Este mês o Google anunciou um novo serviço de carona na Califórnia, chamado Waze Carpool. O aplicativo Waze, comprado pelo Google por US$ 1,5 bilhões em 2013, possui hoje mais de 50 milhões de usuários em todo mundo conectados diariamente em busca da melhor rota para fugir de engarrafamentos e demais problemas do trânsito. Uma mistura de rede social com um sistema de navegação via GPS, o Waze utiliza informações providas pelos próprios usuários para definir a melhor rota de um ponto a outro.
O novo serviço funciona da seguinte forma: passageiros devem fazer o download de um novo aplicativo, o Waze Rider. Pelo aplicativo, os passageiros procuram pelo motorista mais próximo que já está planejando dirigir pela mesma rota do passageiro para ir ao trabalho. Os motoristas, por sua vez, recebem pedidos de carona no próprio aplicativo Waze. O serviço faz a correspondência entre motoristas e passageiros com rotas praticamente idênticas, baseados nos seus endereços residenciais e de trabalho, cadastrados previamente em uma base de dados.
Disponível inicialmente apenas na região do Vale do Silício, o objetivo do serviço é permitir que os trabalhadores da região encontrem mais facilmente caronas de ida e volta de casa ao trabalho, uma maneira de incentivar caronas solidárias e viagens compartilhadas. Além de oferecer mais uma alternativa de transporte a custos relativamente baixos, a medida também ajuda a reduzir engarrafamentos e a poluição. Pesquisas na região mostraram que, durante os horários de pico, 70% dos veículos trafegam apenas com o motorista.
Um sistema automático de transferência de recursos, embarcado no aplicativo, transfere o dinheiro referente ao combustível de passageiros para o motorista por meio de um cartão de crédito cadastrado, a exemplo de outros aplicativos de carona e transporte privado. O valor atual é de US$ 0,54 por milha percorrida (cerca de R$ 3,10 por km), valor sugerido pelo Internal Revenue Service (IRS), uma agência americana com funções similares às da Receita Federal no Brasil. Esta é a grande diferença do Waze Carpool para os demais aplicativos de transporte como Uber: os recursos repassados ao motorista são suficientes apenas para cobrir os custos com combustível. Ele não consegue fazer deste serviço seu meio de ganhar a vida. Não há margem de lucro para o motorista. Ele não pode pegar passageiros que vão para outro lugar diferente do endereço de trabalho cadastrado. Além disso, as corridas estão limitadas a duas por dia: uma para ir, outra para voltar do trabalho.
Por mais que o novo serviço seja diferente de um serviço de táxi, uma vez que não tem por objetivo contratar motoristas para o transporte de passageiros, ele pode gerar competição com táxis e com o Uber, por fornecer uma alternativa de baixo custo, ou por servir como opção para aqueles que preferem socializar com colegas de trabalho da mesma empresa durante o trajeto casa-trabalho. Portanto, é natural se esperar que o novo serviço sofra algum tipo de tentativa de censura e repressão, assim como enfrenta o Uber na maioria das praças em que o serviço é lançado.
O rápido crescimento dos serviços de corrida compartilhada por aplicativos tem forçado mudanças fundamentais em um setor antigo e tradicionalmente protegido da competição pela regulação. O que se observa são batalhas entre atores que seguem um mesmo padrão: uma empresa startup entrega um novo serviço criativo e inovador que nasce quebrando regras antigas e segue ignorando estas mesmas regras até obter uma grande massa crítica de clientes satisfeitos. Os prestadores do antigo serviço, desacostumados com um ambiente de competição, passam a pressionar os formadores de opinião e reguladores para tentar encerrar os novos serviços inovadores. As empresas inovadoras e seus clientes satisfeitos contra-atacam, criticando os reguladores. Este ciclo se repete até que se chegue a um consenso, uma solução regulatória que, usualmente, não é um Ótimo de Pareto.
Na visão tradicional de modelo regulatório, normalmente utilizada pelo governo na regulação do mercado privado, a autorização prévia ou licença para prestação do serviço é utilizada como ferramenta básica. Assim funciona, por exemplo, com as licenças emitidas pela ANATEL quando um provedor quer começar a prestar um serviço de internet em banda larga e precisa de uma licença de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) para iniciar suas operações. A abordagem da regulação é impor o controle prévio dos atores por meio da imposição de altas barreiras de entrada.
Entretanto, para os novos serviços de tecnologia prestados sobre plataformas de comunicação e sobre a internet, este modelo não funciona. A maioria desses serviços não teria o sucesso que têm hoje se tivessem de pedir permissão para iniciar suas operações. Suas ideias simplesmente não teriam sido colocadas à prova. Na verdade, umas das principais inovações trazidas por estas plataformas é justamente a capacidade de se autorregularem, adaptativamente e em escala. A partir da grande quantidade de dados em tempo real disponíveis, os próprios provedores do serviço passam a fazer sua regulação. Esta realidade já é observada hoje pelo Uber. Por meio de um sistema que analisa uma grande quantidade de informação (as avaliações dos usuários finais do serviço), o Uber regula sua relação com seus motoristas, utilizando as informações disponibilizadas pelos usuários para forçar um padrão de atendimento e de comportamento aceitável. Esse processo se repete para grande maioria dos novos serviços solicitados por meio de aplicativos.
Nesse sentido, a pergunta que se faz é como implementar a regulação destes novos serviços? A questão, ainda sem resposta definitiva, nos traz também uma certeza: não será utilizando o modelo ultrapassado de barreiras de entrada criado no século passado. Os processos e modelos regulatórios devem ser transformados para adotar a ampla quantidade de dados disponíveis hoje, num modelo similar ao utilizado pelas empresas de inovação para regular seus parceiros.
O novo modelo deve oferecer um trade-off entre as partes, propondo uma relação “ganha-ganha” entre regulados e reguladores: por um lado, ele deve oferecer menores barreiras de entrada a empresas que queiram ingressar no mercado por meio da inovação, garantindo uma maior liberdade de operação para startups. Por outro, deve prever uma relação de maior cooperação dos regulados para com os reguladores, com mais transparência e, principalmente, com acordos de compartilhamento de informações com o poder público em caso de problemas específicos, como uma grande concentração de reclamações dos usuários ou em casos de crimes e infrações às leis nacionais.
Enquanto não houver consenso sobre as premissas acima entre as partes interessadas, vamos continuar tentando regular serviços inovadores da mesma forma que se iniciou a regulação de serviços de infraestrutura básica como energia elétrica, água e esgoto. As propostas de regulamentação dos serviços de transporte por aplicativo atualmente se baseiam, quase que majoritariamente, na cobrança de uma licença anual e um valor por quilômetro rodado. A proposta resolve apenas em parte o problema, pois acaba com o argumento de ilegalidade que paira atualmente sobre o Uber. Porém, certamente não é uma solução ideal, pois faz da barreira à entrada o ponto principal da regulamentação. Um serviço de carona solidária como o Waze Carpool, que propõe apenas um compartilhamento de custos entre os usuários dos serviços, poderia não resistir a uma cobrança destas, proposta por este modelo de regulação. Neste caso, estaríamos diante do cenário mais temerário a respeito deste tema: ao invés de termos um serviço inovador atuando às margens da lei, estaríamos diante de uma regulação anacrônica que inibe e atrapalha a inovação e a criação de novos serviços tecnológicos.
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