Economia de Serviços

um espaço para debate

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Por que a Apple vale mais que todas as empresas na Bovespa?

O Jornal O Estado de São Paulo de hoje informa que o valor de mercado da Apple fechou, ontem, 24/7/2015, a US$ 714 bilhões, US$ 29 bilhões a mais que todas as empresas de capital aberto na Bovespa.

Como isto é possível? Claro, são muitas as explicações, as quais incluem as condições atuais da economia americana e brasileira, taxa de câmbio, dentre outras. Mas tem um aspecto que merece destaque. Trata-se da natureza das empresas em questão.

A Apple nasceu essencialmente uma empresa de hardware. Por anos, seguiu o caminho de tantas outras empresas americanas em busca dos louros do mercado de computadores. Mas, com o passar do tempo, a Apple aprendeu que, muito mais que produzir equipamentos, o que cria mesmo valor adicionado são os serviços embutidos nesses equipamentos e as funcionalidades dos mesmos. Não por acaso, a empresa é, hoje, acima de tudo, uma vendedora de serviços.

A Google também teve a mesma compreensão, mas seguiu o sentido oposto. Nasceu essencialmente uma empresa de serviços, desenvolvendo e fornecendo os mais diversos tipos de funcionalidades, muitos delas gratuitamente. Mas, com o tempo, entendeu que a verdadeira agregação de valor está em vender esses serviços e funcionalidades embutidos em equipamentos. Claro, ao invés de produzirem funcionalidades para, digamos, a GM oferecê-los em seus carros, porque não ela mesma não faria isto? Bingo! A empresa é, cada vez mais, sócia e desenvolvedora de hardwares, como os carros inteligentes, os quais serão, acima de tudo, passaportes para os serviços e funcionalidades que ela cria.

No século XXI, a criação de valor e de bons empregos já está, mas estará cada vez mais associada ao conhecimento e à capacidade de fomentar a relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços para se criar um terceiro bem que nem são serviços nem tampouco bens convencionais, mas um mix entre os dois. Por aqui passa uma das principais razões da Apple valer tanto.

E aqui entre nós? Bem, uma inspeção nas empresas listadas na Bovespa mostraria larga predominância de empresas de commodities ou fortemente dependentes de commodities, como siderúrgicas, empresas de consumo, empresas de serviços de baixo valor adicionado e empresas de ramos industriais de médio ou baixo conteúdo tecnológico. Ou seja, um rol de empresas que é a cara do século XX, se muito.

Claro que produzir commodities não é um problema. O problema é não agregar valor e não desenvolver conhecimentos e tecnologias que façam dessa vantagem comparativa um passaporte para o século XXI e para a geração de valor e de empregos de qualidade.

Uber

O Rio de Janeiro acordou hoje com manifestações dos motoristas de táxi contra o Uber. Essas manifestações não são próprias do Rio e algo similar acontece em outros países. Não é nosso objetivo comentar sobre aspectos de legalidade ou legitimidade da contenda. Nosso objetivo é comentar o que está em jogo.

Ao que tudo indica, a causa dos taxistas é perdida. Isto porque ela é parte de um movimento muito maior que está em curso no mundo, qual seja, a da crescente transformação da natureza dos serviços. Aprendemos na escola de economia que os serviços em geral são “non-tradable”, ou seja, não estão expostos à concorrência internacional. Este é o caso dos serviços de cabeleireiro, de jardineiro e de taxi e da loja da esquina. De outro lado, aprendemos que os bens industriais são “tradable” e, portanto, estão expostos à concorrência de produtos importados da China e de outros países.

Mas essa classificação está se tornando obsoleta. Isto porque os serviços são cada vez mais comercializáveis. Pense na Amazon, no Netflix, nos programas de TV a cabo, no Airbnb e em tantos outros serviços que consumimos no dia a dia. Pense também nos serviços de internet na nuvem, nos serviços de projetos e design adquiridos fora, softwares e tantos outros insumos do setor produtivo. Mas, acima de tudo, pense nos serviços embutidos nos produtos industriais que consumimos no dia a dia – no caso do iPad, nada menos que 93% do valor final remunera serviços, a maior parte deles sediados nos Estados Unidos. Os demais 7% remuneram peças e montagem.

O UBER é parte desta mudança. Mas, neste caso, o mais intrigante para os economistas é que até mesmo um serviço como o de taxi se tornou tradable. Afinal, uma empresa sediada milhares de quilômetros daqui controla um serviço de transporte individual local e fica com a maior parcela do valor adicionado.

Manifestações como as de hoje podem até adiar, mas é improvável que venham a impedir o avanço da nova geração de serviços.

Para consolo, a indústria também passa pela mesma situação – parte significativa de uma sonda da Petrobrás construída num estaleiro nacional remunera projetos, design, softwares, etc, todos eles vindos de fora.

