Economia de Serviços

um espaço para debate

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Envelhecimento demandará grandes investimentos em hospitais

Além dos já conhecidos problemas de qualidade e eficiência dos serviços de saúde, o Brasil começa a enfrentar um desafio adicional nesta área em razão do envelhecimento populacional. Hoje, 7,6% da população têm 65 anos ou mais. Mas esta parcela será de 9,4% em 2020 e de 11,3% em 2025, padrão similar ao de alguns países ricos. Esta mudança vai requerer significativo aumento da oferta de infraestrutura de saúde, já que a população idosa usa muito mais intensamente aqueles serviços. Esta condição, juntamente com o reduzido espaço fiscal para investimentos públicos, requer que discutamos com urgência soluções que elevem os investimentos no setor.

O Brasil despende cerca de 9% do PIB com saúde, média parecida com a da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Porém, esta comparação direta tem limitações. Primeiro, porque enquanto o Brasil gasta cerca de US$ 1100 per capita por ano com saúde, a OCDE gasta US$ 2800. Segundo, porque enquanto o número de leitos no Brasil era de 2,3 por grupo de mil habitantes em 2012, na OCDE era de 4,9. E, terceiro, porque as despesas com remédios, consultas privadas e outros itens não diretamente associados à remuneração da infraestrutura absorvem pelo menos 30% das despesas totais com saúde no Brasil, enquanto que na OCDE esse número é de aproximadamente 17%.

Para piorar, o número de leitos diminuiu nos últimos anos e a tendência é de mais redução. Se não forem tomadas providências que freiem esse movimento e, ainda mais importante, que encorajem novos investimentos, será praticamente inevitável que haja piora na oferta de serviços de saúde.

Nossas simulações sugerem que, se quisermos um padrão de oferta de leitos compatível com a nossa estrutura demográfica e que seja minimamente comparável ao padrão de países de renda média e alta, então teremos que criar cerca de 177 mil novos leitos até 2020 ao custo de pelo menos 20 bilhões de dólares (veja Figura abaixo).

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O maior desafio que temos à frente é o de aceitarmos rever conceitos e rediscutir, de forma desapaixonada, o desenvolvimento de um setor de saúde que seja realista e sustentável, sem abrir mão do SUS. Com a estrutura vigente o cenário é de piora acentuada da cobertura e atendimento à população. Portanto, reformas que melhorem a alocação e uso dos recursos, bem como gerem investimentos na infraestrutura hospitalar são urgentes e não podem esperar.

euVictor Gomes é Doutor em Economia. Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Foi Economista-Chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

 

Os serviços e a baixa participação brasileira nas cadeias globais de valor

Normalmente, quando se fala de comércio exterior, pensa-se apenas nas exportações e importações diretas. Porém, com a maior integração do comércio mundial, fragmentação da produção e o desenvolvimento de complexas cadeias globais de valor, percebe-se a necessidade de olhar para outros indicadores para melhor compreender o comércio entre países.

A notícia boa é que, apesar de ainda ser um movimento incipiente, a disponibilidade de dados sobre comércio exterior dentro de cadeias produtivas tem aumentado. A base TiVA (Trade in Value Added), construída e mantida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC), é uma importante iniciativa nesse sentido.

Por meio da TiVA, é possível ver o quanto cada país adiciona valor nos produtos e serviços finais exportados por outro país. Por exemplo: iPhones são desenhados nos EUA, montados na China e depois distribuídos para o restante do mundo (incluindo os EUA). Digamos que uma montadora chinesa venda o iPhone para o restante do mundo por US$ 200. Suponha que essa montadora tenha comprado US$ 150 em peças e serviços do resto do mundo no processo. Na contabilização convencional, não seria possível saber que esses US$ 150 importados foram utilizados para exportar US$ 200. Pelo método utilizado no TiVA, seria possível saber que, apesar de ter exportado US$ 200, a China contribuiu com apenas US$ 50 do valor. Além disso, seria possível saber quanto cada país contribuiu para que a China exportasse os US$ 200 em um produto final e quanto disso são serviços.

Há uma literatura que aponta que existe uma correlação positiva entre o consumo de serviços como insumos na produção de bens exportados e intensidade exportadora (ver, por exemplo, Berlingieri 2015 e Francois e Woerz 2007). Isso se daria tanto como estratégia de redução de custos, principalmente por meio de serviços voltados para facilitar o processo exportador, quanto como estratégia para agregação de valor aos produtos – com serviços como pesquisa e desenvolvimento, marketing, software etc.

