Economia de Serviços

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O avanço da Tecnologia da Informação como serviço

Tecnologia da informação (TI) pode ser definida como as capacidades oferecidas a organizações por computadores, sistemas, aplicações e telecomunicações para entregar dados, informação e conhecimento a indivíduos e processos (Attaran, 2003).

O Banco Mundial considera que o progresso tecnológico é uma força para o crescimento econômico, inclusive a partir da criação de empregos. Nesse contexto, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) estão transformando as economias mundiais, governos e sociedades.

O tema é tão importante que, em julho de 2015, 54 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) expandiram a eliminação de tarifas para uma lista de 201 produtos, como semicondutores, lentes ópticas, equipamentos GPS, softwares e outros produtos relacionados a TIC. O comércio mundial destes produtos é estimado em 1,3 trilhão de dólares por ano.

No Brasil, o IBGE classifica os serviços de TI em cinco grupos:

  • Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda;
  • Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis;
  • Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não customizáveis;
  • Consultoria em tecnologia da informação; e
  • Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação.

A partir da análise dos dados da Pesquisa Anual de Serviços (PAS) sobre os serviços de TI, percebe-se que tem havido um crescimento persistente do setor nos últimos anos. O número de empresas teve crescimento de 34% entre 2007 e 2013, avançando de 44.145 para 59.550 empresas. Os dados sobre a receita destas empresas indicam que o crescimento ocorre de forma sustentada, tendo alcançado R$ 82 bilhões em 2013. Estes valores são expressivos quando comparados aos da receita do setor de telecomunicações, que alcançou R$ 162 bilhões em 2013. Enquanto a receita do setor de TI representava 35% da receita do setor de telecomunicações em 2007, este valor chegou a 51% em 2013.

Além disso, os dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) mostram que em 2014 a receita líquida de vendas das empresas que fabricam equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos foi de R$ 92 bilhões, o que representa 3,3% da receita das empresas industriais no mesmo ano. No caso dos serviços de TI, a proporção é de 6,6% da receita dos serviços empresariais não financeiros.

Os gráficos a seguir permitem uma comparação destes dois grandes grupos:

receitaTI_ind_x_servicos

transf_ind_TI_valor bruto prod_servicos

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA (Tabelas 1842 e 2623).

* Para a indústria estão incluídas as empresas fabricantes de equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos;

** Existem dados para o ano de 2014 apenas para o setor industrial.

Apesar de a receita da indústria ser superior à dos serviços, há uma tendência de avanço do setor de serviços sobre a indústria, conforme previsto pela literatura e evidências empíricas. Esta tendência é reforçada quando comparamos o valor da transformação industrial com o valor bruto da produção para o setor de serviços.

Além disso, conforme dados do Tribunal de Contas da União, o orçamento de TI apenas do Governo Federal totalizou R$ 16,3 bilhões em 2014, considerando também as empresas estatais. Nesse contexto, o Setor Público tem importância significativa neste mercado, e as medidas adotadas pelo Governo Federal podem ser determinantes para que a sociedade venha a se beneficiar desta mudança estrutural da indústria para os serviços.

Neste ponto, a utilização de tecnologias e modelos de negócio recentes, como a computação em nuvem e o software como serviço, poderá aumentar a efetividade da Tecnologia da Informação como área-meio para viabilizar entregas aos cidadãos. Com a economia em equipamentos proporcionada pelo avanço de tecnologias como a computação em nuvem, os órgãos poderão aumentar a oferta e disponibilidade de seus sistemas, se aproximando mais, dessa forma, dos cidadãos.

FullSizeRenderWandemberg dos Santos é Mestrando em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP).

O fim dos Bancos?

Em post anterior, exploramos o surgimento das fintechs e mostramos como essas empresas exploram avanços digitais para ganhar espaço no tradicional, caro e burocrático sistema bancário. Mas até que ponto essas startups conseguirão progredir nesse mercado tão consolidado?

As fintechs já se mostraram capazes tanto de realizar operações tradicionalmente feitas por bancos e agentes financeiros como de responder à demanda dos clientes por um atendimento mais rápido, barato e de melhor qualidade. O cliente ganha pela ampliação na oferta (já que não fica preso à prestação de serviços apenas pelo banco do qual é correntista) e pela prestação de serviços mais personalizados – as fintechs são campeãs no uso de big data, o que as possibilita entender e antever as reais necessidades de seus clientes.

Vejamos a Transfewise, por exemplo, fundada pelos estonianos Taavet Hinrikus e Kristo Käärmann. O serviço é descrito como um peer to peer lending, ou empréstimo ponto a ponto. Suponha que Antônio queira transferir recursos do Brasil para a Inglaterra, enquanto James deseja transferir recursos da Inglaterra para o Brasil. O aplicativo realiza duas transações nacionais ao invés de realizar duas transações internacionais da seguinte forma: ele retira o dinheiro da conta de Antônio no Brasil e transfere para a conta que James quer acessar no Brasil. Ao mesmo tempo, o app retira dinheiro da conta de James, na Inglaterra, e transfere para a conta que Antônio que acessar, naquele mesmo país. O serviço chega a ser 90% mais barato que o cobrado por bancos. Tal como no mercado de transferências internacionais, muitos custos de operações financeiras, antes vistos como impossíveis de serem superados, conseguem ser reduzidos por meio de soluções inovadoras.

O mais interessante é que as instituições financeiras, que possuem décadas de conhecimento sobre o mercado, poderiam ter atravessado essa fronteira tecnológica há muitos anos. Apesar de o sistema bancário ter evoluído bastante no sentido de atender à demanda por maior agilidade nas transações (como é o caso do internet banking), os bancos não se mostraram tão ativos na melhoria da interação digital com o cliente ou no oferecimento de alternativas e serviços mais baratos para transações usuais. E pouquíssimos deles são, de fato, bancos digitais. Ao invés de se mostrarem capazes de inovar na prestação dos serviços pelo avanço das ferramentas digitais, seguiram pelas formas tradicionais – e caras – de prover serviços financeiros. O resultado? Estão enfrentando a concorrência avassaladora de startups num mercado antes visto como oligopolizado e com grandes barreiras à entrada.

