Economia de Serviços

um espaço para debate

Category: Indústria

O que traz a literatura sobre as classificações do setor de serviços?

Conforme já foi mencionado aqui no Blog, a abrangência de diversas esferas econômicas se encontram presentes nesse setor, entre elas estão os serviços de energia, serviços financeiros, de informática, serviços de transporte, entre outros. Com isso, o conjunto de categorias que compõem esse setor são heterogêneas (Baumol et. al, (1985), Eichengreen e Gupta (2011), Jorgensen e Timmer (2011), Arbache (2014)) o que dificulta a análise exata do setor.

Com a economia globalizada e o aumento do progresso tecnológico nas atividades de serviços, surgiu a necessidade de separar o setor, em decorrência da sua heterogeneidade. Os serviços se tornaram amplamente tecnológicos e, consequentemente, a literatura a respeito do tema se adaptou a nova demanda. Tal literatura costumava utilizar a divisão dos serviços como comercializáveis e não comercializáveis, confundindo os serviços de alto valor agregado com os demais. Dessa forma, alguns trabalhos buscam explicar empiricamente o aumento da participação dos serviços na economia, separando os serviços como tradebles e non-tradebles, justificando que a mão de obra do setor está aumentando significativamente (Jensen e Kletzer , 2005; Anderson et al (2012); Gervais e Jensen (2013)).

Duarte e Restuccia (2009) também analisaram o papel dos diferentes setores na produtividade do trabalho, ao explicar o processo de mudança estrutural, dando maior heterogeneidade ao setor de serviços. Para isso, foi utilizado um modelo de transformação estrutural, calibrado para os Estados Unidos, com o intuito de medir a diferença de produtividade entre os países. Os autores encontraram que, entre os países ricos e pobres, a diferença da produtividade se encontra mais evidente nos setores da agricultura e de serviços. Essa diferença é menor no setor industrial, apesar da agricultura e da indústria terem experimentado redução da produtividade com maior ênfase do que no setor de serviços.

Gonzalez, Meliciani e Savona (2015) tratam os serviços como non-tradables, o que os incluem em uma categoria de serviços de custos. Isso significa que eles também não perceberam que serviços e indústria caminham para uma mesma direção, convergindo a uma estrutura de fabricação conjunta, para atender as demandas do consumidor final. Em relação as mudanças estruturais, o autor também afirma que “essas mudanças também trouxeram ganhos de produtividade, mas há uma redução global do emprego”. Porém, para elevar a produtividade, especialmente no setor de serviços, é importante observar a forma como a inovação tecnológica é realizada (no sentido da qualidade do que está sendo produzido), pois o processo da economia digital traz graves consequências às distintas economias, em termos de economias desenvolvidas e em desenvolvimento. A qualidade do serviço tecnológico é fundamental para evitar a desigualdade que pode ser gerada entre os países.

Arbache (2012) traz uma análise direcionada ao setor que, ao longo da literatura clássica era tratado como o menos produtivo, passa a ser o setor mais importante a ser analisado, em termos de produtividade e renda. De acordo com Arbache (2014), os serviços estão separados em dois grupos: serviços de custo e serviços de valor, conforme post anterior.

Os serviços de custo são compostos por itens básicos de produção, já os serviços de valor são aqueles formados por atividades que contribuem para a produção e diferenciação dos produtos, conforme foi citado. Ao se referir aos serviços de valor, será utilizado referências sobre KIBS (Knowledge Intensive Business Services), ou Serviços Intensivos em Conhecimento (SIC) no Brasil, que são serviços de alto valor agregado e diferenciação de produtos. O pioneiro a tratar dessa nomenclatura foi Miles (1993)., possibilitando diversos conceitos de KIBS, aproximando a discursão a respeito do tema. O quadro 1 abaixo, apresentado em Teza et. al (2012), traz diversos conceitos de KIBS.

Trabalho Conceito de KIBS
Miles et al. (1995, p. 18) KIBS são serviços que envolvem atividades econômicas que se destinam a resultar na criação, acumulação ou divulgação do conhecimento;
Bettencourt et al. (2002, p. 100) Serviços empresariais intensivos em conhecimento (KIBS) são empresas cuja principal atividade de valor agregado consiste na acumulação, criação ou disseminação do conhecimento com a finalidade de desenvolver um serviço personalizado ou solução de produto para satisfazer as necessidades do cliente (por exemplo, consultoria em tecnologia da informação, engenharia técnica, design de software).
Miles (2005, p. 39) São serviços que fornecem insumos intensivos em conhecimento aos processos de negócios de outras organizações – serviços empresariais intensivos em conhecimento (KIBS), tais como serviços de informática, serviços de P&D, serviços jurídicos, de contabilidade e de gestão, engenharia, arquitetura e serviços técnicos de publicidade e pesquisa de mercado.
Miozzo e Grimshaw (2005, p. 1420) KIBS são os serviços empresariais que são baseados no conhecimento, baseados em ambos conhecimento social e institucional (como muitos tradicionais serviços profissionais, tais como contabilidade ou consultoria de gestão) ou mais conhecimento tecnológico (como computação, P&D e serviços de engenharia).
Simie e Stranback (2006, p. 27) KIBS são aqueles serviços demandados por empresas e instituições públicas que não são produzidos para consumo privado. Serviços de conhecimento intensivo são apenas uma parte dos negócios relacionados com serviços e são caracterizados por um alto grau de funcionários altamente qualificados.
Amara et al. (2008, p. 1530) Serviços empresariais intensivos em conhecimento (KIBS) que fornecem serviços baseados em conhecimento profissional.
Muller e Doloreux (2009, p. 65) KIBS se refere a empresas de serviços que se caracterizam pela alta intensidade de conhecimento e serviços para outras empresas e organizações, serviços que são predominantemente não-rotineiros.
Wenhong e Min, 2010 KIBS refere-se à indústria de serviço que tem o conhecimento como principal elemento de entrada, e apresenta investimentos em inovação e desempenhos elevados.

