Em fevereiro deste ano, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou relatório econômico sobre o Brasil e uma das principais recomendações continuou sendo “aperfeiçoar a governança e reduzir a corrupção”, engrossando o coro de outras instituições e da academia no sentido de que é preciso reforçar o papel da governança regulatória no país.

Antes de falarmos sobre o que é governança regulatória e porque ela aparece com frequência nas recomendações de relatórios ou análises sobre a economia brasileira, é importante entender como surgiu a necessidade de se olhar para esse conceito. Na esteira das crises econômicas enfrentadas por boa parte dos países em desenvolvimento na década de 1980, o Estado se rendeu ao inevitável movimento de conceder à iniciativa privada a prestação de alguns serviços públicos. A teoria econômica deu suporte a esse movimento ao prever que essa relação público-privada seria benéfica para o bem-estar da população, para a sustentabilidade do investimento privado e também para a eficiência e qualidade do serviço prestado.

No entanto, segundo Correa et al. (2006), a transferência de ativos para a iniciativa privada pode não gerar as melhorias de bem-estar previstas na teoria econômica, caso não seja combinada com uma estrutura legal robusta, contratos apropriados e boa governança regulatória.

Então, o que é governança regulatória e por que ela é importante? Como o termo é amplo e, de certa forma, etéreo, são inúmeras as definições. Em comum é possível identificar a sua finalidade: garantir que a regulação seja bem concebida, implementada e que tenha enforcement. Como a governança pode alcançar esses objetivos? Para a OCDE (2012), ela precisa estar presente em todo o ciclo da política regulatória. Essa abordagem integrada implica em fortalecimento da coordenação, da comunicação, da consulta e da cooperação ao longo do ciclo da política pública.

No entanto, essas atividades não são necessárias apenas dentro de uma determinada agência reguladora, mas também entre diferentes instituições e esferas de governo. Quanto mais complexo o sistema, mais difícil de identificar os papeis de cada agente e fazê-los se comunicar e cooperar (a exemplo do caso brasileiro, no qual se tem agências reguladoras estabelecidas em diferentes níveis federativos e com competências superpostas).

De forma caricata e simplista, a situação é quase um problema de ação coletiva, no qual se sabe que a possibilidade de se obter um benefício para um grupo não é suficiente para gerar a ação coletiva necessária para o alcance desse benefício. Cada agência busca a melhor solução para os seus desafios regulatórios. Todavia, a falta de coordenação e cooperação pode gerar resultados ruins para a população.

E qual é a consequência de não se ter uma boa regulação? Quais são os custos associados à bad regulation e, consequentemente, quais são os benefícios de se investir em governança regulatória? Um cenário de alto risco regulatório eleva o custo do capital, o que resulta em um menor potencial de investimento e desenvolvimento tecnológico da economia. Com isso, projetos socialmente desejáveis não conseguem se financiar, tendo em vista o elevado retorno do capital exigido para compensar o risco regulatório e, além disso, o ambiente de negócios se torna pouco atrativo em razão da insegurança jurídica e do potencial de litígio que dela decorre.

Nessa linha, para melhorar o desempenho organizacional, reduzir conflitos, alinhar ações e trazer mais segurança para consumidores e investidores, os formuladores de política pública, a academia e demais órgãos de pesquisa se voltaram para o estudo e o desenvolvimento de estruturas de governança que maximizassem o benefício social esperado da regulação. De acordo com o Banco Mundial (2008), há um certo consenso de que governança importa para o desenvolvimento. Tal consenso é fruto, mesmo que não exclusivamente, do interesse em se trazer para a discussão evidências empíricas de que a boa governança está ligada ao desenvolvimento econômico.

Um dos exemplos mais bem sucedidos é o dos Indicadores de Governança Mundial (WGI) do Banco Mundial, que, ao fornecerem ferramentas para medir a governança e monitorar as alterações na sua qualidade (entre países e ao longo dos anos), servem de subsídio para orientar como as reformas de governança são projetadas, implementadas e avaliadas.

Observando a tendência do Brasil e da América Latina no item “qualidade regulatória” do WGI, é possível perceber que o país apresenta um desempenho, na média, inferior àquele da América Latina e do Caribe considerados de forma agregada. Desde 2013, o Brasil obteve resultados aquém daqueles alcançados em anos anteriores e aquém daqueles obtidos por países semelhantes. Esse desempenho, provavelmente, é reflexo da instabilidade política e do momento econômico pelo qual o país passa desde as eleições de 2014.

Entendido o papel da governança, vamos desconfiar de soluções “fáceis” ou “universais”, o que, às vezes, parece ser o caso associado à uma parte da literatura sobre o tema. A governança, per si, não é solução de todos os problemas, em especial para a corrupção, para os incentivos perversos das regras do serviço público e para os desafios intrínsecos à qualquer atividade regulatória.

Em julho deste ano, o IPEA publicou uma Nota Técnica que traz uma reflexão importante sobre essa questão. Em alguns casos, as recomendações de diversos órgãos ignoram gargalos e problemas estruturais do Estado. Os autores reforçam a impossibilidade de se “manter uma visão restrita de que a governança é apenas o resultado de um pacote de reformas e mudanças predefinidas e impostas de forma exógena por agentes que não consideram as particularidades do contexto político-institucional de atuação de cada organização do governo federal”. (IPEA, 2018)

Como dizia Descartes, não há solução fácil para um problema difícil. É fundamental compreender o sistema político-institucional dentro do qual os órgãos se inserem para que se construam soluções aplicáveis a cada contexto e para que a implementação de práticas de boa governança tenha como resultado uma política regulatória mais eficiente, trazendo de volta a confiança da iniciativa privada nas instituições e os resultados benéficos dessa relação público-privada.

Bruna de L. Araújo Souza é doutoranda em Economia na Universidade de Brasília (UnB). Mestre e Bacharel em Economia com interesse em regulação e parcerias público-privadas, em especial no setor de infraestrutura. Atualmente, é MSc candidate in Public Policy and Administration na London School of Economics and Political Science (LSE).

Fontes:

CORREA, P. et al. (2006). Regulatory governance in infrastructure industries: assessment and measurement of Brazilian regulators. Washington DC: The World Bank.

EBERHARD, A. (2007). Infrastructure regulation in developing countries: an exploration of hybrid and transitional models. In: Public-Private Infrastructure Advisory Facility (PPIAF) Working Paper no. 4. Washington, DC: World Bank.

IPEA. (2018). Governança pública: construção de capacidades para a efetividade da ação governamental. Nota Técnica n. 24. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8581/1/NT_24_Diest_Governan%C3%A7a.pdf

OECD. (2012). Recommendation of the council on regulatory policy and governance. Paris. Disponível em: http://www.oecd.org/gov/regulatory-policy/2012-recommendation.htm

OECD (2018). Relatórios Econômicos OCDE – Brasil. Disponível em: https://www.oecd.org/eco/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf

WORLD BANK (2008). Governance Matters 2008. Disponível em: http://info.worldbank.org/governance/wgi/pdf/WBI_GovInd08-5a.pdf

WORLD BANK (2018). Worldwide Governance Indicators. Disponível em: http://info.worldbank.org/governance/wgi/index.aspx#home