Economia de Serviços

um espaço para debate

Category: Conjuntura (page 1 of 3)

Breve panorama sobre o setor de comércio no Brasil

O comércio cria valor ao fornecer conveniência e praticidade aos consumidores. No atacado ou a varejo, é um segmento do setor de serviços, uma atividade definida pela compra para revenda, sem transformação significante, de bens novos e usados. O comércio atacadista presta serviços que são consumidos predominantemente pelas empresas enquanto o varejista fornece serviços consumidos predominantemente pelas famílias, embora ambos sejam “serviços tradicionais” (Eichengreen e Gupta, 2009; OCDE) e tipicamente de custos (Arbache, 2014).

O setor de comércio ganhou importância econômica nas últimas duas décadas, uma vez que sua participação no Produto Interno Bruto (PIB), que se manteve relativamente estável e em torno de 8% entre 1996 e 2002, subiu continuamente até atingir 13,6% em 2014, número em torno do qual permaneceu no triênio seguinte (Figura 1). Ademais, o valor adicionado pelo setor acelerou mais rapidamente que todos os demais setores econômicos entre o final da década de noventa e o início da crise de 2015-2016 e, dentro do setor de serviços em geral, o comércio também foi o segmento que mais se destacou no período. Assim, considerando que o setor de serviços exclusive comércio manteve participação relativamente estável no PIB (61%), a relevância econômica que o setor de serviços como um todo ganhou nas últimas duas décadas – passando de cerca de 69% para 73% – pode ser atribuída principalmente ao crescimento do comércio atacadista e varejista.

Figura 1 – Participação dos setores econômicos no valor adicionado (%) – 1996 – 2017

Elaboração própria com dados das Contas Nacionais/IBGE.

Isso ocorreu porque o consumo privado foi o principal motor do crescimento econômico nos últimos anos. Vale notar que essa aceleração relativa do comércio é recente, uma vez que o segmento representou em torno de 30% do PIB de serviços entre as décadas de 1950 e 1970, caiu para pouco mais de 20% no início da década de 1980, chegou a 12% em 2000 e, em 2014, em razão do exposto, registrou 19% do PIB do setor de serviços no Brasil, conforme apresentado em Arbache (2014).

Em termos de participação no emprego, o comércio absorve cerca de 20% da mão de obra, possui uma taxa de informalidade no mercado de trabalho bastante elevada, mas em queda no período recente, assim como uma alta taxa de rotatividade. Estudos mostram que pelo menos até 2003 a incidência de relações informais no comércio se encontrava acima de 50% e foi de cerca de 30% em 2009, diminuindo o hiato setorial em relação a indústria, por exemplo. Ademais, entre 2000 e 2009, o comércio foi uma das atividades que se destacaram no aumento da participação do setor formal no valor adicionado total (Barbosa Filho e Moura, 2012; Amitrano e Squeff, 2016; Ramos e Ferreira, 2015).

Os dados da Pesquisa Anual do Comércio (PAC)[1] mostram que, em 2015, o Brasil tinha 1,6 milhão de empresas comerciais que geraram R$ 3,1 trilhões de receita operacional líquida e R$ 550,5 bilhões de valor adicionado bruto, e pagaram R$ 206,3 bilhões em salários, retiradas e outras remunerações a 10,3 milhões de trabalhadores. O segmento varejista destaca-se em termos de mão de obra (73%), número de empresas e unidades locais (80%), salários e outras remunerações (62%), e geração de valor adicionado (54%), e ainda responde por cerca de 45% da receita operacional líquida do comércio no Brasil. O comércio por atacado também gera atualmente em torno de 45% da receita, mas possui cerca de 17% da população ocupada e 12% das empresas, pagando pouco mais de 25% das remunerações e gerando 37% do valor adicionado. O comércio de veículos, peças e motocicletas perdeu relevância para os demais recentemente, ficando sua representatividade em torno de 10% do total nas principais variáveis em 2015. Em termos de distribuição geográfica, a região sudeste representou pouco mais de 50% de participação nas principais variáveis do comércio.