Dada a importância dos estudos baseados em serviços intensivos em conhecimento, estudos empíricos focam na relação da produtividade desses serviços (Bessant e Rush, 1995; Hales, 1997), e, para quantificar um difusor do conhecimento, aspecto fundamental para a inovação, KIBs passou a ser utilizada como variável representante da infraestrutura de diferenciação e agregação de produtos (Aslesen e Isaksen, 2007; Li e Chen, 2010; Muller e Doloreux, 2009; Muller e Zenker, 2011).

Desmarchelier et al (2012) buscaram compreender a relação existente entre os serviços intensivos em conhecimento e o crescimento econômico. Levando em consideração alguns conflitos existentes entre os serviços e crescimento, os autores construíram um multi-agente baseado em um sistema que envolve firmas industriais, consumidoras, intensivas em conhecimento e sistema bancário.

Assim como a mudança estrutural tornou-se evidente diante do crescimento da participação do setor de serviços nas economias, a literatura direcionada à estudos de serviços intensivos em conhecimento também tem se tornado mais relevante, tendo em vista a difusão do debate acerca dos serviços.

Simplificações Interpretativas, a Mãe de todos os Males e a Economia dos Serviços

Em 26 de julho, neste Blog,  publicamos um artigo (https://bit.ly/2MWI36M) no qual argumentamos que associar a intensificação das desigualdades, a dualização do mercado de trabalho, a perda de dinamismo nos ganhos de produtividade, etc. à crescente participação do setor serviços nas economias seria um reducionismo interpretativo factível de ser objetado  teoricamente, mas, sobretudo, empiricamente. Podiam existir elementos que associem ambos os fenômenos, mas seria simplista e pouco elucidativo fazer uma banal amálgama entre ambas tendências.

Quase exatamente um mês depois, o Departamento de Pesquisas do Banco de Investimento Natixis, em uma publicação enviada a seus clientes (https://bit.ly/2CsooqF) apresenta não unicamente uma interpretação radicalmente discrepante da nossa, senão que seus argumentos sintetizam com meridiana claridade essa fusão rudimentar que tentávamos relativizar.

Basicamente, os argumentos dos pesquisadores do Natixis apontam para paulatina transformação das economias contemporâneas em economias preponderantemente de serviços como sendo a origem de aspectos pouco desejáveis (redução do crescimento potencial, segmentação dos empregos, guerras comerciais, etc.) no contorno que vai adquirindo a modernização de nossas sociedades.

Quatro seriam dos desfechos mais controversos da desindustrialização das economias.  

A globalização e o comércio mundial seriam penalizados, uma vez que os serviços são preponderantemente “non-tradables”.  

Simultaneamente, a demanda de bens industrializados estaria perdendo fôlego por diversos fatores: saturação dos mercados mundiais, baixa elasticidade-renda por seus produtos, envelhecimento da população, etc.. As mesmas variáveis redundariam em um forte dinamismo na procura pela oferta proporcionada pelos serviços, fato que explicaria a crescente transformação das nossas sociedades em economias de serviços.   Sucede que essa saturação estaria induzindo a uma incessante guerra comercial pela conquista de um mercado mundial (de bens industrializados) cada vez menos dinâmico pelo lado da demanda e, simultaneamente, uma oferta crescente pelos ganhos de produtividade. Essa guerra forçaria aos gestores de política a apelar à utilização das taxas de câmbio, ao sistema tributário/subsídios e à redução de custos (via flexibilização da legislação trabalhista, por exemplo) a fim de conquistar ou manter a participação nos mercados mundiais de bens manufaturados.  

Uma vez que os serviços não seriam tão dinâmicos no tocante a ganhos de produtividade, essa idiossincrasia teria um corolário quase direto no mercado de trabalho.  A outra face da baixa produtividade seriam postos de trabalho que requerem trabalho não qualificado e, conseqüentemente, que pagam baixos salários. O “wageless growth” das últimas décadas seria uma das seqüelas da transformação da economia mundial em uma economia de serviços.