A esta altura, o melhor a fazer é aceitar que já estamos no século XXI e desenvolver políticas e práticas que criem oportunidades para que se possa concorrer em melhores condições. Ao invés de bloquear a quase inevitável mudança, é preciso investir em conhecimento e empreendedorismo, incentivar o investimento e a produtividade e atrair empresas estrangeiras de serviços para o Brasil. Somente assim poderemos ter condições de gerar riquezas e empregos aqui.

TPP, Serviços e Desenvolvimento Econômico

O colapso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o ritmo lento das discussões em torno de disciplinas como serviços e propriedade intelectual contribuíram para estimular uma profusão de acordos plurilaterais. O principal acordo ora em discussão é o Trans-Pacific Partnership (TPP), que merece atenção especial em razão do porte das economias envolvidas e da sua declarada pretensão de ocupar espaço não preenchido pela OMC de estabelecer bases e padrões conceituais de governança e de abrangência da agenda do comércio. O TPP envolve Estados Unidos, Japão e mais outros tantos países do Pacífico. O acordo deverá ser finalizado em breve e submetido para ratificação dos respectivos parlamentos provavelmente em 2016.

O grande diferencial desse acordo não está na remoção de barreiras tarifárias entre os países envolvidos, que já são bastante baixas, mas em temas como compras governamentais, investimentos, mercado de trabalho, meio ambiente, competição e, sobretudo, em serviços e propriedade intelectual.

Para os Estados Unidos, país com ampla vantagem comparativa em serviços, o acordo tem caráter estratégico não apenas pelos seus impactos nas exportações de serviços e na consolidação do comando de cadeias globais de valor, mas, sobretudo, porque garantirá a geração de empregos em larga escala. De fato, como os serviços estão se tornando “tradable” e cada vez mais são providos a partir de um terceiro país, então a liberalização terá profundas repercussões na forma como entendemos comércio internacional, investimentos, fluxos de mão de obra qualificada e de capitais e, sobretudo, crescimento econômico.

Quando calculado em valor adicionado, os serviços já representam 54% do comércio global, mas estima-se que serão 75% até 2025. O mercado mundial do segmento de serviços comerciais, por exemplo, é de US$ 4 trilhões, mas estima-se que chegará US$ 9 trilhões nos próximos 10 anos.

Economistas como Dani Rodrik, Joseph Stiglitz e Andrés Velasco argumentam que, por serem excessivamente restritivas para atender aos interesses de grandes corporações, as cláusulas de propriedade intelectual propostas no TPP reduzirão, ao invés de aumentar a eficiência e a competição em vários mercados, com impactos negativos no acesso ao conhecimento, tecnologias e inovações por parte dos países em desenvolvimento.

Embora haja apelo na abertura ampla dos mercados de serviços devido aos seus efeitos mais imediatos no bem-estar das pessoas e no acesso a serviços comerciais mais competitivos, há, também, outros aspectos que devem ser considerados. Países que buscam escapar da armadilha do crescimento não deveriam abrir mão de encorajar e estimular atividades econômicas em que ainda seja possível aliar crescimento do emprego com aumento da produtividade. Este é precisamente o caso dos serviços, notadamente por seus efeitos potenciais no desenvolvimento de inovações tecnológicas e de novos modelos de negócios, bem como no aumento da densidade industrial e da diversificação da produção e das exportações.

Proteger a propriedade intelectual e promover a eficiência dos mercados são postulados. Mas também é preciso reconhecer a necessidade de se acelerar a disseminação e a absorção do conhecimento e a crucial relevância dos serviços para o desenvolvimento econômico.

Por que as empresas terceirizam suas atividades?

O tema da terceirização tem sido bastante discutido na imprensa, principalmente por conta do projeto de lei 4330/2004, que está tramitando no Congresso. Sem entrar no mérito do projeto de lei, cabe a pergunta: por que as empresas terceirizam suas atividades? O que isso tem a ver com serviços?

Em seu clássico artigo sobre a natureza das firmas, Ronald Coase (1937) argumenta que, para uma empresa, há ganhos em verticalizar e expandir a produção, mas estes são decrescentes. Se não fossem, uma única empresa fabricaria tudo internamente. Verticalizar demais traria custos crescentes de organização, o que faria com que a empresa não alocasse seus recursos da maneira mais eficiente. Logo, à medida que uma empresa cresce, haveria um ponto no qual seria mais vantajoso terceirizar parte de seu processo produtivo do que fabricar internamente.