A estrutura da oferta no setor de comércio é complexa, em geral com inúmeras pequenas empresas atuando no varejo, tanto em ramos especializados quanto não-especializados, mas também há presença de grandes redes com maior poder de barganha sobre os fornecedores, como também pequenas, médias e grandes redes atuando no atacado. Em relação ao tamanho das empresas, existe uma heterogeneidade entre os segmentos. Por exemplo, as empresas com até 19 pessoas ocupadas em 2015 empregavam quase 60% do pessoal ocupado tanto nos segmentos de comércio de veículos, peças e motocicletas quanto no varejista, enquanto no atacado elas empregaram menos de um terço do total. O que se observa de padrão no atacado e no varejo em relação à faixa de pessoal é que a geração de emprego e a massa de remunerações está avançando menos rapidamente nas firmas menores (com até 19 pessoas ocupadas) do que nas demais. No comércio varejista, este fenômeno é observado também em termos de geração de receita e de valor adicionado.

Existe uma heterogeneidade também em relação às margens de comercialização, que é o resultado obtido pelo esforço de venda, deduzidos os custos de aquisição das mercadorias pelas empresas (Figura 2). Entre 2007 e 2015, houve crescimento da margem em 14 dos 16 segmentos a dois dígitos de classificação[2]. A análise mais detalhada (a quatro dígitos da CNAE) mostra que o comércio de combustíveis e lubrificantes é o que trabalha com a menor margem de todos os segmentos: as médias entre 2007 e 2015 foram de 8,4% no atacado (distribuição) e 16,7% no varejo (postos revendedores). Produtos farmacêuticos, eletrodomésticos e móveis ficam em torno de 60% e o comércio de artigos usados trabalhou na média com margem de 111,9% no período.

Figura 2 – Taxa de margem de comercialização (%) – 2007 – 2015

Elaboração própria com dados da PAC/IBGE.

Em síntese, a adoção de um modelo de crescimento via estímulo ao consumo levou o comércio a ganhar importância relativa no período recente, sendo ele um dos principais elementos a explicar o ganho de relevância do setor de serviços no PIB nas últimas duas décadas. O segmento é um grande demandante de mão de obra, ainda possui uma taxa de informalidade elevada, embora em queda, e uma alta taxa de rotatividade. A estrutura da oferta é heterogênea, as margens de comercialização são bastante distintas entre os segmentos, e observa-se que a geração de emprego e a massa de remunerações está avançando mais rapidamente nas firmas maiores.

Por fim, destaca-se que para as empresas comerciais prestarem seus serviços, elas demandam uma série de outros serviços ofertados por outras empresas e por profissionais autônomos. Em razão da revolução digital, mudanças estão fazendo surgir novas formas de negócios nos segmentos varejistas e atacadistas e ocasionando um aumento da importância relativa do setor dos serviços de valor na estrutura de custos das empresas comerciais. Conforme mostrado em post anterior, o e-commerce, por exemplo, tem crescido significativamente no mundo todo e 90% das transações são entre empresas (B2B). O aumento da relevância de serviços na produção de outros setores vem sendo chamado de “servicização” da economia (Arbache, 2014; European Comission, 2014; OECD, 2014) de modo que explorar de maneira adequada essa relação é estratégia fundamental para o crescimento econômico. Em um próximo post veremos a importância dos serviços como insumo intermediário das atividades comerciais e a heterogeneidade desse consumo entre os principais segmentos.

 

Referências Bibliográficas

ARBACHE, J. Serviços e competitividade industrial no Brasil. Confederação Nacional da Indústria (Org.) . CNI, 2014.

BARBOSA FILHO, F. H.; MOURA, R. L. Evolução recente da informalidade no Brasil: uma análise segundo características da oferta e demanda de trabalho. Texto para Discussão nº 17, IBRE/FGV, 2012.

EICHENGREEN, B., e GUPTA, P. The two waves of service sector growth. NBER. Working Paper, n. 14968, 2009.

EUROPEAN COMMISION. High-Level Group on Business Services – Final Report, 2014.

OECD – Organisation for Economic Co-operation and Development. OECD Perspectives on Global Development 2014: Boosting Productivity to Avoid the Middle Income Trap. Paris, 2014.

