Economia de Serviços

um espaço para debate

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A contribuição do setor de serviços para o aumento da competitividade industrial

Por Adilson Giovanini e Marcelo Arend

Seguindo Adam Smith (1983), Kaldor (1966) mostra que o aumento na demanda por produtos industriais resulta em maior divisão do trabalho. Esta, por sua vez, permite a maior especialização dos trabalhadores e a obtenção de ganhos de produtividade. Assim, o crescimento do setor industrial resulta no aumento da produtividade deste setor e em crescimento econômico. Com base nestas evidências, Kaldor defende a realização de políticas de aumento da demanda industrial como instrumento capaz de promover o crescimento econômico.

A partir da década de 1980, com a emergência das novas tecnologias ancoradas no novo paradigma tecno-econômico, a importância da indústria como proporção do PIB diminuiu na geração de emprego e renda, sobretudo nas economias avançadas. Mudanças tecnológicas, institucionais e geográficas transformaram o setor de serviços para níveis de complexidade econômica crescentes, tornando sua relação com o setor industrial moderno muito mais dinâmica do que no antigo padrão fordista de produção.

Este post explora esta contradição. Um modelo VAR em painel é estimado para verificar se o aumento da participação do setor de serviços no PIB resulta em aumento na produtividade do setor industrial. Os dados de produtividade industrial e participação do setor de serviços no PIB foram obtidos no Groningen Growth and Development Centre (GGDC) e o estoque de capital é extraído do Penn World Table. A amostra é composta por dados de oito países (Japão, Estados Unidos, Dinamarca, Espanha, França, Reino Unido, Itália e Holanda) para o período de 1980-2009.

O setor de serviços intermediários é definido como a agregação de dois dos cinco setores de serviços discriminados pelo GGDC: 1) Transportes, Armazenagem e Comunicação e 2) Intermediação financeira, arrendamento e serviços empresariais.

O valor encontrado para os coeficientes estimados corrobora a hipótese defendida. O valor adicionado do setor de serviços (gs,it) causa (“causa-Granger”) a produtividade industrial (em,it). Mais especificamente, a variação em 1% no valor adicionado do setor de serviços resulta em variação de 0,090% na produtividade industrial. Ademais, a variação em 1% na produção industrial (gm,it) resulta em variação de 0,294% na produtividade deste setor (em,it) e a variação de 1% na sua produtividade defasada resulta em variação de 0,424% nesta mesma série.

Tabela – Valor encontrado para o modelo VAR em painel estimado**

reg-serv

Fonte: Elaboração própria, todos os testes estatísticos recomendados pela literatura foram realizados.

**Todas as variáveis foram defasadas uma vez.

Estes resultados mostram que o setor de serviços contribui para o crescimento econômico através do aumento da produtividade industrial. Este resultado reconcilia as leis propostas por Kaldor com as evidências empíricas que apontam para o setor de serviços como principal responsável pelo crescimento econômico. Argumenta-se que o crescimento da indústria continua sendo responsável pelo desenvolvimento econômico. Contudo, a competitividade da indústria depende do grau de desenvolvimento do setor de serviços. O setor de serviços contribui para o crescimento econômico por meio do efeito positivo que ele exerce sobre o setor industrial.

Como conclusão, ressaltamos a necessidade de maior atenção ao setor de serviços por parte de pesquisadores, sobretudo aos dedicados a problemas contemporâneos de países em desenvolvimento como a “armadilha da renda média” e a “desindustrialização prematura”, ambos presentes na economia brasileira.

Referências bibliográficas:

SMITH, Adam. A riqueza das nações. Martins Fontes, 2003.

KALDOR, Nicholas. Causes of the slow rate of economic growth of the United Kingdom: an inaugural lecture. Cambridge University Press, 1966.

Desigualdade é parte do problema

A produção de serviços no Brasil tem ganhado atenção crescente. Pouco se fala ainda de seu consumo, em parte porque há pouca informação sobre o assunto. Ocorre, porém, que sem informações sobre os mercados consumidores é muito mais difícil desenhar políticas setoriais.

Uma das dificuldades que o setor de serviços encontra é a extrema concentração da renda no país: um grupo tão pequeno quanto 5% dos adultos detém metade da capacidade de consumo privado, concentração que seria menor, mas ainda assim muito alta, se estivéssemos considerando rendas familiares. A massa da população tem renda baixa, mas um pequeno grupo, em torno de 1% dos adultos, tem rendas bastante altas, em termos relativos e absolutos. Como é possível ver no infográfico abaixo, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo.