Por último, o quarto desfecho não desejável seria o comprometimento, no longo prazo, do crescimento potencial.  O setor agora mais dinâmico (os serviços), com seu anêmico aumento na produtividade, acabaria contaminando toda a economia, fato que explicaria a redução nos ganhos de produtividade quando a base de comparação são os supostos anos dourados da industrialização (entre o fim da segunda guerra mundial e o segundo choque do petróleo).

Resumindo, para o Departamento de Pesquisas do Natixis, na paulatina substituição do antigo núcleo dinâmico centrado na indústria de transformação pelo setor serviços estaria a raiz da maioria das disfuncionalidades que hoje singularizam a economia mundial.  Diagnóstico reducionista e simplista, mas com um algum apelo intuitivo e que goza de certo prestígio em nichos acadêmicos e instituições que defendem posições corporativas.

A análise divulgada pelo Natixis apresenta uma série de fragilidades que podem ser identificadas sem fazer apelo a sofisticados modelos teóricos ou a primorosas técnicas econométricas. Sem pretender esgotar o tema, vamos mencionar algumas delas.

Quando compara as trajetórias temporais, na maioria dos gráficos apresentados no informe a seus clientes, o Natixis segmenta setorialmente a economia em dois setores: indústria/não-indústria.  Um primeiro aspecto que não contribui para tornar o debate mais robusto empiricamente diz respeito a uma agregação um pouco esdrúxula, uma vez que tudo o que é não-indústria seria sinônimo de serviços, fusão pouco rigorosa tecnicamente.  Porém, assumamos que tudo o que é não-indústria seja serviços. Mesmo nesse caso, estaríamos diante de um conjunto tão heterogêneo que uma média seria pouco representativa do todo. Mencionamos em nosso artigo anterior neste Blog que o setor denominado serviços agrupa uma diversidade de segmentos que vão desde atividades umbilicalmente vinculadas à indústria de transformação, oferta comercializável nos mercados mundiais até mesmo aqueles subsetores que popularmente são assimilados ao setor terciário (fast-foods, serviços pessoais, etc.).  Ao avaliar o comportamento (em termos de PIB, produtividade, emprego, salários, etc.) de um aglomerado tão multifacetado vis-à-vis à indústria de transformação os resultados pouco elucidam.

Os gráficos apresentados pelo Natixis para provar suas hipóteses indicam uma “desindustrialização” do emprego e, coincidentemente, o período temporal escolhido corresponde a uma suposta precarização do mercado de trabalho (geração de postos de trabalho de baixa produtividade).  Sucede que a série histórica escolhida é posterior à década de 90. Em nosso artigo, indicamos que a “desindustrialização” do emprego é antiga, não começa nos anos 90 e já existia uma “desindustrialização” do emprego nos anos dourados das economias centrais. Se o horizonte escolhido fosse mais prolongado, essa superposição de fenômenos seria menos evidente e inibiria identificar relações de causalidade onde sequer existe correlação. Por outra parte, mesmo admitindo que ambos os fenômenos se registrem em paralelo, sabemos que correlação não implica ordem de causalidade.  

Mas conservemos os anos 90 como base de comparação.  Aceitemos esse início temporal e também admitamos que “não-indústria” é um agrupamento análogo ao setor serviços.  O Natixis parece aceitar o modelo canônico segundo o qual existe uma proximidade muito estreita entre salários e produtividade.  Nesse sentido, sempre segundo o Flash Economics do Natixis, a “desindustrializaçao” do emprego (que seria sinônimo de “servirização” dos postos de trabalho) estaria na origem do “wageless-growth”.  Como já mencionamos, uma vez que o setor mais dinâmico na geração de empregos é o serviços e este não apresenta expressivos ganhos de produtividade, o corolário óbvio seriam salários estagnados. Sucede que, nos gráficos apresentados pelo Natixis, a trajetória dos salários (a inclinação de sua evolução) nos serviços é bem próxima à observada no setor da indústria.  Existe um gap (favorável à indústria), mas a inclinação da evolução é similar. Em outros termos, as taxas de variação parecem bem próximas. Assim, se os salários estão determinados pela produtividade e estes tem uma variação equivalente, significa que os ganhos de produtividade evoluem de forma também próxima nos dois setores. Ou, em caso contrário, estamos diante do Modelo de Boumol: na hipótese de um mercado de trabalho não segmentado, os salários nos serviços (mesmo sem ganhos de produtividade) acompanham a produtividade da indústria.  Mas, neste caso, podemos até ter uma redução do crescimento potencial, mas não um mercado de trabalho dual e fica em aberto a plausibilidade de um “wageless-growth”.

