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Serviços, automação e polarização no mercado de trabalho

Em post anterior, falamos sobre as mudanças impostas pelas transformações tecnológicas ao mercado de trabalho, impulsionando a demanda por trabalhadores mais qualificados e a redução do emprego em funções que podem ser automatizadas. Por outro lado, naquele momento não abordamos as possíveis consequência para os trabalhadores menos qualificados.

Em um primeiro momento, muitos diriam que a automação levaria a uma substituição quase imediata de trabalhadores que exercem funções de baixa complexidade. No entanto, a experiência recente tem mostrado que as transformações no emprego diante do uso de tecnologias são ainda mais complexas do que isso. Se, por um lado, o avanço tecnológico tem contribuído para o aumento da ocupação em funções que exigem trabalhadores cada vez mais habilidosos, por outro, observa-se que, simultaneamente, tem aumentado a participação do emprego em atividades que exigem baixa habilidade (que geralmente envolvem habilidades manuais e não podem ser executadas por máquinas). Esse fenômeno tem sido chamado de polarização do mercado de trabalho.

Estudos para economias mais desenvolvidas como Estados Unidos[1] e Reino Unido[2] verificaram um aumento do emprego em profissões que compreendem tarefas de menor habilidade (associadas à execução de tarefas menos complexas) desde os anos 1980.  Em outras palavras, esses países apresentam um fenômeno de polarização do emprego em que tanto as atividades de baixa complexidade quanto as de alta complexidade cresceram em participação no emprego total nos últimos anos.

O gráfico abaixo ilustra o fenômeno de polarização identificado para os Estados Unidos e apresenta evidências preliminares de que algo similar tem ocorrido no mercado de trabalho brasileiro. Os dados mostram a variação (em pontos percentuais – p.p.) na participação no emprego total de cada percentil de salário para os dois países, com base em dados de pesquisas censitárias. A hipótese central é de que o percentil de salário capta não apenas a remuneração pelo nível educacional como também a valoração do grau de complexidade das tarefas desempenhadas pelos empregados em uma determinada função[3].

A figura deixa claro que há um aumento no emprego nos dois extremos de grau de habilidade das ocupações no Brasil entre 2000 e 2010. Assim, são registradas variações positivas na participação das ocupações de menor nível de habilidade (classificadas até o 13º percentil) e das ocupações de maior nível de habilidade (acima do 55º percentil) no emprego total, enquanto as ocupações classificadas entre os percentis 14º e 54º registraram uma variação negativa. Mais ainda, a sobreposição da curva calculada para os Estados Unidos por Autor e Dorn (2013) enfatiza a similaridade entre os casos brasileiro e americano. Embora as curvas tratem de períodos distintos, o fenômeno em si é o mesmo: a ocupação caiu primordialmente em ocupações consideradas de média habilidade nos dois países.

GRÁFICO – Variação do emprego por percentil de salário (Em p.p.)*

Fonte: Censo/IBGE e Autor e Dorn (2013). Cálculos da autora.

Mas, afinal, quais são essas ocupações de baixa e de alta habilidade que lideram o fenômeno da polarização? Basicamente, o aumento da demanda por trabalhadores altamente habilidosos vem ocorrendo em ocupações associadas ao manuseio de tecnologias de ponta, como programadores, engenheiros e cientistas da computação. Por outro lado, o aumento do emprego de baixa habilidade ocorre, primordialmente, entre ocupações associadas a serviços, tais como atendentes, pedreiros, cabelereiros, cuidadores, motoristas, entres outras ocupações ligadas a prestação de serviços pessoais, cuja função ainda não pode ser facilmente substituída por máquinas, embora demandem baixa qualificação do trabalhador.

Nesse sentido, ao que tudo indica, o setor de serviços, mais uma vez, tem uma papel decisivo na definição da estrutura produtiva e, em particular, do padrão de emprego.

Sobre isso, o próximo gráfico desagrega os dados por setor de atividade, permitindo identificar como a variação do emprego na indústria de transformação, na agropecuária e no setor de comércio e serviços contribuiu para o processo de polarização estimado anteriormente. Ao se observar as ocupações de menor habilidade (até o 15º percentil) e as ocupações classificadas acima do 85º percentil, o setor de comércio e serviços é o principal responsável pela expansão do emprego nesses grupos de ocupações. Em outras palavras, mais uma vez evidencia-se a alta heterogeneidade dos serviços: neste caso, vemos a capacidade de esse setor ser capaz de alterar a dinâmica do emprego nos dois extremos de grau de habilidade demandados dos trabalhadores.