Da concentração da renda decorrem duas características do mercado consumidor do setor. A primeira é que a demanda por serviços no país é grande, mas boa parte dela precisa ser atendida por intermédio do Estado – educação, saúde, transportes, assistência jurídica, segurança, por exemplo – com subsídios totais ou parciais. A segunda é que o mercado de consumo de serviços no Brasil é fortemente segmentado. Em alguma medida, é um mercado dual, embora o termo seja um pouco exagerado. Há, por um lado, cerca de metade da população com grande demanda, mas capacidade de consumo de serviços privados muito limitada; por outro, uma pequena, mas rica, elite possui grande capacidade de consumir serviços variados.

Isso tem implicações para o futuro do setor serviços no Brasil:

  1. Existe pouco espaço para ganhos de produtividade na produção privada de serviços prestados à massa da população, não porque a produtividade já seja alta, mas porque a limitação no tamanho do mercado tende a fazer com que os ganhos com o aumento dessa produtividade rapidamente encontrem um teto.
  2. Há, provavelmente, muito espaço para ganhos de produtividade na produção pública ou subsidiada de serviços, mas seus impactos tenderão a ser expressos muito mais em qualidade e volume de serviços prestados do que em lucratividade desses serviços. Consequentemente, poderão ser mais facilmente observados em termos de quantidade do que de preços, ou seja, essas melhoras não tenderão a aparecer nas contas nacionais, o que deixa a pergunta sobre nossa capacidade de efetivamente monitorar avanços futuros do setor no Brasil.
  3. Os desenhos de políticas para o setor serviços precisam levar em conta que o Estado é um grande consumidor e um grande produtor de serviços e que isso dificilmente mudará enquanto a renda for muito concentrada.
  4. Para a grande maioria de microempresas produtoras de serviços não se deve esperar grandes retornos de investimentos de todo tipo na melhoria da produção – melhoria educacional, simplificação tributária, redução de barreiras burocráticas – enquanto a barreira de um mercado muito restrito não for superada. Em particular, porque essas microempresas têm dificuldade em alcançar mercados externos.

Em um mundo onde a configuração do setor de serviços é um determinante crescente do desempenho da economia dos países, a desigualdade alta não é um problema apenas porque é ineficiente para a produção, mas também porque não cria um mercado consumidor que permita consolidar o setor.

Fonte do infográfico: Folha, com base em dados do Banco Mundial

IMG_1689Marcelo Medeiros tem estudos na área de desigualdade. É pesquisador do Ipea e professor da UnB. Você pode acompanhá-lo no Twitter em: http://twitter.com/marcelo_meds

A economia digital e o agronegócio brasileiro

A economia digital, que há algum tempo vem transformando setores como serviços, indústria e comércio exterior, está gerando também uma revolução no agronegócio. As agtechs, empresas que desenvolvem tecnologias para o campo, promovem o uso de inovações com o objetivo de otimizar a produção de forma customizada e adaptada as necessidades de cada produtor. De acordo com a Boston Consulting Group (BCG), a rápida adoção dos diferentes serviços propostos por essas startups decorre das fortes evidências de custo-efetividade para os produtores.

Em relação ao desempenho do mercado, houve crescimento mundial no volume de investimentos em agtechs de 2010 a 2015 – nesse último ano os volumes chegaram a US$ 4,6 bilhões, segundo a AgFunder. Apesar disso, projeta-se pequena redução em 2016 em função do baixo desempenho do mercado de venture capital.

As tecnologias propostas incluem áreas como big data & analytics, segurança alimentar, rastreabilidade, biociência (como biopesticidas e bioestimulantes) robotização, automação, logística & distribuição e novos modelos de negócios, como mostra a pesquisa da BCG. O acesso e o uso de dados mais precisos, o processamento de imagens e o monitoramento das plantações, capazes de gerar insights valiosos sobre o desempenho da produção, estão entre as áreas mais promissoras para novos investimentos.

Áreas mais promissoras para investimentos em Agtechs, segundo a BCGagtech-rev-bcg

O Brasil já conta com uma leva consistente de agtechs, as quais têm conseguido atrair volumes crescentes de aportes nos últimos anos, como mostrado pela Istoé Dinheiro. É o caso da Agrosmart, startup que fornece monitoramento em tempo real, a partir de sensores no campo e por satélite, de diversas variáveis ambientais, possibilitando uma melhor tomada de decisão por parte dos agricultores.

Porque o fenômeno das agtechs é importante para o Brasil?