A ambigüidade é ainda maior quando abandonamos a mediação dos salários para auferir a produtividade e diretamente visualizamos a trajetória da mesma. Nos próprios gráficos apresentados pelo Natixis, quando o referencial são as economias da OCDE parece existir uma ruptura total entre evolução dos salários e trajetória da produtividade.  Os salários crescem (como afirmamos) a taxas próximas nos dois setores (indústria/não-indústria), mas a produtividade da indústria aumenta de forma permanente ficando quase estagnada no setor serviços (não-indústria). Pergunta: por que na OCDE se verifica uma defasagem entre salários e produtividade nos serviços ? Aqui estamos no Modelo de Boumol na sua forma mais pura.  Os salários nos serviços estão sendo “puxados” pelos ganhos de produtividade na indústria ?

Direcionemos, agora, a nossa atenção para os dados da economia mundial, também apresentados pelo Natixis. Espanto: agora já não temos mais esse descasamento entre evolução da produtividade na indústria e a não-indústria e os salários acompanham a evolução da produtividade em ambos os setores. Quando a referência é a economia mundial deixa de ser relevante diferenciar setorialmente indústria/não-indústria e retomamos o modelo canônico em sua forma mais pura: salários e produtividade crescem a taxas próximas em ambos os setores.  Em outros termos: o comportamento de salários e produtividade correm pari-passu, não faz mais sentido segmentar.  

Digreção: o que diferencia as economias maduras da OCDE do resto do mundo?  Por que o Modelo de Boumol parece corresponder às economias mais desenvolvidas, mas não no restante do mundo ?  Por que os ganhos de produtividade nos serviços (não-indústria) acompanham a indústria nos países não-OCDE mas não nestes últimos ?  Será que estamos falando de “serviços” que são qualitativamente diferentes ? Os ganhos de produtividade na “não-indústria” nos dados da economia mundial, refletem a migração da força de trabalho da agricultura de subsistência para os espaços urbanos nos países em desenvolvimento (China por exemplo) ? Mas se a resposta a esta última pergunta é positiva, faz sentido a agregação em uma categoria “não-indústria” a um conjunto tão heterogêneo de atividades que abrange desde a agricultura de subsistência até a produção de softwares ?

Estas perguntas nos sugerem um espaço em aberto para pesquisas, onde temos mais perguntas que respostas.  Nesse sentido, a conclusão do Natixis (“The world’s transformation into a service economy can therefore be considered a negative development, if it leads to a non-cooperative policies, a slowdown in global trade, poor-quality jobs and weaker growth”) nos parece ousada, prematura, simplista e sua verificação empírica merece esforços mais aprimorados.  Por outra parte, se essa força gravitacional dos serviços é inexorável (até pelos motivos expostos pelo próprio Natixis) e os desdobramentos negativos, quais são os graus de liberdade para alterar os resultados desse processo ? Menor crescimento potencial, sociedades mais segmentadas, guerras comerciais se alastrando, etc., esse é o futuro vindouro e inevitável ?  Se todas essas disfuncionalidades têm como berço o setor de serviços, contornar essa prospecção passaria pelo voluntarismo de re-industrializar o mundo ?

Indústria de Transformação, Serviços e Qualidade do Emprego

Carlos Alberto Ramos [1]

 

Existe certo consenso sobre a existência da tendência de crescente desigualdade nos últimos 40 anos nos países centrais. As pesquisas empíricas identificaram diversas raízes na explicação desse fenômeno, causas que vão desde o impacto das novas tecnologias no perfil de demanda de mão-de-obra (Goldin, C.; Katz (2008), Acemoglu (2002)), passam pela introdução de robôs na indústria manufatureira e seu impacto no emprego e salários (Acemoglu; Restrepo (2017), Acemoglu (2017)) e chegam interpretações mais heterodoxas como a de Piketty (2013).

Esse aumento na dispersão dos rendimentos se observou em paralelo a uma alteração nas dinâmicas setoriais de emprego. O estoque de assalariados na Indústria de Transformação registra tendência de queda e é crescente a importância do emprego nos serviços. Esse deslocamento setorial seria mais acentuado em países que seriam pioneiros (talvez por esse vanguardismo) no processo de industrialização. Na Alemanha, a quantidade de assalariados na Indústria de Transformação (IT) representava em torno de 40% do emprego total em 1970, ano que podemos identificar como sendo o ápice do estilo de desenvolvimento pós-segunda guerra mundial. Um quarto de século depois o percentual apenas ultrapassa os 20%. Na Inglaterra, a “desindustrialização” do emprego também é particularmente acentuada (35% e 16%, respectivamente), tendência similar nos EUA (27% e 12%, respectivamente). [2]

A perda de relevância da Indústria de Transformação na geração de empregos ao se verificar em paralelo com uma crescente desigualdade abre espaço para uma reação quase intuitiva: estaria na “desindustrialização” do emprego a raiz última do aumento da polarização no mercado de trabalho?

Diversos são os argumentos que poderiam ser esgrimidos para ancorar essa relação de causalidade. Vamos citar alguns deles, mencionando suas fragilidades.