RAMOS, L.; FERREIRA, V. Padrões espacial e setorial da evolução da informalidade no Brasil – 1001 – 2003. Texto para Discussão 1099. IPEA, Rio de Janeiro, 2005.

 

[1] Os segmentos empresariais do comércio brasileiro, no âmbito da PAC, são organizados e tabulados em três categorias distintas: a) Comércio de veículos automotores, peças e motocicletas; b)          Comércio por atacado; e comércio varejista.

[2] Exclusive representantes e agentes de comércio.

Varejo online: vendas via dispositivos móveis crescem no Brasil 

Apesar da desaceleração do varejo nos anos de crise, o e-commerce brasileiro continua a dar sinais de que o caminho para o sucesso em vendas é virtual. Mas, para acompanhar o crescimento do setor, é importante que os lojistas também estejam preparados para as novas tendências de consumo.

Entre os recentes movimentos observados no varejo online está a força que o mobile commerce tem ganhado. Com o intuito de demonstrar a evolução da modalidade, que consiste no comércio virtual realizado por meio de dispositivos móveis (smartphones ou tablets), apresentamos o infográfico desenvolvido pelo UmSóLugar, que destaca o share do mercado adquirido nos últimos anos e as categorias líderes em pedidos.

De acordo com dados da 37º edição do Webshoppers, estudo segmentado promovido pela Ebit, os resultados do e-commerce, em geral, continuam animadores. O ano de 2016 foi encerrado com expansão nominal de 7,4% e um faturamento de R$44,4 bilhões, enquanto que, em 2017, o setor fechou o período com números ainda melhores, faturando R$ 47,7 bilhões, ou seja, um crescimento nominal de 7,5%.

Somente no ano passado, o uso de dispositivos móveis para compras online bateu 27,3% de share do mercado virtual. Acompanhando um aumento ininterrupto, observa-se que a média de crescimento anual da modalidade é de 56,7%, ao longo dos últimos cinco anos.


Ainda na primeira metade de 2017, ao menos três categorias sempre listadas entre as top 10 em vendas online como um todo já lideravam os pedidos m-commerce. São ele Moda e acessórios (15%), Casa e decoração (14%) e Saúde, cosméticos e perfumaria (12%).

Para 2018, o relatório prevê que o share em compras por meio de dispositivos móveis possa atingir 37% do número total de pedidos online. Diante dessa realidade, volta à tona a discussão sobre a importância de se oferecer ao público plataformas consistentes com o intuito de qualificar a experiência de consumo, fidelizar os clientes e atrair novos compradores.

O que os últimos resultados do PIB apontam

Na última semana, o IBGE divulgou os resultados mais recentes do Sistema de Contas Nacionais Trimestrais. Como foi bastante noticiado, ao apresentar dois trimestres consecutivos de crescimento positivo, a economia brasileira saiu oficialmente da recessão, depois de dois anos.

Apesar da boa notícia, o crescimento modesto (0,2% em relação ao primeiro trimestre) não foi uniforme. O setor de serviços, responsável por quase 75% do PIB, foi o que registrou maior crescimento trimestral – 0,6% – com destaque para o segmento de comércio (1,9%). Esse resultado foi puxado principalmente pela volta do crescimento do consumo das famílias (1,4%), fruto da queda do desemprego e de uma maior estabilidade do rendimento médio real da população.

Ainda no setor de serviços, outros segmentos além do comércio mostraram crescimento positivo no período, também puxados pelo aumento da demanda interna: Atividades imobiliárias (0,8%); Outros serviços (0,8%); e Transporte, armazenagem e correio (0,6%). Geram preocupação os segmentos de Serviços da informação (-2,0%); o setor público (-0,3%); e Intermediação financeira e seguros (-0,2%). Todos estes segmentos apresentaram queda de atividade com relação ao primeiro trimestre.

Além desses segmentos, preocupam também o crescimento nulo da agropecuária (após um primeiro trimestre atípico) e o resultado negativo da indústria (-0,5%) (após um primeiro trimestre positivo), além da quarta queda consecutiva do investimento (Formação bruta do capital fixo) (-0,7%), o que pode gerar restrições no crescimento futuro.

