Economia de Serviços

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Por que algumas empresas crescem exponencialmente?

Na economia digital, o grande número de usuários das maiores plataformas chama a atenção. É ainda mais impressionante pensar que a maioria das empresas que detém essas plataformas não tem mais que duas décadas. Um grande punhado, menos até que uma década. Então o que explica, por exemplo, uma empresa como o Facebook ter mais de 2 bilhões de usuários em menos de 15 anos de operação?

Antes de responder a esta pergunta, vale ressaltar o quanto é anormal (ou era, até algumas décadas) um crescimento como o de serviços digitais atuais. O infográfico abaixo compara o tempo que algumas tecnologias levaram para alcançar 50 milhões de usuários. Enquanto o avião e o automóvel demoraram 68 e 62 anos respectivamente para chegar a essa marca, o Facebook e o Twitter demoraram apenas 3 anos. O jogo Pokémon Go atingiu essa marca em meros 19 dias.

Imagem 1 – Tempo que cada tecnologia demorou para alcançar 50 milhões de usuários

Obviamente, não existe uma única resposta para a pergunta inicial, mas há dois fatores que são essenciais para entender o crescimento de empresas como o Facebook e o Uber: o modelo plataforma e o efeito-rede, assuntos que tanto temos debatido neste blog.

O modelo plataforma, seguido por empresas como o Facebook, Uber, Google, Amazon e outras, pressupõe o uso de ativos externos para a criação de valor.  O modelo esquemático abaixo, retirado e traduzido livremente de artigo de Van Alstyne, Parker e Choudary (2016), mostra como costuma funcionar uma plataforma digital, usando o exemplo do sistema operacional para smartphones Android, do Google.

No modelo, o “dono” da plataforma (Google) cria e gere a infraestrutura necessária e determina as regras do jogo para a participação de produtores e consumidores. O gestor da plataforma conta com fornecedores (que não são, necessariamente, fornecedores diretos dele) que suprem as interfaces que podem acessar a plataforma. No caso do Google, esses fornecedores são a Samsung, Sony, Motorola, etc, que produzem smartphones que vêm com o Android instalado. Por fim, produtores (por exemplo, desenvolvedores de apps) que criam as ofertas disponíveis na plataforma e consumidores (por exemplo, usuários de apps) que demandam essas ofertas se encontram e transacionam por meio da plataforma.

Essas transações geram dados e valor para todos os atores da plataforma. O Google passa a saber mais sobre o comportamento e as preferências dos consumidores e produtores. As empresas que fazem smartphone descobrem as utilizações mais frequentes dos usuários e também se a plataforma segue relevante ou não. Os desenvolvedores aprendem sobre as preferências dos seus consumidores e dos consumidores de outros apps. Já os consumidores se utilizam dos feedbacks de outros usuários para saber quais apps valem a pena ser baixados ou comprados.

Imagem 2 – Modelo esquemático de uma plataforma típica

Em um modelo linear, ou “não plataforma”, o Google não só criaria e manteria a infraestrutura tecnológica, como ,também, produziria os smartphones que viessem com Android e criaria aplicativos para que os consumidores se interessassem pelo Android. Para manter o seu produto vivo, ela teria que constantemente criar, e aceleradamente, novos aplicativos e smartphones que acompanhassem os gostos em constante mudança dos seus clientes.

Para dobrar o número de aplicativos, o Google provavelmente teria que aumentar consideravelmente os seus ativos, incluindo os empregados. Ainda assim, provavelmente o Android não chegaria aos 2,8 milhões de aplicativos que constavam na plataforma até março de 2017.

Já imaginou como seria um YouTube em que o Google seria o criador de todos os vídeos da plataforma?

Em suma, empresas que funcionam no modelo “linear” dificilmente crescem de maneira “exponencial”, como as empresas que se utilizam de modelos do tipo plataforma. Isso ocorre porque uma empresa-plataforma depende principalmente de ativos externos para crescer. Nesse modelo, o mais importante é manter a plataforma viva e interessante, tanto para usuários quanto para produtores. Se houver um desequilíbrio, em qualquer uma das duas pontas, é provável que a plataforma enfrente dificuldades. Imagine, por exemplo, uma plataforma de vídeos com muitos consumidores e poucos produtores: eventualmente, consumidores vão começar a migrar para outras plataformas que tenham maior diversidade de conteúdo. O mesmo vale para uma plataforma com muitos produtores, mas que atrai poucos usuários: os produtores acabarão migrando para uma plataforma na qual eles encontrem mais consumidores.

O modelo das plataformas está intimamente ligado ao efeito-rede, que é o outro fator que ajuda a explicar o crescimento desse modelo de negócios. Na definição de Parker, van Alstyne e Choudary (2016), “[e]feitos-rede se referem ao impacto que o número de usuários de uma plataforma tem no valor criado para cada usuário.” Em geral, o valor de uma plataforma bem gerida está diretamente relacionado ao seu número de usuários (sejam eles produtores ou consumidores). O exemplo clássico disso é o de uma rede social como o Facebook ou o WhatsApp. Quanto mais pessoas usarem a plataforma, mais conteúdo será gerado, mais conexões poderão ser feitas, e daí por diante. Por melhor que seja uma rede social concorrente ao WhatsApp (por exemplo, o Telegram), tudo o mais constante, dificilmente os usuários migrarão para essa nova rede se os amigos desses usuários não estiverem em massa nessa rede.

Ao mesmo tempo, quanto mais usuários tiver uma plataforma, mais dados a empresa gestora da plataforma terá sobre os seus usuários e, por meio do processamento deles, será possível oferecer mais e melhores serviços para a plataforma cada vez mais customizados para seus usuários. Portanto, a plataforma que consegue ganhar espaço em um nicho e crescer rapidamente o seu número de usuários tende a ganhar participação de mercado rapidamente. Não à toa, o mercado das plataformas tende a formar monopólios e oligopólios. Basta ver o número de usuários das maiores redes sociais, na casa dos bilhões (ver gráfico abaixo).