O mais usual faz uma associação direta entre emprego industrial e emprego de “qualidade”. Contrariamente, o setor serviços se caracterizaria pela “precariedade” dos vínculos. Deixando de lado, de forma momentânea, a necessidade de qualificação desses adjetivos (“qualidade”, “precariedade”, etc.), as séries não parecem indicar um nexo direto entre a redução das desigualdades no período que vai dos anos 40 ao 70 do século passado com uma crescente importância do emprego na Indústria de Transformação. Observemos dois aspectos. Em nenhum momento da história o emprego na IT foi majoritário. Tomemos o caso dos EUA. Desde um máximo de quase 40% a começos do século passado se inicia uma continua queda até 27,3% no ano de 1970. [3] Ou seja, o período considerado dourado em termos de crescimento e desconcentração de renda (entre a segunda guerra mundial e meados dos anos 70), a IT apresenta uma contínua queda na sua relevância como geradora de postos de trabalho. Na Inglaterra, o percentual de ocupados na IT atinge máximos de em torno de 40% em meados de século passado, sendo o emprego nos serviços sempre superior. Entre 1960 e 1970 se inicia uma queda (em termos absolutos) do número de empregados na IT e essa redução não redundou em alterações do Gini, que se manteve em torno de 0,26. [4]  Ou seja, associar a desindustrialização do emprego à precarização dos postos de trabalho e, imediatamente, fazer um nexo com as crescentes desigualdades dos últimos 40 anos ou ao “wageless growth” merece certo cuidado.

Uma segunda linha interpretativa diz respeito à queda no poder de barganha dos assalariados quando transitamos de empregos industriais a postos de trabalho nos serviços. O emprego na IT nuclearia grandes unidades de produção com significativos contingentes de trabalhadores, o que viabilizaria a união dessa mão-de-obra em sindicatos com elevado poder de negociação. Contrariamente, nos serviços prevaleceriam pequenas e dispersas unidades de produção que ocupariam reduzidos estoques de empregados. Essa característica tornaria o poder de barganha dos sindicatos menor e até mesmo dificultaria a sua proporia existência. Acompanhando essa matriz interpretativa, a desindustrialização do emprego teria como contrapartida uma queda na capacidade de negociar salários e, nesse sentido, a trajetória na composição setorial do emprego das últimas décadas teria contribuído para o crescimento das desigualdades. Neste caso, os dados parecem ancorar este diagnóstico. A densidade sindical (percentual de assalariados afiliados a um sindicato) vem caindo desde os anos 70 do século passado e a abrangência das negociações coletivas também registra tendência de queda. [5] Fica em aberto determinar a importância do ganho de participação dos serviços na geração de emprego na redução do grau de sindicalização. Lembremos que a elevação do desemprego, a concorrência internacional, etc. são outras tantas variáveis que podem estar contribuindo a essa nova configuração de barganha.

A essa considerações teóricas e empíricas podemos contrapor diversas outras. Vamos mencionar algumas delas.

Essa segmentação industria/serviços seria maniqueísta. A articulação entre a IT e os serviços seria evidente na crescente participação destes últimos no valor agregado da primeira, chegando a mais de 25% (IMF (2018)). Essa ““servicification of manufacturing” não permitiria seccionar um binômio “bons postos de trabalho”/IT versus “vagas precárias”/serviços.

A segunda observação diz respeito à necessidade de definir com algum grau de objetividade o conceito de “bom posto de trabalho” e “emprego precário”. As variáveis usualmente utilizadas para tipificar a qualidade de um posto de trabalho são: condições de trabalho, satisfação com as tarefas realizadas, monotonia, estabilidade, autonomia, salários indiretos, insalubridade, flexibilidade no tempo de trabalho, etc. [6] As pesquisas indicam que uma segmentação entre bons empregos no setor industrial e empregos precários no setor de serviços não pode ser taxativa. Se a rotatividade, o emprego temporário e a tempo parcial são mais usuais no setor de serviços, simultaneamente programas de treinamento são mais freqüentes e as condições de trabalho mais favoráveis aos assalariados. Por outra parte, controladas as características pessoais, os salários são próximos. [7]  Esta proximidade se observa tanto nos países centrais (OCDE (2001), IMF (2018)) como no Brasil (Alvarez (2017)).

Por último, merece reflexão um usual mecanicismo histórico que associa o processo de desenvolvimento, de longo prazo, com uma transição setorial do emprego. Assim, as etapas que as sociedades teriam percorrido seriam a transição de um período no qual a agricultura seria o setor dominante para uma sociedade urbana-industrial e, posteriormente, se constataria o ingresso a um pós-modernismo no qual os empregos e as atividades nos serviços seriam hegemônicos. A primeira transição teria possibilitado ganhos de produtividade elevados, empregos “clássicos” (assalariado industrial com contratos por tempo indeterminado e sindicalizados) e uma redução da dispersão dos rendimentos. A terceira etapa, na qual os serviços seriam hegemônicos, a “precariedade” das vagas geradas estaria comprometendo os ganhos em termos de igualdade e mesmo não estariam alheios às raízes da diagnosticada “estagnação secular” (Gordon (2017)). Existem contribuições teóricas sugerindo que essa caracterização mecanicista do processo de desenvolvimento pode ter sido reducionista em excesso, podendo ser vislumbradas experiências nas quais sociedades agrícolas abertas ao comercio mundial abriram espaço para um setor de serviços que, posteriormente, alavancou a industrialização (Thomé; Galiani; Heymann; Dabús (2008)).