O mercado para as fintechs é, de fato, enorme, quando se pensa na infinidade de serviços financeiros existentes e nas taxas pagas por cada tipo de transação que se realiza em bancos – empréstimos, seguros, compra de câmbio, transferências internacionais etc. Hoje, as pessoas relutam muito menos em confiar seu dinheiro e seus dados a grandes plataformas de tecnologia. Se há cinco anos apenas 1% das pessoas confiava nessas empresas, essa taxa hoje chega a 20%, o que é um crescimento significante, de acordo com o Relatório The Future of Finance. O mesmo relatório aponta que um grupo relevante da população pesquisada espera fazer todas as suas atividades financeiras por meio de uma fintech no futuro.

Houve, nos últimos anos, crescimento significativo no volume de transações feitas por empresas de tecnologia, como é o caso da startup Sofi, que hoje atua não só em financiamentos estudantis como imobiliários nos Estados Unidos. Todavia, as fintechs ainda movimentam um volume pequeno em relação ao total  de recursos existentes no sistema financeiro. Além disso, ainda que essas empresas ampliem participação em transações habituais, esse dinheiro ainda é movimentado pela entrada e saída de recursos armazenados em bancos. Ou seja, por mais que tenhamos muitos players novos no mercado, isso não necessariamente significa uma desbancarização, ou eliminação dos bancos.

Apesar da crescente confiança em aplicativos para realizações de operações pontuais ou diárias de baixo porte, ainda é difícil imaginar clientes depositando milhares de reais em startups. A questão que fica é: os bancos conseguirão se manter como bastiões dos recursos, ou apenas como uma infraestrutura sobre a qual as fintechs atuarão? Também é possível que as fintechs acompanhem a tendência do setor de tecnologia, com a emergência de uma plataforma que domine o mercado financeiro digital (como é o caso da Google, Facebook, Amazon e Uber nos demais setores) e que passe a oferecer uma cartela de serviços, num modelo quase-banco (ou de banco digital). O difícil é prever se isso decorrerá do surgimento de um novo player no mercado ou de algum movimento de consolidação entre as empresas já existentes.

Créditos da imagem: banknxt.com

Desafios do setor de mídia e entretenimento na era tecnológica

Até o século XX, a importância econômica do setor de mídia e entretenimento estava associada ao desenvolvimento de tecnologias como impressão, rádio e TV que permitissem a proliferação de informação. No século XXI, a digitalização traz uma nova dinâmica nesse mercado em que a Internet, as redes sociais e o serviços over-the-top (OTT) passam a substituir o modelo tradicional.

Com o advento de novas tecnologias e a expansão da digitalização, a indústria de mídia e entretenimento global vem sendo desafiada a encontrar soluções eficientes para sustentar seu crescimento. Segundo a PwC, esse setor – avaliado em cerca de US$ 1,7 trilhões atualmente – crescerá a taxas cada vez menores, ficando abaixo da taxa de crescimento do PIB global nos próximos anos (ver gráfico abaixo).

Gráfico 1 – Taxas de crescimento do setor de mídia e entretenimento e do PIB no mundo

Crescimento

Fonte: PwC

Por setores, é possível notar que há uma mudança na composição. Por grupos, o gasto global indica uma transição de gastos com vídeos de publicidade para gastos em negócios associados à Internet (gráfico à esquerda abaixo). Ao mesmo tempo, o gasto do consumidor continuará forte, enquanto o gasto com propaganda concorrerá com o gasto com Internet (gráfico à direita). Isso tudo significa que o setor de mídia e entretenimento deverá incorporar cada vez mais estratégias de negócios da economia digital, enquanto o modelo tradicional perderá força.

Gráficos 2 e 3 – Composição da indústria de mídia e entretenimento e crescimento por setor e por modelo de negócios

composição

Fonte: PwC

Alguns fatores-chave que impulsionarão essa nova tendência da indústria digital envolvem a expansão e a redução do custo da Internet banda-larga e a consolidação de dispositivos móveis como plataforma digital – de acordo com publicação da McKinsey sobre o tema. Nessa nova conjuntura, mídias tradicionais como jornais e revistas impressos, a televisão e o rádio são gradativamente substituídos por versões digitais e serviços on-line.

Isto significa que a Internet concretiza um canal de interação mais direta entre os produtores de mídia e entretenimento e o consumidor. Por outro lado, essa nova dinâmica demanda tecnologias mais sofisticadas que englobem melhorias nos serviços de acesso a rede e dispositivos físicos que comportem os novos recursos midiáticos e de entretenimento. Entender tal processo é um passo fundamental para a sobrevivência de empresas no setor.

Por que a regulação tradicional não pode ser a única resposta a serviços inovadores

Este mês o Google anunciou um novo serviço de carona na Califórnia, chamado Waze Carpool. O aplicativo Waze, comprado pelo Google por US$ 1,5 bilhões em 2013, possui hoje mais de 50 milhões de usuários em todo mundo conectados diariamente em busca da melhor rota para fugir de engarrafamentos e demais problemas do trânsito. Uma mistura de rede social com um sistema de navegação via GPS, o Waze utiliza informações providas pelos próprios usuários para definir a melhor rota de um ponto a outro.

O novo serviço funciona da seguinte forma: passageiros devem fazer o download de um novo aplicativo, o Waze Rider. Pelo aplicativo, os passageiros procuram pelo motorista mais próximo que já está planejando dirigir pela mesma rota do passageiro para ir ao trabalho. Os motoristas, por sua vez, recebem pedidos de carona no próprio aplicativo Waze. O serviço faz a correspondência entre motoristas e passageiros com rotas praticamente idênticas, baseados nos seus endereços residenciais e de trabalho, cadastrados previamente em uma base de dados.

Disponível inicialmente apenas na região do Vale do Silício, o objetivo do serviço é permitir que os trabalhadores da região encontrem mais facilmente caronas de ida e volta de casa ao trabalho, uma maneira de incentivar caronas solidárias e viagens compartilhadas. Além de oferecer mais uma alternativa de transporte a custos relativamente baixos, a medida também ajuda a reduzir engarrafamentos e a poluição. Pesquisas na região mostraram que, durante os horários de pico, 70% dos veículos trafegam apenas com o motorista.