Gráfico 1 – Usuários ativos nas principais plataformas sociais em 27 de janeiro de 2018

Fonte: Digital in 2018 (we are social & Hootsuite, 2018).

Toda essa discussão importa para países emergentes como o Brasil. Na era da commoditização digital, o valor de se usar as tecnologias dominantes tende a ser muito baixo ao longo tempo, já que, na era digital, praticamente todos tendem a aderir a essas tecnologias rapidamente. No século XXI, o valor deverá se concentrar cada vez mais nos donos e gestores dessas tecnologias e plataformas. O problema é que a grande maioria dessas tecnologias nascem e/ou crescem na Califórnia e poucos outros lugares, incluindo, mais recentemente, a China.

Sobrará algo para países como o Brasil, que são grandes usuários, mas pouco criadores dessas plataformas vencedoras? A ver.

Plataformas digitais: para onde vamos?

Em recente decisão, a Corte de Justiça da União Europeia (ECJ) classificou o Uber como um serviço de transporte. A corte explicou que, em razão de o Uber intermediar a relação entre motoristas e passageiros, incluindo pagamentos pelas corridas e o controle de qualidade dos condutores, haveria, simultaneamente, uma oferta de serviços de transporte e o estabelecimento de uma rede capaz de organizar o fluxo das pessoas que pretendem usar esse tipo de atividade, tornando-a essencial às duas partes do negócio. “A ECJ entende que este serviço de intermediação deve ser considerado parte integrante de um serviço global cujo elemento principal é um serviço de transporte e, portanto, que não corresponde à qualificação de serviço da sociedade da informação, mas, sim, de serviço no domínio dos transportes.”

A decisão da ECJ aponta para uma tendência de maior regulação das atividades relacionadas à economia digital. Devido à importância do tema, seria útil buscar esclarecer alguns pontos relacionados aos ganhos e aos riscos da economia digital para a sociedade.

A economia digital tem ganhado relevo na atual ordem econômica, fornecendo oportunidades para a diminuição dos custos de transação e para a eliminação de intermediários. Dentro dessa ordem econômica diferenciada, o pleno aproveitamento das novidades tecnológicas torna-se questão fundamental para a sobrevivência das empresas, especialmente para aquelas que operam na área de economia digital. Para isso, faz-se uso de um constante processo de inovação capaz de manter o consumo por novidades tecnológicas em nível que permita a manutenção de empresas da área no setor.

É bem verdade que a economia digital possibilita a inserção de pequenas empresas em fluxos de trocas que, sem o uso das ferramentas tecnológicas atuais, seriam inviáveis. Não obstante, essas empresas necessitam de canais de comunicações — em geral controlados por grandes empresas — para se manterem em contato com seus consumidores.

São nesses canais de comunicações, doravante denominados plataformas digitais, ou simplesmente plataformas, que as estruturas de mercado se concentram em número muito limitado de empresas. Exemplos de plataformas seriam os sistemas da Google, o AirBnB, o Uber, o Whatsapp, o site de vendas da Amazon e os sistemas do Facebook. No caso do Google Play, aplicativo que disponibiliza a compra de softwares para smartphones que operam com sistema Android, os compradores utilizam-se da plataforma para adquirirem esses aplicativos. De mesma forma, o desenvolvedor do aplicativo é obrigado a seguir padrões para poder oferecer seu produto nessa mesma plataforma.

Ficará, assim, necessária a distinção dos termos “usuários” e “desenvolvedores” de plataformas, conforme Arbache (2015). Enquanto a maioria das empresas e dos clientes são usuários de plataformas, um conjunto extremamente limitado de empresas são desenvolvedoras dessas plataformas, portanto, capazes de definir padrões de uso. Os usuários (tanto as empresas quanto os clientes) dessas plataformas têm ganhos de produtividade, pois aumentam sua eficiência. É, portanto, nessa ótica, positivo o uso de plataformas digitais. No caso do Uber, por exemplo, o cliente que usa o aplicativo tem a possibilidade de pagar menos por uma corrida, além de ter ganhos com a praticidade do uso do aplicativo. O motorista que usa o Uber também ganha, pois consegue oferecer o serviço sem precisar de comprar licenças ou passar por complexos processos burocráticos para operar um táxi, por exemplo.

Um paralelo pode ser feito com a questão da agricultura. É óbvio que o uso de tratores e de dispositivos de georreferenciamento possibilitam ganhos importantes para o aumento da produtividade do campo. Na realidade, o fato de o produtor deixar de usar equipamentos modernos inviabiliza, em razão do nível de concorrência internacional e dos respectivos custos de produção, o cultivo da maioria das commodities agrícolas. O uso, nesse caso, passa não mais a ser um diferencial competitivo, mas mais uma técnica necessária para a manutenção de determinado negócio. O diferencial não estará, assim, no produtor que usa o trator, porquanto todos usam, mas no país que desenvolve o trator. Ali estará a técnica mais avançada, onde o conhecimento exigido para a concepção dos tratores exige maior capacitação e tecnologia.

Nos países em que se desenvolvem os aplicativos como o Uber, além de potenciais usuários do sistema, há ganhos de inovação e de produtividade no desenvolvimento das plataformas. A imposição de padrões de uso funciona como uma reserva de mercado para esses desenvolvedores, que podem atribuir taxas para que outras empresas operem em suas plataformas. O Airbnb, por exemplo, cobra de seus anunciantes uma taxa para a oferta de seu serviço. Caso o ofertante não concorde com as condições ali impostas, há somente uma saída: não oferecer seu serviço no Airbnb.

Há um outro lado da história. É sempre necessário frisar que a concorrência perfeita – eficiente em termos de Pareto – leva em consideração que são várias e pequenas empresas que ofertam produtos. Uma vez que, dentro da economia digital, há poucas empresas que criam barreiras para entrantes, tem-se a formação de estruturas oligopolizadas quando não monopolizadas de mercado. Há, assim, surgimento de problemas de ineficiência econômica no sentido de Pareto: o conhecido peso morto discutido na microeconomia básica.