GRÁFICO – Decomposição da variação do emprego por atividade econômica entre 2000 e 2010* (Em p.p.)

Fonte: Censo/IBGE. Cálculos da autora.

Diante desse cenário, o setor de serviços aparenta ser o ponto crítico para explicar a polarização. Enquanto a indústria e a agropecuária perderam espaço na economia nas últimas décadas, os serviços se expandiram tanto em atividades que demandam mão de obra de baixa qualificação (como serviços pessoais), quanto em atividades que contratam empregados altamente qualificados (como os serviços empresariais associados ao desenvolvimento de tecnologias e soluções para empresas).

A compreensão desse fenômeno e, especialmente, da alocação de trabalhadores mais qualificados nesse contexto representa um aspecto relevante para o debate sobre as mudanças tecnológicas e seu impacto sobre o mercado de trabalho no futuro.

*Notas metodológicas sobre a elaboração dos gráficos:

  1. As ocupações foram ordenadas pelo log do salário médio em 2000. Foram excluídas observações de pessoas que reportaram renda do trabalho principal inferior a R$ 200.
  2. Para os dados americanos, Autor e Dorn (2013) ordenaram as profissões com base no log do salário médio de 1980. Além disso, os autores excluem ocupações associadas ao setor agropecuário.
  3. A estimação do gráfico baseou-se na mudança suavizada no emprego para cada período, utilizando regressão local ponderada, seguindo a mesma estratégia utilizada para o cálculo da curva de polarização americana de Autor e Dorn (2013).

Para mais detalhes sobre a metodologia, ver o texto original sobre o tema publicado em Machado (2017).[4]

Referências

[1] AUTOR, D.; KATZ, L.; KEARNEY, M. The polarization of the U.S. Labor Market. The American Economic Review, v. 96, n. 2, p. 189-194, 2006.

[2]GOOS, M.; MANNING, A.; SALOMONS, A. Job polarization in Europe. The American Economic Review, v. 99, n. 2, p. 58-63, 2009.

[3]A estratégia para a construção dos gráficos de polarização é similar à adotada por Autor e Dorn (2013) em AUTOR, D.; DORN, D. The growth of low-skill service jobs and the polarization of the US Labor Market. American Economic Review, v. 103, n. 5, p. 1553-1597, 2013.

[4]MACHADO, A. Existe polarização no mercado de trabalho brasileiro? RADAR: Tecnologia, Produção e Comércio Exterior, v. 53, p. 13-17, 2017.

Boletim de Serviços – Fevereiro de 2018

O Boletim de Serviços de fevereiro de 2018 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços apresentou crescimento de 0,9% em dezembro de 2017 na comparação anual, com destaque positivo para os serviços tradicionais (4,4%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses apresentou queda no mês mas seguiu alta, em 5,1% em janeiro de 2018, consideravelmente acima do IPCA geral (2,9%).
  • O setor de serviços apresentou resultado negativo na geração líquida de emprego, tendo destruído 176,7 mil novas vagas em dezembro, com destaque negativo para os serviços de custo (170,3 mil vagas criadas).
  • A balança de serviços seguiu apresentando déficit no mês de janeiro, de US$ 3,3 bi.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

Boletim de Serviços – Janeiro de 2018

O Boletim de Serviços de janeiro de 2018 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • A receita nominal do setor de serviços registrou contração de 4,1% em outubro, enquanto o volume de atividades contraiu 1,5%, na comparação anual
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses foi de 5,8% em novembro
  • O emprego no setor de serviços apresentou saldo positivo, com a criação de mais de 38 mil vagas, principalmente no setor de serviços tradicionais
  • As exportações de serviços registraram um aumento de 3,3% na comparação anual, enquanto as importações cresceram 13,3%
  • O IDE em serviços apresentou variação positiva de 17,7% na comparação anual

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

Boletim de Serviços – Novembro de 2017

O Boletim de Serviços de novembro de 2017 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços registrou queda de 2,7% em setembro na comparação anual, com destaque positivo para os serviços tradicionais (10,0%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses seguiu alta, em 5,7% em outubro, consideravelmente acima do IPCA geral (2,7%).
  • O setor de serviços seguiu apresentando resultado positivo na geração líquida de emprego, tendo criado 47,2 mil novas vagas em outubro, com destaque para os serviços de custo (44,4 mil vagas criadas).
  • A balança de serviços seguiu apresentando déficit no mês de outubro, de US$ 2,7 bi.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

Como se dá a relação entre emprego e produto nos segmentos de serviços?

