Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Rafael Moreira (page 5 of 6)

O que é a neutralidade de rede e por que ela importa?

A questão da neutralidade de rede foi bastante debatida durante a discussão e posterior aprovação do chamado “Marco Civil da Internet”. Este é um assunto que vem sendo tratado há pelo menos uma década no restante do mundo e há argumentos razoáveis contra e a favor de se estabelecer normas e leis que garantam essa neutralidade. Mas o que é a “neutralidade de rede” e por que se trata de questão importante?

A neutralidade de rede é o princípio segundo o qual todos os conteúdos, websites, plataformas e aplicativos devem ser tratados de maneira igual pelos provedores de internet, independentemente dos pacotes contratados. Por esse princípio, uma pessoa não deveria ser obrigada a fazer um plano especial com o seu provedor de internet para poder acessar a Wikipédia, o Netflix ou qualquer outro serviço. Sob o mesmo princípio, uma pequena loja online (ou mesmo a Amazon) não deveria ter de pagar aos provedores de internet para que os usuários possam ter acesso aos seus serviços.

O princípio garante, por exemplo, que uma operadora de celular não restrinja o acesso a serviços como o Skype, que concorrem diretamente com os serviços de telefonia da própria operadora. Alternativamente, sem a neutralidade de rede, uma provedora de internet poderia fazer pacotes de acesso para serviços específicos, com diferentes precificações, tal qual as empresas de TV a cabo fazem com os canais de televisão (ver exemplo hipotético na imagem abaixo).

Para seus defensores, a neutralidade de rede é importante para não inibir a entrada de sites e aplicativos inovadores no mercado atualmente aberto da internet. Ao mesmo tempo, a neutralidade assegura a livre navegação por parte dos usuários.

Garantir a neutralidade de rede seria justificado pela natureza oligopolística (e, em alguns casos/regiões, até monopolística) das provedoras de internet fixa e móvel. Em muitas cidades, há apenas uma ou duas empresas provedoras de internet fixa e cobertura de duas ou três operadoras de internet móvel. Esse ambiente de alta concentração poderia, no limite, fazer com que os consumidores só tivessem acesso (ou tivessem acesso preferencial) a conteúdos e aplicativos escolhidos por estas operadoras.

Os contrários à imposição da neutralidade de rede também argumentam que ela pode trazer restrições a discriminações benéficas ao consumidor. Por exemplo, uma operadora poderia fazer um plano básico e barato de internet com acesso limitado a serviços como email, WhatsApp e Facebook para usuários que não utilizam mais que isso,[1] e outro plano mais avançado e rápido para pessoas que usam frequentemente serviços intensivos em banda, como Netflix ou torrents. Nessa situação hipotética, o primeiro usuário se beneficiaria de um plano barato e adequado às suas necessidades, enquanto o segundo poderia ter um acesso mais rápido aos serviços utilizados.

Outro argumento dos que são contrários ao estabelecimento de leis garantindo a neutralidade de rede é que impedir provedoras de internet de fornecer pacotes específicos a preços diferentes para distintos usuários limitaria o retorno dessas empresas, o que, por sua vez, poderia fazer com que elas investissem menos em infraestrutura. Outros argumentam que, mesmo a internet tendo passado décadas sem regras que obrigassem as provedoras a manterem a neutralidade de rede, a neutralidade pouco teria sido violada ou ameaçada. Portanto, impor regras nesse sentido seria desnecessário.

A discussão é relevante para os dias atuais,já que o acesso à internet tornou-se um serviço de utilidade pública e as linhas que dividem as atividades de empresas voltadas para a internet têm se tornado cada vez mais tênues. Grandes empresas de conteúdo, como o Google (através do Project Loon) e o Facebook (por meio do internet.org), estão interessadas em levar internet gratuita ou de baixo custo a áreas pobres e remotas do mundo.