Um sistema automático de transferência de recursos, embarcado no aplicativo, transfere o dinheiro referente ao combustível de passageiros para o motorista por meio de um cartão de crédito cadastrado, a exemplo de outros aplicativos de carona e transporte privado. O valor atual é de US$ 0,54 por milha percorrida (cerca de R$ 3,10 por km), valor sugerido pelo Internal Revenue Service (IRS), uma agência americana com funções similares às da Receita Federal no Brasil. Esta é a grande diferença do Waze Carpool para os demais aplicativos de transporte como Uber: os recursos repassados ao motorista são suficientes apenas para cobrir os custos com combustível. Ele não consegue fazer deste serviço seu meio de ganhar a vida. Não há margem de lucro para o motorista. Ele não pode pegar passageiros que vão para outro lugar diferente do endereço de trabalho cadastrado. Além disso, as corridas estão limitadas a duas por dia: uma para ir, outra para voltar do trabalho.

Por mais que o novo serviço seja diferente de um serviço de táxi, uma vez que não tem por objetivo contratar motoristas para o transporte de passageiros, ele pode gerar competição com táxis e com o Uber, por fornecer uma alternativa de baixo custo, ou por servir como opção para aqueles que preferem socializar com colegas de trabalho da mesma empresa durante o trajeto casa-trabalho. Portanto, é natural se esperar que o novo serviço sofra algum tipo de tentativa de censura e repressão, assim como enfrenta o Uber na maioria das praças em que o serviço é lançado.

O rápido crescimento dos serviços de corrida compartilhada por aplicativos tem forçado mudanças fundamentais em um setor antigo e tradicionalmente protegido da competição pela regulação. O que se observa são batalhas entre atores que seguem um mesmo padrão: uma empresa startup entrega um novo serviço criativo e inovador que nasce quebrando regras antigas e segue ignorando estas mesmas regras até obter uma grande massa crítica de clientes satisfeitos. Os prestadores do antigo serviço, desacostumados com um ambiente de competição, passam a pressionar os formadores de opinião e reguladores para tentar encerrar os novos serviços inovadores. As empresas inovadoras e seus clientes satisfeitos contra-atacam, criticando os reguladores. Este ciclo se repete até que se chegue a um consenso, uma solução regulatória que, usualmente, não é um Ótimo de Pareto.

Na visão tradicional de modelo regulatório, normalmente utilizada pelo governo na regulação do mercado privado, a autorização prévia ou licença para prestação do serviço é utilizada como ferramenta básica. Assim funciona, por exemplo, com as licenças emitidas pela ANATEL quando um provedor quer começar a prestar um serviço de internet em banda larga e precisa de uma licença de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) para iniciar suas operações. A abordagem da regulação é impor o controle prévio dos atores por meio da imposição de altas barreiras de entrada.

Entretanto, para os novos serviços de tecnologia prestados sobre plataformas de comunicação e sobre a internet, este modelo não funciona. A maioria desses serviços não teria o sucesso que têm hoje se tivessem de pedir permissão para iniciar suas operações. Suas ideias simplesmente não teriam sido colocadas à prova. Na verdade, umas das principais inovações trazidas por estas plataformas é justamente a capacidade de se autorregularem, adaptativamente e em escala. A partir da grande quantidade de dados em tempo real disponíveis, os próprios provedores do serviço passam a fazer sua regulação. Esta realidade já é observada hoje pelo Uber. Por meio de um sistema que analisa uma grande quantidade de informação (as avaliações dos usuários finais do serviço), o Uber regula sua relação com seus motoristas, utilizando as informações disponibilizadas pelos usuários para forçar um padrão de atendimento e de comportamento aceitável. Esse processo se repete para grande maioria dos novos serviços solicitados por meio de aplicativos.

Nesse sentido, a pergunta que se faz é como implementar a regulação destes novos serviços? A questão, ainda sem resposta definitiva, nos traz também uma certeza: não será utilizando o modelo ultrapassado de barreiras de entrada criado no século passado. Os processos e modelos regulatórios devem ser transformados para adotar a ampla quantidade de dados disponíveis hoje, num modelo similar ao utilizado pelas empresas de inovação para regular seus parceiros.

O novo modelo deve oferecer um trade-off entre as partes, propondo uma relação “ganha-ganha” entre regulados e reguladores: por um lado, ele deve oferecer menores barreiras de entrada a empresas que queiram ingressar no mercado por meio da inovação, garantindo uma maior liberdade de operação para startups. Por outro, deve prever uma relação de maior cooperação dos regulados para com os reguladores, com mais transparência e, principalmente, com acordos de compartilhamento de informações com o poder público em caso de problemas específicos, como uma grande concentração de reclamações dos usuários ou em casos de crimes e infrações às leis nacionais.

Enquanto não houver consenso sobre as premissas acima entre as partes interessadas, vamos continuar tentando regular serviços inovadores da mesma forma que se iniciou a regulação de serviços de infraestrutura básica como energia elétrica, água e esgoto. As propostas de regulamentação dos serviços de transporte por aplicativo atualmente se baseiam, quase que majoritariamente, na cobrança de uma licença anual e um valor por quilômetro rodado. A proposta resolve apenas em parte o problema, pois acaba com o argumento de ilegalidade que paira atualmente sobre o Uber. Porém, certamente não é uma solução ideal, pois faz da barreira à entrada o ponto principal da regulamentação. Um serviço de carona solidária como o Waze Carpool, que propõe apenas um compartilhamento de custos entre os usuários dos serviços, poderia não resistir a uma cobrança destas, proposta por este modelo de regulação. Neste caso, estaríamos diante do cenário mais temerário a respeito deste tema: ao invés de termos um serviço inovador atuando às margens da lei, estaríamos diante de uma regulação anacrônica que inibe e atrapalha a inovação e a criação de novos serviços tecnológicos.

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Entrar na era da economia digital garantirá maior crescimento ao Brasil? Não

Já sabemos que o Brasil é uma economia relativamente fechada para o comércio. Indicadores de conectividade global, tais como o MGI e o DHL, que levam em conta fluxos financeiros, de dados, de conhecimento, de pessoas, de serviços e de comunicação sugerem que o Brasil também é fechado nessas áreas.

