fio (5G), prevista para 2020 pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), pretende ser poderosa e suficientemente flexível para atender aos cenários de tráfego de dados previstos e desconhecidos. Catalisando o surgimento de novos serviços e de novos modelos de negócios, o 5G deve contribuir com a tendência do crescimento da participação do setor de serviços no PIB dos países.

O ciclo da quinta geração deverá ser bem diferente das anteriores por uma razão em especial: os motivos econômicos nunca experimentaram tamanha influência na formação de suas características. Diferentemente da primeira, segunda, terceira e quarta geração de comunicação móvel, voltadas para comunicação entre pessoas, o 5G deve estar voltado para atender serviços, conectar dispositivos e máquinas, ao invés de pessoas. Exemplos: com o 5G, espera-se aumento de pagamentos efetuados online, de uso de aplicativos que aumentem a comunicação do comprador e vendedor, de máquinas interconectadas dentro das fábricas potencializando o just in time e de robôs realizando serviços.

Dessa forma, o 5G acelera o crescimento da internet das coisas (IoT) e desperta interesse de vários agentes: a exemplo da 4.0, a indústria poderá automatizar ainda mais sua linha de produção e estar mais conectada aos distribuidores e consumidores. Já o setor financeiro anseia por aumento de robôs operando nas bolsas de valores e aumento na velocidade de troca de informações, a fim de antecipar acontecimentos e reduzir latência. No mercado financeiro, o ganho de milissegundos pode ser crucial para o sucesso de várias operações financeiras. Donos de plataformas digitais e operadores de comércio eletrônico, por sua vez, pretendem expandir capilaridade, incluir novos usuários e, consequentemente, aumentar a publicidade, as compras e receitas. Também para as operadoras de telefonia, o 5G representa geração de receitas, pois se trata de um novo serviço a ser explorado. Por fim, os usuários das redes observam no 5G a possibilidade de conexão mais veloz e confiável.

Com tantos agentes interessados na evolução do serviço móvel de trocas de dados, duas preocupações são crescentes: o suporte ao uso intensivo da rede e a otimização espectral. Assim, a arquitetura de comunicação necessitará de conexões inteligentes, que recebam e enviem informações aproveitando os melhores canais e caminhos disponíveis no momento. Pela primeira vez na história da rede móvel sem fio, os serviços não estarão limitados a uma banda específica. Em vez disso, devem seguir o melhor espectro disponível no momento da transmissão de dados.

Assim, espera-se maior dinamicidade, adaptação, flexibilidade e reconfiguração automática para a rede. A inteligência para tomada de decisão quanto à conexão será máxima nos dispositivos móveis, robôs, nas antenas e nos servidores.  Ademais, baterias de longa vida devem se tornar foco de pesquisas para o suporte de toda essa inteligência.

Tudo isso permitirá o surgimento de novos serviços dependentes de internet confiável como telemedicina, transporte através de veículos autônomos, pulverização de inseticida através de drones e etc. Imagine o caso de uma cirurgia feita por robôs. Agora pense como ela se tornaria inviável se a internet é passível de falha durante o corte.

Segundo dados da IHS (2017), entre 2020 e 2035 devem ser gerados US$ 12,3 trilhões em bens e serviços através do 5G, e os investimentos médios anuais devem ser da ordem de US$ 200 bilhões em sua cadeia de valor. Tal investimento deve ser capitaneado pelos Estados Unidos (EUA) e China, conforme ilustração abaixo.

Figura 1. Proporção de investimento em bens de capital e em pesquisa e desenvolvimento da cadeia de valor do 5G, em média, por país, entre os anos de 2020 e 2035

Fonte: IHS (2017), adaptado

No Brasil, a primeira demonstração do 5G foi feita em 2016 e, no geral, as empresas de telefonia já começaram a se preparar para oferecer o serviço no país. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) tem se esforçado para ampliar o montante investido em 5G no território nacional e para estabelecer acordos multilaterais no desenvolvimento da tecnologia, com ações como chamadas de pesquisas conjuntas, fóruns de padronização e eventos anuais para compartilhamento de informações.