Ao olharmos os dados do Brasil na TiVA, dois fatos ficam claros:

  • as exportações brasileiras apresentam baixa adição de valor de outros países (ver Gráfico 1) e
  • o país exporta – direta e indiretamente – serviços em uma proporção próxima da média da OCDE, mas se utiliza pouco de serviços importados (ver Gráfico 2).

Esses dois fatos indicam que o Brasil é pouco integrado às cadeias globais de valor. Para retomar o crescimento, será necessário ao país se tornar mais competitivo internacionalmente e se integrar mais à economia global. O caminho não será fácil, mas reconhecer a necessidade disso será um passo importante naquela direção.

Gráfico 1 – Percentual de valor adicionado por outros países no total das exportações, por país – 2008, 2009 e 2011 (quadro à direita mostra a evolução do Brasil)

Gráfico 2 – Participação de serviços direta e indireta no total de exportações, por país, 2011.

SNA service export share” representa a exportação direta de serviços. O azul escuro representa a participação do valor adicionado de serviços nacionais no total das exportações de um país. O azul claro, a participação do valor adicionado de serviços importados no total de exportações de um país. A linha mostra a média dos países da OCDE.

O Problema da Inflação de Serviços

Um dos maiores desafios atuais do Brasil é a inflação. Após anos em que ficou relativamente contida para os nossos próprios padrões, a inflação ganhou força no último ano e o IPCA fechou com nada menos que 10,67%, o maior patamar em 13 anos. A aceleração recente da inflação está associada a fatores diversos, incluindo a alta da taxa de câmbio e a recomposição de preços administrados.

Mas um olhar mais cuidadoso para os índices de preços dá motivos para mais preocupação. Isto porque a inflação de serviços tem aumentado sistematicamente mais que a inflação geral nos últimos 13 anos, como mostra a figura abaixo. Em 2015, a inflação dos componentes de serviços no IPCA subiu 30% a mais que o IPCA geral.

O problema é que os serviços respondem por 64% da cesta de consumo das famílias e são insumos fundamentais de produção, com 17% do valor bruto da produção da indústria e por nada menos que 62% do valor adicionado do setor. Logo, a inflação de serviços tem efeitos sistêmicos e contamina toda a economia.

Por que a inflação de serviços é tão elevada? Indexação e situações pontuais, como o expressivo aumento das tarifas de energia em 2015, ajudam a explicar. Mas o que explica mesmo a tendência recorrente de taxa de inflação de serviços mais elevada são a baixíssima produtividade e a baixa competição em muitos dos seus segmentos.

Como temos discutido neste blog, a produtividade do trabalho do setor de serviços é muito baixa e está estagnada. De fato, a produtividade corresponde a 66% da produtividade da manufatura e a apenas 11% da produtividade da mineração. Comparação internacional mostra que um trabalhador brasileiro de serviços produz apenas 19% do que o seu correspondente norte-americano produz. A Baumol cost disease ajuda a explicar o fenômeno.

Já a elevada concentração inibe a competição, a inovação e a eficiência. Parte importante da concentração no país é explicada por marcos regulatórios que dificultam a entrada de novos competidores e até mesmo a competição interna. Serviços financeiros, serviços de telecomunicações, transporte aéreo de passageiros, transporte de cargas e encomendas expressas, que são insumos para a produção e para os negócios, estão dentre os segmentos mais concentrados e regulados.

Sem que a produtividade e a competição aumentem, dificilmente teremos taxas mais modestas de inflação de serviços no longo prazo, o que seguirá tendo impactos diretos e indiretos negativos no bem-estar das famílias, no ambiente de negócios e na competitividade da economia brasileira.

O desenvolvimento de uma política para os serviços que remova os estraves à produtividade e à competição e que incentive o investimento e a modernização do setor seria uma importante luz no fim do túnel.

Figura: Taxa de inflação – número índice 2000=100

Inflacao de serviços

Fonte: IBGE.

Boletim de Serviços – Janeiro de 2016

Em novembro de 2015, o setor de serviços intensifica os resultados negativos registrados ao longo do ano. Por padrão tecnológico, nota-se que os serviços tradicionais possuem desempenho ainda mais preocupante: a retração do volume de atividade alcançou 7,5% (na comparação anual), acompanhada de uma redução acumulada de cerca de 550 mil postos de trabalho no período de janeiro a novembro de 2015.

Evolução dos indicadores de serviços, por padrão tecnológico

Serviços por padrão tecnológico

Fonte: PMS/IBGE, CAGED/MTE e Bacen. Elaboração própria.

Para maiores detalhes, acesse o último número do Boletim de Serviços e consulte as séries históricas no endereço https://economiadeservicos.com/boletim/.