O projeto do Facebook tem sido criticado por fornecer apenas serviços que a companhia escolhe – naturalmente, o próprio Facebook é um desses serviços. Já o Google tem sido criticado pelo seu potencial de direcionar os usuários, podendo, inclusive, decidir eleições acirradas, por meio de seus algoritmos.

Sem dúvida, uma maior cobertura da internet pelo mundo é bem-vinda, mas, como não há almoço grátis, é preciso saber se os benefícios superam os custos (financeiros ou não). Apesar dos argumentos contrários à garantia da neutralidade de rede, manter os princípios da internet aberta, livre e com poucas barreiras de entrada para novos empreendedores ainda é o melhor caminho.

 

Figura – Exemplo hipotético de como as provedoras de internet poderiam cobrar por pacotes específicos de serviços online, sem a exigência de neutralidade de rede

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Fonte: Le Monde

[1] De certa maneira, algumas operadoras de telefonia brasileira já têm aderido a esse tipo de prática ao não cobrarem de seus clientes o acesso ao Facebook, Whatsapp e Twitter.

Os serviços e a baixa participação brasileira nas cadeias globais de valor

Normalmente, quando se fala de comércio exterior, pensa-se apenas nas exportações e importações diretas. Porém, com a maior integração do comércio mundial, fragmentação da produção e o desenvolvimento de complexas cadeias globais de valor, percebe-se a necessidade de olhar para outros indicadores para melhor compreender o comércio entre países.

A notícia boa é que, apesar de ainda ser um movimento incipiente, a disponibilidade de dados sobre comércio exterior dentro de cadeias produtivas tem aumentado. A base TiVA (Trade in Value Added), construída e mantida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC), é uma importante iniciativa nesse sentido.

Por meio da TiVA, é possível ver o quanto cada país adiciona valor nos produtos e serviços finais exportados por outro país. Por exemplo: iPhones são desenhados nos EUA, montados na China e depois distribuídos para o restante do mundo (incluindo os EUA). Digamos que uma montadora chinesa venda o iPhone para o restante do mundo por US$ 200. Suponha que essa montadora tenha comprado US$ 150 em peças e serviços do resto do mundo no processo. Na contabilização convencional, não seria possível saber que esses US$ 150 importados foram utilizados para exportar US$ 200. Pelo método utilizado no TiVA, seria possível saber que, apesar de ter exportado US$ 200, a China contribuiu com apenas US$ 50 do valor. Além disso, seria possível saber quanto cada país contribuiu para que a China exportasse os US$ 200 em um produto final e quanto disso são serviços.

Há uma literatura que aponta que existe uma correlação positiva entre o consumo de serviços como insumos na produção de bens exportados e intensidade exportadora (ver, por exemplo, Berlingieri 2015 e Francois e Woerz 2007). Isso se daria tanto como estratégia de redução de custos, principalmente por meio de serviços voltados para facilitar o processo exportador, quanto como estratégia para agregação de valor aos produtos – com serviços como pesquisa e desenvolvimento, marketing, software etc.

Ao olharmos os dados do Brasil na TiVA, dois fatos ficam claros:

  • as exportações brasileiras apresentam baixa adição de valor de outros países (ver Gráfico 1) e
  • o país exporta – direta e indiretamente – serviços em uma proporção próxima da média da OCDE, mas se utiliza pouco de serviços importados (ver Gráfico 2).

Esses dois fatos indicam que o Brasil é pouco integrado às cadeias globais de valor. Para retomar o crescimento, será necessário ao país se tornar mais competitivo internacionalmente e se integrar mais à economia global. O caminho não será fácil, mas reconhecer a necessidade disso será um passo importante naquela direção.

Gráfico 1 – Percentual de valor adicionado por outros países no total das exportações, por país – 2008, 2009 e 2011 (quadro à direita mostra a evolução do Brasil)

Gráfico 2 – Participação de serviços direta e indireta no total de exportações, por país, 2011.

SNA service export share” representa a exportação direta de serviços. O azul escuro representa a participação do valor adicionado de serviços nacionais no total das exportações de um país. O azul claro, a participação do valor adicionado de serviços importados no total de exportações de um país. A linha mostra a média dos países da OCDE.