Se ser uma economia fechada para o comércio já era comprometedor para o crescimento, ser fechado para a economia digital pode ser ainda mais comprometedor. Afinal, a era digital está rompendo tudo: a natureza dos produtos, a forma de produzí-los, o universo dos produtores e consumidores, as formas de entrega de bens e serviços, a escala do capital para se operar globalmente e os requerimentos de capital humano.

De fato, estatísticas da McKinsey mostram que, enquanto o fluxo de comércio de bens e finanças está desacelerando, o de dados vem crescendo de forma exponencial – entre 2005 e 2014 esse volume cresceu nada menos que 45 vezes! O fluxo de dados adicionou US$ 2,2 trilhões ao PIB global em 2014 de forma direta e outros US$ 2,8 trilhões de forma indireta.

A economia digital promove produtividade ao expor as empresas a novas ideias, pesquisas, tecnologias, melhores práticas operacionais e de gestão e ao criar novos canais de acesso aos mercados globais, ao tempo em que ajuda a reduzir custos.

Embora tudo isto seja muito valioso e positivo, é preciso ter em mente o que venho chamando de “commoditização digital”, qual seja, a popularização de acesso e uso de tecnologias digitais. O conceito diz que, no final das contas, usar tecnologias digitais pode fazer pouca ou nenhuma diferença para a competitividade se aquela tecnologia ou prática estiver ao alcance geral. Logo, tecnologias digitais podem ser condição necessária, mas não suficiente para fazer a diferença em termos de competitividade em nível global.

Logo, por mais sofisticada que seja, os benefícios marginais do uso de tecnologias digitais tendem a ser decrescentes e, eventualmente, até nulos. Prevemos que, a partir do momento que tecnologias se tornam acessíveis e comuns, as vantagens comparativas clássicas voltarão a ser fator de competitividade.

As evidências empíricas estão nos mostrando que o que importa mesmo e faz a diferença para a criação de riqueza é a capacidade de desenvolver tecnologias digitais e de desenvolver e gerir novos modelos, plataformas e padrões de negócios digitais. O efeito-rede e o efeito-plataforma são evidências disto. Pense nos casos da Google, Amazon, Apple, Microsoft, Facebook e outras que “chegaram primeiro” e estabeleceram as bases de operação de negócios e segmentos que as tornaram superestrelas com poucas possibilidades de serem contestadas por entrantes, a não ser em razão de questões regulatórias. Esta é uma das principais explicações da desaceleração e perda de brilho dos “unicórnios”, as startups que rapidamente chegam a valer mais de US$ 1 bilhão.

Isto nos traz a um outro conceito relevante para os dias de hoje, o de “falácia da composição” na era da economia digital (Arbache 2015), qual seja, a ideia de que é improvável que haja lugar para todos na economia digital, em especial em razão do efeito-plataforma e da redução do ciclo de vida das tecnologias e dos serviços digitais.

Com o encurtamento cada vez maior dos ciclos tecnológicos, já não se pode mais falar de convergência de produtividade nos termos propostos por Dani Rodrik (QJE 2013).

Embora entrar na era da economia digital seja mais que relevante para um país como o Brasil, é preciso ter em mente que usar mais e melhor as tecnologias digitais não garantirá crescer a taxas mais elevadas nem gerar mais e melhores empregos.

O século XXI nos lembra todos os dias que o mundo já é, mas será ainda mais dividido entre aqueles que usam e aqueles que desenvolvem tecnologias, padrões e negócios digitais.

Neste momento, o segundo grupo está majoritariamente concentrado em alguns poucos países avançados. E é provável que assim continue, ao menos no horizonte previsível, com efeitos importantes em termos de aumento das diferenças de PIB per capita entre países e de perspectivas de desenvolvimento econômico.

Como a Internet das Coisas pode mudar o setor de turismo

Nas palavras do famoso cientista da computação Mark Weiser, “as tecnologias mais importantes são aquelas que desaparecem; elas se integram à vida do dia a dia, ao nosso cotidiano, até serem indistinguíveis dele”. É nesse contexto que a Internet das Coisas (IoT) encontra solo fértil. A proposta é conectar tudo à Internet de forma a facilitar a vida dos usuários e promover constantes interações. Seria a terceira fase da internet, que já passou de uma rede de computadores (1ª fase) para uma rede de pessoas e comunidades (2ª fase).

As cifras da IoT apresentam crescente exponencial. Estima-se que em 2015 a Internet das Coisas gerou US$ 779,9 bi. de entradas, crescimento de 18,9% em um ano. Apesar desse montante, essa área ainda parece pouco explorada. Segundo estimativa de Amil Menon, executivo da Cisco, menos de 2% das coisas estão efetivamente conectadas.

Por mais que a realidade da Internet das Coisas pareça distante do Brasil, já existem exemplos de cidades latino-americanas que estão utilizando a tecnologia para resolver problemas do cotidiano. Desde 2008, Buenos Aires tem passado por um processo de modernização da administração pública por meio da IoT, que resultou na automatização e integração de diversos aspectos da cidade.

O melhor exemplo disso foi a implantação do programa “cidades futuras”, após grandes inundações que acometeram a cidade em 2013. O programa coleta dados, por meio de sensores que medem a direção, a velocidade e o nível da água nas ruas. As informações são disponibilizadas para a prefeitura de Buenos Aires em tempo real, o que torna a tomada de decisão muito mais ágil.

Mas o que cidades inteligentes e a Internet das Coisas têm a ver com o turismo? Imagine chegar a um hotel no qual você nunca esteve e não precisar preencher aquela enfadonha ficha de hospedagem? Mais do que isso, chegar ao quarto e encontrar uma decoração baseada nas suas preferências. Um colchão que regula a temperatura de acordo com a sua sensação térmica e inclina a cabeça de seu companheiro roncador. Nas refeições, um cardápio desenvolvido especialmente para você, que quer perder alguns quilinhos. No final do dia, uma pré-reserva, com desconto, para aquela festa que você pesquisou quando estava planejando a viagem. E, no dia seguinte, um city tour exclusivo pelos cantinhos mais remotos e interessantes do destino. Tudo isso feito pelo hotel sem nada te perguntar, apenas com base nas informações colhidas na internet e ajustadas para sua hospedagem.

