A economia digital tem trazido uma série de comodidades para o cidadão. Aplicativos cada vez mais potentes e interativos permitem-nos realizar, com poucos toques no celular, desde transações financeiras internacionais até uma consulta sobre avaliação de um determinado restaurante. É inegável que a tecnologia digital proporciona economia de tempo tanto para tarefas domésticas quanto para atividades no trabalho. No entanto, as características do mercado digital, principalmente no que se refere aos seus aspectos competitivos, revelam que ainda há muito a ser estudado sobre o tema.

É necessário que haja um ambiente digital adequado no presente para que uma empresa possa competir no futuro. É importante incentivar a disseminação das tecnologias digitais, mediante facilitação de compra de equipamentos até investimentos em infraestrutura. Um exemplo que ressalta esse argumento refere-se ao desenvolvimento dos automóveis autônomos. De acordo com estudos da OCDE, para que um carro autônomo possa operar, é preciso uma rede móvel de altíssima velocidade e baixa latência de comunicações, o que, hoje, somente é possível obter com o uso da tecnologia 5G. Um país que queira desenvolver, inovar e promover tecnologias na área não pode prescindir de uma infraestrutura de ponta.

Dito isso, é preciso buscar outro nível de análise para compreender os verdadeiros desafios da economia digital em nível de competição. É importantíssimo entender a diferença de uso de tecnologia e desenvolvimento. Como já bastante discutido neste blog, o verdadeiro benefício para o crescimento relativo de uma economia está no desenvolvimento de tecnologias e plataformas digitais com alcance global, que permitem interações entre usuários localizados em lados diferentes de uma determinada transação. O incentivo ao uso das ferramentas é relevante e pode ser uma etapa anterior necessária para que promova um ambiente digital adequado que permita o advento de desenvolvedores de tecnologia.

Em um mundo ideal, a estratégia de incentivos funcionaria bem. Entretanto, o ambiente digital está repleto de barreiras de entrada não tradicionais. Por exemplo, entre os principais fatores para que haja um ambiente favorável à criação de “start ups” de plataformas digitais estariam o pleno desenvolvimento de mercado de capital de risco (“corporate venture capital”) – que permita a taxas de juros e condições de financiamento empréstimos para empreendedores no setor – e uma oferta de mão de obra mais qualificada – preparada para os desafios da economia digital.

As plataformas digitais operam em um esquema de efeito de rede (“network effect”) que denota o aumento de valor de um produto ou serviço cada vez que um novo usuário utiliza um produto ou serviço. O Facebook pode ser um exemplo interessante. Quanto mais usuários utilizam o Facebook, mais valioso se torna o serviço prestado pela empresa. Isso cria uma externalidade positiva, pois um utilizador, ao inscrever-se no Facebook, cria valor para os outros utilizadores, mesmo sem intenção de fazê-lo.

Isso dá características próprias ao mercado digital (Verzeni P). Entre as positivas, plataformas digitais permitem (i) uma conexão mais eficiente (retira arbitragem) entre ofertantes e demandantes; (ii) maior transparência e fluxo de informação, o que possibilita que os consumidores tenham mais escolhas e as façam de melhor maneira; (iii) que novos entrantes tenham acesso direto a consumidores sem enfrentar elevados custos fixos; e (iv) alcançar uma massa crítica de usuários (quantidade suficientemente grande de vendedores e compradores) de modo a alcançar um equilíbrio entre preço e capacidade de atração.

Entre as negativas, o atual ambiente digital cria algumas barreiras de entrada, tais como (i) a mesma massa crítica necessária para alcançar um equilíbrio de preço demanda uma quantidade muito alta de usuários, o que pode desencorajar novos desenvolvedores de plataformas; (ii) os efeitos de rede criam custos para que os usuários troquem de plataforma (necessidade de operar um novo sistema, criação de uma nova rede de contatos, por exemplo); e (iii) a necessidade de atração de cada vez mais usuários leva as plataformas a buscarem o domínio do mercado, inclusive mediante o monopólio.

A literatura sobre o tema tem crescido bastante, mas ainda faltam estudos empíricos que consigam mensurar quais são as externalidades positivas dos efeitos de redes e quais são as perdas de bem-estar social oriundas do efeito de monopolização dessas mesmas redes. Além disso, as próprias redes modificam os ecossistemas onde elas estão inseridas criando maiores complexidades para análise do tema com ferramentas econômicas tradicionais.

Vale ter presente, por fim, que o favorecimento do desenvolvimento de plataformas digitais parece ser um desafio importante para os países. Ao mesmo tempo em que os países precisam permitir condições para o incentivo da disseminação de tecnologias digitais, devem ter o cuidado de impedir que o uso da própria infraestrutura ou de plataformas digitais inviabilize a criação de novas plataformas.

O estudo mais qualificado dos aspectos competitivos da economia digital pode auxiliar nesse debate, permitindo contornos e limites mais claros para políticas na área.

Verzeni P., COMPETITION LAW IN THE DIGITAL ECONOMY: A FRENCH PERSPECTIVE, Italian Antitrust Review, n.2 (2017), pp 85-99.