Dos argumentos apresentados nos parágrafos anteriores podemos concluir que seria prematuro atribuir à IT uma superioridade qualitativa na oferta de emprego. Concentrar nesse setor os “bons postos de trabalho” e identificar os serviços com a “precarização das ocupações” constitui uma simplificação que não ajuda a avançar a fronteira do conhecimento na área. Existem complementações entre a IT e os serviços, sendo questionável o realismo de segmentos com reduzidos vasos comunicantes. As exportações mundiais apresentam uma crescente participação dos serviços (IMF (2018)). A caricatura de uma IT “tradable”, capaz de gerar ganhos de produtividade via mercados mundiais e possibilitando a oferta de empregos de qualidade versus um setor de serviços reduzido a satisfazer o mercado interno, com escassos ganhos de produtividade e pressões de salários (como o Modelo de Baumol predizia) merece ser repensado. Talvez seja necessário redefinir a categorização setorial, uma vez que hoje são classificadas como serviços desde atividades como finanças e business até serviços de restaurantes e hotéis. Dada essa diversidade, uma média pode deixar de ter a representatividade desejada.

Como balanço podemos concluir sobre a conveniência de superar estereótipos e direcionar os esforços a pesquisas teóricas e empíricas nessa área.

Bibliografia Citada

Acemoglu, D., “Technical Change, Inequality, and the Labor Market” Journal of Economic Literature. v.40. p,70-72. 2002.

——————-, “Automation and the Future of Jobs” Technology and Academic Policy. June, 2017. (Disponível em: https://bit.ly/2uxXAi8; consultado em Julio de 2018).

——————-; Restrepo, P. “Robots and Jobs: Evidence from US Labor Markets” NBER. Working Paper No. 23285. March 2017. (Disponível em: http://www.nber.org/papers/w23285; consultado em Julio de 2018).

Alvarez, J., “Structural Transformation and the Agricultural Wage Gap” IMF Working Paper 17/289. 2017.

Goldin, C.; Katz, L.F., The Race between Education and Technology. Massachuttes (USA):Belknap Press. 2008.

Gordon, R.J., The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War. New Jersey:Princeton University Press. 2017.

IMF, World Economic Outlook. Chapter 3. 2018.

Lebergott, S., Labor Force and Employment, 1800–1960, in Brady, D.S., (Ed.) Output, Employment, and Productivity in the United States after 1800. NBER. 1966. (Disponível em: http://www.nber.org/chapters/c1567.pdf; Consultado em Julio de 2018).

OCDE, Employment Outlook 2014. Paris:OCDE. 2014.

——–, Employment Outlook 2001. Chapter 3 (The Characteristics and Quality of Service Sector Jobs). Paris: OCDE. 2001.

Piketty, T., Le Capital au XXIe Siècle. Paris:Editions du Seuil. 2013.

Thomé, F.; Galiani, S.; Heymann, D.; Dabús, C., “On the emergence of public education in land-rich economies” Journal of Development Economics. v.86. p.434-46. 2008.

  1. Fonte: US. Department of Labor, Bureau of Labor Statistics. Essa desindustrialização do emprego é uma tendência mundial. As exceções estão situadas quase todas em Ásia (China, Tailândia, Indonésia, etc.). Ver IMF (2018).
  2. Ver https://www.census.gov/prod/99pubs/99statab/sec31.pdf (Consultado em Julho de 2018).
  3.  Fonte: IFS (Institute for Fiscal Studies), UK.
  4.  Ver OCDE (2014). Logicamente, que esta tendência à “desindiscalização” tem nuances segundo cada país.
  5.  Ver OCDE (2001).
  6.  Essa proximidade depende muito do sub-setor nos serviços, sugerindo uma pronunciada heterogeneidade.
Professor do Departamento de Economia, UnB. Graduação Universidad de Buenos Aires, Mestrado na Universidade de Brasília, doutorado na Université Paris-Nord.

 

Indústria ou serviços? Afinal, qual é a participação da indústria na economia?

Muito tem se falado sobre o encolhimento da indústria manufatureira brasileira. Opiniões divergentes abundam. Uns dizem que o encolhimento da indústria fragiliza a economia nacional. Outros acham que a indústria já não importa e tomam o caso dos Estados Unidos como referência.

