Economia de Serviços

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O que pode estar por trás da limitação da banda larga fixa

A imposição de franquias de uso de dados por parte dos provedores de banda larga fixa gerou discussões acaloradas nos últimos dias. Enquanto as grandes operadoras defendiam a ideia de limitação do consumo com base na expansão do uso de serviços intensivos em banda e no congestionamento das redes, usuários e associações de defesa dos consumidores passaram a protestar veementemente contra a proposta. Nem mesmo dentro do órgão regulador do setor parece haver consenso: depois de ver seu próprio presidente anunciar que a era da internet ilimitada havia acabado, a Anatel voltou atrás e anunciou a proibição do corte e redução da velocidade da internet fixa ao término da franquia.

O setor de banda larga fixa no Brasil apresenta uma grande concentração: as três maiores operadoras de banda larga fixa do Brasil – Oi, Vivo e Claro – detêm 86% dos usuários. Impulsionadas pela sinergia dos investimentos e pela concorrência no mercado, estas empresas oferecem também os serviços de telefonia fixa e móvel e TV por assinatura.

Ao analisarmos o contexto desses serviços, percebemos os grandes desafios pelos quais passam as operadoras. O serviço de voz fixa tem apresentado sucessivas quedas na receita: entre 2005 e 2010, a receita agregada do setor caiu 8%; entre 2010 e 2015 a queda foi de 22%. Os serviços de TV por assinatura e de voz móvel, por sua vez, passaram a sofrer forte concorrência dos serviços de streaming de dados e voz sobre IP, como Netflix e Whatsapp. Talvez por estes motivos, o serviço de banda larga fixa se tornou o de maior importância para as operadoras. Por apresentar demanda crescente, sobretudo por servir de camada de transporte para os serviços e aplicações intensivos em banda altamente requeridos pelo mercado, este serviço tem tudo para se tornar o principal item da cesta de serviços das operadoras. A partir de 2015 os serviços de voz deixaram de ser a principal receita do setor de telecomunicações no Brasil (Figura 1).

Figura 1 – Receita Líquida das operadoras, por serviço prestado

image (1)

Fonte: Teleco

Porém, tentar vender a necessidade de restringir a internet ilimitada em função do congestionamento das redes é argumento convenientemente mal colocado. Na verdade, o que as operadoras buscam é uma nova forma de monetizar um serviço que tem um custo fixo elevado. Não há, atualmente, evidências claras de esgotamento da infraestrutura de rede, a não ser em alguns pontos isolados e regiões mais afastadas. Porém, a queda na receita, em especial nos serviços de voz, é evidente e significativa.

Assim, a proposta de mudança na composição dos planos apenas mostra que as operadoras estão atentas às demandas do mercado: até então, a venda do serviço se baseava basicamente na velocidade do acesso. Neste sentido, uma banda larga de, digamos, 15Mbps tinha muito mais valor para o consumidor do que uma banda larga de 2Mbps. Porém, à medida que a oferta de velocidades mais altas cresce, o interesse do usuário se altera: perde importância a velocidade do acesso e ganha importância a quantidade de dados consumidos. Trata-se de uma manifestação clara do conceito econômico da Lei da Utilidade Marginal Decrescente. Portanto, faz todo o sentido para as operadoras alterar a composição dos seus pacotes de serviços, incorporando a franquia de dados consumidos como ponto chave para a escolha do consumidor.

Entretanto, analisando-se especificamente o caso brasileiro, a imposição de franquias de consumo de dados para a banda larga fixa apresenta dois problemas: do ponto de vista finalístico, limitar o acesso a serviços intensivos em banda pode gerar desestímulos à inovação e a novos serviços prestados sobre a rede, algo essencial para o aumento da produtividade e da competitividade de que a economia brasileira tanto precisa. Os agentes do setor devem entender que a natureza da conexão à internet mudou: ela deixou de ser uma simples ferramenta de comunicação para se tornar uma forma de consumo e transferência de dados, de informação. Do ponto de vista regulatório, essa limitação nada mais é do que uma forma disfarçada de discriminação de tráfego pelas operadoras, ponto que foi exaustivamente debatido à época da aprovação do Marco Civil da Internet, regulamentado pela Lei 12.965/2014, e proibido por essa lei.