O gráfico 1 mostra indicadores de valor adicionado por trabalhador, emprego e produto em segmentos do setor de serviços no período 1950-2011. Observam-se, grosso modo, dois grupos. Um primeiro composto pelos segmentos de comércio, hotéis e restaurantes e serviços pessoais, sociais e comunitários. Um segundo grupo é composto por serviços financeiros, de seguros, imobiliários e profissionais e por serviços de transportes, armazenagem e comunicação. O primeiro grupo refere-se, basicamente, a serviços de consumo. O segundo, a serviços voltados para a produção na forma de insumos.

O primeiro grupo responde por 67% do emprego, mas por apenas 46% do produto do setor de serviços. Já o segundo grupo responde por 33% do emprego, mas por 54% produto setorial. Consequentemente, a produtividade do trabalho no primeiro grupo é substancialmente menor que a do segundo – no segmento de serviços pessoais, sociais e comunitários, por exemplo, a produtividade é cerca de 4 e 6 vezes menor que nos segmentos de transportes, armazenagem e comunicação e serviços financeiros, de seguros, imobiliários e profissionais, respectivamente.

Na medida que os segmentos do grupo 1 são predominantes no emprego total do setor de serviços e que este é o setor que, de longe, mais tem criado empregos no país, então, tudo o mais constante, a economia estaria condenada a conviver com empregos de baixa qualidade.

Fonte: cálculos do autor a partir de dados do Groningen Growth and Development Center

O gráfico 2 mostra a elasticidade-emprego do produto nos segmentos do setor de serviços. Observa-se que as elasticidades são mais elevadas nos segmentos do grupo 1. Para cada 1% de aumento no produto no segmento de comércio, hotéis e restaurantes o emprego cresce 1,126%. Já no segmento de transportes, armazenagem e comunicação, o aumento de 1% no produto implica em aumento de 0,535% no emprego.

O crescimento desproporcionalmente elevado do emprego se explica pela natureza dos empreendimentos do segmento de comércio, hotéis e restaurantes, que é composto, predominantemente, por pequenos negócios pouco capitalizados, de baixa produtividade e que fazem pouco uso de tecnologias. Já no caso do crescimento desproporcionalmente baixo do emprego no segmento de transportes, armazenagem e comunicação, a causa também se assenta nas características das empresas.

Nos segmentos de serviços pessoais, sociais e comunitários e serviços financeiros, de seguros, imobiliários e profissionais, a elasticidade é praticamente unitária. Porém, estimações para o período de 1990 a 2011 mostram queda da elasticidade-emprego do produto nos serviços financeiros, de seguros, imobiliários e profissionais para 0,857%, enquanto que nos serviços pessoais, sociais e comunitários a elasticidade permaneceu basicamente unitária.

Fonte: cálculos do autor a partir de dados do Groningen Growth and Development Center

Os números acima das relações entre emprego e produto no setor de serviços têm implicações econômicas e sociais importantes. Do lado econômico, uma implicação é que a produtividade agregada do trabalho tende a permanecer em patamares relativamente baixos e crescendo pouco. Do lado social, uma implicação é que os salários reais tendem a crescer lentamente.

Para romper essa “armadilha”, será preciso desenhar e implementar políticas públicas e privadas que aumentem a produtividade e a competividade do setor de serviços, notadamente a dos segmentos de consumo.

Nota técnica: cálculos do autor. Dados do Gronigen Growth and Development Center. Todos os coeficientes são estatisticamente significativos a 1%. Classificação setorial conforme ISI Rev. 3.1. Dados monetários em valor constante de 2005. Serviços governamentais e de utilidades públicas foram excluídos da análise. Dados anuais de 1950 a 2011. Produto é o valor adicionado.