Os serviços e a recuperação da indústria brasileira

A indústria brasileira passa por grave crise. Queda da competitividade, da participação no PIB, no emprego e por aí vai. Mas análises detalhadas mostram que tem algo de positivo fora do radar acontecendo no setor.

A figura abaixo mostra a decomposição dos serviços demandados pela indústria em 1996 e em 2012. Embora partindo de base pequena, cresceu significativamente a participação dos royalties e assistência técnica no total, o que sugere que a indústria estaria buscando agregar mais valor.

Serviços não industriais providos por terceiros, serviços industriais providos por terceiros e transporte e logística também tiveram crescimento expressivo. Tal crescimento sugere reestruturação do setor em favor da terceirização da produção.

Outro ponto que chama atenção é a queda da participação das despesas financeiras, o que, além do relativo avanço de outros serviços, pode estar associado aos juros reais mais elevados em 1996 com relação ao ano de 2012.

Políticas que facilitem o acesso à aquisição de royalties e assistência técnica, que modernizem os transportes e que facilitem a adoção de novas formas de produção terão, muito provavelmente, impactos positivos na competitividade das empresas e, portanto, na geração de valor e de empregos.

Este debate está associado às legislações na área da terceirização e outras que podem contribuir para colocar a nossa indústria em linha com o que já acontece na economia mundial.

Decomposição dos serviços demandados pela indústria – 1996 e 2012 –

participacao de servicos no CI

Fonte: cálculos do autor com dados da PIA-IBGE

Fonte: cálculos do autor com dados da PIA-IBGE

 

Novos serviços e o aumento (?) da competição

Na economia, considera-se que, em geral, mais competição traz benefícios para consumidores e para a sociedade como um todo. O aumento de competição costuma estar relacionado a aumentos de produtividade e disponibilidade de oferta e diminuição de preços para o consumidor final. Não por acaso, praticamente todas as grandes economias têm leis e instituições que visam coibir práticas anticompetitivas como carteis, dumping, etc.

No século XXI, parece estar em curso um grande movimento de aumento da competição em diversos mercados, puxado pelo surgimento de novos serviços e tecnologias. Isso se dá principalmente na chamada “economia compartilhada” ou “colaborativa”.

Atualmente, taxistas enfrentam a competição de empresas como Uber; hotéis e pousadas competem com pessoas que alugam as suas casas no Airbnb ou gratuitamente no Couchsurfing; serviços de ônibus disputam espaço com pessoas que oferecem um espaço em seu carro no BlaBlaCar; grandes e pequenos varejistas concorrem com usuários do MercadoLivre, OLX e até mesmo de serviços como o Facebook e o Instagram, inicialmente voltados para outros fins.

Neste novo mundo, consumidores parecem estar de fato se beneficiando de menores preços e serviços e produtos mais customizados. Além disso, pode estar havendo alguma diminuição das ineficiências na economia. Afinal, um carro que passa a fazer viagens com mais de uma pessoa por conta do BlaBlaCar ou um espaço ocioso em uma residência alugado por temporada  são, sem dúvidas, exemplos disso.

Porém, se há uma maior concorrência no nível micro, no nível macro, parece estar em curso um movimento diverso, com uma grande concentração em poucas empresas globais.

Entre viajantes de negócios nos EUA, segundo estudo da Certify, o Uber já responde por 59% do mercado de transporte individual versus 22% em maio de 2014. Segundo outro estudo, a empresa já é – ou está em vias de se tornar – dominante no mercado de aplicativos de transporte individual em países tão distintos quanto Canadá e Arábia Saudita (ver mapa abaixo).

Atualmente, o Airbnb tem valor de mercado superior e oferece mais leitos que redes de hotelaria como Marriott e Accor. O Whatsapp, que pertence ao Facebook, já conta com 900 milhões de usuários ativos ao redor do mundo e tem concorrido diretamente com as empresas de telefonia no Brasil e em outras partes do globo.

Apesar dos consumidores estarem, atualmente, se beneficiando desses novos serviços, a concentração de mercados em nível global poderá trazer desafios não desprezíveis para reguladores e empresas de menor porte estabelecidas localmente.

Soluções pensadas no século XX dificilmente servirão para o século XXI.

 

Mapa – Quanto mais azul, mais dominante o Uber no país

Fonte: Forbes.

Fonte: Forbes.

Obrigado

Prezado(a)s leitore(a)s do Blog Economia de Serviços,

Chegamos ao final de 2015 com a grata satisfação de dever cumprido em nosso objetivo de contribuir para a discussão sobre o setor de serviços. Mas, para isto, você, leitor(a), foi fundamental. O número crescente de visitantes e um estoque de visitas bastante respeitável para um Blog novo sugerem que estamos no caminho certo.