Os debates mencionados colocaram frente a frente dois grupos de interesse. De um lado, as operadoras de telecomunicações, interessadas em aprovar a possibilidade de discriminação de tráfego na rede. Segundo a sua proposta, as operadoras poderiam tratar de forma diferenciada na rede os pacotes de dados que transportam aplicações de streaming e os pacotes de dados que transportam um simples e-mail. Esta possibilidade de discriminação deixaria uma porta aberta para que as operadoras pudessem ofertar ao público pacotes de dados diferenciados: uns mais simples e mais baratos, que não dariam direito de acessar os serviços de streaming de vídeo, e outros mais completos, com acesso a todo tipo de aplicação, porém muito mais caros.

Do outro lado do embate estavam os principais provedores de conteúdo, que defendiam a neutralidade da rede: todos os pacotes de dados deveriam ter tratamento isonômico no transporte pelas operadoras, não podendo sofrer discriminação por conteúdo, origem, destino ou aplicação.

No debate, venceu a neutralidade de rede: o Marco Civil da Internet, aprovado pelo Congresso Nacional, veda o tratamento diferenciado dos dados em seu artigo 9º. A norma prevê a possibilidade de discriminação, após consulta aos órgãos reguladores como a Anatel, em apenas dois casos únicos: por priorização dos serviços de emergência e por requisitos técnicos indispensáveis à prestação dos serviços. Não há previsão na lei para a possibilidade de discriminação do tráfego pelo aumento do consumo de serviços intensivos em banda pelos usuários, ou mesmo para compensar as perdas de receita com os serviços de voz das operadoras. Portanto, a limitação do acesso ao serviço de banda larga fixa ao término do consumo da franquia é essencialmente ilegal, por ferir o marco civil da internet. Segundo ele, a única justificativa para o bloqueio do serviço é a inadimplência do consumidor.

A discriminação do tráfego (e, consequentemente, de preços) e a existência de planos com franquia fazem sentido para mercados maduros e em que haja ambiente de competição entre prestadores. Com uma ampla oferta de planos e prestadores, o consumidor pode escolher o que melhor se adapta às suas necessidades. Não é o caso, porém, do mercado brasileiro: com um mercado concentrado em três grandes prestadores de serviço, a discriminação de preços vai apenas aumentar o excedente do produtor, sem aumentar o número de usuários do serviço, além de prejudicar sua universalização, uma vez que os impactos serão sentidos com mais intensidade pelos usuários de mais baixa renda e pelos pequenos negócios.

Portanto, a atual discussão está servindo para deixar cada vez mais clara a necessidade de se atualizar o modelo regulatório das telecomunicações no Brasil. O modelo de concessão atual deve e precisa mudar: não faz sentido manter o serviço de voz fixa sob concessão, pois a importância e o interesse pelo serviço diminuem a cada dia entre a população. Por outro lado, faz muito mais sentido instituir o serviço de internet banda larga no modelo de concessão, uma vez que este serviço é o de maior demanda pela população atualmente, não é prestado em condições satisfatórias e similares em todo o território e é visto mundialmente como fator transformador social e, especialmente, econômico.

Um novo marco regulatório é essencial para destravar investimentos e diminuir a concentração do mercado. Hoje, os grandes provedores, em especial os concessionários, adiam investimentos em infraestrutura de rede, pois não há uma definição clara sobre a reversibilidade dos bens ao término dos contratos de concessão. Por outro lado, os pequenos provedores atuam apenas em cidades do interior, onde não há oferta adequada dos grandes provedores. Em virtude disto, os provedores cobram preços altos da parcela menos assistida da população.

Com um novo modelo que reconheça a importância dos pequenos provedores e dê, tanto a pequenos, como a grandes provedores, melhores condições de atuação, o Brasil poderá alcançar a maturidade no setor e, com isso, passar a prover um ambiente em que planos com e sem franquia de dados possam conviver harmonicamente com as necessidades dos consumidores.

Figura 2 – Distribuição de Receitas das Operadoras

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Fonte: Teleco.

Por que não devemos limitar a Internet fixa

Nos últimos dias, muito tem se debatido sobre a questão da imposição de franquias de uso de dados por parte dos provedores de internet fixa. Na visão dessas empresas, o aumento do uso de serviços intensivos em banda, como o Netflix, o YouTube e plataformas online de jogos, tornaria inevitável a necessidade de imposição de limites no tráfego de dados.