A revolução digital está chegando com força em diversos setores, e tenderá a gerar uma nova onda de investimentos em empresas e grandes benefícios em termos de uso ou geração de valor para seus distintos públicos-alvo, sejam eles consumidores ou empresas. Para uma economia como a brasileira, que possui a agricultura como um setor de grande dinamismo e responsável pela maior parcela da pauta de exportações, as agtechs podem contribuir sobremaneira para a geração de novas tecnologias, novos serviços e novas fontes de valor para o País.

Diversos posts anteriores já discutiram a importância do aumento da produtividade do setor de serviços, em função de seus efeitos positivos para a economia como um todo e para os demais setores da economia, que utilizam vários serviços nas etapas de produção, como é o caso da indústria. A formulação de políticas públicas para o setor de serviços perpasssa, portanto, duas questões essenciais: quais setores são elementos-chave para a elevação da produtividade e competitividade e quais possuem ligação com as vantagens comparativas dinâmicas e estáticas do País.

A melhoria dos serviços de custos forma uma importante agenda para resolução de entraves existentes há décadas pelo Brasil, como infraestrutura e logística. Todavia, conforme apontado por Arbache e Moreira (2015), são os serviços de agregação de valor os que mais contribuem para a elevação da produtividade na indústria, os quais também serão os protagonistas do desenvolvimento e crescimento econômico no futuro, a partir da demanda de uma indústria capaz de produzir bens de alto valor agregado. Raciocínio semelhante pode ser explorado para o setor de agricultura.

Conforme exposto em Arbache (2014) e também pelo blog, a industrialização das vantagens comparativas estáticas e dinâmicas apresenta-se como caminho já utilizado por outras economias, a qual destaca o papel do estímulo ao desenvolvimento de serviços ligados a setores em que o Brasil já possui vantagem comparativa, por meio de políticas que promovam a geração de conhecimento e de desenvolvimento tecnológico. Em relação à agricultura, destaca-se o papel dos serviços ligados à produção agropecuária, biodiversidade e florestas. Tais serviços poderiam contribuir para a ampliação da competitividade em indústrias intensivas em recursos naturais. É nesse contexto que o desenvolvimento das tecnologias pelas agtechs ganha relevância no debate sobre a elevação da produtividade da economia brasileira. A promoção de um ambiente capaz de estimular esse tipo de inovação contribuirá para a geração de serviços que consigam endereçar os problemas enfrentados pela indústria e pela agricultura, ao passo em que promovem serviços de agregação de valor no País, tão importantes para a geração de riqueza nas próximas décadas.

A Economia Compartilhada e a Regulação

Como temos discutido aqui no blog, a economia compartilhada tornou-se popular por meio de empresas como Airbnb e Uber, que têm registrado um rápido crescimento nos últimos cinco anos. Algumas projeções estimam que as empresas do setor deverão gerar receitas de cerca de U$ 335 bilhões de dólares globalmente até 2025, e o escopo para uma maior expansão geográfica ainda permanece considerável. Mas como qualquer crescimento rápido de setor, governos, reguladores e a indústria possuem interesses inerentes, e isso tem gerado dificuldades cada vez maiores.

Apesar de os aplicativos de economia compartilhada mais conhecidos estarem principalmente nos setores de transporte e de hospedagem, há empresas em diversas outras áreas que têm conseguido identificar ineficiências de mercado. São exemplos disso a We Are Pop Up, para compartilhamento de escritórios; EatWith, Meal Sharing, Traveling Spoon, para compartilhamento de refeições. Há também apps de compartilhamento de roupas – Yerdle – e de conhecimento – como o udemy ou o Skillshare.

Em todos os casos, os pontos em comum são a desintermediação, o compartilhamento do excesso de capacidade, o aumento da produtividade e os desafios comerciais para os operadores tradicionais, tais como empresas de táxi, hotéis, restaurantes e utilitários. A Airbnb, por exemplo, está ativa em mais de 190 países e avaliada em mais de U$ 20 bilhões dólares. A Uber, lançada há seis anos, opera em mais de 300 cidades e em mais de 60 países, tem mais de um milhão de motoristas em todo o mundo e está avaliada em mais de US$ 50 bilhões dólares.