A IoT também pode ser a solução para o controle da capacidade de carga de pontos turísticos naturais, como parques e grutas. Pode, ainda, auxiliar na mensuração do fluxo turístico das fronteiras, por exemplo. Tudo isso com base em um simples dispositivo acoplado a carros que é lido por câmeras de vigilância.

Naturalmente, tamanha omnisciência tem seu custo. Ao acessar sites e aplicativos, mesmo sem perceber, deixamos vários dados pessoais disponíveis. Estamos dispostos a abrir mão de nossa privacidade para estarmos cada vez mais conectados?

Além disso, para funcionar bem, a Internet das Coisas exige um acesso rápido e confiável. Como se sabe, o Brasil ainda tem grandes deficiências nesse quesito, o que pode ser agravado caso as provedoras de internet passem a impor limitações no tráfego de dados. Essas questões podem ser especialmente limitadoras em destinações turísticas fora dos grandes centros.

Não obstante esses desafios, a Internet das Coisas tem potencial para ser um importante aliado do mercado de turismo, ajudando a proporcionar experiências únicas, que ficam marcadas na memória do cliente. Se o pensamento de Weiser se concretizar, em breve a IoT deixará de ser um diferencial e será pré-requisito do mercado de turismo.

O mundo dos Jetsons está chegando e o turista tem muito a ganhar. Resta saber se teremos infraestrutura suficiente para isso e se os empreendedores de turismo enxergam a Internet das Coisas como oportunidade ou como só mais um gasto.

11701145_885099661565134_5694412369975954743_nGraziele Vilela é mestranda em Turismo pela Universidade de Brasília (UnB) e Coordenadora Nacional dos segmentos de turismo de sol e praia e turismo cultural do Sebrae.

O que pode estar por trás da limitação da banda larga fixa

A imposição de franquias de uso de dados por parte dos provedores de banda larga fixa gerou discussões acaloradas nos últimos dias. Enquanto as grandes operadoras defendiam a ideia de limitação do consumo com base na expansão do uso de serviços intensivos em banda e no congestionamento das redes, usuários e associações de defesa dos consumidores passaram a protestar veementemente contra a proposta. Nem mesmo dentro do órgão regulador do setor parece haver consenso: depois de ver seu próprio presidente anunciar que a era da internet ilimitada havia acabado, a Anatel voltou atrás e anunciou a proibição do corte e redução da velocidade da internet fixa ao término da franquia.

O setor de banda larga fixa no Brasil apresenta uma grande concentração: as três maiores operadoras de banda larga fixa do Brasil – Oi, Vivo e Claro – detêm 86% dos usuários. Impulsionadas pela sinergia dos investimentos e pela concorrência no mercado, estas empresas oferecem também os serviços de telefonia fixa e móvel e TV por assinatura.

Ao analisarmos o contexto desses serviços, percebemos os grandes desafios pelos quais passam as operadoras. O serviço de voz fixa tem apresentado sucessivas quedas na receita: entre 2005 e 2010, a receita agregada do setor caiu 8%; entre 2010 e 2015 a queda foi de 22%. Os serviços de TV por assinatura e de voz móvel, por sua vez, passaram a sofrer forte concorrência dos serviços de streaming de dados e voz sobre IP, como Netflix e Whatsapp. Talvez por estes motivos, o serviço de banda larga fixa se tornou o de maior importância para as operadoras. Por apresentar demanda crescente, sobretudo por servir de camada de transporte para os serviços e aplicações intensivos em banda altamente requeridos pelo mercado, este serviço tem tudo para se tornar o principal item da cesta de serviços das operadoras. A partir de 2015 os serviços de voz deixaram de ser a principal receita do setor de telecomunicações no Brasil (Figura 1).

Figura 1 – Receita Líquida das operadoras, por serviço prestado

image (1)

Fonte: Teleco

Porém, tentar vender a necessidade de restringir a internet ilimitada em função do congestionamento das redes é argumento convenientemente mal colocado. Na verdade, o que as operadoras buscam é uma nova forma de monetizar um serviço que tem um custo fixo elevado. Não há, atualmente, evidências claras de esgotamento da infraestrutura de rede, a não ser em alguns pontos isolados e regiões mais afastadas. Porém, a queda na receita, em especial nos serviços de voz, é evidente e significativa.

Assim, a proposta de mudança na composição dos planos apenas mostra que as operadoras estão atentas às demandas do mercado: até então, a venda do serviço se baseava basicamente na velocidade do acesso. Neste sentido, uma banda larga de, digamos, 15Mbps tinha muito mais valor para o consumidor do que uma banda larga de 2Mbps. Porém, à medida que a oferta de velocidades mais altas cresce, o interesse do usuário se altera: perde importância a velocidade do acesso e ganha importância a quantidade de dados consumidos. Trata-se de uma manifestação clara do conceito econômico da Lei da Utilidade Marginal Decrescente. Portanto, faz todo o sentido para as operadoras alterar a composição dos seus pacotes de serviços, incorporando a franquia de dados consumidos como ponto chave para a escolha do consumidor.

Entretanto, analisando-se especificamente o caso brasileiro, a imposição de franquias de consumo de dados para a banda larga fixa apresenta dois problemas: do ponto de vista finalístico, limitar o acesso a serviços intensivos em banda pode gerar desestímulos à inovação e a novos serviços prestados sobre a rede, algo essencial para o aumento da produtividade e da competitividade de que a economia brasileira tanto precisa. Os agentes do setor devem entender que a natureza da conexão à internet mudou: ela deixou de ser uma simples ferramenta de comunicação para se tornar uma forma de consumo e transferência de dados, de informação. Do ponto de vista regulatório, essa limitação nada mais é do que uma forma disfarçada de discriminação de tráfego pelas operadoras, ponto que foi exaustivamente debatido à época da aprovação do Marco Civil da Internet, regulamentado pela Lei 12.965/2014, e proibido por essa lei.

Os debates mencionados colocaram frente a frente dois grupos de interesse. De um lado, as operadoras de telecomunicações, interessadas em aprovar a possibilidade de discriminação de tráfego na rede. Segundo a sua proposta, as operadoras poderiam tratar de forma diferenciada na rede os pacotes de dados que transportam aplicações de streaming e os pacotes de dados que transportam um simples e-mail. Esta possibilidade de discriminação deixaria uma porta aberta para que as operadoras pudessem ofertar ao público pacotes de dados diferenciados: uns mais simples e mais baratos, que não dariam direito de acessar os serviços de streaming de vídeo, e outros mais completos, com acesso a todo tipo de aplicação, porém muito mais caros.