As plataformas da economia digital que se apresentam como fundamentais para a criação de eficiência nos mercados, por formarem mercados extremamente concentrados, geram também ineficiências econômicas. Ademais, em geral, essas empresas estão geograficamente concentradas nos EUA e mais recentemente na China, gerando grandes excedentes que remuneram alguns poucos trabalhadores qualificados naquela região.

A decisão do ECJ, por mais precipitada que possa parecer, mostra que pouco se sabe quais são os reais ganhos e riscos relacionados às plataformas da economia digital. Possivelmente, estudos pormenorizados sobre os ganhos e perdas em termos de eficiência econômica da economia digital possam dar um norte mais qualificado a essa discussão.

 Diplomata, trabalha no Ministério das Relações Exteriores. Mestrando em economia na UnB.

Como (não) competir com o Google?

Temos falado há algum tempo no blog sobre o poder das cinco grandes empresas do mundo digital: Google, Facebook, Amazon, Apple e Microsoft. Estas cinco companhias estão em praticamente tudo. Apenas a título de exemplo, 2 bilhões de pessoas usam celulares Android, do Google; 2,1 bi. de pessoas usam Facebook; a Amazon responde por mais de um terço do mercado de serviços de armazenagem em nuvem do mundo; mais de 700 milhões de Apple iPhones estão em uso atualmente; e 1,5 bilhão de pessoas usam o Windows, da Microsoft.

Em comum, essas empresas têm plataformas pelas quais passam diariamente praticamente todos os usuários e desenvolvedores online fora da China. Esse fato traz a elas dados e conhecimentos sobre o mundo digital que lhes permitem aperfeiçoar progressivamente seus algoritmos e aplicações de maneira a capturar ainda mais valor ao longo das suas cadeias. Para o usuário, é cômodo e vantajoso seguir utilizando os serviços cada vez mais vastos dessas empresas.

Digamos que surja um sistema operacional de smartphone mais eficiente que o Android ou o iOS (da Apple). Uma pergunta plausível é: por que um desenvolvedor tomaria seu tempo construindo aplicativos para essa plataforma que começaria com um número reduzido de usuários? Pelo lado do usuário, uma pergunta plausível seria: por que comprar um celular com esse sistema operacional se ele terá muito menos opções de aplicativos que os dois sistemas operacionais dominantes?

Esse tipo de questão também já ficou aparente entre redes sociais: diversos serviços surgiram tentando desbancar o Facebook, mas quase todos fracassaram pela baixa adesão de usuários. Se meus amigos não estão nessa nova rede social, melhor seguir na rede em que estão praticamente todos. Esses fenômenos são conhecidos como efeito-rede e efeito-plataforma.

O que tem ocorrido, portanto, é que essas empresas conhecem cada vez mais seu mercado e expandem suas atividades para mais serviços, estes progressivamente mais customizados para os seus usuários devido aos dados adquiridos. Não à toa, a revista The Economist recentemente chamou os dados de “petróleo do século XXI”. As cinco grandes, por sua abrangência e controle de plataformas globais, têm mais capacidade de mudar a economia do que muitos Estados nacionais. Também não é coincidência o aumento da preocupação, por parte das autoridades de defesa da concorrência, com o poder de mercado dessas gigantes.

Nesse cenário, está ficando mais difícil competir no mundo digital. Assim que uma empresa desponta como potencial competidora das grandes irmãs, seus fundadores normalmente têm duas opções: vendê-la ou morrer por ter seus serviços “imitados” pelas gigantes. O caso do Snapchat, rede social de vídeos curtos e que se auto-deletam, está entre os mais famosos: o Facebook tentou comprá-la, sem sucesso, por US$ 3 bilhões em 2013. Desde então, o Facebook incluiustories”, muito similares aos vídeos do Snapchat, em pelo menos três de seus serviços: Instagram, WhatsApp e o próprio Facebook. Em parte por conta disso, o Snapchat tem encontrado dificuldades para crescer e suas ações caíram consideravelmente desde a sua oferta pública, em março de 2017.

É possível não competir com os gigantes do mundo digital? Se uma empresa deseja alcançar milhões de usuários pelo mundo, dificilmente ela não incomodará ou interessará as grandes irmãs. Vejam o caso do WhatsApp, concorrente do Facebook Messenger, que foi vendido por US$ 19 bi. para o Facebook.

Empresas como Uber, AirBnB e outras conseguiram crescer e se consolidar nos últimos anos, a despeito das gigantes, talvez por ainda não estarem no caminho delas. Porém, investimentos pesados do Google, Amazon, Apple, Facebook e Microsoft em carros autônomos e em serviços concorrentes ao Uber mostram que elas seguem expandindo para competir em áreas de negócio relativamente povoadas atualmente. Quanto ao AirBnB, o Google recentemente injetou mais de meio bilhão de dólares na companhia.

Então, será possível competir, com sucesso, com as cinco gigantes? É algo a ser observado. No curto prazo, sim. O Twitter, por exemplo, segue disputando com o Facebook, sem nunca ter sido verdadeiramente ameaçado (a despeito das tentativas).

Gigantes chinesas, como o Alibaba (dona de marketplace com cerca de 500 milhões de usuários), Tencent (dona do WeChat, com quase 1 bilhão de usuários) e a Baidu (com cerca de 2 bi. de usuários), também têm conseguido competir, em parte por conta do enorme mercado asiático e do fechamento da China para diversos serviços das norte-americanas.

É difícil responder com segurança à pergunta acima. O cenário que está se desenhando é de uma grande concentração e consolidação e é possível que a era dos unicórnios (empresas que em pouco tempo valem US$ 1 bilhão) esteja chegando ao fim.

Economia digital e defesa da concorrência: desafios e tendências

As tecnologias digitais mudaram a economia de diferentes maneiras, estimulando o desenvolvimento de mercados disruptivos e processos competitivos extremamente dinâmicos. A geração, processamento e uso de dados tornaram-se uma característica de extrema importância na economia, na medida em que estamos hoje constantemente conectados a dispositivos móveis on-line[1].