O mais recente esforço brasileiro para fomento e construção do ecossistema de quinta geração é o Projeto Brasil 5G, formalizado em fevereiro deste ano. Composto por Abinee, Anatel, Cetuc, CPqD, Ericsson, Fitec, Huawei, Inatel, Informa, NEC, Nokia, Oi, Qualcomm, Sindisat, SindiTelebrasil, Telebrasil, TIM, Trópico e MCTIC, o projeto também visa o preparo do país para as participações nas discussões internacionais. Esse grupo firmou em maio deste ano um acordo de cooperação tecnológica em 5G com a União Europeia, os Estados Unidos, a Coreia do Sul, o Japão e a China para o desenvolvimento da nova tecnologia.

A exemplo das teorias do comércio internacional, essas trocas e parcerias entre instituições brasileiras e grupos internacionais pode ser proveitosa para ambos os envolvidos. Porém, é preciso não perder de vista que o 5G pretende ser um meio pelo qual muita riqueza será gerada e, por isso, é necessário permanente amadurecimento das estratégias nacionais para a maximização de seu uso para o desenvolvimento de negócios no país. Aparentemente, estamos diante de uma nova forma de desenvolvimento e, se o Brasil não investir de forma estratégica nessa área agora, no futuro, a distância dele para os países desenvolvidos tenderá a ser ainda maior.

A inovação na Nova Economia

A inovação é inerente à natureza humana. Entretanto, como qualquer processo de mudança, causa incômodo.  Em muitos casos, a inovação é vista mais pelo lado pessimista do que pelo otimista, com imagens de máquinas ocupando o lugar dos humanos nos processos produtivos, de concentração extrema de renda, entre outros. E, quanto mais rápida é a mudança, mais complicada é a previsibilidade sobre o resultado final.

Surge, então, uma vasta literatura que tenta explicar os efeitos dessa revolução tecnológica que presenciamos atualmente, cujo escopo e a velocidade de implementação apresentam-se extremamente intensos. Em especial, observa-se que, cada vez mais, os serviços têm agregado valor a produtos e até mesmo a outros serviços. Nesse cenário, o grosso do valor, numa cadeia de produção, tende a ser adicionado mais pelo setor de serviços do que pela indústria de transformação (“velha economia”). Vamos chamar esse processo de “nova economia”.

A nova economia tem como ponto de partida as grandes plataformas, empresas de criação de aplicativos, lojas virtuais e profissionais analíticos de big data, formando um mundo novo e de espantosa capacidade de crescimento e transformação. Mas analisar o resultado das mudanças é enxugar gelo. É preciso acalmar o ânimo com as novidades e tentar entender o processo que explique essas mudanças. Seria a nova economia uma exceção à Lei dos Rendimentos Decrescentes? Improvável.

Na verdade, essa nova economia representa, essencialmente, uma mudança no padrão de consumo e não no padrão de produção, que ainda se encontra inserido na velha economia. Nesta, as firmas procuram otimizar seus bens de produção, aumentando a produtividade (por meio da formação de cadeias globais de valor, investimentos em tecnologia de produção, otimização de mão-de-obra etc.). Via competição de mercado, a empresa ofertará o menor preço para obter o maior número de consumidores.

Já a nova economia apresenta a oferta qualificada como diferencial de conquista do consumidor, considerando o preço como já dado (igualmente à velha economia, mas visando a qualificação do consumidor e não da produção). Esse processo envolve elevada sofisticação de análise de dados e, para tanto, foram criadas empresas para atender esse mercado. Afinal, em um nicho novo, os primeiros entrantes tendem a ganhar as maiores margens.

O problema é que a tendência criada pela nova economia obriga as firmas a utilizar os serviços desses primeiros entrantes, em especial no que diz respeito às plataformas massificadas (commodities digitais), seja para venda, soluções de tecnologia ou geração e disponibilização de informações. Como essas plataformas são massificadas, dificilmente há um diferencial relevante entre todas as firmas que também farão uso delas. Atuar nessas plataformas tende a apenas garantir a sobrevivência dessas firmas via migração do consumidor para a “novidade personalizada”. Pense no caso das pequenas empresas que vendem em grandes plataformas como a Amazon ou o Mercado Livre: há poucas diferenças entre um ou outro vendedor.