Boletim de Serviços – Outubro de 2017

O Boletim de Serviços de outubro de 2017 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços registrou queda de 3,0% em agosto na comparação anual, com destaque positivo para os serviços tradicionais (3,0%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses seguiu alta, mantendo-se em 5,3% em setembro, consideravelmente acima do IPCA geral (2,5%).
  • O setor de serviços seguiu apresentando resultado positivo na geração líquida de emprego, tendo gerado 17,1 mil novas vagas em setembro, com destaque para os traditional services da classificação da OCDE (23,3 mil vagas criadas).
  • A balança de serviços seguiu apresentando déficit no mês de junho, de US$ 2,9 bi.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

Serviços, emprego e produto

A figura 1 mostra a taxa instantânea de crescimento anual do emprego setorial no período 1990-2011. Com 1,36%, os serviços são a principal fonte de geração de empregos no Brasil. A manufatura, que vem logo depois, tem taxa quase duas vezes menor, de 0,71%. Com isto, o setor de serviços tende a ter participação cada vez mais predominante no estoque de emprego. Em 2016, o setor já respondia por mais de três quartos do emprego total, nível comparável apenas ao de países avançados.

Quais são as razões de tamanho “sucesso”? São várias, mas a principal é a elevadíssima elasticidade-emprego do produto, qual seja, a sensibilidade do emprego setorial com relação à variação da atividade econômica do setor.

A figura 2 mostra as elasticidades setoriais. O aumento de 1% do produto no setor de serviços implica num aumento de 1,12% no emprego. Na manufatura, essa taxa é de 0,54%. Tudo o mais constante, o crescimento econômico leva a um aumento desproporcionalmente elevado do emprego nos serviços, enquanto que nos demais setores a variação do emprego é desproporcionalmente baixa – na agricultura, a variação chega a ser negativa, o que, obviamente, está associado à forte adoção de tecnologia. A consequência é que o setor de serviços está se tornando largamente predominante no mercado de trabalho, para o bem e para o mal.

O que explica o diferencial de elasticidades setoriais? São muitas as causas, mas a principal são as características das empresas. Diferentemente dos demais setores, micro  empresas, empresas de baixa relação de capital por trabalhador e de baixa adoção tecnológica e empresas de baixa e baixíssima produtividade (Arbache 2015) predominam no setor de serviços

Se, por um lado, o setor de serviços cumpre a bem-vinda tarefa social de criar muitos postos de trabalho, por outro lado, esse benefício vem com custos não negligenciáveis, já que muitos desses empregos são bastante vulneráveis. Ali, assim como empregos são criados aos montes, eles também são destruídos aos montes. E isto acontece sobretudo porque as próprias empresas de serviços são relativamente mais vulneráveis ao ciclo econômico do que as empresas dos outros setores.

De fato, a maior parte dos empregos criados no período de rápida queda do desemprego (2005-2013) teve origem no setor de serviços. Mas a maior fonte de desemprego no período de recessão (2014-presente) também teve origem nos serviços. Para detalhes, veja o Boletim de Serviços deste blog.

Para além da baixa qualidade do emprego, a baixa produtividade do setor também preocupa em razão dos seus efeitos no nível e nas perspectivas de aumentos salariais – se a produtividade não cresce, não há porque esperar aumentos salariais reais dos trabalhadores do setor.

Na medida que os serviços já são o maior componente da cesta de consumo das famílias e das matrizes de custos de produção das empresas industriais (Arbache 2016; Arbache, Rouzet e Spinelli 2016), então este imenso setor de baixa produtividade “intoxica” a economia e compromete o custo de vida, o bem-estar das famílias e a competitividade das empresas.

O eventual (e necessário) aumento da eficiência e da produtividade do setor de serviços terá, provavelmente, efeitos negativos de curto prazo na geração de empregos. A commoditização digital também deverá contribuir para reduzir a elasticidade emprego do produto no setor. No médio prazo, porém, é provável que os efeitos da maior eficiência e produtividade do setor de serviços sejam desproporcionalmente positivos para a economia, especialmente em razão dos seus impactos na competitividade e no bem-estar.

 

Nota técnica: estimações do autor. Dados do Groningen Growth and Development Center. Foram excluídos dos cálculos os serviços governamentais, construção civil e utilidades públicas.