Se de um lado temos esse panorama promissor, por outro, nem tanto. Tribunais na Bélgica, França, Alemanha, Itália e Países Baixos declararam serviços derivados da economia compartilhada, usando motoristas não-profissionais, como o caso do serviço UberPOP, como ilegais. O serviço também foi efetivamente banido em áreas de Nova York no verão de 2015. Um Tribunal da Califórnia decidiu que um motorista de uma empresa de economia compartilhada é um empregado, não um autônomo, e um juiz posteriormente recomendou que a Uber fosse multada em U$ 7,3 milhões de dólares e suspensa de operar no estado. O governo sul-coreano proibiu o Uber para encorajar o desenvolvimento de aplicativos locais. E as autoridades de Deli impuseram uma proibição temporária do Uber após um caso de estupro por parte de um motorista do aplicativo na capital indiana.

Nesse contexto, reguladores e governos começam a questionar o impacto de longo prazo do modelo de negócios da economia compartilhada em relação aos operadores tradicionais e às comunidades. O prefeito de Paris, por exemplo, montou uma equipe de 20 agentes para reprimir anfitriões que estavam compartilhando quartos considerados ilegais por meio de aplicativos como AirBnB. Como resultado, 20 proprietários de 56 apartamentos foram multados.

A questão da regulação para esses aplicativos é o ponto central para a definição do futuro da sociedade que queremos. A União Europeia, por exemplo, entende ser ainda cedo para decidir se o serviço prestado, majoritariamente, pela Uber, é um serviço digital ou um serviço de transporte. Nesse caso, devemos observar o comportamento de outras indústrias disruptivas, como é o caso das de telecomunicações e das produtoras de energia, para tomarmos a decisão política mais adequada e para identificar as áreas que devem ser regulamentadas.

Esclarecer os papéis e responsabilidades para identificar e punir abusos, coexistir com os operadores tradicionais, pagamento de impostos, prevenção ao abuso da privacidade dos dados são alguns pontos que devem ser observados com parcimônia.

A economia compartilhada está crescendo rapidamente e criando novas oportunidades em todo o mundo. Como todas as grandes rupturas, está colocando pressão sobre os modelos de negócios existentes e sobre os marcos regulatórios. Os participantes têm a oportunidade de desempenhar um papel no desenvolvimento de soluções de longo prazo que incentivem a inovação e, ao mesmo tempo, protejam os consumidores e a sociedade de possíveis danos não imaginados numa análise simplória de curto prazo.

daisyDaisy Assmann tem Mestrado em Economia pela Universidade Católica de Brasília e é Coordenadora de Planejamento Financeiro da Defensoria Pública da União.


Nota: Esse texto foi baseado no artigo de Alberto Marchi da McKinsey.

Boletim de Serviços – Novembro de 2016

O Boletim de Serviços de novembro de 2016 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • A receita nominal do setor de serviços registrou variação positiva de 2,12% em agosto, enquanto o volume de atividades contraiu 4%, na comparação anual
  • A inflação do setor acumulada em 12 meses reduziu a 7,03%
  • Foram encerradas 40.544 vagas no setor de serviços em setembro
  • O déficit da balança de serviços foi de US$ 2,6 bilhões em setembro
  • O IDE em serviços contabilizou contração de 8% em relação ao mesmo período de 2015

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

bolnov16

Aplicativos médicos e segurança dos dados

À medida que se dissemina o uso de aplicativos com as mais variadas finalidades, um enorme volume de dados é gerado. Frequentemente esses dados são transferidos a outras empresas para fins de marketing ou pesquisa, sem que isso seja de conhecimento do usuário do aplicativo. Esse foi o tema de artigo publicado pelo jornal NEXO há alguns dias no qual se questiona a falta de transparência na utilização dos dados coletados por aplicativos de monitoramento do ciclo menstrual.

O uso desses aplicativos tem se difundido entre as mulheres, pois eles facilitam o monitoramento do ciclo menstrual, auxiliando tanto aquelas que desejam engravidar quanto as que querem evitar uma gravidez. Neles, as usuárias fornecem várias informações como humor, peso, temperatura, uso de medicamentos, intensidade do fluxo menstrual, frequência de relações sexuais e resultados de testes de gravidez. Em troca, elas recebem uma variedade de informações como aviso de ovulação, aviso de exames médicos, lembrete para uso da pílula anticoncepcional, vídeo educativos, sessão de perguntas e respostas entre outras funcionalidades.

exemplos de aplicativos disponíveis na loja virtual

exemplos de aplicativos disponíveis em lojas de aplicativos

Usualmente esses aplicativos fornecem seus serviços gratuitamente, embora também sejam disponibilizadas versões pagas. No entanto, o que à primeira vista é um serviço gratuito, na verdade exige sua contrapartida: o fornecimento dos dados das usuárias. Os dados coletados pelo aplicativo são então vendidos para outras empresas, seja para fins de marketing ou de pesquisa.  Isso significa que uma mulher pode informar ao aplicativo estar sentindo cólicas menstruais e minutos depois visualizar uma propaganda de remédio na tela do seu computador.