Segundo o presidente da Vivo, discriminar usuários “leves” e “pesados” seria mais justo do que tratar todos igualmente. No mesmo sentido, o presidente da Anatel deu a entender que a era da internet fixa ilimitada havia chegado ao fim, e que as operadoras haviam “educado mal” os usuários, que estariam utilizando banda demais.

É verdade que o usuário (não apenas no Brasil) está utilizando mais banda por conta principalmente do avanço dos serviços de streaming e de computação em nuvem. Na era em que o tráfego de dados tem se tornado mais importante que o fluxo de bens, não há como ser diferente. Segundo estimativas da Cisco, o tráfego de dados da internet fixa no Brasil em 2019 deverá ser o dobro do nível de 2014.

Como argumentado por Rodrigo Zeidan em seu ótimo post sobre o assunto, o acesso à internet só passa a ser um bem rival (ou seja, o consumo de um usuário concorre com o de outro) se houver congestionamento na rede por conta de infraestrutura insuficiente para o tamanho da demanda. É possível que isto esteja ocorrendo no Brasil, mas uma forma menos restritiva para combater isto seria estimular o aumento da concorrência no mercado de provedores.

Atualmente, há forte concentração do serviço de provimento de internet no Brasil. Conforme é possível ver no gráfico 1, os três maiores provedores de internet do Brasil respondem, juntos, por 86% dos usuários de banda larga fixa. O quarto maior provedor, Algar, responde por apenas 1,8% dos usuários.

Gráfico 1 – Participação dos provedores de internet no total de usuários em dezembro de 2015

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anatel.

Neste cenário, o consumidor parece ter poucas opções, já que, em muitas regiões, não há mais do que dois ou três provedores de internet. Para efeito de comparação, enquanto a Oi, a terceira maior provedora de internet de banda larga do país, se encontra em 5.419 municípios (97% do total), a Algar, quarta maior provedora, fornece serviços em apenas 242 cidades (4%).[1]

Esta discussão é especialmente importante em um momento em que provedores de internet, que também costumam fornecer serviços de TV por assinatura, telefonia fixa e móvel, têm criticado abertamente serviços como Whatsapp, Netflix e YouTube, que se utilizam da internet e concorrem diretamente com aqueles serviços. Todas as três maiores provedoras de internet fixa também fornecem TV por assinatura (e telefonia fixa e móvel), que sofre concorrência direta do Netflix, possivelmente um dos principais responsáveis pelo aumento do consumo de banda.

Ao impor franquia de dados, os provedores de internet podem acabar “forçando” usuários – principalmente aqueles de mais baixa renda – a desistir de serviços como Netflix, YouTube e Skype para aderir aos serviços de TV por assinatura e telefonia prestados por aquelas mesmas empresas.

Talvez esta seja a questão mais preocupante da imposição de franquias de dados. A internet é, antes de tudo, uma plataforma para diversos mercados. Limitar, mesmo que indiretamente, o acesso a serviços que se utilizam de muita banda pode ter como consequência o desestímulo ao surgimento de novos aplicativos, jogos e serviços inovadores.

Não por acaso, a Netflix passou a pagar para provedores de internet americanos para que os usuários acessassem mais rapidamente seus serviços. Se todo serviço intensivo em banda se vir obrigado a fazer o mesmo, possivelmente teremos menos inovações na internet e serviços prestados por grandes empresas, que podem pagar por um melhor acesso, terão grande vantagem no mercado.

Um cenário com poucas provedoras impondo franquias de dados aos usuários pode resultar em usuários, especialmente os de mais baixa renda, “presos” aos serviços das provedoras de internet e em uma internet menos livre. Ademais, em uma era em que a internet e o fluxo de dados são (e serão cada vez mais) a norma, é mais que esperado que as provedoras de internet tenham que se adaptar, atualizando seus modelos de negócios, sem ir na contramão da tecnologia.

Um mercado mais competitivo de provimento de internet seria um ótimo caminho para que esses novos modelos apareçam. Portanto, antes de permitir a imposição de limites de dados, reguladores deveriam considerar como fazer com que mais empresas entrem no mercado de provimento de internet. Esta seria uma solução mais adequada para consumidores, empresas de conteúdo que atuam na internet e a sociedade em geral.