Do outro lado do embate estavam os principais provedores de conteúdo, que defendiam a neutralidade da rede: todos os pacotes de dados deveriam ter tratamento isonômico no transporte pelas operadoras, não podendo sofrer discriminação por conteúdo, origem, destino ou aplicação.

No debate, venceu a neutralidade de rede: o Marco Civil da Internet, aprovado pelo Congresso Nacional, veda o tratamento diferenciado dos dados em seu artigo 9º. A norma prevê a possibilidade de discriminação, após consulta aos órgãos reguladores como a Anatel, em apenas dois casos únicos: por priorização dos serviços de emergência e por requisitos técnicos indispensáveis à prestação dos serviços. Não há previsão na lei para a possibilidade de discriminação do tráfego pelo aumento do consumo de serviços intensivos em banda pelos usuários, ou mesmo para compensar as perdas de receita com os serviços de voz das operadoras. Portanto, a limitação do acesso ao serviço de banda larga fixa ao término do consumo da franquia é essencialmente ilegal, por ferir o marco civil da internet. Segundo ele, a única justificativa para o bloqueio do serviço é a inadimplência do consumidor.

A discriminação do tráfego (e, consequentemente, de preços) e a existência de planos com franquia fazem sentido para mercados maduros e em que haja ambiente de competição entre prestadores. Com uma ampla oferta de planos e prestadores, o consumidor pode escolher o que melhor se adapta às suas necessidades. Não é o caso, porém, do mercado brasileiro: com um mercado concentrado em três grandes prestadores de serviço, a discriminação de preços vai apenas aumentar o excedente do produtor, sem aumentar o número de usuários do serviço, além de prejudicar sua universalização, uma vez que os impactos serão sentidos com mais intensidade pelos usuários de mais baixa renda e pelos pequenos negócios.

Portanto, a atual discussão está servindo para deixar cada vez mais clara a necessidade de se atualizar o modelo regulatório das telecomunicações no Brasil. O modelo de concessão atual deve e precisa mudar: não faz sentido manter o serviço de voz fixa sob concessão, pois a importância e o interesse pelo serviço diminuem a cada dia entre a população. Por outro lado, faz muito mais sentido instituir o serviço de internet banda larga no modelo de concessão, uma vez que este serviço é o de maior demanda pela população atualmente, não é prestado em condições satisfatórias e similares em todo o território e é visto mundialmente como fator transformador social e, especialmente, econômico.

Um novo marco regulatório é essencial para destravar investimentos e diminuir a concentração do mercado. Hoje, os grandes provedores, em especial os concessionários, adiam investimentos em infraestrutura de rede, pois não há uma definição clara sobre a reversibilidade dos bens ao término dos contratos de concessão. Por outro lado, os pequenos provedores atuam apenas em cidades do interior, onde não há oferta adequada dos grandes provedores. Em virtude disto, os provedores cobram preços altos da parcela menos assistida da população.

Com um novo modelo que reconheça a importância dos pequenos provedores e dê, tanto a pequenos, como a grandes provedores, melhores condições de atuação, o Brasil poderá alcançar a maturidade no setor e, com isso, passar a prover um ambiente em que planos com e sem franquia de dados possam conviver harmonicamente com as necessidades dos consumidores.

Figura 2 – Distribuição de Receitas das Operadoras

RLOp

Fonte: Teleco.

Por que não devemos limitar a Internet fixa

Nos últimos dias, muito tem se debatido sobre a questão da imposição de franquias de uso de dados por parte dos provedores de internet fixa. Na visão dessas empresas, o aumento do uso de serviços intensivos em banda, como o Netflix, o YouTube e plataformas online de jogos, tornaria inevitável a necessidade de imposição de limites no tráfego de dados.

Segundo o presidente da Vivo, discriminar usuários “leves” e “pesados” seria mais justo do que tratar todos igualmente. No mesmo sentido, o presidente da Anatel deu a entender que a era da internet fixa ilimitada havia chegado ao fim, e que as operadoras haviam “educado mal” os usuários, que estariam utilizando banda demais.

É verdade que o usuário (não apenas no Brasil) está utilizando mais banda por conta principalmente do avanço dos serviços de streaming e de computação em nuvem. Na era em que o tráfego de dados tem se tornado mais importante que o fluxo de bens, não há como ser diferente. Segundo estimativas da Cisco, o tráfego de dados da internet fixa no Brasil em 2019 deverá ser o dobro do nível de 2014.

Como argumentado por Rodrigo Zeidan em seu ótimo post sobre o assunto, o acesso à internet só passa a ser um bem rival (ou seja, o consumo de um usuário concorre com o de outro) se houver congestionamento na rede por conta de infraestrutura insuficiente para o tamanho da demanda. É possível que isto esteja ocorrendo no Brasil, mas uma forma menos restritiva para combater isto seria estimular o aumento da concorrência no mercado de provedores.

Atualmente, há forte concentração do serviço de provimento de internet no Brasil. Conforme é possível ver no gráfico 1, os três maiores provedores de internet do Brasil respondem, juntos, por 86% dos usuários de banda larga fixa. O quarto maior provedor, Algar, responde por apenas 1,8% dos usuários.

Gráfico 1 – Participação dos provedores de internet no total de usuários em dezembro de 2015

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anatel.

Neste cenário, o consumidor parece ter poucas opções, já que, em muitas regiões, não há mais do que dois ou três provedores de internet. Para efeito de comparação, enquanto a Oi, a terceira maior provedora de internet de banda larga do país, se encontra em 5.419 municípios (97% do total), a Algar, quarta maior provedora, fornece serviços em apenas 242 cidades (4%).[1]

Esta discussão é especialmente importante em um momento em que provedores de internet, que também costumam fornecer serviços de TV por assinatura, telefonia fixa e móvel, têm criticado abertamente serviços como Whatsapp, Netflix e YouTube, que se utilizam da internet e concorrem diretamente com aqueles serviços. Todas as três maiores provedoras de internet fixa também fornecem TV por assinatura (e telefonia fixa e móvel), que sofre concorrência direta do Netflix, possivelmente um dos principais responsáveis pelo aumento do consumo de banda.