O que tem se questionado é a privacidade e a segurança dos dados fornecidos aos Apps (ou a falta delas). Muitos desses aplicativos têm falhas de segurança que permitiriam que esses dados fossem roubados por hackers, expondo, portanto, a privacidade das usuárias. Outros não informam de maneira clara e transparente aos seus usuários que os dados fornecidos por eles podem ser vendidos para outras empresas.

O debate sobre a segurança e a transferência de dados não se restringe aos aplicativos de monitoramento do ciclo menstrual. No começo desse ano, a JAMA (revista cientifica da Associação Médica Americana) publicou um trabalho no qual foi testada a segurança dos dados de 75 aplicativos de saúde voltados especificamente para pacientes diabéticos.  Os resultados mostraram que era usual o compartilhamento dos dados coletados com outras empresas. Além disso, 81% dos aplicativos analisados não tinham política de privacidade e os 19% restantes eram pouco transparentes quanto à política adotada. Na verdade, esse debate tem se tornado mais relevante graças ao advento da Internet das Coisas. No entanto, a natureza pessoal e sensível dos dados disponibilizados nos aplicativos de saúde exige um cuidado maior da indústria.

Muito dos dados fornecidos a esses aplicativos normalmente seriam sigilosos, exclusivos aos pacientes, o que os torna especialmente sensíveis para uso comercial. Se as regras da relação médico e paciente estão bem definidas quando são presenciais, esse não é o caso nas relações digitais. Ainda não existem proteções legais por parte do governo contra a venda de dados a terceiros ou sobre a transparência quanto ao uso desses dados, especialmente no caso de aplicativos de saúde, o que já foi, inclusive, discutido em post anterior desse blog.

Essa discussão deve ganhar novas proporções à medida que cresce o uso de aplicativos de saúde. Como mostra o relatório mHealth e Wearables 2015, o uso de aplicativos voltados para saúde e fitness teve um crescimento de 15% no ano de 2014. No Brasil, esse crescimento foi de 5%.

As novas tecnologias digitais trazem com elas grandes benefícios a usuários e oportunidades para as empresas, mas também grandes desafios aos governos. É o que temos visto no caso do Uber, por exemplo. A segurança e privacidade dos dados são duas questões que advêm da difusão desses aplicativos. Outros temas como a fundamentação cientifica e questões éticas também têm sido levantadas. O desafio de legisladores e reguladores será garantir a segurança dos usuários, sem inviabilizar a inovação tecnológica e seus benefícios para os consumidores.

fotoRebeca Miranda é Mestre em Economia pela Universidade de Brasília e Analista de Comércio Exterior no Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

Um Panorama da Educação Superior no Brasil

Conforme apontado em post recente, a modificação no mercado de trabalho advinda do progresso tecnológico e da automação está se expandindo ao setor de serviços, requerendo profissionais ainda mais especializados e eficientes. Nesse cenário, educação é um assunto crítico para que as economias tenham condições de caminhar em direção ao desenvolvimento. Também já apontamos os atrasos da educação básica no Brasil, impondo obstáculos para a inovação. Em linha com essa análise, estudar o desempenho da educação superior brasileira também é um aspecto relevante para entender como esse nível educacional contribui para o aumento da competitividade do país.

Em termos globais, o Brasil apresentou significativo aumento dos gastos públicos com educação desde 2000, compondo atualmente 19% do total dos gastos do governo, acima da média dos países da OCDE cuja fração é de 13%. Há, no entanto, disparidades nesses gastos. No Brasil, o gasto público por aluno do ensino superior é quatro vezes maior do que o gasto por aluno do ensino fundamental, maior disparidade entre os países da OCDE e parceiros.

Chama a atenção também a comparação com estes países quanto ao percentual de pessoas com formação superior entre os 25 e 64 anos (ver gráfico 1), em que o Brasil se posiciona abaixo da média e com baixa presença de mestres e doutores.