Novos serviços e o aumento (?) da competição

Na economia, considera-se que, em geral, mais competição traz benefícios para consumidores e para a sociedade como um todo. O aumento de competição costuma estar relacionado a aumentos de produtividade e disponibilidade de oferta e diminuição de preços para o consumidor final. Não por acaso, praticamente todas as grandes economias têm leis e instituições que visam coibir práticas anticompetitivas como carteis, dumping, etc.

No século XXI, parece estar em curso um grande movimento de aumento da competição em diversos mercados, puxado pelo surgimento de novos serviços e tecnologias. Isso se dá principalmente na chamada “economia compartilhada” ou “colaborativa”.

Atualmente, taxistas enfrentam a competição de empresas como Uber; hotéis e pousadas competem com pessoas que alugam as suas casas no Airbnb ou gratuitamente no Couchsurfing; serviços de ônibus disputam espaço com pessoas que oferecem um espaço em seu carro no BlaBlaCar; grandes e pequenos varejistas concorrem com usuários do MercadoLivre, OLX e até mesmo de serviços como o Facebook e o Instagram, inicialmente voltados para outros fins.

Neste novo mundo, consumidores parecem estar de fato se beneficiando de menores preços e serviços e produtos mais customizados. Além disso, pode estar havendo alguma diminuição das ineficiências na economia. Afinal, um carro que passa a fazer viagens com mais de uma pessoa por conta do BlaBlaCar ou um espaço ocioso em uma residência alugado por temporada  são, sem dúvidas, exemplos disso.

Porém, se há uma maior concorrência no nível micro, no nível macro, parece estar em curso um movimento diverso, com uma grande concentração em poucas empresas globais.

Entre viajantes de negócios nos EUA, segundo estudo da Certify, o Uber já responde por 59% do mercado de transporte individual versus 22% em maio de 2014. Segundo outro estudo, a empresa já é – ou está em vias de se tornar – dominante no mercado de aplicativos de transporte individual em países tão distintos quanto Canadá e Arábia Saudita (ver mapa abaixo).

Atualmente, o Airbnb tem valor de mercado superior e oferece mais leitos que redes de hotelaria como Marriott e Accor. O Whatsapp, que pertence ao Facebook, já conta com 900 milhões de usuários ativos ao redor do mundo e tem concorrido diretamente com as empresas de telefonia no Brasil e em outras partes do globo.

Apesar dos consumidores estarem, atualmente, se beneficiando desses novos serviços, a concentração de mercados em nível global poderá trazer desafios não desprezíveis para reguladores e empresas de menor porte estabelecidas localmente.

Soluções pensadas no século XX dificilmente servirão para o século XXI.

 

Mapa – Quanto mais azul, mais dominante o Uber no país

Fonte: Forbes.

Fonte: Forbes.

A constante queda de atividade no setor de serviços

Com a divulgação dos últimos resultados das Contas Nacionais, vimos que, como esperado pelo blog, a situação dos serviços segue deteriorando. No terceiro trimestre de 2015, os serviços registraram queda de atividade de 1% frente ao trimestre anterior (ver Gráfico 1). Com a exceção de serviços públicos e de intermediação financeira, todos os segmentos de serviços apresentaram queda frente ao trimestre anterior (ver Gráfico 2).

No ano, o setor já acumula um crescimento negativo de 2,1%, e as projeções do mercado apontam que 2015 deverá apresentar o pior resultado do setor em décadas. Para se ter uma melhor dimensão do que está acontecendo com o setor: o volume de serviços produzidos no terceiro trimestre de 2015 se equivale ao do terceiro trimestre de 2012. Ou seja, o nível de produção de serviços “recuou” três anos. Pela primeira vez na série histórica, iniciada em 1996, o setor apresentou três trimestres consecutivos de contração.

