Economia de Serviços

um espaço para debate

Month: novembro 2016

Desigualdade é parte do problema

A produção de serviços no Brasil tem ganhado atenção crescente. Pouco se fala ainda de seu consumo, em parte porque há pouca informação sobre o assunto. Ocorre, porém, que sem informações sobre os mercados consumidores é muito mais difícil desenhar políticas setoriais.

Uma das dificuldades que o setor de serviços encontra é a extrema concentração da renda no país: um grupo tão pequeno quanto 5% dos adultos detém metade da capacidade de consumo privado, concentração que seria menor, mas ainda assim muito alta, se estivéssemos considerando rendas familiares. A massa da população tem renda baixa, mas um pequeno grupo, em torno de 1% dos adultos, tem rendas bastante altas, em termos relativos e absolutos. Como é possível ver no infográfico abaixo, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo.

Da concentração da renda decorrem duas características do mercado consumidor do setor. A primeira é que a demanda por serviços no país é grande, mas boa parte dela precisa ser atendida por intermédio do Estado – educação, saúde, transportes, assistência jurídica, segurança, por exemplo – com subsídios totais ou parciais. A segunda é que o mercado de consumo de serviços no Brasil é fortemente segmentado. Em alguma medida, é um mercado dual, embora o termo seja um pouco exagerado. Há, por um lado, cerca de metade da população com grande demanda, mas capacidade de consumo de serviços privados muito limitada; por outro, uma pequena, mas rica, elite possui grande capacidade de consumir serviços variados.

Isso tem implicações para o futuro do setor serviços no Brasil:

  1. Existe pouco espaço para ganhos de produtividade na produção privada de serviços prestados à massa da população, não porque a produtividade já seja alta, mas porque a limitação no tamanho do mercado tende a fazer com que os ganhos com o aumento dessa produtividade rapidamente encontrem um teto.
  2. Há, provavelmente, muito espaço para ganhos de produtividade na produção pública ou subsidiada de serviços, mas seus impactos tenderão a ser expressos muito mais em qualidade e volume de serviços prestados do que em lucratividade desses serviços. Consequentemente, poderão ser mais facilmente observados em termos de quantidade do que de preços, ou seja, essas melhoras não tenderão a aparecer nas contas nacionais, o que deixa a pergunta sobre nossa capacidade de efetivamente monitorar avanços futuros do setor no Brasil.
  3. Os desenhos de políticas para o setor serviços precisam levar em conta que o Estado é um grande consumidor e um grande produtor de serviços e que isso dificilmente mudará enquanto a renda for muito concentrada.
  4. Para a grande maioria de microempresas produtoras de serviços não se deve esperar grandes retornos de investimentos de todo tipo na melhoria da produção – melhoria educacional, simplificação tributária, redução de barreiras burocráticas – enquanto a barreira de um mercado muito restrito não for superada. Em particular, porque essas microempresas têm dificuldade em alcançar mercados externos.

Em um mundo onde a configuração do setor de serviços é um determinante crescente do desempenho da economia dos países, a desigualdade alta não é um problema apenas porque é ineficiente para a produção, mas também porque não cria um mercado consumidor que permita consolidar o setor.

Fonte do infográfico: Folha, com base em dados do Banco Mundial

IMG_1689Marcelo Medeiros tem estudos na área de desigualdade. É pesquisador do Ipea e professor da UnB. Você pode acompanhá-lo no Twitter em: http://twitter.com/marcelo_meds

A economia digital e o agronegócio brasileiro

A economia digital, que há algum tempo vem transformando setores como serviços, indústria e comércio exterior, está gerando também uma revolução no agronegócio. As agtechs, empresas que desenvolvem tecnologias para o campo, promovem o uso de inovações com o objetivo de otimizar a produção de forma customizada e adaptada as necessidades de cada produtor. De acordo com a Boston Consulting Group (BCG), a rápida adoção dos diferentes serviços propostos por essas startups decorre das fortes evidências de custo-efetividade para os produtores.

Em relação ao desempenho do mercado, houve crescimento mundial no volume de investimentos em agtechs de 2010 a 2015 – nesse último ano os volumes chegaram a US$ 4,6 bilhões, segundo a AgFunder. Apesar disso, projeta-se pequena redução em 2016 em função do baixo desempenho do mercado de venture capital.