Gráfico 1 – Percentagem de pessoas entre 25 e 64 com educação superior, por nível de educação superior (2005)

Fonte: OCDE – EAG 2014

Os dados do Censo da Educação Superior de 2015 foram divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, trazendo informações relevantes sobre a forma como a educação de nível superior se organiza e se desenvolve no país. As instituições de ensino superior (IES) brasileiras englobam universidades, centros universitários, faculdades e ensino técnico (Institutos Federais e Cefets)[1], categorizadas em relação à sua administração (privada ou pública). Nota-se que, no conjunto de IESs, o número de instituições privadas supera largamente as públicas, compondo 87,5% do total. Já quando se trata apenas das universidades, 54,9% são públicas, e elas respondem pela maioria das matrículas de graduação.

Gráfico 2 – Percentual de Instituições de Educação Superior por categoria administrativa

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015

O número de matrículas em cursos de graduação vem crescendo em todos os anos desde 2005. Na rede pública, o aumento no número de vagas nos últimos anos se deve, principalmente, ao programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Porém, a rede particular é, atualmente, a que mais recebe alunos de graduação – em 2015, respondeu por 75% das matrículas em cursos de graduação. O crescimento no número de matrículas na rede de ensino superior particular se deu principalmente pelo surgimento e o aumento de programas de financiamento subsidiado e bolsas para alunos de baixa renda, como o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) e o Prouni (Programa Universidade para Todos).

Gráfico 3 – Matrículas em cursos de graduação por categoria administrativa (1980-2015)

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015

Referente às grandes áreas de formação, a maior parte das matrículas se concentra em Ciências sociais, negócios e direito, seguida de Educação. Apesar da média nos países da OCDE ser mais distribuída entre as grandes áreas, nota-se que não é tão grande a dissonância no percentual de alunos que optam por Engenharia, produção e construção e Ciências, matemática e computação. Quando se observa o número de concluintes (Tabela 1), no entanto, fica clara a discrepância. Considerando-se aqui um período médio de cinco anos para que um aluno se forme na graduação, o Brasil forma menos da metade dos alunos que optam por estas duas grandes áreas. A Tabela 1 também permite observar o crescimento no número de matrículas em todas as áreas de 2010 a 2015.

Tabela 1 – Número de Ingressos e Concluintes em cursos de graduação por 10.000 habitantes, segundo a área geral do Curso Países da OCDE 2014 em comparação com o Brasil 2010-2015

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015. Grifos nossos.

Estes dados são preocupantes quando consideramos que as áreas de Engenharia, produção e construção e Ciências, matemática e computação são aquelas com formação de capital humano mais capacitado para a inovação, já que atuam mais diretamente com produção tecnológica e desenvolvimento de patentes. A inovação tem o poder de impactar positivamente a capacidade de um país em absorver tecnologias e desenvolver suas próprias, o que impulsiona seu o crescimento e desenvolvimento.

Em nível de pós-graduação, o Brasil titulou 50.206 mestres e 16.729 doutores em 2014, apresentando um crescimento linear do número de titulados de 1996 até hoje. Destes, menos de 20% obtiveram o título por instituições particulares. É interessante frisar que estes acadêmicos permanecem concentrados principalmente nas grandes áreas de ciências humanas e saúde, tendo havido inclusive declínio nas engenharias.

Nas instituições de ensino superior, a parcela de professores com mestrado e doutorado também vem crescendo. Assinala-se que a rede pública é composta principalmente de professores doutores, enquanto a particular tem maioria de mestres, o que indica que a produção acadêmica pode estar concentrada nas instituições públicas.

Gráfico 4 – Proporção de docentes da educação superior pública e privada de graduação por grau de formação (2005-2015)

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015

A qualidade da educação superior, seja pública ou privada, é responsável pela produção científica e acadêmica de um país, podendo mudar sua posição em nível global de um simples assimilador de inovações estrangeiras para o pioneirismo. Na economia de serviços do século XXI, uma educação ampla e de qualidade é condição necessária (mas não suficiente) para um país ser competitivo. A análise da educação brasileira, aqui focalizada no nível terciário, evidencia que temos problemas estruturais a serem superados indo muito além da simples falta de recursos. Sem superar esses desafios, nos manteremos pouco competitivos globalmente.

[1] Universidades são instituições pluridisciplinares, com produção intelectual institucionalizada e requisitos mínimos de titulação acadêmica e carga de trabalho do corpo docente. Os centros universitários são semelhantes às universidades, porém não estão definidos na Lei de Diretrizes e Bases e não necessitam de pesquisa institucionalizada, enquanto as faculdades são instituições que não apresentam autonomia para conferir títulos e diplomas. Por fim, o ensino técnico apresenta caráter mais simplificado, com vistas à atuação no mercado de trabalho (Fonte: Divisão de Temas Educacionais – MRE).

nathaliaNatália Sarellas é formada em administração pela Universidade de Brasília. Contribui para o Boletim de Serviços e tem artigos científicos publicados na área de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) e setor bancário e participa de grupo de pesquisa em inovação.