Em suma, há motivos para acreditar que o pior da crise já passou, mas também não faltam razões para se preocupar. Para além das questões conjunturais, é preciso pensar em meios de tornar a economia brasileira definitivamente mais competitiva e menos sujeita aos “voos de galinha”. Preparar as novas gerações para as habilidades do século XXI e colocar os serviços e os desafios da economia digital no centro dos debates será fundamental para isso.

 

Dois anos de blog

Em julho, completamos nosso segundo ano de blog. Nesse período, registramos 205 posts, de 39 autores, e registramos 130 mil visualizações. Gostaríamos de agradecer a todos que nos seguem, leem, comentam e contribuem para o nosso debate.

Cada vez mais, percebemos a temática da economia de serviços presente em discussões na imprensa, academia e na sociedade, e acreditamos que somos parte disso. Está claro que, ao pensar em saídas para a crise atual e para o desenvolvimento do país no longo prazo, não podemos ignorar o maior setor da economia, responsável por quase três quartos do PIB brasileiro.

Abaixo, segue uma compilação de posts que julgamos ser representativa dessa discussão:

Ainda é cedo para comemorar o fim da recessão

Na última semana, foram divulgados os resultados das contas nacionais trimestrais. Pela primeira vez em quase dois anos e meio, o PIB do primeiro trimestre de 2017 apresentou crescimento em relação ao trimestre imediatamente anterior. Em um cenário de desemprego de 13,6% e de grande turbulência política, o resultado pode e foi (moderadamente) comemorado. Porém um olhar mais atento recomenda bastante cautela nessa celebração.

Primeiro, porque o cenário de grande incerteza política se agravou consideravelmente desde o fim do primeiro trimestre, e isso pode reduzir o teto de crescimento deste ano, seja por conta de uma menor chance de aprovação de reformas e a consequente desconfiança, por parte do mercado, na capacidade de crescimento no longo prazo, seja por conta da provável diminuição no ritmo de queda da taxa básica dos juros.

Segundo, porque o crescimento foi puxado em grande medida por uma safra recorde, que resultou em um crescimento de consideráveis 11,5% do setor agropecuário, melhor resultado do setor desde 1996. O setor de serviços, responsável por cerca de ¾ da economia brasileira, apresentou crescimento modesto (0,2%) no período. Por ser majoritariamente não-comercializável entre fronteiras, o setor é bastante pró-cíclico, e seguiu sentindo os efeitos das quedas do consumo, tanto das famílias (-0,1%) quanto do governo (-0,6%), e da formação bruta de capital fixo (-1,6%). Este último resultado é especialmente preocupante pois é um forte determinante de crescimento futuro.

Terceiro, porque, tanto no acumulado dos últimos quatro trimestres, quanto na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, o resultado segue no campo negativo: -2,3% e -0,4%, respectivamente. Como o lado do consumo segue fraco e parte considerável do crescimento no trimestre se deu por conta de um resultado extraordinário da agropecuária, é recomendável, novamente, ter cautela.

Olhando pelo lado positivo, alguns segmentos de serviços apresentaram crescimento no período, depois de diversos trimestres de queda: transporte, armazenagem e correio (3,1%); serviços de informação (1,9%); outros serviços (0,9%); e atividades imobiliárias (0,2%). Além disso, o setor como um todo, apesar de praticamente não ter crescido, teve, pela primeira vez desde o final de 2014, um resultado não negativo. Soma-se a isso o resultado positivo da indústria no período, de 0,7%, também pela primeira vez desde o último trimestre de 2014.

Em suma, o resultado do PIB no primeiro trimestre de 2017 trouxe algumas notícias positivas, mas ainda é cedo para comemorar o fim da crise. Além disso, ao mesmo tempo que temos que nos preocupar com as questões conjunturais, se certos obstáculos estruturais não forem enfrentados – como a baixa produtividade, em especial no setor de serviços, a baixa complexidade da nossa economia e nossa pequena integração a posições privilegiadas nas cadeias globais de valor –, dificilmente conseguiremos crescer de maneira sustentada nas próximas décadas.

