A Black Friday tornou-se uma das mais importantes datas para o varejo nacional. Importada por diversos países como forma de estimular o comércio semanas antes do Natal, a Black Friday foi adotada há sete anos pelo varejo brasileiro. O último dia 24 de novembro revelou que o costume foi, finalmente, bem aceito pelo consumidor brasileiro, mas com diferenças importantes em relação ao que se observa nos demais países.

Apesar das diversas reportagens e imagens mostrando consumidores ávidos por descontos dados pelas grandes lojas físicas, a data foi muito mais importante para o comércio eletrônico, que se aproveitou do movimento para atrair o consumidor para vendas online. O resultado impressionou: nos dois principais dias de oferta, o faturamento chegou a 2,1 bilhões de reais. As lojas físicas temem, inclusive, um menor crescimento nas compras de final de ano devido à antecipação nas compras promovidas pela Black Friday, e já se discute uma antecipação da data para agosto no próximo ano.

Na Black Friday de 2017, pode-se observar com clareza o potencial do e-commerce no mercado brasileiro. O ticketdio de compras foi duas vezes superior à média mundial. Ainda, as vendas por meio do celular representaram parcela importante das vendas: quase um terço ocorreu via mobile, crescimento superior a 80% em relação a 2016. O varejo online, que já supera o físico em diversas categorias como eletrônicos, viagens e celulares, viu na data a chance de trazer novos consumidores para o mundo virtual.

O crescimento das vendas online na Black Friday demonstra também uma maior confiança por parte do consumidor brasileiro no comércio eletrônico, algo recorrentemente apontado como uma das principais barreiras ao crescimento desse mercado. As lojas online parecem, de forma geral, ter conseguido vencer o receio dos consumidores de estarem  realizando compras com falsos descontos. Isso não significa que a prática de “maquiagem de preços” não tenha ocorrido – o site Reclame Aqui registrou mais de cem reclamações por hora durante a mega oferta, a maior parte sobre propaganda enganosa.

O e-commerce no Brasil – vantagens, oportunidades e espaço para avanço

A Black Friday explorou algumas vantagens em relação ao comércio físico ainda pouco conhecidas pelo consumidor. É o caso, por exemplo, do direito de desistência, que existe apenas quando a compra é feita fora do estabelecimento, conforme coloca o Código de Defesa do Consumidor.  As empresas virtuais aliam a isso estratégias como a devolução sem pagamento de frete ou embalagem para reenvio, bastando apenas a comunicação à loja e a entrega do produto aos Correios.

Todavia, o avanço das vendas no comércio eletrônico é refreado por uma série de entraves, alguns estruturais, e com poucas possibilidades de melhoria no curto prazo. Um deles, já levantado por este blog, refere-se aos altos fretes – um dos maiores responsáveis pela desistência na hora de se fazer o pagamento. Calcula-se que lojas online perderam quase 12 bilhões de reais por conta tanto do alto frete como da demora na entrega. Essas dificuldades reduzem sobremaneira a compra de produtos de menor valor – muitas vezes o valor do frete é superior ao valor do produto –, o que torna a compra desvantajosa. Isto inibe o crescimento de nichos de mercado importantes, como é o caso do uso do e-commerce para compras recorrentes, como produtos de limpeza e alimentos. Esse mercado, por sinal, é um dos grandes responsáveis pelo crescimento nas vendas da Amazon, por exemplo, por meio do Amazon Prime. Uma forma de se mitigar esse problema é o Click and Collect, ainda pouco usado no Brasil.

O comércio eletrônico ainda tem muito a ganhar com as tecnologias digitais

Embora surfando na onda da Black Friday (e suas variantes, como Black Weekend, Black Week ou Cyber Monday), o comércio eletrônico ainda terá que vencer muitas fronteiras para avançar em mercados mais tradicionais do varejo, como moda, itens de compra cotidiana e recorrente, mantimentos, entre outros. E a economia digital tem muito a contribuir na busca de soluções. Inteligência artificial, IoT, big data, cloud computing, realidade aumentada são algumas das tecnologias que, em um curto período, virarão serviços à disposição das plataformas de e-commerce. Elas deverão contribuir para melhorar a experiência do consumo online, reduzir custos de infraestrutura de rede e para trazer para esse mercado tanto novos usuários, como os que já compram online, mas que ainda procuram as lojas físicas para a maior parte das compras.