 

Automação e o futuro do emprego

Em agosto deste ano, a UBER deu um novo passo em direção à substituição de pessoas por máquinas, com o lançamento do serviço prestado por carros autônomos em Pittsburgh. A novidade ainda está em fase de teste, mas já dá o sabor de como atividades rotineiras estão começando a ser executadas por máquinas inteligentes.

Essa nova realidade indica que tecnologias de automação extrapolam a substituição de mão de obra no ambiente industrial e já alcançam setores de serviços. O resultado desse processo evidencia uma tendência de extinção de diversas profissões tradicionais em diferentes setores da economia.

Pesquisadores de Oxford analisaram a suscetibilidade de empregos à informatização nos Estados Unidos, com o intuito de verificar o impacto sobre o mercado de trabalho da substituição de pessoas por computadores. Com base no estudo, os autores constatam que 47% do emprego total na economia americana encontra-se em situação de alto risco de automação nas próximas duas décadas – isto é, essas vagas apresentam uma probabilidade de computadorisation superior a 70%. O estudo indica, ainda, que os setores mais suscetíveis à automação são produção, serviços e comércio (ver gráfico abaixo).

Gráfico – distribuição do emprego por setor nos Estados Unidos, conforme probabilidade de automação

automacao

Fonte: Frey e Osborne (2013)

O estudo ainda permite verificar quais as áreas mais passíveis de serem automatizadas. Profissões como comerciantes, atendentes de caixa, contadores, auditores, atendentes de telemarketing, taxistas e motoristas de caminhão apresentam probabilidade em torno de 90% de serem automatizadas. E esses são apenas alguns exemplos de empregos que podem sumir em áreas como logística e transporte, atividades de escritório e serviços.

Conforme publicação recente da The Economist, o que determina a vulnerabilidade à automação é o quanto um trabalho pode ser considerado rotineiro. Atualmente, as máquinas são capazes de executar uma variedade de trabalhos manuais, bastando a programação adequada. E o mais surpreendente é que essas máquinas já são capazes de executar tarefas rotineiras mais complexas que exigem alguma capacidade cognitiva.

Na prática, as máquinas inteligentes já são capazes de executar algumas tarefas com qualidade superior a pessoas. O texto da The Economist cita o exemplo de uma máquina de radiografia capaz de escanear pacientes e identificar risco de tumor com grande precisão. Em comparação com radiologistas especializados, a máquina apresentou capacidade de classificação de tumores malignos 50% superior.

Por um lado, a automação é um salto no desenvolvimento, tornando possível a execução de atividades com maior grau de eficiência e precisão, por meio do emprego de tecnologias cada vez mais sofisticadas. Por outro lado, surge uma questão crucial: a automação resultará em maior desemprego?

Ainda não há uma resposta categórica para essa pergunta. Alguns especialistas argumentam que a automação substitui mais trabalhadores do que a capacidade da economia americana gerar novos empregos. Outros especialistas já são mais otimistas e garantem que a automação também abre novas oportunidades para a geração de empregos em áreas associadas ao desenvolvimento de tecnologias. Em outras palavras, o fator humano ainda é necessário para executar tarefas não automatizáveis.

De todo modo, a automação impõe um desafio maior para o mercado de trabalho: o capital humano deve ser cada vez mais habilidoso para que tenha chances de competir por vagas.

Achar uma solução para a equação automação e desemprego é um desafio para economias modernas. E essa solução demanda uma variedade de esforços para que o capital humano desenvolva as habilidades exigidas para acompanhar a nova dinâmica do mercado de trabalho cada vez mais automatizado.

Boletim de Serviços – Outubro de 2016

O Boletim de Serviços de outubro de 2016 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • A receita nominal do setor de serviços registrou recuperação de 0,23% em agosto, enquanto o volume de atividades contraiu 4,47%, na comparação anual
  • A inflação acumulada em 12 meses apresentou declínio de 7,67% em julho para 6,93% em agosto
  • Foram fechadas 27.646 vagas no setor de serviços em agosto
  • O déficit da balança de serviços foi de US$ 2,2 bilhões em agosto
  • O IDE em serviços expandiu 121% na comparação anual

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

volume

A contribuição das práticas de gestão para o desenvolvimento do setor de serviços

Por Adilson Giovanini e Marcelo Arend

No livro “The atlas of economic complexity: Mapping paths to prosperity”, Hausmann et al. (2014) argumentam que o grau de desenvolvimento dos países depende da quantidade de conhecimento produtivo possuído por eles. A forma encontrada pela sociedade para fabricar bens sofisticados é a divisão do conhecimento necessário em “pedaços”.