[1] Os dados sobre acessos a banda larga foram retirados da Anatel.

 

Mudanças regulatórias nos Serviços de Saúde

Os serviços de saúde no Brasil passaram a ser um direito de todos a partir da Constituição Federal de 1988. Dois anos depois, nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS), e em 1998 surgiu o sistema de Saúde Suplementar.

Com a reforma do Estado, em 1999 foram criadas as Agências Reguladoras, dentre elas, duas relevantes para a saúde: a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Estas Agências tornaram-se responsáveis por regulamentar o setor e fiscalizar o cumprimento das legislações vigentes, visando à proteção e à saúde da população. A partir da criação das Agências, marcos regulatórios para os serviços de saúde foram surgindo e se modificando conforme o avanço tecnológico do setor e as demandas dos usuários desses serviços.

A primeira mudança regulatória significativa, após a criação das Agências reguladoras, foi a descentralização dos serviços de saúde, tornando, além da União, os municípios e estados responsáveis pelo atendimento da população[1].
Após a criação da ANS, a saúde suplementar passou a ser regulada, apesar da existência de planos de saúde antes mesmo daquele período. Ao mesmo tempo, observou-se crescimento da saúde suplementar no país, com os provedores privados chegando a atender 50 milhões de pessoas em 2015 (aproximadamente 25% da população). Esse aumento fez com que o controle se tornasse ainda maior.

Figura 1: Gráfico de crescimento de beneficiários dos planos de saúde privado em 10 anos.

Beneficiários de planos privados

Fonte: Autoria própria, 2016. A partir de dados da ANS.

A regulação da saúde suplementar ocorre para que se atinjam três objetivos principais: estabilidade do mercado; controle de informações e assimetria de condições (empresa-consumidor); e participação do consumidor no mercado privado. Nos últimos anos os planos individuais têm sido os mais regulados, tendo a ANS controlado até mesmo o aumento de preço dos contratos. Já os planos coletivos por adesão ou empresariais sofrem menos regulação, sendo os seus reajustes não controlados.

Além do preço, a prestação dos serviços de saúde também é regulada, sendo definido o rol de procedimentos mínimos que o plano de saúde deve cobrir. Neste caso, o próprio SUS também tem uma tabela de procedimentos obrigatórios cobertos pelo sistema.

Os procedimentos mínimos cobertos na prestação do serviço de saúde também dependem de regulamentações. Há uma comissão no âmbito do Ministério da Saúde que avalia os procedimentos e produtos que serão financiados pelos serviços públicos e privados. Muito mudou em relação aos procedimentos e produtos, tendo em vista o avanço tecnológico. Diversos procedimentos e produtos (em especial este último) incluídos no Brasil também são utilizados no exterior, demonstrando o acompanhamento das discussões internacionais pelos agentes reguladores brasileiros.

Na ANVISA, o destaque da mudança regulatória está na observação dos regulamentos internacionais e na tentativa de harmonização da Agência brasileira com demais Agências no mundo. Quase todos os regulamentos publicados pela ANVISA observam padrões internacionais, procurando-se evitar as distorções regulatórias brasileiras, costumeiramente observadas.

A mais nova mudança regulatória no país trata do Telessaúde, sistema de atendimento à distância que une a saúde com a telecomunicação e a informática, permitindo o acesso ao serviço de saúde mesmo para pacientes distantes dos grandes centros. Os marcos regulatórios de Telessaúde dispõem sobre a criação do sistema, os convênios com universidades e entes da federação e a integração do Sistema com o SUS. Ainda não estão regulamentados os serviços prestados por aplicativos de celulares e o acompanhamento de informações sobre os avanços de sistema.

Um marco regulatório que tem sido observado no país e traz mudanças significativas para a sociedade é a questão da Avaliação do Impacto Regulatório (AIR). Este procedimento deveria ser aplicado a todos os regulamentos e legislações nacionais, mas ainda é pouco utilizado pelos legisladores. Para os serviços de saúde, a boa notícia é que as Agências reguladoras têm se empenhado na aplicação de metodologias capazes de avaliar, antes da publicação de regulamentos, os impactos positivos e negativos para a população e para a economia. Isto deve contribuir para a melhoria dos serviços de saúde, minimizando os impactos causados pela regulação. A AIR está sendo implementada por todas as Agências no mundo e o Brasil não pode ficar de fora.