A tendência natural é que haja maior concentração entre empresas que tenham capacidade de entrar na nova economia e necessitam de escala para utilizar as plataformas. Contudo, isso não necessariamente irá representar maior ganho de resultado para essas empresas, já que essas grandes plataformas não tendem a melhorar a produtividade das firmas, apenas tendem a garantir que elas sigam “no jogo”.

Nesse caso, há uma diferença significativa entre as empresas que criam e gerenciam as plataformas e as empresas que fazem uso delas. Enquanto as primeiras conseguem ganhar cada vez mais com sua escala internacional e usabilidade, as diversas empresas que fazem uso dessas plataformas não necessariamente apresentam melhores resultados, mas apenas não são excluídas do mercado devido a capacidade de atender ao cliente da forma personalizada e diferenciada que essas plataformas possibilitam.

Consequentemente, há um limite de renda que será possível transferir das firmas da velha economia (que ainda sustenta o sistema) para a nova economia. Ou seja, as empresas da nova economia também estão sujeitas à Lei dos Rendimentos Decrescentes. Quanto mais empresas estiverem inovando para atender uma demanda personalizada, mais estarão consumindo o mark-up de renda das empresas da velha economia e reduzindo o “estoque existente”.

Por exemplo, imagine que existe uma plataforma de pesquisa de clientes, outra plataforma que permite entregar algum produto via drone, localizada na Califórnia, outra plataforma de pagamento, etc. Em algum momento, uma empresa (restaurante, por exemplo) chegará ao seu limite no qual poderá continuar a custear os serviços disponibilizados pelas plataformas. A figura 1 ilustra esse exemplo. Já as plataformas tenderão, por conta dos efeito rede e plataforma, a ganha mais mercado, já que elas passam a ser infraestrutura necessária para outras empresas. Nesse processo, a tendência é que haja concentração de empresas tanto na velha economia, quanto na nova economia. E isso fica claro quando percebemos a compra de plataformas entrantes no mercado por outras já maiores e consolidadas.

Figura 1 – Gastos das firmas com plataformas e capacidade de escala da nova economia, valores hipotéticos

Fonte: elaboração própria

Essa capacidade de atuar em escala Mundial, podendo uma empresa estar localizada em qualquer lugar do mundo e com investimento em infraestrutura própria relativamente baixa, vem criando espanto sobre as empresas da nova economia (Google, Amazon, Airbnb, Uber, etc.). Elas estão mudando a geografia mundial de prestação de serviços, já que exigem toda uma estrutura especializada, com qualificação e capacidade de inovar e pensar além de sua fronteira. Consequentemente, acabam se localizando nos polos que melhor proporcionam esse ambiente educacional, intelectual e infraestrutura, como América do Norte, alguns países da Europa e Ásia. Já com relação às firmas da velha economia, elas sofrem naturalmente substituição de mão-de-obra não especializada, assim como um aumento na concentração de firmas devido à necessidade de escala e capacidade financeira para fazer uso dessas tecnologias.

Pode-se inferir que haverá cada vez mais perda de emprego para trabalhadores não qualificados pertencentes à velha economia. Assim como a necessidade de se fazer investimentos em educação formal de qualidade (especialmente nas áreas de exatas), ensinamento em linguagem de programação, língua estrangeira e desenvolver capacidade de inferência sobre dados, conforme vem sendo discutido neste blog. Pois, sem esse mínimo, o Brasil não corre o risco somente de ficar sem empresas da nova economia como desenvolvedor e distribuidor, que trazem consigo uma externalidade positiva, mas também de ficar sem empresas competitivas da velha economia.

Alisson Peixoto é Mestre em economia, com especialização em finanças de empresa. Trabalha como consultor na Caixa Seguradora.

A consolidação de Amazon, Google e outras grandes plataformas

Como extensivamente noticiado, a Amazon, terceira maior varejista dos Estados Unidos, anunciou a compra da rede Whole Foods, a maior varejista de produtos orgânicos e naturais do país, por US$ 13,7 bilhões. Essa compra é um indicativo de um movimento cada vez mais claro do avanço de grandes empresas de tecnologia em mercados mais tradicionais e da consolidação dessas empresas em grandes plataformas de serviços.