PS: os dados do post e do gráfico abaixo foram atualizados com os resultados do segundo trimestre de 2017 do Sistema de Contas Nacionais.

Boletim de Serviços – Maio de 2017

O Boletim de Serviços de maio de 2017 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços registrou contração de 2% em fevereiro na comparação anual, com destaque negativo para os serviços de valor (-13,5%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses registrou leve aumento, chegando a de 5,5% em março.
  • Após um mês positivo, o setor de serviços voltou a apresentar saldo de empregos negativo, tendo destruído 58 mil vagas em março.
  • As exportações de serviços registraram um aumento de 30% na comparação anual.
  • Comparado a março de 2016, o IED apresentou expressivo aumento de 105%.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

Doença de custos de Baumol no Brasil?

Quase ¾ do corpo humano é composto de H2O. Se a água que ingerimos estiver contaminada, haveria possibilidade de boa saúde? Provavelmente, não. Agora, note que quase ¾ da economia brasileira é composta por serviços, incluindo o comércio, e que os trabalhadores e empresas desse setor são, em geral, pouco produtivos e relativamente caros para padrões internacionais. Haveria possibilidade de boa saúde econômica? Provavelmente, não.

De fato, o setor de serviços brasileiro é composto por uma vastidão de micro e pequenas empresas pouco produtivas e competitivas, voltadas para o consumo final e distanciadas do mundo das novas tecnologias e do crédito (Arbache 2015). As empresas formais do setor têm, em média, apenas 5,3 empregados que recebem salário mínimo ou salários que são majoritariamente influenciados pelo salário mínimo — a correlação entre a remuneração média real nesse segmento e o salário mínimo real é de 70%. Se, de um lado, o setor de serviços ajudou o país a fazer a transição do emprego do campo para a cidade, com elevação da produtividade média, por outro lado, aqueles empregos se concentraram em atividades pouco dinâmicas e de baixo crescimento da produtividade (Timmer et al 2014), o que viria a caracterizar o mercado de trabalho brasileiro.

O setor de serviços mostrou enorme capacidade de geração de empregos desde meados dos anos 2000. Seja em razão das políticas fiscais expansionistas, boom das commodities, expansão do crédito, ampliação dos programas sociais e estímulos ao consumo, o fato é que o setor gerou empregos de forma desproporcional à sua contribuição no PIB. Em vários anos, para cada 100 novos empregos formais gerados, 82 ou mais estavam nos serviços. O que resta saber é se aquela capacidade de gerar empregos era sustentada.

De 2012 a 2016, período que já considera a recessão, foram criadas, de acordo com a PNAD Contínua Trimestral, aproximadamente 5,1 milhões de postos formais e informais de trabalho nos serviços, com aumento praticamente contínuo do estoque. No mesmo período, porém, o CAGED apontou a criação líquida de apenas 700 mil postos de trabalho com carteira assinada. Esse número chegou a quase 2 milhões no 4º trimestre de 2014. Mas, de lá para cá, todos os trimestres registraram destruição de postos formais de trabalho. O setor de serviços seguiu gerando postos de trabalho no período, mas o fez majoritariamente via empregos informais ou precários.

Como explicar essa perda de dinamismo? Claro, as explicações possíveis são muitas, incluindo a própria crise econômica. Mas o descolamento entre produtividade e custos do trabalho deve, no mínimo, ter potencializado aquele movimento de destruição de empregos formais e de precarização. Num setor intensivo em trabalho que combina baixa produtividade com elevado e crescente custo relativo do trabalho — o custo da folha salarial por trabalhador perfaz mais de um terço do valor adicionado médio por trabalhador (Arbache 2015) – aquele descolamento pode ter sido especialmente impactante num contexto de desaceleração econômica. Temos, aqui, um provável quadro de doença de custos de Baumol.

A bem-vinda política de recomposição real do salário mínimo iniciada na década passada combinada com a crescente escassez de trabalhadores observada em fins dos anos 2000 e início dos anos 2010 certamente pressionaram os custos do trabalho no setor de serviços, vulnerabilizando as empresas do setor e, consequentemente, o próprio emprego.