A regulação de mercado nos serviços de saúde pode trazer grande impacto, inclusive em seu crescimento. Faz-se essencial e necessária a regulação do setor de serviços de saúde alinhada com regulamentos internacionais, atingindo-se a convergência regulatória, visando a melhor inserção desses serviços brasileiros em cadeias globais de valor.

 

[1] VIEIRA, C. Gestão Pública e relação público-privada na saúde. Revista de Administração Hospitalar e Inovação em Saúde. V. 12, nº 01, p. 85 – 100. 2015.

O que é a neutralidade de rede e por que ela importa?

A questão da neutralidade de rede foi bastante debatida durante a discussão e posterior aprovação do chamado “Marco Civil da Internet”. Este é um assunto que vem sendo tratado há pelo menos uma década no restante do mundo e há argumentos razoáveis contra e a favor de se estabelecer normas e leis que garantam essa neutralidade. Mas o que é a “neutralidade de rede” e por que se trata de questão importante?

A neutralidade de rede é o princípio segundo o qual todos os conteúdos, websites, plataformas e aplicativos devem ser tratados de maneira igual pelos provedores de internet, independentemente dos pacotes contratados. Por esse princípio, uma pessoa não deveria ser obrigada a fazer um plano especial com o seu provedor de internet para poder acessar a Wikipédia, o Netflix ou qualquer outro serviço. Sob o mesmo princípio, uma pequena loja online (ou mesmo a Amazon) não deveria ter de pagar aos provedores de internet para que os usuários possam ter acesso aos seus serviços.

O princípio garante, por exemplo, que uma operadora de celular não restrinja o acesso a serviços como o Skype, que concorrem diretamente com os serviços de telefonia da própria operadora. Alternativamente, sem a neutralidade de rede, uma provedora de internet poderia fazer pacotes de acesso para serviços específicos, com diferentes precificações, tal qual as empresas de TV a cabo fazem com os canais de televisão (ver exemplo hipotético na imagem abaixo).

Para seus defensores, a neutralidade de rede é importante para não inibir a entrada de sites e aplicativos inovadores no mercado atualmente aberto da internet. Ao mesmo tempo, a neutralidade assegura a livre navegação por parte dos usuários.

Garantir a neutralidade de rede seria justificado pela natureza oligopolística (e, em alguns casos/regiões, até monopolística) das provedoras de internet fixa e móvel. Em muitas cidades, há apenas uma ou duas empresas provedoras de internet fixa e cobertura de duas ou três operadoras de internet móvel. Esse ambiente de alta concentração poderia, no limite, fazer com que os consumidores só tivessem acesso (ou tivessem acesso preferencial) a conteúdos e aplicativos escolhidos por estas operadoras.

Os contrários à imposição da neutralidade de rede também argumentam que ela pode trazer restrições a discriminações benéficas ao consumidor. Por exemplo, uma operadora poderia fazer um plano básico e barato de internet com acesso limitado a serviços como email, WhatsApp e Facebook para usuários que não utilizam mais que isso,[1] e outro plano mais avançado e rápido para pessoas que usam frequentemente serviços intensivos em banda, como Netflix ou torrents. Nessa situação hipotética, o primeiro usuário se beneficiaria de um plano barato e adequado às suas necessidades, enquanto o segundo poderia ter um acesso mais rápido aos serviços utilizados.

Outro argumento dos que são contrários ao estabelecimento de leis garantindo a neutralidade de rede é que impedir provedoras de internet de fornecer pacotes específicos a preços diferentes para distintos usuários limitaria o retorno dessas empresas, o que, por sua vez, poderia fazer com que elas investissem menos em infraestrutura. Outros argumentam que, mesmo a internet tendo passado décadas sem regras que obrigassem as provedoras a manterem a neutralidade de rede, a neutralidade pouco teria sido violada ou ameaçada. Portanto, impor regras nesse sentido seria desnecessário.

A discussão é relevante para os dias atuais,já que o acesso à internet tornou-se um serviço de utilidade pública e as linhas que dividem as atividades de empresas voltadas para a internet têm se tornado cada vez mais tênues. Grandes empresas de conteúdo, como o Google (através do Project Loon) e o Facebook (por meio do internet.org), estão interessadas em levar internet gratuita ou de baixo custo a áreas pobres e remotas do mundo.