Boletim de Serviços – Setembro de 2017

O Boletim de Serviços de setembro de 2017 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços registrou queda de 2,8% em julho na comparação anual, com destaque positivo para os serviços tradicionais (3,5%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses seguiu alta, chegando a 5,4% em agosto, consideravelmente acima do IPCA geral (2,5%).
  • O setor de serviços foi o que apresentou o resultado mais positivo na geração líquida de emprego em julho, tendo criado 15,1 mil novas vagas, com destaque para os serviços para empresas (14,5 mil vagas criadas).
  • A balança de serviços seguiu apresentando déficit no mês de junho, de US$ 3,0 bi.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

Ainda haverá emprego no futuro?

Muito tem se discutido sobre o futuro do trabalho (e do emprego) com a ascensão de tecnologias, como a Inteligência Artificial e a automação, que seriam poupadoras de mão de obra, além do crescimento da importância da chamada “gig economy”, ou “economia de bicos”, muito por conta do surgimento de aplicativos como Uber e AirBnb que possibilitam o aproveitamento de ativos e mão de obra subutilizados. No Brasil, somam-se a isso o processo de flexibilização do mercado de trabalho e a quase universalização da terceirização por meio da Lei 13.429/2017.

Todos esses movimentos apontariam para um futuro no qual poucas pessoas teriam uma ocupação e menos pessoas ainda teriam um emprego formal. Disso, surgem várias discussões sobre formas de atenuar os impactos sociais de tamanha transformação. Entre as soluções sugeridas estão a introdução da renda básica universal e a taxação do uso de robôs, defendida por figuras como Bill Gates.

Há, por outro lado, especialistas que defendem que, assim como o emprego não acabou (pelo contrário) com a introdução de tecnologias disruptivas como a máquina a vapor e a eletricidade no passado, ele também não acabará com o aumento da automação dos processos produtivos. Em um interessante Ted (ver abaixo), o economista David Autor, do MIT, apresenta um dado impressionante: desde a introdução do caixa eletrônico (ATM), há quase 50 anos, o número de caixas humanos praticamente dobrou nos EUA.

Para Autor, dois simples fatos garantiriam o futuro do emprego no mundo: a criatividade e a insaciabilidade humanas. Sobre o primeiro fato, ainda utilizando o exemplo dos ATMs, em um primeiro momento, o número de caixas (humanos) por agência bancária nos EUA caiu em um terço. Porém, como ficou mais barato manter agências, o número delas aumentou em 40% no curto prazo. Como resultado, o número de agências e de caixas humanos aumentou. A única diferença foi que esses caixas passaram a fazer trabalhos diferentes, focando mais na venda de serviços e no relacionamento do cliente do que nas atividades repetitivas que poderiam ser feitas pelos ATMs. Na leitura de Autor, à medida que as tarefas repetitivas vão sendo automatizadas, o papel daquelas tarefas menos automatizáveis, ligadas à criatividade, à resolução de problemas e às habilidades inerentemente humanas, tornam-se ainda mais relevantes, por serem os “elos fracos” da cadeia (pois estão mais sujeitas a erros).

Esse primeiro fato garantiria que haverá alguns empregos no futuro. O segundo fato, o da insaciabilidade humana, garantiria que ainda haverá muitos empregos no futuro. Muitos dos produtos e serviços nos quais gastamos nosso dinheiro nos dias de hoje não existiam ou eram muito caros há poucas décadas (em alguns casos, até poucos anos): smartphones, computadores, ar condicionado, turismo de aventura, etc. Ao poupar tempo, a automação abre espaço para a criação de novos produtos e serviços, que, por mais que muitos deles pareçam frívolos, a maior parte das pessoas deseja obtê-los. Segundo dados apresentados por Autor, um trabalhador médio americano ganha três vezes mais do que há um século, mas ainda assim não se sente saciado.

Por mais otimista que seja essa visão, ela parece ser insuficiente para o contexto brasileiro e de outros países em desenvolvimento. Em primeiro lugar, a maior parte das tecnologias que possibilitam a automatização é criada em países desenvolvidos. Se é verdade que a maior parte do emprego será em áreas que exigem criatividade e capacidade de resolução de problemas e boa parte dos empregos brasileiros estão em atividades com possibilidade de automação, será que conseguiremos migrar para essa nova economia?

Como já discutido aqui no blog com relação às novas tecnologias, a maior parte do valor não está no uso delas, mas sim na sua criação e controle. Como podemos fugir das armadilhas da commoditização digital? Estudo da McKinsey aponta que cerca de 50% dos empregos brasileiros têm potencial de serem automatizados no futuro. Por ser um problema novo, não há resposta certa para isso, mas esse deveria ser o centro das discussões sobre a competitividade da economia brasileira nos próximos anos.