Nesses seis meses de vida, publicamos, com a ajuda de valiosos colaboradores, 60 posts, e lançamos o Boletim de Serviços, com dados estatísticos inéditos, e que passou a ser divulgado também pelo Broadcast do Jornal Estado de São Paulo.

O nosso fôlego continua grande e esperamos seguir agregando valor à discussão. Planejamos, para 2016, novos produtos e serviços e esperamos ter uma relação cada vez mais estreita com os nossos leitores.

Obrigado, abraço e um exitoso 2016,

Equipe do Blog Economia de Serviços

Os Serviços são o Âmago da TPP

map of the world

A Parceria Transpacífico (TPP) é o mais amplo e ambicioso acordo de comércio e investimentos jamais feito. A gama de temas cobertos é tão ampla que o acordo mais parece um menu de políticas – trata desde questões fitossanitárias e regras de origem, passando por empresas estatais, uso de tecnologias digitais, investimentos, trabalho, meio ambiente, agricultura, propriedade intelectual, movimento de pessoas, dentre outros.

Uma análise mais cuidadosa tendo como pano de fundo acordos já em vigor, incluindo os que estão por debaixo do guarda-chuva da OMC, e acordos bilaterais, mostra que os passos mais largos e que mais diferenciam a TPP estão na integração e coordenação de capítulos em torno de um núcleo comum, que é o da harmonização e convergência regulatória, remoção de barreiras não tarifárias, acesso a mercados e competição.

Seja em razão de compromissos já firmados na área de bens em acordos já vigentes, seja em razão da crescente relevância dos serviços na economia mundial, pode-se afirmar que o setor de serviços será a atividade mais afetada pela TPP.

O acordo tem capítulos e disposições específicas em áreas de grande potencial de crescimento econômico, como serviços financeiros, telecomunicações, comércio eletrônico, logística, licenciamento, softwares e propriedade intelectual, tudo isto permeado por um capítulo crítico na área de comércio de serviços e outro na área de barreiras técnicas.

Provisões como vedação da discriminação contra empresas estrangeiras, praticamente livre acesso a mercados, extensão dos benefícios da nação mais favorecida às empresas dos países da TPP, não obrigatoriedade de presença comercial como condição para se operar num determinado mercado, lista negativa para proteção de mercado, liberdade de transferências de pagamentos entre fronteiras, reconhecimento da autenticação e da assinatura eletrônicas para e-commerce e liberdade de acesso à internet formam um arcabouço sobre o qual empresas de serviços de um país-membro poderão acessar quase que sem restrições os mercados dos demais países-membros.

Considerando-se que os serviços já são a atividade predominante da economia global, mas que cuja participação seguirá crescendo ao longo dos próximos anos, não nos parece exagero dizer que a TPP, se ratificada, terá impactos substanciais na criação de empregos e na geração de valor para os países que mais e melhor conseguirem se beneficiar das oportunidades do mercado de serviços.

Por isto, também não nos parece exagero dizer que a TPP deverá inaugurar uma nova etapa da globalização.

Em que apostar para 2016?

O ano de 2015 está sendo marcado pelo baixo crescimento, aumento do desemprego e inflação acima de patamares históricos recentes. Diante de uma previsão de contração do PIB de 3,7% em 2015 e de 2,8% em 2016, tempos como estes trazem à tona questionamentos sobre como impulsionar a economia nos próximos anos.

Um bom passo é olhar para os setores mais promissores. Atividades associadas à saúde, serviços tecnológicos e finanças estarão entre as mais rentáveis, conforme publicação da Forbes. De acordo com o gráfico abaixo, os serviços destacam-se dentre as atividades mais prósperas, especialmente aqueles associados à tecnologias de informação e serviços que são insumos para outros setores da economia.



Relatório
da Deloitte em parceria com a Exame mostra que, dentre as 200 pequenas e médias empresas (PMEs) que mais crescem em termos de receita líquida, 27% encontram-se em Serviços de Tecnologia da Informação e 15% em Serviços para Empresas.

Gráfico  – Distribuição das PMEs que mais crescem no Brasil, por setor de atuação

Deloitte

Fonte: Deloitte.

A conclusão é que as atividades mais rentáveis para os próximos anos compõem o grupo de serviços tecnológicos e intermediários na produção de outros setores. Por isto, incentivar o desenvolvimento de tais atividades parece ser uma boa aposta para a recuperação e modernização da economia brasileira. Na verdade, não é uma aposta só para 2016. É uma aposta para a recuperação do crescimento sobre uma base voltada para o futuro.