Por sua forte ligação com o mercado interno, é provável que a situação dos serviços só melhore quando a atual crise macroeconômica e política for superada. Com o aumento do desemprego e queda real da renda da população, dificilmente o setor, voltado principalmente para o consumo final, se recuperará.

Ainda que as dificuldades de curto prazo sejam superadas, o setor de serviços deverá seguir uma trajetória de crescimento baixo e inconstante, devido a seus problemas estruturais. O principal deles, a baixa competitividade, tem diversas causas e é de difícil e lenta superação.

Com os avanços da tecnologia e maior integração econômica, os serviços estão cada vez mais comercializáveis entre países. Não à toa, acordos como o TTP (Tratado Trans-Pacífico) já colocam o setor como prioritário para o comércio e para a sustentação do crescimento dos países desenvolvidos.

Como consequência, teremos cada vez mais prestadores de serviços de outros países concorrendo internamente no Brasil. Serviços como consultoria, engenharia, design, marketing, serviços financeiros e os de tecnologia da informação, por exemplo, são aqueles em que a concorrência deverá aumentar fortemente nas próximas décadas.

Neste quadro, tornar os serviços, setor que concentra mais de 70% da economia nacional, mais competitivos torna-se uma questão de sobrevivência no século XXI. É preciso agir rápido e de maneira efetiva, sob o risco de ser tarde demais.

Gráfico 1

Gráfico 2

 

A Crise e os Serviços

O atual momento difícil da economia tem afetado de maneira especialmente forte o setor de serviços, responsável por cerca de 70% do PIB brasileiro. Se até recentemente o setor puxava a economia, principalmente com a criação de vagas no mercado formal, hoje ele parece ser um dos principais entraves para a sua recuperação.

As notícias negativas sobre o desempenho dos serviços não param de se acumular. Os últimos dados do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram que o setor foi responsável por um saldo líquido de quase 50 mil demissões em outubro, pior resultado do setor para o mês desde 1992. No mês, todos os segmentos de serviços apresentaram mais demissões que contratações.

O último Boletim de Serviços mostra que os resultados negativos de serviços não se restringem ao mercado de trabalho. Pelo menos desde maio de 2015, o setor apresenta queda de receita real em todos os tipos de serviços, sejam eles voltados para o consumidor final ou para empresas, sejam eles modernos ou tradicionais.

Além da falta de perspectivas de recuperação do mercado interno no curto e médio prazos e da baixa competitividade dos serviços brasileiros, o Índice de Confiança de Serviços, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), segue em seus menores níveis históricos (ver gráfico abaixo). O indicador aponta que o setor deve contratar e faturar ainda menos nos próximos meses.

Dado o seu tamanho, importância direta e indireta para a economia brasileira e as transformações por que passa a economia global, é preciso tratar o setor de serviços como chave não apenas para a saída da crise, mas, principalmente, para o desenvolvimento sustentado.

Reconhecer essa importância e passar a pensar os serviços como atividade estratégica não será suficiente, mas já será um passo importante.

Fonte: FGV/IBRE.

Fonte: FGV/IBRE.

Whatsapp e telefonia: serviços substitutos ou complementares?

Nos últimos meses, empresas de telefonia têm constantemente reclamado de suposta “concorrência desleal” de alguns aplicativos como Whatsapp, iMessenger e Facebook Messenger. O argumento das operadoras é que, por prover serviços de mensagem e de chamadas de voz, esses aplicativos estariam usando a infraestrutura das empresas de telefonia para atuar como operadoras. Logo, esses aplicativos seriam ilegais e deveriam ser proibidos ou regulamentados e taxados.

Reclamação similar já foi feita por operadoras de TV por assinatura (que costumam ofertar, também, internet) com relação ao Netflix. Em resposta às reclamações, o Governo já se manifestou favorável a regulamentar esses serviços “over the top“, de modo a diminuir, nas palavras do Ministro das Comunicações, “assimetrias regulatórias e tributárias”.