Que solução haveria? O dinamismo e a sustentabilidade do emprego neste que é, de longe, a principal fonte de postos de trabalho do país, requer políticas que elevem a produtividade das empresas e, consequentemente, a produtividade dos trabalhadores. Acesso à tecnologia, acesso a mercados, fomento à competição, acesso a crédito e acesso a treinamento e qualificação são requisitos mínimos básicos para o fortalecimento das empresas do setor e para a criação sustentada de empregos.

Os serviços em 2016

Saíram na última semana os dados do produto interno bruto (PIB) do Brasil de 2016. Os resultados são, sem exagero, catastróficos. A economia brasileira registrou queda de 3,6% no ano, ligeiramente menos pior do que em 2015, quando a variação foi de -3,8%. Em dois anos, o PIB do país encolheu em 7,3%, voltando aos níveis de 2010. Se levado em conta o PIB per capita, mais adequado para medir a riqueza de um país, o cenário é ainda mais preocupante: queda de 9% desde 2013 e volta aos níveis de 2009. Em palavras simples, nos últimos anos, a economia brasileira voltou quase uma década no tempo.

Esse cenário crítico ainda demonstra poucos sinais claros e consistentes de melhora. É provável, porém, que o pior já tenha passado. Como discutido continuamente no blog, o setor de serviços responde por mais de 70% da economia, pelo maior número de empregos formais, está fortemente presente nas cadeias produtivas e, em geral, não é comercializável para além de fronteiras (um serviço de cabeleireiro, por exemplo, não pode ser ofertado a distância). Por todos esses motivos, e pelo fato de seu consumo ser muito sensível à renda e ao desempenho da atividade econômica, os serviços são altamente pró-cíclicos: quando a economia como um todo vai bem, eles vão bem; quando vai mal, eles também vão mal. Logo, o resultado dos serviços nas contas nacionais de 2016 não poderia ser diferente: queda de 2,7% na sua produção, voltando a níveis de 2011.

Com a exceção honrosa das atividades imobiliárias, que apresentaram ligeiro crescimento de 0,2%, todos os demais segmentos do setor de serviços encolheram em 2016 (ver gráfico abaixo). Os segmentos de comércio e de transporte, armazenagem e correios foram os mais afetados pela crise no setor: queda na atividade de 6,3% e 7,1% cada, respectivamente. Mesmo com resultados tão negativos, o setor de serviços como um todo apresentou resultados um pouco melhores (ou menos piores) que os setores da agropecuária (-6,6%) e indústria (-3,8%).

Com as mudanças no perfil de consumo e os avanços tecnológicos em curso, está claro que o crescimento dos países no século XXI dependerá, em grande parte, da capacidade de se produzir bens e serviços com cada vez mais conhecimento e tecnologias “embarcados”. Para isso, é preciso desenvolver um setor de serviços qualificado e mais integrado às cadeias de produção, em especial naquelas nas quais o Brasil apresenta vantagens comparativas estáticas e dinâmicas já reveladas.

É preciso colocar essa agenda como prioridade, ou correremos o risco de seguirmos eternamente suscetíveis aos custosos “voos de galinha”.

Medidas alternativas do tamanho do setor de serviços

Este blog tem discutido diversas métricas — participação no PIB e no emprego total, contribuição para o valor adicionado da indústria manufatureira, destino dos investimentos diretos estrangeiros, entre outras – que comprovam que o setor de serviços se tornou o maior e o mais influente setor da economia. Tem discutido, ainda, que isto estaria ocorrendo não apenas nos países avançados, mas, também, em praticamente todos os países, incluindo até os mais pobres da África Subsaariana.

Mas variáveis menos convencionais também estão apontando evidências naquela mesma direção. Considere o caso das marcas. O mais recente ranking das marcas mais valiosas mostra que bancos, seguros, logística, comércio, entretenimento, sistemas de pagamento, tecnologia e telecom representavam 74% do valor total das 100 marcas mais valiosas do mundo em 2016. Das 10 marcas globais mais valiosas, nove eram dos setores de tecnologia e telecom — Google, Apple, Microsoft, AT&T, Facebook, Visa, Amazon, Verizon e IBM. McDonald’s quebrou a regra. Mas nem sempre foi assim (ver figura abaixo). Em 2006, aquelas mesmas categorias de serviços respondiam por 55% do valor das marcas mais valiosas.