Economia do Compartilhamento: crescimento e desafios

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                                 Fonte: PwC, 2015

Economia colaborativa, do compartilhamento, da recorrência, do frila, do acesso, peer-to-peer (P2P), mesh. Inúmeros termos são utilizados para definir um modelo de negócios que permite a geração de receita por indivíduos e grupos a partir de dois eixos importantes: a desintermediação e o emprego de ativos ou capacidades subutilizadas. É o compartilhamento transformando ativos físicos em serviços. Mais do que uma ação altruísta, o modelo é baseado em negócios que geram ganhos para usuários e fornecedores de serviço – e, indubitavelmente, para as plataformas de interação entre esses agentes.

Esse novo modelo de negócios vai muito além dos já tradicionais Uber e Airbnb. Como apontado pela McKinsey&Company, diversos aplicativos obtiveram sucesso ao identificar ineficiências de mercado e permitir a transferência do controle nas transações para os consumidores. As plataformas possibilitam as mais diversas atividades, como a elaboração de refeições por chefs de cozinha, venda ou troca de itens usados, compartilhamento de casas, escritórios, caronas, vagas de garagem, wifi e horas como guia turístico, troca de tempo livre, empréstimo de utilidades domésticas, recursos financeiros e trabalho em afazeres como a montagem de uma estante ou um serviço de jardinagem.

A PwC estima o tamanho atual da economia compartilhada em US$ 15 bilhões, podendo chegar a US$ 335 bilhões até 2025. Como esperado, a grande maioria dos participantes desse mercado tem até 25 anos, mas quase 40% dos que se declaram fornecedores possuem mais de 45 anos.

Apesar do entusiasmo acerca do potencial do consumo colaborativo[1], há, indiscutivelmente, diversos desafios ao crescimento desse mercado. O baixo incentivo financeiro à locação de itens de baixo valor, como uma furadeira, por exemplo, vindos de custos de transação à la Coase, pode estar por trás dos inúmeros insucessos no modelo de micro-sharing, os quais se opõem ao sucesso no compartilhamento de itens únicos e de maior valor – como nos casos do Uber e do Airbnb. Aplicativos para venda de artigos semi-novos, por exemplo, parecem uma excelente ideia – mas quem já passou algum tempo explorando as plataformas já deve ter se confrontado com a infinidade de itens com preços pouco amistosos e qualidade discutível.

Há ainda sérias questões regulatórias a serem enfrentadas pelas startups e plataformas de compartilhamento. Indo além das questões que envolvem a Uber, poucas cidades avançaram na regulação de locações de pequena temporada, como aquelas prestadas pelo Airbnb, em relação a itens como pagamento de tributos. Enquanto Amsterdam incorporou esse tipo de prestação de serviço à legislação do setor, Paris seguiu o caminho oposto, com imposição de multas a ofertantes.  Outras questões envolvem a proteção ao cliente, coerência com regulações sobre mercado de trabalho e defesa da concorrência.

Ao crescimento da economia do compartilhamento adiciona-se o desafio da confiança do consumidor. O desenvolvimento de mecanismos que permitam a entrada de milhares de usuários como ofertantes, mas que ao mesmo possibilitem algum tipo de controle quanto à prestação de serviços com qualidade e segurança, figuram entre as questões a serem enfrentadas por qualquer empresa que vislumbre atuação no setor. Parte disso pode ser resolvida por sistemas de peer-regulation, como o envio de feedbacks e posterior ação das plataformas para lidar com os pontos levantados, como a retirada de prestadores de menor qualidade desse mercado.

A economia compartilhada é sim um passo importante em direção ao uso mais racional dos itens, e seu rápido crescimento cria espaço para novas oportunidades no mundo inteiro.  Mas é preciso lembrar que há uma racionale econômica inegável por trás dos casos de sucesso no mercado, pois há bilhões de dólares sendo gerados por essas plataformas. Modelos que buscam ganhos de eficiência no match entre oferta e demanda existem há décadas.  O potencial disso, todavia, foi desencadeado de forma inimaginável com o crescimento no número de dispositivos ao alcance da mão e capazes de conectar indivíduos de forma rápida e dinâmica. Os impactos sobre a inovação são claros. Resta ainda entender como esse modelo conseguirá se envolver de forma mais estruturada na solução dos evidentes entraves regulatórios a seu crescimento.

[1] BOTSMAN, R. & ROGER, R. What’s Mine Is Yours: The Rise of Collaborative Consumption. Ed. HarperBusiness, 2010.

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