As tecnologias propostas incluem áreas como big data & analytics, segurança alimentar, rastreabilidade, biociência (como biopesticidas e bioestimulantes) robotização, automação, logística & distribuição e novos modelos de negócios, como mostra a pesquisa da BCG. O acesso e o uso de dados mais precisos, o processamento de imagens e o monitoramento das plantações, capazes de gerar insights valiosos sobre o desempenho da produção, estão entre as áreas mais promissoras para novos investimentos.

Áreas mais promissoras para investimentos em Agtechs, segundo a BCGagtech-rev-bcg

O Brasil já conta com uma leva consistente de agtechs, as quais têm conseguido atrair volumes crescentes de aportes nos últimos anos, como mostrado pela Istoé Dinheiro. É o caso da Agrosmart, startup que fornece monitoramento em tempo real, a partir de sensores no campo e por satélite, de diversas variáveis ambientais, possibilitando uma melhor tomada de decisão por parte dos agricultores.

Porque o fenômeno das agtechs é importante para o Brasil?

A revolução digital está chegando com força em diversos setores, e tenderá a gerar uma nova onda de investimentos em empresas e grandes benefícios em termos de uso ou geração de valor para seus distintos públicos-alvo, sejam eles consumidores ou empresas. Para uma economia como a brasileira, que possui a agricultura como um setor de grande dinamismo e responsável pela maior parcela da pauta de exportações, as agtechs podem contribuir sobremaneira para a geração de novas tecnologias, novos serviços e novas fontes de valor para o País.

Diversos posts anteriores já discutiram a importância do aumento da produtividade do setor de serviços, em função de seus efeitos positivos para a economia como um todo e para os demais setores da economia, que utilizam vários serviços nas etapas de produção, como é o caso da indústria. A formulação de políticas públicas para o setor de serviços perpasssa, portanto, duas questões essenciais: quais setores são elementos-chave para a elevação da produtividade e competitividade e quais possuem ligação com as vantagens comparativas dinâmicas e estáticas do País.

A melhoria dos serviços de custos forma uma importante agenda para resolução de entraves existentes há décadas pelo Brasil, como infraestrutura e logística. Todavia, conforme apontado por Arbache e Moreira (2015), são os serviços de agregação de valor os que mais contribuem para a elevação da produtividade na indústria, os quais também serão os protagonistas do desenvolvimento e crescimento econômico no futuro, a partir da demanda de uma indústria capaz de produzir bens de alto valor agregado. Raciocínio semelhante pode ser explorado para o setor de agricultura.

Conforme exposto em Arbache (2014) e também pelo blog, a industrialização das vantagens comparativas estáticas e dinâmicas apresenta-se como caminho já utilizado por outras economias, a qual destaca o papel do estímulo ao desenvolvimento de serviços ligados a setores em que o Brasil já possui vantagem comparativa, por meio de políticas que promovam a geração de conhecimento e de desenvolvimento tecnológico. Em relação à agricultura, destaca-se o papel dos serviços ligados à produção agropecuária, biodiversidade e florestas. Tais serviços poderiam contribuir para a ampliação da competitividade em indústrias intensivas em recursos naturais. É nesse contexto que o desenvolvimento das tecnologias pelas agtechs ganha relevância no debate sobre a elevação da produtividade da economia brasileira. A promoção de um ambiente capaz de estimular esse tipo de inovação contribuirá para a geração de serviços que consigam endereçar os problemas enfrentados pela indústria e pela agricultura, ao passo em que promovem serviços de agregação de valor no País, tão importantes para a geração de riqueza nas próximas décadas.

A Economia Compartilhada e a Regulação

Como temos discutido aqui no blog, a economia compartilhada tornou-se popular por meio de empresas como Airbnb e Uber, que têm registrado um rápido crescimento nos últimos cinco anos. Algumas projeções estimam que as empresas do setor deverão gerar receitas de cerca de U$ 335 bilhões de dólares globalmente até 2025, e o escopo para uma maior expansão geográfica ainda permanece considerável. Mas como qualquer crescimento rápido de setor, governos, reguladores e a indústria possuem interesses inerentes, e isso tem gerado dificuldades cada vez maiores.