Os dados pessoais, que incluem informações detalhadas sobre os comportamentos e interesses dos indivíduos, se tornaram ativos extremamente valiosos no mercado digital. O acesso e a propriedade desses ativos influenciam diretamente as estruturas de mercado. Isso porque esses dados são atualmente propriedade exclusiva das empresas que fornecem a infra-estrutura para produzi-los, tornando-se uma fonte de receita e aquisição de poder de mercado.

Cria-se assim um ambiente favorável para uma concentração e  consolidação sem precedentes de poder econômico na mão de poucas organizações, tornando de certa forma ultrapassada a euforia inicial acerca do potencial da Internet como instrumento de nivelamento de oportunidades e de criação de organizações mais equitativas e cooperativas.

Um dos desafios levantados por esse novo panorama ​​é o papel a ser desempenhado pelas políticas antitruste para garantir níveis adequados de competição e o incentivo à inovação. A concentração do poder de mercado deve ser vista como uma característica inerente às indústrias de alta tecnologia? Os elevados lucros obtidos pelas empresas “superstars” devem ser considerados necessários para estimular a inovação e compensar altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento — e temporários — em linha com a “destruição criativa” de Schumpeter, que garantiria uma concorrência sistêmica?

Essas e outras questões estão desafiando as autoridades regulatórias ao redor do mundo, que vêm intervindo de maneiras diversas sobre as condutas empresariais nos mercados digitais. O tema também tem sido crescentemente debatido na academia e em fóruns globais de formulação de políticas públicas, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Estamos longe de obter respostas concretas sobre como lidar com as questões concorrenciais impostas pelas tecnologias digitais, mas uma hipótese é que as metodologias e teorias tradicionais utilizadas para identificar e mensurar o poder de mercado subestimam o poder econômico das “superstars” digitais. Nesse novo panorama, as análises antitruste merecem maior reflexão. Por exemplo, com a crescente ausência de transações monetárias para o fornecimento de serviços, torna-se cada mais difícil a utilização de metodologias baseadas no faturamento com vendas para definir o poder de mercado. Ademais, é cada vez mais complexa a aferição do mercado relevante. A título de ilustração, os investimentos da Google em carros autônomos apontam a empresa como concorrente em um mercado relevante e mais amplo do que o segmento de serviços on-line. Ademais, ao se realizar o controle de fusões, é fundamental que se avalie a competição potencial do mercado. Nesse sentido, o preço de compra pode indicar que um agente incumbente está buscando eliminar um potencial competidor – o que explicaria a elevada disposição a pagar do Facebook para comprar uma empresa sem aparente fonte receita, como o WhatsApp.

Nesse contexto, a definição de um aparato regulatório sobre a propriedade dos dados também desempenha hoje um papel mais importante que em ambientes econômicos anteriores. Isso porque as vantagens oferecidas pela exclusividade da detenção de dados tenderiam a reforçar a dominância no mercado e dificultar a entrada de novos concorrentes, ao longo do tempo[2].

Uma das sugestões regulatórias nesse sentido envolve a definição de um padrão legal que aumente a transparência dos dados, permitindo que os indivíduos saibam quais informações as empresas detêm, para quais fins são utilizados e a receita gerada pelo seu processamento. Isso diminuiria o controle informacional das grandes empresas, incentivando a contestabilidade e uma distribuição mais equitativa dos benefícios decorrentes da chamada data-driven economy.

O debate apresentado talvez tenha surgido com um certo atraso, dadas as várias operações de fusão e aquisição no setor da economia digital realizadas sem que houvesse uma percepção mais clara sobre os possíveis efeitos oriundos desses movimentos de concentração. Será interessante acompanhar o desenvolvimento de políticas regulatórias nesse setor, agora que tais efeitos já são apontados por diferentes análises, inclusive por autoridades de defesa da concorrência.

[1] SCHWAB, K., The Fourth Industrial Revolution, 2016

[2] ERZACHI, Ariel; STUCKER, Maurice E., Virtual Competition: The Promisse and Perfils of The Algorithm-Driven Economy, Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2016.

Ensino One to One

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

As tecnologias amadurecidas e metodologias inovadoras possibilitam uma educação individualizada. Na construção do modelo, alguns dos temas em evidência são adaptive learning e t-learning, entre outros. Esse deve ser o cenário da educação superior em 2025.

Em 2025, os estudantes de cursos universitários deverão ter “professores” 100% dedicados e pacientes para acompanhar cada um deles. Disponíveis em cada minuto dos cursos que estarão fazendo. Vinte quatro horas por dia, sete dias por semana. Por “professores”, com aspas, entenda-se suporte tecnológico, em software e hardware presentes em todas as coisas.

Novos universitários serão beneficiados pelas tais tecnologias que deverão possibilitar o acesso a educação altamente individualizada. A educação personalizada deverá ser, já em 2025, integralmente aplicada aos novos conceitos de ensino superior, assim como em outros níveis.

Até 2027, os robôs substituirão os professores, segundo a previsão do britânico Anthony Seldon, especialista em educação, feita em 2017. Ou pelo menos, numa visão nossa — talvez menos radical –, irão reconfigurar completamente seu papel. Ele não foi o primeiro a notar o potencial da tecnologia para substituir os trabalhadores humanos. Se os “robôs” assumem a forma de programas de software artificialmente inteligentes (AI) ou máquinas humanóides, eles podem ser os novos professores.

As mudanças evidenciam, como diferencial, a possibilidade de os cursos começarem a qualquer momento, em qualquer mês, de acordo com o interesse do estudante. Como há grande número de atividades de ensino a distância, apenas supervisionadas por professores humanos, deixa de ser necessário um calendário baseado em semestres ou anos.

Bastarão um currículo mínimo obrigatório, mesmo assim com uma flexibilidade enorme para atender ao surgimento de profissões que ainda nem existem em 2017. Se você deseja começar um curso, faça a inscrição e pronto. Identifique professores para a função de supervisores e é isso. Siga em frente.