No caso do Brasil, muitas são as tecnologias que podem superar as desvantagens existentes numa compra online. Uma delas é a falta de contato com o produto. O Arkit, ferramenta de realidade virtual da Apple, está sendo utilizado por empresas como Ikea para que o cliente possa avaliar, por meio de um app, se o móvel que se deseja comprar se encaixa no local onde ele será colocado. O uso da automação e de algoritmos leva a quase zero o custo marginal de se adicionar novas interações, o que permite às plataformas de e-commerce suportar milhares de usuários. Ainda, o comércio eletrônico é capaz, por meio da tecnologia de RFID, de contornar questões como a informação sobre disponibilidade do produto. A coleta de big data e a posterior análise permite a extração de informações valiosas sobre o perfil dos consumidores, que possibilitam melhorar o posicionamento da marca frente às demandas presentes e futuras de seus clientes.

O efeito-rede existe em diversos mercados, mas é ainda mais relevante para se entender o poder das plataformas digitais, entre elas, as de e-commerce. O benefício de se usar um produto ou serviço dentro de uma plataforma cresce exponencialmente conforme se aumenta o número de usuários. E quanto mais pessoas usam uma plataforma, mais atrativa ela se torna. É o que acontece com plataformas como Ebay, Mercado Livre e OLX, que só geram os benefícios esperados para os consumidores em função do efeito-rede que conseguiram criar.

Como também já exposto por este blog, as plataformas são, provavelmente, o modelo de negócios de maior valor na era digital. Juntos, o efeito-rede e plataforma reforçam o poder que gigantes do comércio eletrônico têm sobre o mercado – as empresas fazem de tudo para manter o usuário navegando em sua plataforma, ganhando na geração de uma imensa quantidade de dados, os quais fornecem informações que serão usadas para fornecer novos serviços – reforçando a predominância da plataforma.

A essa infinidade de dados alia-se o uso de ferramentas como machine learning e engenharia de dados, as quais alavancam o conhecimento sobre o usuário e reforçam o ciclo de preponderância das plataformas. Um exemplo claro é a Amazon Prime, que inclui serviço de compras, entrega rápida, delivery de restaurantes, leitura de livros, audiobooks, streaming de series e filmes, música, compra integrada com o dispositivo Alexa, serviços domésticos e de reparos, entre tantos outros.

O que fica de lição ao se observar o que acontece nos demais mercados e também no Brasil é que as lojas físicas não podem prescindir da presença online. Vide o exemplo da Toys”R”Us, uma das maiores vendedoras de artigos infantis, que entrou com pedido de falência em setembro deste ano. Atribui-se a isto a forte concorrência com o e-commerce: o mercado de brinquedos, diferentemente de vários outros, adequa-se bem às vendas online e ao público de pais millennials sem tempo para ir a lojas físicas e mais habituado a executar as mais diversas atividades na internet. A empresa tentou ser fornecedora exclusiva de brinquedos para a Amazon em 2000, a qual foi processada em 2004 por descumprir o contrato. Com isso, a Toys”R”Us perdeu a oportunidade de desenvolver a sua própria plataforma de e-commerce há mais tempo. E quando acordou, já era tarde demais.

Conclusão: ainda estamos no ‘Day One’

Jeff Bezos, CEO da Amazon, tem uma célebre frase que resume a filosofia da empresa: “this is Day One ”. Isso significa que um mundo novo ainda está por vir em relação ao comércio eletrônico, à internet e à economia digital. Há, assim, um longo caminho a ser percorrido, tanto por economias mais maduras, como também pelas emergentes, até que o comércio eletrônico seja capaz de prover a melhor experiência para o consumidor a um baixo custo.

Para o Brasil, além da necessidade de ser avançar nas questões estruturais ligadas a serviços de custos, como logística e entrega, é preciso também ser capaz de olhar para fora, buscar novos modelos de negócios, novos mercados e novos serviços capazes de agregar valor ao que se entrega. O comércio eletrônico está só começando no Brasil. Devemos aproveitar o momento para traçar estratégias de crescimento que incluam novos mercados e que se projetem sobre novos modelos de negócios. Não dá mais para seguir a rota do foco no mercado interno – e muito menos repetir os velhos erros das industrias tradicionais.