Na economia digital, o grande número de usuários das maiores plataformas chama a atenção. É ainda mais impressionante pensar que a maioria das empresas que detém essas plataformas não tem mais que duas décadas. Um grande punhado, menos até que uma década. Então o que explica, por exemplo, uma empresa como o Facebook ter mais de 2 bilhões de usuários em menos de 15 anos de operação?
Antes de responder a esta pergunta, vale ressaltar o quanto é anormal (ou era, até algumas décadas) um crescimento como o de serviços digitais atuais. O infográfico abaixo compara o tempo que algumas tecnologias levaram para alcançar 50 milhões de usuários. Enquanto o avião e o automóvel demoraram 68 e 62 anos respectivamente para chegar a essa marca, o Facebook e o Twitter demoraram apenas 3 anos. O jogo Pokémon Go atingiu essa marca em meros 19 dias.
Imagem 1 – Tempo que cada tecnologia demorou para alcançar 50 milhões de usuários
Obviamente, não existe uma única resposta para a pergunta inicial, mas há dois fatores que são essenciais para entender o crescimento de empresas como o Facebook e o Uber: o modelo plataforma e o efeito-rede, assuntos que tanto temos debatido neste blog.
O modelo plataforma, seguido por empresas como o Facebook, Uber, Google, Amazon e outras, pressupõe o uso de ativos externos para a criação de valor. O modelo esquemático abaixo, retirado e traduzido livremente de artigo de Van Alstyne, Parker e Choudary (2016), mostra como costuma funcionar uma plataforma digital, usando o exemplo do sistema operacional para smartphones Android, do Google.
No modelo, o “dono” da plataforma (Google) cria e gere a infraestrutura necessária e determina as regras do jogo para a participação de produtores e consumidores. O gestor da plataforma conta com fornecedores (que não são, necessariamente, fornecedores diretos dele) que suprem as interfaces que podem acessar a plataforma. No caso do Google, esses fornecedores são a Samsung, Sony, Motorola, etc, que produzem smartphones que vêm com o Android instalado. Por fim, produtores (por exemplo, desenvolvedores de apps) que criam as ofertas disponíveis na plataforma e consumidores (por exemplo, usuários de apps) que demandam essas ofertas se encontram e transacionam por meio da plataforma.
Essas transações geram dados e valor para todos os atores da plataforma. O Google passa a saber mais sobre o comportamento e as preferências dos consumidores e produtores. As empresas que fazem smartphone descobrem as utilizações mais frequentes dos usuários e também se a plataforma segue relevante ou não. Os desenvolvedores aprendem sobre as preferências dos seus consumidores e dos consumidores de outros apps. Já os consumidores se utilizam dos feedbacks de outros usuários para saber quais apps valem a pena ser baixados ou comprados.
Imagem 2 – Modelo esquemático de uma plataforma típica
Em um modelo linear, ou “não plataforma”, o Google não só criaria e manteria a infraestrutura tecnológica, como ,também, produziria os smartphones que viessem com Android e criaria aplicativos para que os consumidores se interessassem pelo Android. Para manter o seu produto vivo, ela teria que constantemente criar, e aceleradamente, novos aplicativos e smartphones que acompanhassem os gostos em constante mudança dos seus clientes.
Para dobrar o número de aplicativos, o Google provavelmente teria que aumentar consideravelmente os seus ativos, incluindo os empregados. Ainda assim, provavelmente o Android não chegaria aos 2,8 milhões de aplicativos que constavam na plataforma até março de 2017.
Já imaginou como seria um YouTube em que o Google seria o criador de todos os vídeos da plataforma?
Em suma, empresas que funcionam no modelo “linear” dificilmente crescem de maneira “exponencial”, como as empresas que se utilizam de modelos do tipo plataforma. Isso ocorre porque uma empresa-plataforma depende principalmente de ativos externos para crescer. Nesse modelo, o mais importante é manter a plataforma viva e interessante, tanto para usuários quanto para produtores. Se houver um desequilíbrio, em qualquer uma das duas pontas, é provável que a plataforma enfrente dificuldades. Imagine, por exemplo, uma plataforma de vídeos com muitos consumidores e poucos produtores: eventualmente, consumidores vão começar a migrar para outras plataformas que tenham maior diversidade de conteúdo. O mesmo vale para uma plataforma com muitos produtores, mas que atrai poucos usuários: os produtores acabarão migrando para uma plataforma na qual eles encontrem mais consumidores.
O modelo das plataformas está intimamente ligado ao efeito-rede, que é o outro fator que ajuda a explicar o crescimento desse modelo de negócios. Na definição de Parker, van Alstyne e Choudary (2016), “[e]feitos-rede se referem ao impacto que o número de usuários de uma plataforma tem no valor criado para cada usuário.” Em geral, o valor de uma plataforma bem gerida está diretamente relacionado ao seu número de usuários (sejam eles produtores ou consumidores). O exemplo clássico disso é o de uma rede social como o Facebook ou o WhatsApp. Quanto mais pessoas usarem a plataforma, mais conteúdo será gerado, mais conexões poderão ser feitas, e daí por diante. Por melhor que seja uma rede social concorrente ao WhatsApp (por exemplo, o Telegram), tudo o mais constante, dificilmente os usuários migrarão para essa nova rede se os amigos desses usuários não estiverem em massa nessa rede.
Ao mesmo tempo, quanto mais usuários tiver uma plataforma, mais dados a empresa gestora da plataforma terá sobre os seus usuários e, por meio do processamento deles, será possível oferecer mais e melhores serviços para a plataforma cada vez mais customizados para seus usuários. Portanto, a plataforma que consegue ganhar espaço em um nicho e crescer rapidamente o seu número de usuários tende a ganhar participação de mercado rapidamente. Não à toa, o mercado das plataformas tende a formar monopólios e oligopólios. Basta ver o número de usuários das maiores redes sociais, na casa dos bilhões (ver gráfico abaixo).
Gráfico 1 – Usuários ativos nas principais plataformas sociais em 27 de janeiro de 2018
Fonte: Digital in 2018 (we are social & Hootsuite, 2018).
Toda essa discussão importa para países emergentes como o Brasil. Na era da commoditização digital, o valor de se usar as tecnologias dominantes tende a ser muito baixo ao longo tempo, já que, na era digital, praticamente todos tendem a aderir a essas tecnologias rapidamente. No século XXI, o valor deverá se concentrar cada vez mais nos donos e gestores dessas tecnologias e plataformas. O problema é que a grande maioria dessas tecnologias nascem e/ou crescem na Califórnia e poucos outros lugares, incluindo, mais recentemente, a China.
Sobrará algo para países como o Brasil, que são grandes usuários, mas pouco criadores dessas plataformas vencedoras? A ver.
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