Deste modo, a capacidade produtiva de cada sociedade pode ser mensurada pela sua capacidade de reter, criar, modificar, organizar, distribuir e utilizar os conhecimentos possuídos pelos trabalhadores. As sociedades mais desenvolvidas conseguem gerir de modo mais eficaz os conhecimentos que possuem a sua disposição. De forma análoga, os países menos desenvolvidos não conseguem acumular, distribuir, gerir e reunir conjunto elevado de conhecimentos. Eles possuem menor quantidade de conhecimento produtivo, o que limita a sua capacidade produtiva fazendo com que eles não consigam fabricar produtos com elevada sofisticação tecnológica.

Diante deste contexto, surgem os seguintes questionamentos: será que as práticas de gestão internas adotadas pelas firmas influenciam no tamanho do seu setor e no seu grau de desenvolvimento? O comportamento das firmas é capaz de explicar a baixa sofisticação da estrutura produtiva brasileira?

Desde 2004 o World Management Survey aplica um questionário que mensura as práticas de gestão adotadas pelas firmas de 34 países. Entre outros aspectos, a pesquisa avalia a capacidade de formação, retenção e reconhecimento de talentos das firmas localizadas nestes países. Isto é, identifica se elas possuem cultura interna voltada para o desenvolvimento, expansão e adequada reunião dos conhecimentos detidos pelos seus funcionários.

O indicador global desenvolvido pelo World Management Survey apresenta correlação de 86% com o Índice de Complexidade Econômica (Gráfico 1). Isto pode ser um indicativo que as práticas de gestão interna contribuem para o aumento no nível de sofisticação da estrutura produtiva dos países.

Gráfico 1 – Correlação existente entre o índice do complexidade econômica e as práticas de gestão adotadas pelas firmas

gestao_interna_e_complexidade                          Fonte: Adaptado de The Observatory of Economic Complexity e World Management Survey

O indicador disponibilizado pelo World Management Survey também possui correlação de 81% com a participação do setor de serviços no valor adicionado (Gráfico 2). Este resultado pode ser um indicativo que as práticas de gestão interna contribuem para a participação do setor de serviços no PIB. A adoção de práticas de gestão interna que estimulam a expansão da base de conhecimentos possuída pelas firmas parece contribui para o aumento na demanda por serviços intermediários.

Gráfico 2: Relação existente entre as práticas de gestão interna e a participação do setor de serviços

gestao_interna_e_servicos                Fonte: Adaptado de The Observatory of Economic Complexity e World Management Survey

Conforme mostrado no Gráfico 3, o Brasil se encontra mal posicionado no indicador global de gestão interna desenvolvido pelo World Management Survey para o período 2004-2015. Ele está na 20ª posição entre os 34 países analisados, com escore global de 2,66. Ademais, a análise desagregada dos dados mostra que os quesitos nos quais o Brasil se encontra pior posicionado são: construção de uma cultura de alta performance (32ª posição), proposta de valor ao empregado (27ª), desenvolvimento de talentos (26ª) e retenção de talentos (24ª).

Gráfico 3- Comparação internacional das práticas de gestão interna adotadas pelas firmas no período 2004-2015

gestao_interna                   Fonte: adaptado de World Management Survey

Estes dados podem indicar que, em geral, as firmas brasileiras possuem políticas inadequadas ao desenvolvimento de talentos. Além, disso, a maior parte delas também não adotam medidas que buscam reter seus melhores talentos e não possuem cultura voltada para a valorização dos funcionários mais talentosos e com maior produtividade. A presença de práticas de gestão interna desfavoráveis à expansão da base de conhecimentos pode dificultar a migração da estrutura produtiva do país para produtos mais sofisticados em termos tecnológicos e talvez explique o baixo desenvolvimento do setor de serviços intermediários.

Como corolário se defende a adoção de políticas que incentivem as firmas nacionais a adotarem melhores práticas de gestão. Isto pode contribuir para o aumento do tamanho relativo do setor de serviços e para o aumento da sofisticação da estrutura produtiva nacional. Isto é, para o desenvolvimento econômico do Brasil.

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