De onde virão os empregos?

Uma das perguntas mais relevantes deste início de século XXI é: de onde virão os empregos?

A pergunta é mais que pertinente em razão da commoditização digital, que está fazendo com que bens de capital e tecnologias super-sofisticados, como robôs e impressoras 3D, inteligência artificial, internet das coisas, computadores e softwares avançados e até aplicativos disponíveis na Internet experimentem queda de preço e popularização jamais registrados.

Mudanças nos modelos de negócios dos produtores e desenvolvedores desses bens de produção tangíveis e intangíveis, que passaram a mirar o efeito-rede e o efeito-plataforma, e crescimento dos serviços na composição do valor agregado, estão entre as causas primárias daquela popularização. A tendência é que a commoditização digital siga avançando a passos ainda mais largos ao longo dos próximos anos.

Essa mudança é transformadora para o emprego por várias perspectivas. Neste post, tratamos de uma delas: o desenvolvimento econômico.

Um dos atrativos dos países em desenvolvimento para investidores é o custo relativamente baixo da força de trabalho. No entanto, a combinação de commoditização digital com mudanças nas preferências dos consumidores, que exigem cada vez mais bens e serviços customizados e de fornecimento (quase) instantâneo, entre outros fatores, estão desafiando a capacidade daqueles países de competir por investimentos estrangeiros, mesmo que para produzir bens relativamente simples, como têxteis e calçados.

Considere o caso das camisetas esportivas. A Adidas passará a produzir nada menos que 800 mil camisetas por dia numa nova planta industrial a partir do emprego de robôs, impressoras 3D e computadores. Vinte e dois segundos será o tempo de produção de cada camiseta. Detalhe: a planta fabril será em Little Rock, Arkansas. Com a automação, o custo da força de trabalho por camiseta será de 33 centavos de dólar (trinta e três!). Serão criados um total de 400 empregos naquela que será a maior planta de camisetas esportivas do mundo.

A produção de outros itens simples também está voltando para “casa”. A Adidas decidiu iniciar produção de calçados esportivos na cidade bávara de Ansbach e em Atlanta a partir da instalação de fábricas também supersofisticadas e automatizadas. A Nike não está atrás e também já decidiu produzir calçados esportivos nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos onde estão os seus principais mercados.

Hoje, fábricas da Adidas, Nike, Zara e outras tantas marcas globais estão concentradas em países como Vietnam, Tailândia, Laos, Indonésia, El Salvador e outros países em desenvolvimento. A produção responde por parcela importante do emprego formal, receitas tributárias e exportações daqueles países. Em El Salvador, por exemplo, os têxteis representam nada menos que 45% do total das exportações.

Mas é muito provável que esse cenário se altere significativamente nos próximos anos.

De fato, estamos presenciando uma profunda transformação da geografia da produção que terá efeitos sem precedentes para os países em desenvolvimento. Força de trabalho e mesmo incentivos fiscais e subsídios muitas vezes oferecidos para atrair investidores estão perdendo relevância em favor de novas tecnologias de produção e de gestão da produção e proximidade dos mercados consumidores. De outra forma, fatores de custo estão definitivamente perdendo espaço para tecnologias.

De onde, então, virão os empregos? Virão, majoritariamente, do desenvolvimento, distribuição e gerenciamento de plataformas digitais, inovações, tecnologias, design, marcas e outros fatores intangíveis e da gestão de cadeias de valor. Milhões de empregos já estão sendo criados nessas áreas em países como Estados Unidos e Alemanha e até na China, que entendeu a transformação em curso e nela se engajou de corpo e alma. Não é propriamente no chão de fábrica, mas no “entorno” dela que estará a criação de empregos.

E os países em desenvolvimento? É muito provável que eles se defrontem com desafios jamais vistos para criar empregos. Agendas de custos baixos já não serão suficientes. Capital humano, ambiente de negócios, fomento ao empreendedorismo e maior acesso a commodities digitais serão parte da solução, mas também não serão suficientes.

A esta altura, soluções muito mais complexas e sofisticadas terão que ser exploradas, como a industrialização das vantagens comparativas, e políticas que promovam leapfrogging. Isto exigirá enorme capacidade de elaboração e implementação de políticas.

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