Ao impor franquia de dados, os provedores de internet podem acabar “forçando” usuários – principalmente aqueles de mais baixa renda – a desistir de serviços como Netflix, YouTube e Skype para aderir aos serviços de TV por assinatura e telefonia prestados por aquelas mesmas empresas.

Talvez esta seja a questão mais preocupante da imposição de franquias de dados. A internet é, antes de tudo, uma plataforma para diversos mercados. Limitar, mesmo que indiretamente, o acesso a serviços que se utilizam de muita banda pode ter como consequência o desestímulo ao surgimento de novos aplicativos, jogos e serviços inovadores.

Não por acaso, a Netflix passou a pagar para provedores de internet americanos para que os usuários acessassem mais rapidamente seus serviços. Se todo serviço intensivo em banda se vir obrigado a fazer o mesmo, possivelmente teremos menos inovações na internet e serviços prestados por grandes empresas, que podem pagar por um melhor acesso, terão grande vantagem no mercado.

Um cenário com poucas provedoras impondo franquias de dados aos usuários pode resultar em usuários, especialmente os de mais baixa renda, “presos” aos serviços das provedoras de internet e em uma internet menos livre. Ademais, em uma era em que a internet e o fluxo de dados são (e serão cada vez mais) a norma, é mais que esperado que as provedoras de internet tenham que se adaptar, atualizando seus modelos de negócios, sem ir na contramão da tecnologia.

Um mercado mais competitivo de provimento de internet seria um ótimo caminho para que esses novos modelos apareçam. Portanto, antes de permitir a imposição de limites de dados, reguladores deveriam considerar como fazer com que mais empresas entrem no mercado de provimento de internet. Esta seria uma solução mais adequada para consumidores, empresas de conteúdo que atuam na internet e a sociedade em geral.

[1] Os dados sobre acessos a banda larga foram retirados da Anatel.

 

Por que o novo marco regulatório das telecomunicações importa?

Nos últimos anos, muito tem se discutido sobre a necessidade de um novo marco regulatório das telecomunicações. A atenção que o tema tem recebido nos remete a uma dúvida básica: o que significa um marco regulatório? De acordo com a doutrina majoritária, marco regulatório é um conjunto de normas, leis e diretrizes que regulam o funcionamento dos setores nos quais agentes privados prestam serviços públicos. Além de estabelecer regras e indicadores de qualidade para o funcionamento de um setor, o marco traz um conjunto de instrumentos para garantir a execução de normas (auditorias e procedimentos de fiscalização).

No caso das telecomunicações, o marco regulatório atual é a Lei 9.472/97, também conhecida como a Lei Geral das Telecomunicações (LGT). Esta lei definiu em linhas gerais o novo modelo institucional das telecomunicações no Brasil após as privatizações do setor, sendo também responsável pela criação da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, órgão regulatório e fiscalizador das telecomunicações no Brasil.

Com as privatizações das telecomunicações, o Brasil passou à iniciativa privada o protagonismo para o desenvolvimento do setor no país, por meio de concessões. Considerando que o principal serviço de telecomunicações à época era o de telefonia fixa (STFC), fazia-se necessária a criação de um marco regulatório que trouxesse mecanismos para assegurar a universalização e a continuidade do serviço STFC pelas empresas privadas. Neste sentido, o marco regulatório foi eficiente porque, por um lado, possibilitava ao poder público o exercício do controle das tarifas e, por outro, dava segurança às empresas de que os objetivos de modicidade tarifária e de universalização seriam buscados, respeitando o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

Uma das maiores polêmicas no atual marco regulatório das telecomunicações reside no que a lei chama de bens reversíveis, que são aqueles usados na prestação do serviço e que serão revertidos ao poder público ao término da concessão, independentemente de terem sido transferidos ao concessionário ou de terem sido por ele incorporados durante a execução do contrato de concessão. Em 2013, a ANATEL estimava existir oito milhões de bens reversíveis, avaliados em R$ 105 bilhões. Grande parte da polêmica reside no fato de não existir uma definição clara, nem pela lei, nem pela ANATEL, de quais são estes bens. Os contratos de concessão classificam como bens reversíveis “todo bem que é essencial para prestação do serviço”. A partir desta vaga definição, a agência fez uma lista exaustiva, que incluiu, por exemplo, os sete mil prédios da operadora Oi.

Embora, nessa lista, as atenções se voltem sempre para os imóveis, para a prestação do serviço o mais importante é a rede de telecomunicações. Com relação a ela, o posicionamento majoritário dos formadores de opinião da agência é de classificar como bem reversível qualquer equipamento ou infraestrutra pelos quais passaram um “bit de voz”. Isto significa que todas as redes construídas pelas operadoras durante a concessão seriam repassadas ao Estado ao final dos contratos.

Este posicionamento da agência é arriscado. As redes de banda larga fixa, sobretudo as residenciais, baseadas na tecnologia ADSL, evoluíram a partir das redes de cabos metálicos, lançadas pelas empresas públicas antes da privatização, para atendimento residencial do serviço de voz fixa. Se por um lado esse serviço tem caído em desuso, o serviço de internet banda larga é hoje o principal interesse dos consumidores. E aqui é que mora o problema: o serviço de internet em banda larga não é um serviço público concedido a uma empresa privada. Ele é um serviço privado, que pode ser prestado com apenas uma autorização da ANATEL (uma licença de Serviço de Comunicação Multimídia – SCM). Todavia, de acordo com o entendimento da agência, se uma concessionária utiliza uma mesma infraestrutura para prestação dos dois serviços (STFC e SCM), essa infraestrutura é considerada um bem reversível.

O problema associado a essa situação é que, à medida que os contratos de concessão se aproximam do fim – faltam apenas 10 anos para seu término –, menos suscetíveis estarão os agentes privados a investir em infraestrutura para prestação do serviço, uma vez que existe incerteza sobre a propriedade dos bens após o término dos contratos (e eles não poderão ser renovados, de acordo com o marco regulatório atual). Se estes investimentos estivessem associados apenas ao serviço de voz fixa, talvez o problema fosse menor. Porém, eles afetam diretamente os serviços de internet banda larga, de grande importância atualmente, e para o qual se exige uma grande quantidade de investimentos, não só para universalização, como para expansão da qualidade do serviço nos locais onde ele já é oferecido.