O projeto do Facebook tem sido criticado por fornecer apenas serviços que a companhia escolhe – naturalmente, o próprio Facebook é um desses serviços. Já o Google tem sido criticado pelo seu potencial de direcionar os usuários, podendo, inclusive, decidir eleições acirradas, por meio de seus algoritmos.

Sem dúvida, uma maior cobertura da internet pelo mundo é bem-vinda, mas, como não há almoço grátis, é preciso saber se os benefícios superam os custos (financeiros ou não). Apesar dos argumentos contrários à garantia da neutralidade de rede, manter os princípios da internet aberta, livre e com poucas barreiras de entrada para novos empreendedores ainda é o melhor caminho.

 

Figura – Exemplo hipotético de como as provedoras de internet poderiam cobrar por pacotes específicos de serviços online, sem a exigência de neutralidade de rede

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Fonte: Le Monde

[1] De certa maneira, algumas operadoras de telefonia brasileira já têm aderido a esse tipo de prática ao não cobrarem de seus clientes o acesso ao Facebook, Whatsapp e Twitter.

O Setor de Serviços Está se Concentrando – E agora?

Você sabe qual é o principal destino dos investimentos diretos estrangeiros no Brasil? E sabe a qual setor pertencem os cinco segmentos de negócios de maior preferência de fusões e aquisições (M&A) no país? Se você arriscou serviços, acertou.

De fato, os serviços são o alvo predileto de mais de 60% dos investimentos diretos estrangeiros. E os cinco segmentos que mais passaram por M&A recentemente são, por ordem, tecnologia da informação, serviços auxiliares, serviços financeiros, varejo e serviços públicos (eletricidade,  gás, rodovias, etc) – juntos, eles respondem por mais de 50% das operações no Brasil. Os estrangeiros são responsáveis por ao menos metade daquelas operações de M&A.

Se, por um lado, os investimentos e M&A em serviços são mais que bem-vindos, por outro lado, é necessário evitar movimentos de concentração.

Na verdade, vários segmentos de serviços já são altamente concentrados e outros estão se concentrando. O gráfico abaixo mostra a participação de mercado das oito maiores empresas por segmento. Nos serviços de telecomunicação, segmento crítico para a competitividade de praticamente toda a economia, 64% do mercado pertence àquelas oito empresas; em transporte aéreo, 89%; e em serviços de audiovisual, 52%.

Evidências empíricas mostram que a produtividade não aumenta com a concentração; em alguns casos, até diminui. Desta forma, a concentração pode ser danosa para a alocação eficiente de recursos. A experiência internacional mostra que competição tende a ser acompanhada por menores preços, mais inovação, qualidade e outros indicadores importantes de desempenho.

Como o setor de serviços é cada vez mais determinante tanto para o consumo e o bem-estar das famílias, como para o consumo intermediário e a competitividade das empresas, seria importante aprimorar as políticas  de modernização dos marcos regulatórios setoriais de tal forma a estimular o investimento e a competição, inclusive com a entrada de novos competidores. Seria também importante o aprimoramento de políticas que  visem ampliar o acompanhamento e  o monitoramento do setor por parte dos órgãos reguladores e antitruste de tal forma a impedir ou mitigar os riscos da concentração.

Gráfico: Segmentos de serviços mais concentrados – participação das oito maiores empresas no mercado (%)

concentracao no mercado de serviços

Fonte: Pesquisa Anual de Serviços (PAS-IBGE)

Nota: Não estão incluídos nos dados o setor financeiro, de saúde e educação

 

O uso da tecnologia em serviços de saúde

Com os avanços tecnológicos e o crescimento do uso de tecnologias de comunicação, como a internet e os smartphones, os bens industriais trazem cada vez mais serviços embutidos. O mesmo ocorre com os serviços de saúde, que são cada vez mais demandados pela população.

O uso de tecnologias na área da saúde pode tornar a distribuição desses serviços mais fácil e rápida, atingindo um número maior de pessoas, com custo menor. Estima-se que atualmente cerca de 85% da população mundial é atendida por rede sem fio de internet (wireless), sendo que há mais de 5 bilhões de aparelhos celulares em funcionamento.