 

Atendimento

E como isso deve se dar na prática? Recém-aprovado no curso da área de Tecnologias de Saúde, que requer conhecimentos em ciências exatas e de saúde, na turma de março de 2025, César tem apenas um medo: matemática. Biologia ele “tira de letra”, como se dizia antigamente. Ao contrário dos números, seu grande terror.

Não devia se preocupar. Ao contrário dos seus pais, que se limitavam a seguir a rota definida por campos específicos de interesse, o estudante terá todo o apoio para superar as resistências e limitações de aprendizado e campos abertos em todas as dimensões.

César se beneficia da evolução alcançada pelas tecnologias de inteligência artificial e de aprendizado de máquina. Em 2025, ela possibilitará a maturidade de propostas dos modelos de educação baseados em “adaptive learning” e “t-learning”, entre outros exemplos. Em síntese, são propostas que estimulam a interação do estudante com os objetos de estudo.

Esses são sistemas capazes de aprender o jeito correto de lidar com a dificuldade de cada aluna. E vão ajudar não só ao César, como a qualquer colega dele. Milhões de estudantes como ele vão poder usar os recursos como a interação contínua por vídeos, recorrendo à Internet para oferecer conhecimentos.

Imagine que, em determinado momento, César esbarra em dificuldades para entender o conceito de “equações lineares homogêneas”. O sistema não só identifica onde está a resistência do estudante como cria instantaneamente um roteiro de aprendizado e apresenta filmes de apresentação de todos os conceitos e práticas.

Serão os benefícios da evolução de recursos de “adaptive learning”. Plataformas adaptativas propõem atividades diferentes para cada estudante, a partir da observação e da coleta de dados sobre sua performance, suas respostas e suas reações diante de tarefas.

O software de apoio ao estudante pode oferecer a César, portanto, um reforço sobre algum conteúdo no qual ele demonstrou dificuldade. Ou, ainda, repetir alguma questão que foi respondida corretamente após um intervalo, para garantir que o acerto não foi um golpe de sorte.

O futuro é e sempre será uma incógnita, mas a customização de tudo (incluindo a educação) é um caminho sem volta.

Brenner Lopes é Mestre em Administração com ênfase em Inteligência Competitiva e é sócio na Consultoria Nous SenseMaking.
 Carlos Teixeira é jornalista e futurista, consultor associado da Nous SenseMaking. Especialista em Comunicação Integrada, Gestão da Informação e Inteligência Estratégica.
João Lopes é consultor da Nous SenseMaking e professor, com graduação em Administração de Empresas e pós-graduação em Engenharia da Produção e Gerenciamento de Projetos.

 

E-commerce: Black Friday cresce e aumenta expectativas sobre acumulado do ano

O e-commerce brasileiro fechou mais uma edição da Black Friday com números positivos, superando o faturamento do evento em 2016. Com o intuito de demonstrar a evolução do setor, a vitrine virtual UmSóLugar desenvolveu um infográfico destacando os resultados do primeiro semestre e o crescimento das vendas em demais datas significativas para o calendário do comércio eletrônico.

Fonte: Ebit Informação – www.ebit.com.br

Segundo dados da E-bit, empresa especializada em informações do comércio eletrônico, apesar da desaceleração do varejo nos anos de crise, o e-commerce mostrou expressivos 7,5% em crescimento nominal no primeiro semestre de 2017, registrando R$21 bilhões em vendas. Em 2016, o setor fechou o mesmo período faturando R$19,6 bilhões.

Fonte: Ebit Informação – www.ebit.com.br

A Black Friday, que no começo trouxe bastante desconfiança aos consumidores, acabou por garantir seu lugar ao sol poucos anos após estrear em solo nacional, em 2011. Ao menos no que diz respeito a vendas online o evento bateu o segundo lugar em faturamento, em 2016 (R$ 1,90 bi) e, neste ano, registrou alta de 10,3%, com um faturamento de R$2,1 bilhões.

Fonte: Ebit Informação – www.ebit.com.br

Durante todo o ano, o e-commerce brasileiro é movimentado por importantes eventos que já fazem parte do calendário do consumidor, como datas comemorativas, feriados e ofertas sazonais. Outras datas especialmente relevantes para o setor também superaram o faturamento do ano anterior, como o Dia das Mães 2016 (R$ 1,62 bi) e 2017 (R$1,9 bi); o Dia dos Namorados 2016 (R$ 1,65 bi) e 2017 (R$1,71 bi); e o Dia dos Pais 2016 (R$ 1,76 bi) e 2017 (R$1,94 bi).

Os bons resultados, somados aos também bons resultados do Natal, aumentam as perspectivas para o faturamento do setor em 2017. De acordo com o relatório Webshoppers 36, a estimativa é de que o mercado volte a registar expansão de dois dígitos, atualizando para 10% a expectativa de crescimento no acumulado do ano.

Jaqueline Beserra é formada em Jornalismo e atualmente é gerente de Marketing Online da vitrine virtual UmSóLugar, focada em moda, beleza e estilo de vida.

Os Mercadores das Novas Grandes Navegações

As Grandes Navegações portuguesas inauguraram o que, segundo Thomas Friedman, teria sido a primeira onda da globalização. O termo refere-se à interação e à conectividade desde então experimentadas pelas vias do comércio, do movimento de pessoas, da relação entre culturas e das trocas de ideias. Para Cesar Hidalgo, redes interativas como essas permitem a criação e incorporação de conhecimento e know-how, aumentando a capacidade de processamento de informação, o que, em última análise, leva ao desenvolvimento econômico.

Boa parte dos benefícios da primeira onda de globalização foi difusa. Mas quem, sem dúvida, mais se beneficiou das Grandes Navegações foram os mercadores, intermediários que conectaram vendedores e compradores para disponibilizar especiarias e outros produtos numa escala até então sem precedentes.

Os ganhos da intermediação se traduziriam na alavancagem política dos mercadores o que, para Acemoglu e outros, viria a se constituir num dos pilares dos modernos direitos de propriedade. Juntamente com o boom populacional, aquele desenvolvimento institucional viria a ser decisivo para a Revolução Industrial.