De fato, empresas de telecomunicações no Brasil são obrigadas a fazerem investimentos em infraestrutura que nem sempre são os mais interessantes economicamente — as operadoras de telefonia têm que instalar e manter os quase obsoletos orelhões, por exemplo. Por outro lado, o WhatsApp e o Netflix não têm acesso garantido a mercados que são quase oligopólios, como as operadoras.

Na microeconomia, há dois conceitos que ajudam nesta discussão: o de bens substitutos e o de bens complementares. Bens substitutos são aqueles que concorrem diretamente, como margarina e manteiga. Se o preço da margarina subir, ceteris paribus, espera-se que a demanda por manteiga cresça. Já bens complementares são aqueles que, quando o preço de um diminui, a demanda pelo outro aumenta. Carro e gasolina são um exemplo disso: se o preço de automóveis cai, a demanda por gasolina deverá aumentar.

Pelo menos no discurso, as operadoras de TV e telefonia tratam aqueles aplicativos como bens substitutos. Ou seja, concorrentes diretos de seus serviços. Em alguns pontos, elas parecem ter razão: já há registro de queda no uso de chamadas convencionais e os serviços de SMS têm se tornado cada vez mais obsoletos (ver Gráficos 1 e 2 abaixo).

Entretanto, esses serviços “over the top” são, também, complementares aos serviços de TV e telefonia. Hipoteticamente, se uma operadora bloqueasse o acesso ao WhatsApp, é provável que boa parte de seus clientes migrassem para operadoras concorrentes. Indicativo disso é que quase todas as operadoras oferecem acesso gratuito a esses serviços (o que, inclusive, parece constituir uma violação à neutralidade de rede, mas esse é um assunto para outro post). Nos dias de hoje, boa parte da experiência do consumidor com telefonia envolve justamente o uso desses aplicativos.

Logo, o que transparece em toda essa discussão é que, assim como no caso do Uber, a regulação vigente e os modelos de negócio se mostram ultrapassados. A maior revolução que os serviços “over the top” parecem estar promovendo é a mudança no modelo de negócios já estabelecidos pelas operadoras. Se antes elas lucravam principalmente com os serviços de voz e de mensagem de texto, atualmente é a internet móvel que parece ser mais relevante (e as operadoras têm quase que um oligopólio nisso!).

Nesse novo modelo, há espaço para ganhos das operadoras sem necessariamente punir o consumidor. Focar mais no provimento de uma rede de internet móvel mais confiável e rápida e oferecer planos mais atraentes pode ser um caminho.

Fazer mais do mesmo ou limitar o acesso a aplicativos não resolverá a questão nem para operadoras e nem para os reguladores. Para não perderem o bonde do Século XXI, ambos terão que  ser mais flexíveis e ágeis para não punirem nem ideias inovadoras nem os consumidores.

Gráfico 1 – Minutos de Uso mensal por Celular

Gráfico 2 – Receita de SMS da Operadora Vivo

 

PS: O assunto deste post me foi sugerido pelo amigo e também economista João Vítor Rego Costa, a quem agradeço.

Serviços, Investimento Direto Estrangeiro e Abertura Econômica

Como mostrado anteriormente no blog, o setor de serviços já é o maior receptor de investimento direto estrangeiro (IDE), tendo respondido por 59% do total em 2014. Em 2015, essa participação segue alta, tendo alcançado 56% entre janeiro e agosto.

Os gráficos abaixo, retirados do Boletim de Serviços de outubro, mostram que há uma concentração dos ingressos de IDE em serviços de custo, modernos, profissionais e voltados principalmente para empresas. Destacam-se, sobretudo, os investimentos nos segmentos de telecomunicação (US$ 4,3 bi. de janeiro a agosto de 2015), comércio (US$ 3,5 bi.), atividades imobiliárias (US$ 1,2 bi.), e saúde (US$ 1,1 bi.).

Este último é especialmente emblemático pelo seu crescimento de 2014 para 2015, quando os ingressos passaram de US$ 16 milhões para mais de US$ 1 bi. até agosto. Esse resultado se deve à mudança da legislação ocorrida com a aprovação da Lei 13.097/2015 que, entre outros assuntos, permitiu a participação direta e indireta de capital estrangeiro em empresas do setor de serviços à saúde.