O Google, fundado em 1998, que por muito tempo foi uma mera ferramenta de busca, hoje forma um conglomerado (Alphabet) que oferece de serviço de e-mail a carros autônomos. O Facebook, que em 2004 era uma mera rede social para universitários americanos, hoje já conta com quase 2 bilhões de usuários, é dona do Whatsapp (que tem mais de 1 bilhão de usuários) e do Instagram (mais de 700 milhões de usuários), além de fabricar óculos de realidade virtual e aumentada, por meio de sua subsidiária Oculus.

Vale lembrar, também, que a Amazon, que começou vendendo livros em 1995, hoje é a maior provedora de serviços de hospedagem do mundo, além de ser uma grande plataforma para pequenas empresas venderem seus produtos internacionalmente, por meio do seu marketplace. Fora isso, a empresa fabrica bens físicos que entregam serviços da Amazon e seus parceiros, como leitores de e-books, assistentes virtuais como o Alexa, drones, leitores de e-books, etc.

Movimentos similares são observados em empresas como Microsoft e Apple, em um processo de consolidação das gigantes de tecnologia em grandes plataformas de serviços e até de produtos.

Com a demanda por serviços cada vez mais customizados, os dados e algoritmos que permitem conhecer melhor cada consumidor e se antecipar às suas demandas se tornam um diferencial competitivo quase imensurável. Nesse quesito, essas grandes plataformas, à medida que vão crescendo e expandindo seus serviços, vão progressivamente expandido a sua base de clientes, conhecendo-os mais profundamente e se tornando mais indispensáveis.

Por meio de um processo virtuoso, essa expansão permite que seus algoritmos sejam continuamente aperfeiçoados, o que torna cada vez mais difícil concorrer com essas grandes empresas. Ou seja, o efeito rede alimenta o efeito plataforma e vice-versa. Soma-se a isso a inteligente estratégia de fusão e aquisição dessas gigantes: a título de exemplo, assim que o Whatsapp começou a se tornar uma ameaça aos serviços do Facebook, o Facebook simplesmente comprou o serviço.

Para o consumidor, no curto prazo, os serviços mais customizados – e em sua maioria baratos ou gratuitos – dessas plataformas podem ser bem-vindos. No médio e longo prazo, porém, tamanha concentração pode trazer problemas.

O primeiro deles, já mencionado rapidamente, é o possível aumento das barreiras à entrada por conta da vantagem competitiva dessas grandes plataformas. Com o avanço dos algoritmos dessas gigantes da tecnologia, será que vão seguir surgindo empresas capazes de concorrer nos seus mercados?

O segundo problema se refere a questões regulatórias. Pelo caráter global dessas empresas, regular seus serviços é extremamente complexo. Exemplo disso são os casos de processos antitruste contra a Microsoft e o Google na Europa, ou as polêmicas com o Facebook por suas táticas de evitar o pagamento de impostos ao redor do mundo.

Além disso, mudanças nas políticas de uso de uma plataforma como o Alibaba ou a Amazon podem ter efeitos em mercados do mundo inteiro. Como o custo de estar fora dessas plataformas é muito alto, pequenas empresas em geral simplesmente têm que se submeter às regras estabelecidas por essas grandes empresas, de forma que estas acabam se tornando uma espécie de regulador de facto.

O terceiro, e talvez o maior problema, relacionado aos dois anteriores, refere-se ao efeito dessa grande consolidação nos países em desenvolvimento. Como tem sido extensivamente discutido neste blog, o futuro, em termos de oportunidades de crescimento econômico, será daqueles países que não apenas consomem tecnologias, mas, acima de tudo, que desenvolvem, essas tecnologias e plataformas. A maior parte dessas grandes plataformas são originárias de países industrializados e, por mais que elas criem oportunidades de acesso a conhecimento e negócios nos países em desenvolvimento, o grosso do valor criado fica no primeiro grupo de países, não no segundo. Isso pode levar a um aumento da desigualdade global e a uma maior dificuldade de convergência de renda.

Por este motivo, preparar esta e as próximas gerações para as habilidades do século XXI, como programação, capacidade de trabalhar com machine learning, inteligência artificial, novos modelos de negócios, resolução de problemas complexos, etc, deveria ser prioridade das economias emergentes. Se não fizerem isso, estes países correm o risco de ficarem ainda mais despreparados para a corrida pelo desenvolvimento.

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