Não estamos mais no século XV, nem Colombo está prestes a descobrir a América. Entretanto, a era das Grandes Navegações está de volta. Assim como naquela altura, inovações tecnológicas também estão desencadeando a era das “Grandes Navegações Digitais”. Mas, ao invés de bússolas, astrolábios, quadrantes e caravelas, é a internet e os dispositivos digitais que estão nos conduzindo pelos oceanos virtuais. E busca-se, agora, intermediar outro tipo de especiaria, esta, muito, mas muito mais valiosa: a informação.

A popularização da Internet tem levado à emergência de martkeplaces, mercados digitais operados por plataformas de gigantesco alcance público. Amazon, Alibaba, WeChat, Facebook, Google, Apple, Microsoft, Linkedin, Uber, dentre outros, se tornaram os intermediários das Grandes Navegações Digitais. Ao desempenhar as funções de mercadores da informação, essas plataformas têm proporcionando ganhos difusos para a sociedade ao reduzirem assimetrias de informação e custos de transação, além de integrar compradores e vendedores que antes pouco ou nada tinham acesso aos mercados.

A distância entre compradores e vendedores diminuiu e eliminaram-se intermediários. Ficou substancialmente mais fácil achar um amigo, um emprego, um quarto de hotel, chamar um táxi, comprar uma geladeira ou até mesmo contratar um serviço empresarial.

O nivelamento das oportunidades para se competir em igualdade de condições no oceano digital ajudou a levar Thomas Friedman a considerar que “o mundo seria plano”.

Cesar Hidalgo fez argumento similar, mas a partir da lógica de redes: quanto mais conectados estiverem os agentes, mais meritocrático será o sistema econômico. Em outras palavras, quanto menor for o número de intermediários necessários para se chegar ao comprador, maior será o valor apropriado pelo produtor do bem comercializado. Com isto, recompensa-se mais quem originalmente mais gera valor. Já em redes pouco conectadas, o intermediário é o maior beneficiário, o que leva a uma topocracia.

Estaria o mundo moderno se tornando mais meritocrático? Infelizmente, não. A eliminação de intermediários veio acompanhada de elevada e crescente concentração das transações em poucas plataformas. Apesar de haver maior competição horizontal entre produtores de bens e serviços, há elevada e crescente codependência deles para com as plataformas para intermediar transações.

De fato, os efeitos-rede e plataforma tornaram quase impossível contestar os modernos mercadores. Até mesmo os unicórnios, startups tecnológicas que chegaram a valer US$ 1 bilhão ou mais, pouco ou nada conseguem competir com as grandes plataformas.

O que estamos vendo, na verdade, são os grandes mercadores se apropriarem tanto dos excedentes do consumidor, como, também, da firma, uma característica topocrática que eleva o poder daquele grupo à uma condição sem precedentes na história econômica.

Difícil negar que as grandes plataformas digitais estão revolucionando os mercados. Mas, ironicamente, se, de um lado, essas inovações digitais estão nos proporcionando uma verdadeira revolução tecnológica de acesso à informação, por outro lado, a crescente concentração da informação em poucas mãos está comprometendo a horizontalidade e a difusão dos benefícios daquela revolução.

Essa hierarquização da rede econômica está trazendo consigo características topocráticas agudas. O mundo é plano, mas não para todos.

Como disse Jeff Bezos, CEO da Amazon, ainda estamos no “day one” da era digital. É difícil prever quais serão as consequências dessa crescente concentração da informação. Mas, do pouco que já pudemos ver, pode-se dizer que, quanto mais plano for o mundo, melhor será para todos.

Como a Black Friday alavancou o e-commerce no Brasil

A Black Friday tornou-se uma das mais importantes datas para o varejo nacional. Importada por diversos países como forma de estimular o comércio semanas antes do Natal, a Black Friday foi adotada há sete anos pelo varejo brasileiro. O último dia 24 de novembro revelou que o costume foi, finalmente, bem aceito pelo consumidor brasileiro, mas com diferenças importantes em relação ao que se observa nos demais países.

Apesar das diversas reportagens e imagens mostrando consumidores ávidos por descontos dados pelas grandes lojas físicas, a data foi muito mais importante para o comércio eletrônico, que se aproveitou do movimento para atrair o consumidor para vendas online. O resultado impressionou: nos dois principais dias de oferta, o faturamento chegou a 2,1 bilhões de reais. As lojas físicas temem, inclusive, um menor crescimento nas compras de final de ano devido à antecipação nas compras promovidas pela Black Friday, e já se discute uma antecipação da data para agosto no próximo ano.

Na Black Friday de 2017, pode-se observar com clareza o potencial do e-commerce no mercado brasileiro. O ticketdio de compras foi duas vezes superior à média mundial. Ainda, as vendas por meio do celular representaram parcela importante das vendas: quase um terço ocorreu via mobile, crescimento superior a 80% em relação a 2016. O varejo online, que já supera o físico em diversas categorias como eletrônicos, viagens e celulares, viu na data a chance de trazer novos consumidores para o mundo virtual.

O crescimento das vendas online na Black Friday demonstra também uma maior confiança por parte do consumidor brasileiro no comércio eletrônico, algo recorrentemente apontado como uma das principais barreiras ao crescimento desse mercado. As lojas online parecem, de forma geral, ter conseguido vencer o receio dos consumidores de estarem  realizando compras com falsos descontos. Isso não significa que a prática de “maquiagem de preços” não tenha ocorrido – o site Reclame Aqui registrou mais de cem reclamações por hora durante a mega oferta, a maior parte sobre propaganda enganosa.

O e-commerce no Brasil – vantagens, oportunidades e espaço para avanço

A Black Friday explorou algumas vantagens em relação ao comércio físico ainda pouco conhecidas pelo consumidor. É o caso, por exemplo, do direito de desistência, que existe apenas quando a compra é feita fora do estabelecimento, conforme coloca o Código de Defesa do Consumidor.  As empresas virtuais aliam a isso estratégias como a devolução sem pagamento de frete ou embalagem para reenvio, bastando apenas a comunicação à loja e a entrega do produto aos Correios.