Apesar de os aplicativos de economia compartilhada mais conhecidos estarem principalmente nos setores de transporte e de hospedagem, há empresas em diversas outras áreas que têm conseguido identificar ineficiências de mercado. São exemplos disso a We Are Pop Up, para compartilhamento de escritórios; EatWith, Meal Sharing, Traveling Spoon, para compartilhamento de refeições. Há também apps de compartilhamento de roupas – Yerdle – e de conhecimento – como o udemy ou o Skillshare.

Em todos os casos, os pontos em comum são a desintermediação, o compartilhamento do excesso de capacidade, o aumento da produtividade e os desafios comerciais para os operadores tradicionais, tais como empresas de táxi, hotéis, restaurantes e utilitários. A Airbnb, por exemplo, está ativa em mais de 190 países e avaliada em mais de U$ 20 bilhões dólares. A Uber, lançada há seis anos, opera em mais de 300 cidades e em mais de 60 países, tem mais de um milhão de motoristas em todo o mundo e está avaliada em mais de US$ 50 bilhões dólares.

Se de um lado temos esse panorama promissor, por outro, nem tanto. Tribunais na Bélgica, França, Alemanha, Itália e Países Baixos declararam serviços derivados da economia compartilhada, usando motoristas não-profissionais, como o caso do serviço UberPOP, como ilegais. O serviço também foi efetivamente banido em áreas de Nova York no verão de 2015. Um Tribunal da Califórnia decidiu que um motorista de uma empresa de economia compartilhada é um empregado, não um autônomo, e um juiz posteriormente recomendou que a Uber fosse multada em U$ 7,3 milhões de dólares e suspensa de operar no estado. O governo sul-coreano proibiu o Uber para encorajar o desenvolvimento de aplicativos locais. E as autoridades de Deli impuseram uma proibição temporária do Uber após um caso de estupro por parte de um motorista do aplicativo na capital indiana.

Nesse contexto, reguladores e governos começam a questionar o impacto de longo prazo do modelo de negócios da economia compartilhada em relação aos operadores tradicionais e às comunidades. O prefeito de Paris, por exemplo, montou uma equipe de 20 agentes para reprimir anfitriões que estavam compartilhando quartos considerados ilegais por meio de aplicativos como AirBnB. Como resultado, 20 proprietários de 56 apartamentos foram multados.

A questão da regulação para esses aplicativos é o ponto central para a definição do futuro da sociedade que queremos. A União Europeia, por exemplo, entende ser ainda cedo para decidir se o serviço prestado, majoritariamente, pela Uber, é um serviço digital ou um serviço de transporte. Nesse caso, devemos observar o comportamento de outras indústrias disruptivas, como é o caso das de telecomunicações e das produtoras de energia, para tomarmos a decisão política mais adequada e para identificar as áreas que devem ser regulamentadas.

Esclarecer os papéis e responsabilidades para identificar e punir abusos, coexistir com os operadores tradicionais, pagamento de impostos, prevenção ao abuso da privacidade dos dados são alguns pontos que devem ser observados com parcimônia.

A economia compartilhada está crescendo rapidamente e criando novas oportunidades em todo o mundo. Como todas as grandes rupturas, está colocando pressão sobre os modelos de negócios existentes e sobre os marcos regulatórios. Os participantes têm a oportunidade de desempenhar um papel no desenvolvimento de soluções de longo prazo que incentivem a inovação e, ao mesmo tempo, protejam os consumidores e a sociedade de possíveis danos não imaginados numa análise simplória de curto prazo.

daisyDaisy Assmann tem Mestrado em Economia pela Universidade Católica de Brasília e é Coordenadora de Planejamento Financeiro da Defensoria Pública da União.


Nota: Esse texto foi baseado no artigo de Alberto Marchi da McKinsey.

Boletim de Serviços – Novembro de 2016

O Boletim de Serviços de novembro de 2016 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • A receita nominal do setor de serviços registrou variação positiva de 2,12% em agosto, enquanto o volume de atividades contraiu 4%, na comparação anual
  • A inflação do setor acumulada em 12 meses reduziu a 7,03%
  • Foram encerradas 40.544 vagas no setor de serviços em setembro
  • O déficit da balança de serviços foi de US$ 2,6 bilhões em setembro
  • O IDE em serviços contabilizou contração de 8% em relação ao mesmo período de 2015

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

bolnov16

Aplicativos médicos e segurança dos dados

À medida que se dissemina o uso de aplicativos com as mais variadas finalidades, um enorme volume de dados é gerado. Frequentemente esses dados são transferidos a outras empresas para fins de marketing ou pesquisa, sem que isso seja de conhecimento do usuário do aplicativo. Esse foi o tema de artigo publicado pelo jornal NEXO há alguns dias no qual se questiona a falta de transparência na utilização dos dados coletados por aplicativos de monitoramento do ciclo menstrual.