Se, de um lado, marcas dos setores com a “cara” do século XXI estão ganhando relevância, de outro lado, setores convencionais e com a “cara” do século XX estão perdendo relevância. Em 2006, 13 marcas de carros listavam entre as 100 mais valiosas do mundo e respondiam por 11,6% do valor total. Em 2016, apenas seis marcas de carros figuravam dentre as mais valiosas e respondiam por apenas 3,5% do total.

Em 2006, as 100 marcas mais valiosas valiam US$ 1,44 trilhão. Em 2016, elas valiam US$ 3,36 trilhões, um incremento nominal de 132% — para referência, a inflação em dólar no mesmo período foi de 19%. A supervalorização das marcas é reflexo direto da consolidação e da globalização dos mercados e do aumento da parcela dos serviços na composição do valor final dos bens. É, também, um dos sintomas mais visíveis e mensuráveis das mudanças estruturais por que passam as economias em favor dos serviços.

O que explica o avassalador crescimento do valor das marcas de serviços? São muitas as explicações, mas, dentre elas, estão as mudanças nas preferências dos consumidores em favor de serviços, incluindo tecnologia, telecom e entretenimento, o aumento da participação dos serviços no valor adicionado de outros setores, o encurtamento do ciclo de vida das novas tecnologias, que dá elevado poder de monopólio às “superestrelas”, as novas tecnologias de produção e de gestão da produção, como as cadeias globais de valor, que aumentam a importância de serviços como seguros e logística, a ascensão da economia de plataformas e o caráter cada vez mais comercializável internacionalmente dos serviços. Esses fatores ajudam a garantir o crescimento e consolidar a posição dos serviços na economia mundial.

Ter marcas influentes e valiosas reflete a posição dos países na “cadeia alimentar” e sugere a conformação da estrutura das economias e as perspectivas de crescimento econômico. A China, que está passando por intensa reestruturação em favor de bens e serviços de mais alto valor adicionado e se lançando como competidor global em vários segmentos, já está se estabelecendo como país de marcas globais. Tencent, China Mobile, Alibaba, ICBC, Baidu, CRB e Huawei são algumas das suas marcas mais conhecidas. Hoje, a China já tem quase duas dezenas de marcas dentre as mais valiosas e domina largamente o ranking de marcas da Ásia.

Já o Brasil, ainda não se deu conta da importância e contribuição das marcas como instrumento de geração de emprego e renda e de inserção internacional “pela porta da frente”. Experiência, temos – pense nas sandálias Havaianas. A despeito de sermos, de longe, a maior economia da América Latina, o México tem marcas muito mais valiosas que as nossas. Potencial não falta. O Brasil poderia trabalhar para construir marcas globais em áreas como, por exemplo, cafés, rede de cafés, alimentos processados, alimentos com base em proteínas, moda praia, design, projetos de engenharia, dentre outras áreas em que já temos vantagem comparativa estática e dinâmica revelada. Enfim, precisamos de mais, muitas mais “Havaianas”.

 

Participação nas 100 marcas globais mais valiosas, por categoria (%)

Boletim de Serviços – Fevereiro de 2017

O Boletim de Serviços de fevereiro de 2017 está disponível, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • Em novembro, a receita nominal do setor de serviços registrou variação positiva de 8,29% no acúmulo anual, enquanto o volume de atividades contraiu 7,64%.
  • A inflação acumulada em 12 meses do setor de serviços foi de 7,03% em 2016.
  • O setor de serviços fechou mais de um milhão de postos de trabalho em 2016, contribuindo com 74% do total de vagas fechadas no país.
  • O déficit da balança de serviços foi de US$ 30 bilhões no acumulado no ano
  • O IDE em serviços contabilizou melhora de 10% e comparação com dezembro de 2015.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

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