Com o maior acesso, tem-se desenvolvido o chamado mHealth (Mobile Health), em que se utiliza a tecnologia da informação para atendimento e monitoramento dos pacientes e, em alguns casos, o aparelho celular funciona até como um produto médico[1]. Além de ser uma maneira de facilitar o acesso da população aos serviços de saúde, aplicativos de smartphones têm colaborado até com a formação de médicos e profissionais da saúde.

O aumento do uso desses sistemas fez com que a agência reguladora americana Food and Drug Administration (FDA) regulamentasse os aplicativos que podem ser utilizados como produtos médicos, tais como os que servem para diagnóstico de doenças, controle e monitoramento de pacientes, dando segurança para os usuários e orientação para os fabricantes dos produtos e desenvolvedores de aplicativos.

No Brasil, também se observa o uso desses aplicativos. Basta acessar as lojas virtuais dos telefones celulares para se encontrar aplicativos voltados à saúde. Alguns auxiliam no diagnóstico de doenças; outros visam o controle pelo próprio paciente no uso de medicamentos e exames diários, como de glicose ou pressão arterial; outros visam o monitoramento por parte dos médicos. Nestes, é possível compartilhar os resultados diários de exames com os médicos.

No país, este tipo de aplicativo ainda não tem regulamentação específica, apesar de serviços e produtos para saúde serem altamente regulamentados pelas agências reguladoras, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Outros dois usos de tecnologias em celulares que têm sido bastante utilizados no Brasil são o de telemedicina e o de telessaúde. No caso do primeiro, um sistema desenvolvido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) permite a disponibilização de informações e imagens através de smartphones e tablets para qualquer faculdade de medicina do país, facilitando o acesso de alunos a informações básicas imprescindíveis para a formação médica. Com isto, é possível, por exemplo, construir uma imagem 3D de um órgão e disponibilizá-la para impressão através das impressoras 3D, possibilitando aos alunos tocar e avaliar detalhadamente a estrutura e funcionamento do corpo humano.

Já no telessaúde, programa desenvolvido pelo Ministério da Saúde, o objetivo é munir de informações profissionais da saúde que tratam da atenção básica. Neste caso, esses profissionais, que se encontram normalmente em locais distantes e, por vezes, não possuem acesso a informação, conseguem uma consultoria para esclarecimentos de dúvidas, procedimentos clínicos e ações em saúde, auxílio para diagnóstico de doenças, cursos e treinamentos específicos e acesso a uma segunda opinião baseada em estudos científicos e informações do sistema de saúde.

O crescente uso desses serviços agrega valor, melhora o acesso da população e de profissionais aos serviços e informações de saúde e pode representar um avanço no controle de doenças e diagnósticos mais rápidos.

Teleconsulta, foto por Intel Free Press.

veronicaVerônica M. Horner Hoe é graduada em Biologia, MBA em Políticas e Gestão Governamental, Mestranda em Desenvolvimento Sustentável. Foi gerente de assuntos regulatórios e meio ambiente, e atualmente é gerente de relações institucionais na ABIPLA (Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins). Coordena ações do Programa Movimento Limpeza Consciente, do setor de produtos de limpeza.

 

[1] BARTON, A. The regulations of mobile health application. BMC Medicine, 10:46, 2012.

A estória de Talal e as ineficiências regulatórias brasileiras

Pequenas reformas micro podem ter efeitos macroeconômicos importantes. Além de grandes estórias de superação, a vinda de refugiados e asilados ao Brasil trouxe também exemplos de como simples alterações no ambiente regulatório poderiam ter efeitos significativos na economia.

Nesse sentido, a estória do sírio Talal al-Tinawi é exemplar. Como o próprio Talal relata no vídeo abaixo, ele é engenheiro mecânico, chegou ao Brasil no final de 2013 e, por ainda não ter conseguido revalidar o seu diploma, decidiu abrir um restaurante.

No Brasil, o processo de revalidação de diploma estrangeiro, seja ele feito por cidadãos brasileiros ou de outras nacionalidades, depende da análise e aprovação de uma universidade pública nacional. As universidades cobram taxas que chegam a R$ 3.000,00, nem sempre estabelecem um prazo de resposta ao pedido e ainda podem se recusar a analisar o diploma. Isso leva a situações absurdas, como a de estudantes de graduação, Mestrado e Doutorado que recebem bolsas do Estado para estudar no exterior como as do Ciências sem Fronteiras, mas enfrentam dificuldades em tornar seus diplomas válidos no Brasil.