À época da privatização das telecomunicações, o valor da telefonia fixa para o consumidor era bastante elevado: existia uma grande demanda reprimida para a qual o governo, enquanto provedor público do serviço, não conseguia assegurar a oferta. Porém, o que se observa atualmente é uma enorme perda de valor desse serviço. No Brasil, segundo dados da PNAD 2013, apenas 2,4% das residências possuíam o telefone fixo como o único acesso da residência. Esse número era de 27,9% em 2001 (ver gráfico abaixo). Por outro lado, percebe-se um aumento na quantidade de domicílios que possuem apenas o telefone celular como acesso telefônico do domicílio: os números saltam de 7,8% em 2001 para 54% em 2013. Os números mostram uma tendência de substituição do telefone fixo pelo móvel por motivos diversos: custos mais baixos, mobilidade, maior gama de serviços de valor agregado, etc.

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Figura 1 – Penetração dos Serviços de Telefonia – PNAD 2013 (teleco.com.br)

Portanto, fica claro que uma simples renovação do modelo de concessão, nos moldes atuais, não seria atraente para o setor privado. Sob a óptica governamental, se na promulgação da LGT a principal preocupação era a universalização do STFC, ao longo dos últimos anos, as políticas públicas para o setor de telecomunicações têm tido seu foco alterado para a promoção da expansão da banda larga. Na última década, o governo tem promovido ações como o Programa Banda Larga nas Escolas, que trocou metas de instalação de orelhões pela instalação de banda larga nas escolas públicas. Também merece destaque o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que tem por meta democratizar o acesso à internet no país. Portanto, o mais provável é que o novo marco regulatório tenha uma relação estreita com a banda larga, apresentando metas para sua universalização.

A necessidade de se atualizar o marco regulatório das telecomunicações brasileiras é premente. Porém, deve-se ficar atento às discussões a respeito do tema. Atualmente, muitos defendem uma maior regulação dos provedores de conteúdo: hoje eles são classificados como provedores de serviço de valor agregado e não são regulados. A justificativa por mais regulação, especialmente por parte dos concessionários, é que os provedores de conteúdo têm acesso direto aos seus clientes, entregam a eles seus serviços de conteúdo utilizando a rede de acesso instalada pelas concessionárias, muitas vezes competindo com elas com serviços de voz sobre a internet, mas não contribuem com os investimentos de ampliação e expansão da rede. Portanto, pode fazer sentido um pouco de regulação para promover uma competição justa entre as partes, de forma a manter o equilíbrio do mercado.

Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que os provedores de conteúdo são grandes contribuidores para a disseminação da informação, tendo sua contribuição reconhecida para diminuição da assimetria de informação em nossa sociedade, seja qual for o campo do conhecimento. Por este motivo, qualquer nova regulação discutida deve buscar preservar o livre acesso dos cidadãos a estes conteúdos e provedores para que possamos ter uma sociedade mais informada, consciente de seus direitos e obrigações cívicas.

Por mais importante que seja a revisão do marco regulatório das telecomunicações, principalmente em razão das questões de investimentos abordadas, a discussão e votação de um novo marco na situação de instabilidade política vivida atualmente é preocupante: ao analisarmos o contexto atual dos principais stakeholders do processo, vemos, de um lado, um Poder Executivo em crise fiscal, que vê o novo marco regulatório como uma oportunidade de aumentar a arrecadação com a renovação das concessões. De outro, vemos um Poder Legislativo pouco disposto a debates sobre temas não relacionados ao impeachment. Diante destas circunstâncias, o desenvolvimento de um novo marco regulatório pode não contar com a devida atenção e o devido debate que o tema exige para criação de um marco que atenda às demandas de concessionários, governo e usuários do serviço.

Internet das Coisas: dispositivos conectados

Que o mundo está cada vez mais conectado não é novidade. Basta um olhar sobre o aumento do fluxo internacional de dados para ter certeza que o futuro envolve o uso de tecnologias que permitem o compartilhamento imediato de informações. Para além disso, a expansão da rede vem abrindo portas para a chamada Internet das Coisas (ou Internet of Things – IoT, na sigla em inglês), que possibilita o acesso imediato não apenas à informação, mas também a dispositivos em qualquer lugar do planeta.

De acordo com a International Telecommunication Union (ITU), a Internet das Coisas pode ser entendida como uma infraestrutura global, envolvendo tecnologias de informação e comunicação, que viabiliza serviços avançados por meio da interconexão de “coisas”. Em outras palavras, IoT refere-se à capacidade de conectar dispositivos de todos os tipos.

Essencialmente, a Internet das Coisas torna possível o desenvolvimento de sistemas inteligentes. Qualquer tipo de sistema. Casas, carros, fábricas, cidades.

Um dia típico de um cidadão que vive em um sistema inteligente é acordar com um despertador que envia um comando para que a cafeteira inicie o preparo de seu café. Esse mesmo cidadão se desloca para o trabalho em um veículo que não precisa de um motorista e trabalha em uma fábrica cujas máquinas funcionam sozinhas e são acionadas com apenas um clique (a distância, claro). Enquanto isso, o relógio desse cidadão monitora sua frequência cardíaca e envia relatórios instantâneos para o computador de seu cardiologista.

Nenhuma dessas tecnologias é novidade. Eletrodomésticos conectados, carros inteligentes e manufatura digital já são uma realidade. E todas elas são parte do que chamamos de Internet das Coisas.

Segundo estimativas da Accenture, com base em dados para 20 países, a IoT adicionará US$ 14 trilhões à economia global até 2030, o que representará um crescimento de 1,5% do PIB real mundial. Os dados são ainda mais surpreendentes ao se constatar que o número de dispositivos conectados é maior do que o de pessoas no mundo – isso já em 2008, conforme a Cisco. Até 2020, estima-se que existirão mais de 50 bilhões de dispositivos conectados à Internet. Para que o Brasil se beneficie de maneira plena dessa revolução, será preciso melhorar consideravelmente nossa infraestrutura, principalmente de acesso à Internet.

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