Em trabalho mais recente, Berlingieri (2014) levanta três motivos pelos quais uma empresa decide terceirizar:

  • contratar atividades antes realizadas internamente, de maneira a economizar em custos trabalhistas e ter mais flexibilidade;
  • substituir insumos produzidos internamente por outros fabricados por empresas especializadas mais eficientes;
  • contratar serviços de mercado em resposta a novas necessidades, de maneira a economizar em custos de P&D e aprendizado.

Cabe notar, também, que, com o aumento da complexidade da economia e com a redução dos custos de transporte e comunicação, houve um crescimento tanto da demanda quanto da oferta por serviços especializados. Além disso, as empresas foram se especializando em tarefas cada vez mais específicas e, como os custos de transação diminuíram, terceirizar se tornou mais atraente. Esses fenômenos, conjuntamente, contribuíram para o aumento expressivo da terceirização nas últimas décadas, levando ao extremo, em alguns setores, de empresas que apenas projetavam seu produtos, sem fabricar praticamente nada internamente (STURGEON, 2002).

Analisando dados da economia americana, Berlingieri calcula que serviços profissionais respondem, sozinhos, por 40% do crescimento da participação de serviços no emprego entre 1947 e 2002. No período, os serviços aumentaram sua participação no PIB americano de 60% para 80%; já a participação no emprego passou de 60% para 85%.

O Brasil, de maneira menos intensa, também passou por esse processo de descentralização da produção. A questão é: se os serviços são importantes componentes do aumento da terceirização, mas estes são pouco eficientes, qual o impacto disso para a economia? O gráfico abaixo mostra que os serviços brasileiros têm 19% da produtividade do trabalho dos serviços americanos. “Aluguel de máquinas e equipamentos e outros serviços empresariais” apresenta uma produtividade do trabalho relativa de 13%. Logo, é bem provável que, por mais que possa trazer ganhos, o processo de terceirização da produção, em países como o Brasil, traga algumas perdas de eficiência.

Produtividade do trabalho no Brasil em atividades selecionadas relativa à dos Estados Unidos, 2011 em US$.

Fonte: Moreira (2015), a partir de dados da World Input-Output Database (TIMMER, 2012).

Fonte: Moreira (2015), a partir de dados da World Input-Output Database (TIMMER, 2012).

Como se dá a moderna relação entre bens e serviços?

O aumento da participação do setor de serviços na economia é um fato estilizado. Mas o aumento desta participação e a forma como ela evolui dependem do estágio de desenvolvimento do país.

Análise da trajetória do desenvolvimento industrial ajuda no exame do crescimento e da dinâmica dos serviços.[1] Os países iniciam as suas respectivas jornadas de desenvolvimento industrial, cada um ao seu tempo e ao seu modo, na região R1 do gráfico 1 abaixo. Nessa região, a participação da agricultura no PIB ainda é elevada. Mas à medida que as economias se urbanizam, cresce a demanda por produtos industriais básicos como ferro, aço, cimento e produtos químicos. A região R2 caracteriza a fase do desenvolvimento em que expandem a indústria de base, manufaturas de baixo valor adicionado e serviços gerais.

Tudo o mais constante, quanto mais as indústrias básicas e leves expandem, menor será a sua contribuição marginal para o crescimento do PIB, o que decorre do aumento da diversificação da demanda em favor de bens e serviços mais sofisticados.

espaco industria

As economias eventualmente atingem um ponto de inflexão e entram num outro estágio da dinâmica do desenvolvimento industrial, este, muito mais sofisticado que R2. A região R3 é caracterizada pela fase em que crescem os investimentos em atividades industriais que requerem mais serviços de logística, serviços financeiros, projetos de engenharia, marketing, dentre tantos outros de apoio ao desenvolvimento industrial, ao comércio e à terceirização da produção. Nesta fase, a densidade industrial passa a crescer rapidamente e vir acompanhada do aumento da participação dos serviços comerciais na economia, ao tempo em que declina a participação relativa da indústria no PIB.

A passagem de R2 para R3 normalmente caracteriza o rompimento da armadilha da renda média. Neste estágio, a demanda das famílias por serviços mais sofisticados de saúde, educação, previdência, lazer, mobilidade urbana, segurança e conectividade crescem rapidamente.

A região R4 é caracterizada pelo estágio mais avançado do desenvolvimento industrial. A densidade industrial continua a expandir e vem acompanhada de demanda mais que proporcional de serviços comerciais, enquanto a participação relativa da indústria continua a declinar. Esse estágio também é caracterizado pela intensa participação da indústria no desenvolvimento de inovações e soluções do setor de serviços com vistas a se produzir bens cada vez mais sofisticados e com mais funcionalidades. Serviços avançados nas áreas de telecomunicações, serviços de Internet, big data, internet das coisas, cloud computing e desenho de sistemas de computadores, por exemplo, estão na mira dos investimentos em P&D da indústria.