Todavia, o avanço das vendas no comércio eletrônico é refreado por uma série de entraves, alguns estruturais, e com poucas possibilidades de melhoria no curto prazo. Um deles, já levantado por este blog, refere-se aos altos fretes – um dos maiores responsáveis pela desistência na hora de se fazer o pagamento. Calcula-se que lojas online perderam quase 12 bilhões de reais por conta tanto do alto frete como da demora na entrega. Essas dificuldades reduzem sobremaneira a compra de produtos de menor valor – muitas vezes o valor do frete é superior ao valor do produto –, o que torna a compra desvantajosa. Isto inibe o crescimento de nichos de mercado importantes, como é o caso do uso do e-commerce para compras recorrentes, como produtos de limpeza e alimentos. Esse mercado, por sinal, é um dos grandes responsáveis pelo crescimento nas vendas da Amazon, por exemplo, por meio do Amazon Prime. Uma forma de se mitigar esse problema é o Click and Collect, ainda pouco usado no Brasil.

O comércio eletrônico ainda tem muito a ganhar com as tecnologias digitais

Embora surfando na onda da Black Friday (e suas variantes, como Black Weekend, Black Week ou Cyber Monday), o comércio eletrônico ainda terá que vencer muitas fronteiras para avançar em mercados mais tradicionais do varejo, como moda, itens de compra cotidiana e recorrente, mantimentos, entre outros. E a economia digital tem muito a contribuir na busca de soluções. Inteligência artificial, IoT, big data, cloud computing, realidade aumentada são algumas das tecnologias que, em um curto período, virarão serviços à disposição das plataformas de e-commerce. Elas deverão contribuir para melhorar a experiência do consumo online, reduzir custos de infraestrutura de rede e para trazer para esse mercado tanto novos usuários, como os que já compram online, mas que ainda procuram as lojas físicas para a maior parte das compras.

No caso do Brasil, muitas são as tecnologias que podem superar as desvantagens existentes numa compra online. Uma delas é a falta de contato com o produto. O Arkit, ferramenta de realidade virtual da Apple, está sendo utilizado por empresas como Ikea para que o cliente possa avaliar, por meio de um app, se o móvel que se deseja comprar se encaixa no local onde ele será colocado. O uso da automação e de algoritmos leva a quase zero o custo marginal de se adicionar novas interações, o que permite às plataformas de e-commerce suportar milhares de usuários. Ainda, o comércio eletrônico é capaz, por meio da tecnologia de RFID, de contornar questões como a informação sobre disponibilidade do produto. A coleta de big data e a posterior análise permite a extração de informações valiosas sobre o perfil dos consumidores, que possibilitam melhorar o posicionamento da marca frente às demandas presentes e futuras de seus clientes.

O efeito-rede existe em diversos mercados, mas é ainda mais relevante para se entender o poder das plataformas digitais, entre elas, as de e-commerce. O benefício de se usar um produto ou serviço dentro de uma plataforma cresce exponencialmente conforme se aumenta o número de usuários. E quanto mais pessoas usam uma plataforma, mais atrativa ela se torna. É o que acontece com plataformas como Ebay, Mercado Livre e OLX, que só geram os benefícios esperados para os consumidores em função do efeito-rede que conseguiram criar.

Como também já exposto por este blog, as plataformas são, provavelmente, o modelo de negócios de maior valor na era digital. Juntos, o efeito-rede e plataforma reforçam o poder que gigantes do comércio eletrônico têm sobre o mercado – as empresas fazem de tudo para manter o usuário navegando em sua plataforma, ganhando na geração de uma imensa quantidade de dados, os quais fornecem informações que serão usadas para fornecer novos serviços – reforçando a predominância da plataforma.

A essa infinidade de dados alia-se o uso de ferramentas como machine learning e engenharia de dados, as quais alavancam o conhecimento sobre o usuário e reforçam o ciclo de preponderância das plataformas. Um exemplo claro é a Amazon Prime, que inclui serviço de compras, entrega rápida, delivery de restaurantes, leitura de livros, audiobooks, streaming de series e filmes, música, compra integrada com o dispositivo Alexa, serviços domésticos e de reparos, entre tantos outros.

O que fica de lição ao se observar o que acontece nos demais mercados e também no Brasil é que as lojas físicas não podem prescindir da presença online. Vide o exemplo da Toys”R”Us, uma das maiores vendedoras de artigos infantis, que entrou com pedido de falência em setembro deste ano. Atribui-se a isto a forte concorrência com o e-commerce: o mercado de brinquedos, diferentemente de vários outros, adequa-se bem às vendas online e ao público de pais millennials sem tempo para ir a lojas físicas e mais habituado a executar as mais diversas atividades na internet. A empresa tentou ser fornecedora exclusiva de brinquedos para a Amazon em 2000, a qual foi processada em 2004 por descumprir o contrato. Com isso, a Toys”R”Us perdeu a oportunidade de desenvolver a sua própria plataforma de e-commerce há mais tempo. E quando acordou, já era tarde demais.

Conclusão: ainda estamos no ‘Day One’

Jeff Bezos, CEO da Amazon, tem uma célebre frase que resume a filosofia da empresa: “this is Day One ”. Isso significa que um mundo novo ainda está por vir em relação ao comércio eletrônico, à internet e à economia digital. Há, assim, um longo caminho a ser percorrido, tanto por economias mais maduras, como também pelas emergentes, até que o comércio eletrônico seja capaz de prover a melhor experiência para o consumidor a um baixo custo.

Para o Brasil, além da necessidade de ser avançar nas questões estruturais ligadas a serviços de custos, como logística e entrega, é preciso também ser capaz de olhar para fora, buscar novos modelos de negócios, novos mercados e novos serviços capazes de agregar valor ao que se entrega. O comércio eletrônico está só começando no Brasil. Devemos aproveitar o momento para traçar estratégias de crescimento que incluam novos mercados e que se projetem sobre novos modelos de negócios. Não dá mais para seguir a rota do foco no mercado interno – e muito menos repetir os velhos erros das industrias tradicionais.