O uso desses aplicativos tem se difundido entre as mulheres, pois eles facilitam o monitoramento do ciclo menstrual, auxiliando tanto aquelas que desejam engravidar quanto as que querem evitar uma gravidez. Neles, as usuárias fornecem várias informações como humor, peso, temperatura, uso de medicamentos, intensidade do fluxo menstrual, frequência de relações sexuais e resultados de testes de gravidez. Em troca, elas recebem uma variedade de informações como aviso de ovulação, aviso de exames médicos, lembrete para uso da pílula anticoncepcional, vídeo educativos, sessão de perguntas e respostas entre outras funcionalidades.

exemplos de aplicativos disponíveis na loja virtual

exemplos de aplicativos disponíveis em lojas de aplicativos

Usualmente esses aplicativos fornecem seus serviços gratuitamente, embora também sejam disponibilizadas versões pagas. No entanto, o que à primeira vista é um serviço gratuito, na verdade exige sua contrapartida: o fornecimento dos dados das usuárias. Os dados coletados pelo aplicativo são então vendidos para outras empresas, seja para fins de marketing ou de pesquisa.  Isso significa que uma mulher pode informar ao aplicativo estar sentindo cólicas menstruais e minutos depois visualizar uma propaganda de remédio na tela do seu computador.

O que tem se questionado é a privacidade e a segurança dos dados fornecidos aos Apps (ou a falta delas). Muitos desses aplicativos têm falhas de segurança que permitiriam que esses dados fossem roubados por hackers, expondo, portanto, a privacidade das usuárias. Outros não informam de maneira clara e transparente aos seus usuários que os dados fornecidos por eles podem ser vendidos para outras empresas.

O debate sobre a segurança e a transferência de dados não se restringe aos aplicativos de monitoramento do ciclo menstrual. No começo desse ano, a JAMA (revista cientifica da Associação Médica Americana) publicou um trabalho no qual foi testada a segurança dos dados de 75 aplicativos de saúde voltados especificamente para pacientes diabéticos.  Os resultados mostraram que era usual o compartilhamento dos dados coletados com outras empresas. Além disso, 81% dos aplicativos analisados não tinham política de privacidade e os 19% restantes eram pouco transparentes quanto à política adotada. Na verdade, esse debate tem se tornado mais relevante graças ao advento da Internet das Coisas. No entanto, a natureza pessoal e sensível dos dados disponibilizados nos aplicativos de saúde exige um cuidado maior da indústria.

Muito dos dados fornecidos a esses aplicativos normalmente seriam sigilosos, exclusivos aos pacientes, o que os torna especialmente sensíveis para uso comercial. Se as regras da relação médico e paciente estão bem definidas quando são presenciais, esse não é o caso nas relações digitais. Ainda não existem proteções legais por parte do governo contra a venda de dados a terceiros ou sobre a transparência quanto ao uso desses dados, especialmente no caso de aplicativos de saúde, o que já foi, inclusive, discutido em post anterior desse blog.

Essa discussão deve ganhar novas proporções à medida que cresce o uso de aplicativos de saúde. Como mostra o relatório mHealth e Wearables 2015, o uso de aplicativos voltados para saúde e fitness teve um crescimento de 15% no ano de 2014. No Brasil, esse crescimento foi de 5%.

As novas tecnologias digitais trazem com elas grandes benefícios a usuários e oportunidades para as empresas, mas também grandes desafios aos governos. É o que temos visto no caso do Uber, por exemplo. A segurança e privacidade dos dados são duas questões que advêm da difusão desses aplicativos. Outros temas como a fundamentação cientifica e questões éticas também têm sido levantadas. O desafio de legisladores e reguladores será garantir a segurança dos usuários, sem inviabilizar a inovação tecnológica e seus benefícios para os consumidores.

fotoRebeca Miranda é Mestre em Economia pela Universidade de Brasília e Analista de Comércio Exterior no Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).