O declínio da participação relativa da indústria no PIB não implica dizer que a indústria perdeu relevância. Na verdade, o aumento da densidade industrial caracteriza uma fase muito mais sofisticada e influente da indústria, a qual é marcada pela mudança da natureza dos bens, da forma como são produzidos e da sua relação com os serviços. A indústria passa a ocupar papel catalisador de geração de riquezas e de P&D, mas num nível muito mais complexo e sofisticado.

As regiões R3 e R4 caracterizam estágios do desenvolvimento industrial em que se desenvolve relação simbiótica e sinergética entre a indústria e os serviços para criar valor. O valor do bem industrial será maior quando combinado com serviços para formar um terceiro produto que não é propriamente um bem industrial nem tampouco um serviço. Trata-se de bens industriais com elevada participação de serviços no seu valor agregado, como é o caso dos iPads e de produtos vendidos em “pacotes”, como computadores de grande porte ou turbinas de aviões – a comercialização de turbinas, por exemplo, é acompanhada de serviços de leasing, seguros, treinamento, engenharia, manutenção e outros serviços pós-venda e B2B. Mas produtos com elevado componente de serviços, como aqueles em que design e branding têm grande contribuição no valor final, também não se enquadram nas rígidas classificações convencionais de bens e serviços.

O gráfico 2 mostra o espaço-indústria em 2011. Brasil e Estados Unidos tinham participação parecida da indústria no PIB. No entanto, a densidade industrial americana era oito vezes maior que a brasileira, a qual se devia, em boa parte, à criação de valor conjunta e complementar entre a indústria e os serviços. No século XXI, o setor de serviços é crucial e determinante para o desempenho da indústria e para a geração de riquezas.

Espaço Indústria

[1] A densidade industrial de um país é calculada como o valor adicionado da indústria de transformação dividido pela sua população total. A densidade industrial reflete a disponibilidade de recursos que contribuem para a agregação de valor, incluindo capital humano, C&T, P&D, instituições e infraestrutura. A densidade industrial captura a disposição, tácita ou explicitamente, da sociedade de disponibilizar recursos para o avanço do desenvolvimento industrial (Arbache 2012). O espaço-indústria tem três dimensões: participação da indústria no valor adicionado (D1), densidade industrial (D2), e participação dos serviços comerciais no PIB (D3).

Serviços e desenvolvimento econômico

No século XXI, as empresas estão cada vez mais conectadas e interdependentes, com a produção crescentemente descentralizada. Se no começo do século XX uma empresa automobilística como a Ford produzia internamente desde o aço até o carro, nos dias atuais, a Boeing produz em suas fábricas menos de um terço do seu último modelo de avião comercial, o Dreamliner.

Esse fenômeno de descentralização está intimamente ligado ao aumento de serviços na economia, que têm participado cada vez mais do processo produtivo de outros setores, como insumos. Veja, por exemplo, o caso do iPhone e do iPad: a Apple é responsável pelo planejamento e design dos produtos, desenvolvimento de software e marketing, enquanto a fabricação das peças é quase toda realizada por outras empresas na Ásia. Todas as atividades realizadas pela Apple nos processos citados são inerentemente de serviços, e a empresa americana é responsável por 80% dos lucros do iPhone e 64% dos lucros do iPad (ver interessante estudo de Kraemer, Linden e Dedrick, 2011).

Em trabalho de nossa autoria (Arbache & Moreira, 2015), mostramos que, em geral, quanto mais a indústria de um país consome serviços em seu processo produtivo, maior será sua produtividade. O gráfico abaixo, com dados de 1995 a 2009, demonstra isso claramente. Para ver essa relação ao longo dos anos, basta arrastar o a barra acima do gráfico.

Fonte: Arbache e Moreira (2015) com base em WIOD (2015).

Esses dados suscitam uma pergunta instigante: o que é mais importante para um smartphone ou tablet – o produto ou os serviços atrelados a ele? Na realidade, a resposta parece estar no meio do caminho: o smartphone precisa de software e design para ter valor, assim como esses serviços precisam de uma plataforma para existir.

Tal panorama implica que tornar os serviços brasileiros – normalmente caros e de baixa qualidade – mais eficientes e competitivos, principalmente aqueles que mais agregam valor a outros negócios, como design, engenharia de ponta, desenvolvimento de softwares, etc, teria impacto não apenas neles mesmos, mas na economia como um todo.

No passado, países se desenvolveram se industrializando. No século XXI, o desafio do desenvolvimento exigirá novas soluções, e é provável que fortalecer a indústria, somente, não baste. Para se desenvolver, o Brasil terá que tornar seus serviços competitivos internacionalmente e trabalhar para que eles agreguem mais valor às cadeias produtivas de outros setores como a indústria e o agronegócio.

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