Com o avanço das negociações de acordos multilaterais como o Tratado Trans-Pacífico e o aumento da importância dos serviços, tanto direta, quanto indiretamente, para o comércio internacional, é provável que haja maior pressão para a abertura dos mercados do setor. Com isso, serviços deverão continuar sendo uma importante fonte de IDE e o que ocorreu com o segmento de saúde poderá se repetir em outros setores atualmente protegidos.

Uma maior abertura poderá, em princípio, trazer benefícios para o setor e para os consumidores, sejam eles famílias ou empresas, que poderão ter acesso a uma maior e melhor oferta de serviços. No entanto, há que se considerar que a abertura de mercado deve ser acompanhada de marcos regulatórios que, ao mesmo tempo, fomentem a competição e também a qualidade dos serviços ofertados, a segurança da oferta, investimentos e respeito às leis do país.

Nesse cenário, torna-se ainda mais importante trabalhar para o aumento da competitividade das empresas prestadoras de serviços brasileiras.

 

A estória de Talal e as ineficiências regulatórias brasileiras

Pequenas reformas micro podem ter efeitos macroeconômicos importantes. Além de grandes estórias de superação, a vinda de refugiados e asilados ao Brasil trouxe também exemplos de como simples alterações no ambiente regulatório poderiam ter efeitos significativos na economia.

Nesse sentido, a estória do sírio Talal al-Tinawi é exemplar. Como o próprio Talal relata no vídeo abaixo, ele é engenheiro mecânico, chegou ao Brasil no final de 2013 e, por ainda não ter conseguido revalidar o seu diploma, decidiu abrir um restaurante.

No Brasil, o processo de revalidação de diploma estrangeiro, seja ele feito por cidadãos brasileiros ou de outras nacionalidades, depende da análise e aprovação de uma universidade pública nacional. As universidades cobram taxas que chegam a R$ 3.000,00, nem sempre estabelecem um prazo de resposta ao pedido e ainda podem se recusar a analisar o diploma. Isso leva a situações absurdas, como a de estudantes de graduação, Mestrado e Doutorado que recebem bolsas do Estado para estudar no exterior como as do Ciências sem Fronteiras, mas enfrentam dificuldades em tornar seus diplomas válidos no Brasil.

Essa regulação gera ineficiências e pode desestimular tanto a ida de brasileiros a universidades estrangeiras como a vinda de profissionais qualificados ao Brasil. Além disso, essa ineficiência afeta pessoas como Talal, que poderia ter sido, por meio de um processo mais célere, formalmente reconhecido em sua área de atuação, uma atividade de alta agregação de valor.

Essa discussão é especialmente relevante para os serviços, que é o setor privado com a maior concentração de profissionais com ensino superior completo ou mais – ver tabela abaixo.

Assim, atualizar nosso marco regulatório parece ser condição necessária para tornar os nossos serviços e a nossa economia mais competitivos.

Tabela – Distribuição de empregados, por nível de escolaridade e setor

Fonte: Elaboração própria a partir de RAIS (MTE), 2014.

Fonte: Elaboração própria a partir de RAIS (MTE), 2014.

Serviços, capacidades produtivas e competitividade internacional

Com uma metodologia inovadora, Hausmann, Hidalgo et al. (2013) demonstram que países desenvolvidos têm vantagem comparativa em uma gama maior de bens e que, quanto mais bens sofisticados um país produzir, maior será a chance de ele produzir outros produtos sofisticados e, assim, gerar valor e renda.

A partir de dados de comércio internacional, os autores desenvolveram um método que busca identificar produtos que têm como requisitos capacidades produtivas similares. Na definição dos autores, capacidades produtivas são um conjunto amplo de características de um país que não são facilmente transferidas para outros, como conhecimento produtivo tácito espalhado em redes de pessoas e empresas, direitos de propriedade, regulação, infraestrutura e instituições em geral.