Mas, afinal, o que se passa com a nossa indústria? A partir das contas nacionais, o IBGE identifica que a indústria representaria algo em torno de 11% a 12% do PIB. Como já foi quase três vezes maior e a participação segue um padrão de queda quase monotônico desde os anos 1980, então muitos analistas acreditam que o país estaria passando por um processo de  desindustrialização. O professor da Universidade de Cambridge, Ha-Joon Chang, por exemplo, caracteriza o recuo da indústria no Brasil como um dos maiores movimentos de desindustrialização jamais registrados.

A atual participação da indústria americana no PIB é similar à brasileira, sendo que lá ela também já foi substancialmente maior. Porém, para Dani Rodrik, diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil estaria experimentando um processo de desindustrialização prematura, já que ainda é um país emergente.

De fato, a despeito das supostas similaridades das participações da indústria dos dois países no PIB, é preciso se levar em conta as substanciais diferenças entre os dois casos. Enquanto a queda da participação da indústria americana no PIB foi acompanhada de significativo aumento da densidade industrial, a queda da participação no Brasil foi acompanhada de estagnação da densidade — a densidade americana é, hoje, mais de quatro vezes maior que a brasileira e a diferença segue aumentando. Já a participação no PIB dos serviços utilizados como insumos de produção, tais como os serviços de custos e de agregação de valor, é quase duas vezes maior nos Estados Unidos do que no Brasil.

Logo, as evidências sugerem que a indústria americana mobiliza e articula uma extensa cadeia de valor e produz bens de muito mais alto valor adicionado que a brasileira.

É preciso, ainda, considerar que a indústria americana se estende mundo afora, com gigantesca presença global através das suas multinacionais e que é parte ativa de muitas das mais influentes cadeias globais de valor, como a automobilística, a química, a eletrônica e a aeronáutica. A contabilização da indústria americana operando no seu próprio e em terceiros territórios indica que os Estados Unidos têm, juntamente com a China, as duas mais poderosas indústrias manufatureiras do globo.

Indicadores menos convencionais, como emprego de engenheiros, patentes depositadas e encomenda e financiamento do P&D do setor de serviços, sugerem que a indústria americana tem vasta contribuição para a inovação e para a tecnologia e é mobilizadora de recursos para o P&D.

Pense, agora, na Google, Amazon, Microsoft, Uber e Apple, que estão entre as mais valiosas empresas globais de serviços. Um olhar mais cuidadoso mostra que essas empresas são, e cada vez mais, desenvolvedoras de bens industriais que trazem consigo elevadíssima porção embarcada de serviços e alta tecnologia.

Nada disto está colocado para o Brasil. Logo, comparar Brasil com Estados Unidos é como comparar laranjas com maçãs.

Isto posto, é difícil concluir que o caso do Brasil é similar ao dos Estados Unidos. Pelo contrário, o que parece é que a indústria americana estaria passando por um sofisticado processo de transformação baseado numa relação sinergética e simbiótica com os serviços para criar valor em nível global.

Em tempos de densidade industrial e de profundas transformações nas tecnologias de produção e de gestão da produção e no conceito de produto industrial, a comparação da participação da indústria no PIB ou mesmo a comparação do perfil geral da produção de países pode pouco ou nada dizer.

O que, afinal, é indústria no século XXI?

Um dos assuntos mais populares nos dias de hoje é a indústria manufatureira. Pontos de entrada nesta agenda não faltam. Uns discutem a desindustrialização; outros a reindustrialização; outros a indústria 4.0; outros questionam a sua relevância; outros examinam a relação entre indústria, emprego, comércio exterior e inovação, e por aí vai.

Mas, afinal, de que indústria estão todos falando? Seria a indústria manufatureira, tal como a conhecemos dos livros-texto e das contas nacionais, ou seria algo diferente disto? A pergunta parece banal e até mesmo sem propósito. Mas não é. E razões para isto não faltam, incluindo as que seguem.

Primeiro, a atividade industrial dentro do chão-de-fábrica vem mudando substancialmente. Se, antes, a atividade envolvia várias etapas do processamento e da transformação industrial, hoje, boa parte das atividades acessórias e complementares, e até mesmo algumas mais centrais, já foi terceirizada. Contabilidade, folha de pagamento e logística, por exemplo, que tipicamente faziam parte da matriz básica de custos de uma fábrica, já estão no rol das atividades mais comumente terceirizadas. Com o advento da TI na nuvem e de tantos outros serviços fornecidos por arranjos cada vez mais flexíveis e sofisticados, muitas outras atividades antes dentro da empresa passaram a ser providas a partir de terceiras partes, muitas delas até mesmo localizadas em outros países. Consequentemente, o “tamanho” da indústria foi diminuindo ao longo do tempo em termos de emprego e de valor adicionado, o que levou muitos analistas a, precipitadamente, concluírem que a indústria teria encolhido.