Essa regulação gera ineficiências e pode desestimular tanto a ida de brasileiros a universidades estrangeiras como a vinda de profissionais qualificados ao Brasil. Além disso, essa ineficiência afeta pessoas como Talal, que poderia ter sido, por meio de um processo mais célere, formalmente reconhecido em sua área de atuação, uma atividade de alta agregação de valor.

Essa discussão é especialmente relevante para os serviços, que é o setor privado com a maior concentração de profissionais com ensino superior completo ou mais – ver tabela abaixo.

Assim, atualizar nosso marco regulatório parece ser condição necessária para tornar os nossos serviços e a nossa economia mais competitivos.

Tabela – Distribuição de empregados, por nível de escolaridade e setor

Fonte: Elaboração própria a partir de RAIS (MTE), 2014.

Fonte: Elaboração própria a partir de RAIS (MTE), 2014.

Por que as empresas terceirizam suas atividades?

O tema da terceirização tem sido bastante discutido na imprensa, principalmente por conta do projeto de lei 4330/2004, que está tramitando no Congresso. Sem entrar no mérito do projeto de lei, cabe a pergunta: por que as empresas terceirizam suas atividades? O que isso tem a ver com serviços?

Em seu clássico artigo sobre a natureza das firmas, Ronald Coase (1937) argumenta que, para uma empresa, há ganhos em verticalizar e expandir a produção, mas estes são decrescentes. Se não fossem, uma única empresa fabricaria tudo internamente. Verticalizar demais traria custos crescentes de organização, o que faria com que a empresa não alocasse seus recursos da maneira mais eficiente. Logo, à medida que uma empresa cresce, haveria um ponto no qual seria mais vantajoso terceirizar parte de seu processo produtivo do que fabricar internamente.

Em trabalho mais recente, Berlingieri (2014) levanta três motivos pelos quais uma empresa decide terceirizar:

  • contratar atividades antes realizadas internamente, de maneira a economizar em custos trabalhistas e ter mais flexibilidade;
  • substituir insumos produzidos internamente por outros fabricados por empresas especializadas mais eficientes;
  • contratar serviços de mercado em resposta a novas necessidades, de maneira a economizar em custos de P&D e aprendizado.

Cabe notar, também, que, com o aumento da complexidade da economia e com a redução dos custos de transporte e comunicação, houve um crescimento tanto da demanda quanto da oferta por serviços especializados. Além disso, as empresas foram se especializando em tarefas cada vez mais específicas e, como os custos de transação diminuíram, terceirizar se tornou mais atraente. Esses fenômenos, conjuntamente, contribuíram para o aumento expressivo da terceirização nas últimas décadas, levando ao extremo, em alguns setores, de empresas que apenas projetavam seu produtos, sem fabricar praticamente nada internamente (STURGEON, 2002).

Analisando dados da economia americana, Berlingieri calcula que serviços profissionais respondem, sozinhos, por 40% do crescimento da participação de serviços no emprego entre 1947 e 2002. No período, os serviços aumentaram sua participação no PIB americano de 60% para 80%; já a participação no emprego passou de 60% para 85%.

O Brasil, de maneira menos intensa, também passou por esse processo de descentralização da produção. A questão é: se os serviços são importantes componentes do aumento da terceirização, mas estes são pouco eficientes, qual o impacto disso para a economia? O gráfico abaixo mostra que os serviços brasileiros têm 19% da produtividade do trabalho dos serviços americanos. “Aluguel de máquinas e equipamentos e outros serviços empresariais” apresenta uma produtividade do trabalho relativa de 13%. Logo, é bem provável que, por mais que possa trazer ganhos, o processo de terceirização da produção, em países como o Brasil, traga algumas perdas de eficiência.

Produtividade do trabalho no Brasil em atividades selecionadas relativa à dos Estados Unidos, 2011 em US$.

Fonte: Moreira (2015), a partir de dados da World Input-Output Database (TIMMER, 2012).

Fonte: Moreira (2015), a partir de dados da World Input-Output Database (TIMMER, 2012).

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