Segundo os autores, para se desenvolver, um país deve ampliar suas capacidades produtivas. Uma forma de fazer isso seria expandindo a produção de bens menos para bens mais sofisticados que exijam capacidades produtivas parecidas. Os pares de produtos que exigem capacidades produtivas similares aparecem coligados e agrupados a outros pares em comunidades em uma rede, no chamado “Espaço Produto” (ver o Gráfico abaixo para o caso do Brasil).[1]

Um país que já possui vantagem comparativa na produção de, digamos, camisas terá mais facilidade para produzir calças do que turbinas de avião. Nesse sentido, não adiantaria estimular a instalação de uma fábrica de foguetes em uma região onde só se produz frutas. Essa região não terá a infraestrutura, o conhecimento tácito, o capital humano e todos os bens e serviços necessários para que o empreendimento tenha sucesso.

Berlingieri (2013) demonstra que quanto mais serviços “embarcados” um produto exportado tem, mais competitivo ele será no mercado internacional. Portanto, a presença de serviços sofisticados conectados com a indústria parece ser um tipo de capacidade produtiva importante para um país.

Como já visto aqui neste blog, o Brasil é muito pouco competitivo no setor de serviços. Assim sendo, aumentar a eficiência e a sofisticação dos nossos serviços é requisito fundamental para realizarmos nosso anseio de ser mais competitivo em produtos de mais alto valor agregado e participar pela “porta da frente” das cadeias globais de valor.

Gráfico – Espaço Produto do Brasil, 2012.

  Fonte: The Observatory of Economic Complexity (Hausmann, Hidalgo, et al., 2013).

 

[1] Os autores criaram uma ferramenta interativa, na qual é possível ver os detalhes para cada país, que pode ser acessada em https://atlas.media.mit.edu/pt. Usando a mesma metodologia, o DataViva faz um estudo de municípios, regiões e estados do Brasil em http://pt.dataviva.info/

Indústrias intensivas em serviços

Em posts anteriores, ressaltamos a crescente importância de serviços nas cadeias de valor de outros setores. Esse fenômeno é observado nos dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA), do IBGE.

Em 2012, na indústria, a razão consumo intermediário de serviços/valor bruto da produção (CIS/VBP) estava em 20%. Isso significa que, para produzir R$ 100, a indústria brasileira consome R$ 20 de serviços no seu processo produtivo. Análise complementar mostra que a relação consumo intermediário de serviços/valor adicionado (CIS/VA) na indústria é de 69%.[1]

Esses números sugerem que indústria e serviços estão fortemente associados. Por conta de fenômenos como a descentralização da produção, especialização de empresas em nichos e terceirização, é provável que essa relação se torne ainda mais forte no futuro.

O gráfico abaixo mostra que, apesar de presente em todos os segmentos, o consumo intermediário de serviços é mais forte em algumas atividades. Olhando tanto o CIS/VBP (barras azuis no gráfico) quanto o CIS/VA (barras verdes), percebe-se que os três segmentos mais intensivos em serviços são indústria extrativa ou diretamente ligados a ela: extração de petróleo e gás natural; fabricação de coque, produtos derivados do petróleo e de biocombustíveis; e extração de gás mineral.

Em artigo no prelo, Arbache e Moreira apresentam evidências de que o maior consumo de serviços, principalmente os chamados “serviços de valor”, está associado a maiores níveis de produtividade na indústria. Esse achado sugere que um aumento da eficiência e da sofisticação dos serviços voltados para a indústria manufatureira pode ter efeitos significativos no incremento de sua produtividade e competitividade.

Consumo intermediário de serviços como proporção do valor bruto da produção (azul) e do valor adicionado (verde), por segmento da indústria – 2012.

Fonte: elaboração própria a partir de PIA/IBGE (2014).

[1] Esse indicador pode ser maior que 100%, já que o valor adicionado é a diferença entre o valor bruto da produção e o consumo intermediário.

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