Segundo, a indústria está se terciarizando. Se, antes, a indústria manufatureira vendia “coisas”, está se tornando cada vez mais parte do “novo normal” a indústria vender um pacote de coisas e serviços associados a elas. Por exemplo, fábricas de turbinas de aviões arrendam turbinas e, junto, os serviços de manutenção, seguros e soluções financeiras. Esses serviços são, muitas vezes, a parte mais atrativa e melhor remunerada do negócio. Mas esse movimento está se sofisticando ainda mais com a commoditização digital, em que até mesmo fábricas super-sofisticadas, com robôs, impressoras 3D, sensores e internet das coisas,  são vendidas a preços “subsidiados” em troca da fidelização a serviços de plataforma na nuvem que fazem a interface entre equipamentos e sensores, possibilitando toda uma nova gama de inteligência da informação e aplicação de business intelligence para atender a  dashboards que proveem resultados de melhoria em manutenção preditiva e de qualidade e de todo um novo menu de possibilidades produtivas.

Terceiro, uma das estratégias mais comuns entre os economistas para examinar as dificuldades da indústria é a análise comparada entre países. O problema é que esse método é inadequado para os dias de hoje. De fato, com o advento das cadeias globais de valor e com a crescente operação industrial das empresas multinacionais em nível global, temos ali elementos  fundamentais que devem, necessariamente, ser levados à consideração. Faz pouco sentido medir o tamanho da indústria de um país como, por exemplo, os Estados Unidos, apenas a partir das operações industriais em território americano. Afinal, a indústria desse país está espalhada em vários continentes e opera de forma coordenada e em rede. A operação de uma multinacional americana no Brasil não está isolada da operação, digamos, na Pensilvânia.  O que, normalmente, se vê nos casos de empresas de grande porte como as automobilísticas é que, para além da produção das peças mais sofisticadas, atividades mais nobres, como P&D, design, marketing, marcas e gestão geral da produção, ficam sediadas em território americano. As operações internacionais são, na verdade, um continuum das operações no país-sede e atendem aos interesses e estratégias corporativas.

Quarto, as análises convencionais sobre a indústria normalmente se focam no desempenho de variáveis como investimentos em prédios, máquinas, equipamentos, chaminés e caminhões e procuram acompanhar o consumo de caixas de papelão, energia elétrica e tudo o mais que tipicamente está associado à performance das fábricas. Mas o valor adicionado da indústria está se originando cada vez mais dos serviços e do digital . Pense no valor adicionado do iPhone. Além disto, os investimentos industriais em intangíveis já superam os em tangíveis em vários países. Decomposições mostram que os serviços já respondem por ao menos 70% do valor adicionado industrial nos Estados Unidos. No Brasil, exercícios de decomposição feitos a partir da Pesquisa Industrial Anual do IBGE mostram que os serviços respondem, em média, por 64% do valor adicionado da manufatura. É preciso, pois, novas métricas para identificar e medir a indústria. A densidade industrial, que é o valor adicionado da manufatura per capita num país, é uma alternativa que tem se mostrado bastante razoável para a tarefa. Ela revela a importância dos serviços para a cadeia da indústria e indica que não é o tamanho no PIB ou no emprego que importam, mas a capacidade da indústria de mobilizar recursos para gerar valor, sejam eles dentro ou fora da porta da fábrica, e sejam eles em serviços à jusante ou à montante da atividade industrial convencional.

A participação da indústria no valor adicionado dos Estados Unidos é muito similar à do Brasil, algo em torno de 11% do PIB. Contudo, a densidade industrial americana é várias vezes maior que a brasileira. Logo, com os supostos 11%, gera-se uma quantidade muito maior de riquezas e de bons empregos. Como mostra exame do espaço-indústria, a riqueza e os bons empregos vêm da relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços para criar valor. Investigação das contas nacionais dos dois países e das matrizes de insumo-produto revela que os serviços voltados para a indústria nos Estados Unidos são duas vezes maior que no Brasil em termos de participação no PIB. E, ainda mais importante, a parcela de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos no PIB, que inclui P&D, design, marcas, softwares sofisticados e serviços profissionais especializados, é quase quatro vezes maior que no Brasil.

Desta forma, a suposta queda da participação da indústria no PIB americano não implicou, necessariamente, em perda de importância da indústria. Na verdade, a indústria se transformou para seguir como protagonista, embora as métricas convencionais não capturem esse movimento. No Brasil, por outro lado, a queda da participação da indústria no PIB de 34% para 11% revelou uma desindustrialização clássica .

Essa discussão nos conduz a duas conclusões. Primeiro, temos um problema conceitual e de métrica do que seja a moderna atividade industrial, já que as contas nacionais seguem metodologias incapazes de identificar e medir a “nova indústria”. Segundo, análises territoriais da indústria são inadequadas para os dias de hoje.

Em razão dessas limitações, temos sido induzidos a conclusões limitadas, falsas até, sobre a relevância da indústria. A indústria é, e muito provavelmente continuará sendo, atividade fundamental e que comanda vastas redes de atividades econômicas e de inovação muito maiores do que as que normalmente lhe são atribuídas. Não por outra razão, governos de países avançados voltaram a colocar a indústria no cerne das políticas de crescimento e de geração de riquezas.