Vídeo: Economia digital e seus impactos no Brasil

No último sábado, 25 de novembro, fizemos a primeira live do blog Economia de Serviços, sobre economia digital e seus impactos no Brasil. Nós, da equipe do blog (Jorge Arbache, Rafael Moreira e Vanessa Carvalho), batemos um papo de uma hora sobre o assunto, respondendo perguntas pelo facebook. Você pode ver a live completa abaixo ou via nossa página no facebook. Faremos outras em breve. Fiquem à vontade para sugerir temas!

O Novo Trans-Pacific Partnership (TPP)

Após anos de negociações, o TPP experimentou dramático colapso com a saída dos Estados Unidos do acordo logo após a posse do Presidente Trump. Mas como Fênix, o mais ambicioso acordo de comércio jamais negociado está renascendo das cinzas e deverá ser finalizado nos próximos meses. Agora, como CPTPP (Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership). O acordo também tem sido chamado de TPP 11 em razão de seus 11, e não mais 12 membros originais.

O TPP 11 representa 15% da economia global e inclui economias importantes como Japão, Canadá, Austrália e México. Outros países já indicaram interesse de se juntar ao grupo, como Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia, Indonésia e Filipinas. Estimativas do PIIE indicam que, com a entrada desses países, haverá ganho anual de comércio de US$ 500 bilhões, valor até maior que o esperado com os países do acordo original. Isto aconteceria em razão da criação de novas cadeias de valor na Ásia associadas a Japão, Coreia do Sul e Taiwan, que ainda não têm acordos de livre comércio entre si e outros membros.

Sob a liderança do Japão, oficiais dos governos envolvidos no acordo original, à exceção dos americanos, negociaram um texto-base. O texto, ainda não divulgado para o público, não está fechado, mas os “core elements” já teriam sido definidos, quais sejam, remover apenas temporariamente pontos polêmicos com o compromisso de seu eventual restabelecimento mais para frente e manter quase intacto o acordo original.

Ainda que haja reservas a muitos pontos que teriam sido duramente defendidos pelos Estados Unidos na TPP, notadamente nas áreas de propriedade intelectual, serviços e economia digital, a principal razão das alterações minimalistas seria a de criar as condições para atrair aquele país de volta para o acordo.

Em razão da ampla e inconteste competitividade das empresas americanas nas áreas de serviços e economia digital, há consenso entre analistas e diplomatas de que o retorno dos Estados Unidos ao acordo seja apenas questão de tempo.

Do texto original de 622 páginas (fora anexos), o atual teria 584 páginas. Dos 29 capítulos, 17 tiveram nenhuma ou quase nenhuma mudança. Os demais tiveram apenas alterações pequenas, à exceção do capítulo de propriedade intelectual. Os compromissos originais de desgravação e acesso a mercados de bens e serviços, listas negativas, investimentos, movimento temporário de pessoas de negócios, compras públicas e empresas públicas, por exemplo, foram todos mantidos. Capítulos cruciais como os de comércio eletrônico, economia digital, serviços em geral, serviços financeiros, coerência regulatória, regras de origem, barreiras técnicas ao comércio, competição e temas sanitários e fitossanitários foram mantidos praticamente na sua totalidade.  Em serviços, manteve-se até mesmo o controverso requerimento de limitação de presença local; em economia digital, manteve-se até o não requerimento de se sediar dados do país no próprio país, a despeito das já reconhecidas potenciais consequências para segurança e privacidade.

Ainda que minimalistas, houve mudanças que merecem destaque, incluindo as que seguem.

  • Encomendas expressas – preservou-se espaço de competição para empresas públicas de serviços postais.
  • Mecanismo de disputa Estado-investidor – aumentaram-se os espaços para governos promoverem alterações legais e regulatórias de interesse público.
  • Investimentos – removeram-se da cobertura do acordo os chamados acordos de investimentos e autorização de investimentos, modalidades tipicamente associadas a investimentos nos setores de óleo, mineração e outras commodities.
  • Propriedade intelectual – este foi o capítulo que passou por maiores alterações. Foram removidas ou alteradas provisões de proteção a patentes biológicas (o lobby farmacêutico americano teria sido o principal responsável pela rejeição do TPP pelo Presidente Trump), testes de dados de patentes, novos meios de proteção a tecnologias da informação, incluindo medidas de proteção tecnológica (TPMs), direitos de informação, sinais criptografados de TV a cabo e satélite e portos seguros para provedores de serviços de internet, e reduziu-se o período de copyrights de 70 para 50 anos.

Ao promover a convergência regulatória em serviços e em economia digital e remover barreiras para o comércio de serviços e de dados, o CPTPP será o primeiro acordo de comércio a favorecer o livre trânsito de dados entre fronteiras.

Embora possa haver benefícios imediatos com a ampla liberalização daqueles setores, é preciso levar em conta que serviços e economia digital se tornarão  a mais importante fronteira de crescimento econômico e de geração de empregos e a face mais fundamental das relações econômicas entre países no século XXI. É a globalização 2.0, com amplas repercussões para o crescimento de países emergentes e para as perspectivas deles superarem a armadilha da renda média.

É preciso também levar em conta as assimetrias e as muitas repercussões dos efeito-rede e plataforma e as consequências da crescente consolidação de mercados em torno de algumas poucas grandes e poderosas empresas dos setores de serviços e economia digital, as superestrelas. A questão, portanto, é menos a de se e mais a de como se engajar nessas liberalizações.

Dada a abrangência de escopo das disciplinas envolvidas, a CPTPP deverá inspirar outros acordos. Na verdade, o acordo já é visto como um benchmark para futuras negociações comerciais e elementos do acordo Mercosul-EU, por exemplo, já se inspiram no TPP.

Novas rodadas de negociações acontecerão nas próximas semanas para remover obstáculos ainda remanescentes e detalhar procedimentos associados aos próximos passos. Há um acordo de assinatura do documento já no primeiro trimestre de 2018. O CPTPP entrará em funcionamento após a ratificação por pelo menos seis países. Espera-se que até o final de 2018 o acordo já esteja operacional.

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