Economia de Serviços

um espaço para debate

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Dois anos de blog

Em julho, completamos nosso segundo ano de blog. Nesse período, registramos 205 posts, de 39 autores, e registramos 130 mil visualizações. Gostaríamos de agradecer a todos que nos seguem, leem, comentam e contribuem para o nosso debate.

Cada vez mais, percebemos a temática da economia de serviços presente em discussões na imprensa, academia e na sociedade, e acreditamos que somos parte disso. Está claro que, ao pensar em saídas para a crise atual e para o desenvolvimento do país no longo prazo, não podemos ignorar o maior setor da economia, responsável por quase três quartos do PIB brasileiro.

Abaixo, segue uma compilação de posts que julgamos ser representativa dessa discussão:

A inovação na Nova Economia

A inovação é inerente à natureza humana. Entretanto, como qualquer processo de mudança, causa incômodo.  Em muitos casos, a inovação é vista mais pelo lado pessimista do que pelo otimista, com imagens de máquinas ocupando o lugar dos humanos nos processos produtivos, de concentração extrema de renda, entre outros. E, quanto mais rápida é a mudança, mais complicada é a previsibilidade sobre o resultado final.

Surge, então, uma vasta literatura que tenta explicar os efeitos dessa revolução tecnológica que presenciamos atualmente, cujo escopo e a velocidade de implementação apresentam-se extremamente intensos. Em especial, observa-se que, cada vez mais, os serviços têm agregado valor a produtos e até mesmo a outros serviços. Nesse cenário, o grosso do valor, numa cadeia de produção, tende a ser adicionado mais pelo setor de serviços do que pela indústria de transformação (“velha economia”). Vamos chamar esse processo de “nova economia”.

A nova economia tem como ponto de partida as grandes plataformas, empresas de criação de aplicativos, lojas virtuais e profissionais analíticos de big data, formando um mundo novo e de espantosa capacidade de crescimento e transformação. Mas analisar o resultado das mudanças é enxugar gelo. É preciso acalmar o ânimo com as novidades e tentar entender o processo que explique essas mudanças. Seria a nova economia uma exceção à Lei dos Rendimentos Decrescentes? Improvável.

Na verdade, essa nova economia representa, essencialmente, uma mudança no padrão de consumo e não no padrão de produção, que ainda se encontra inserido na velha economia. Nesta, as firmas procuram otimizar seus bens de produção, aumentando a produtividade (por meio da formação de cadeias globais de valor, investimentos em tecnologia de produção, otimização de mão-de-obra etc.). Via competição de mercado, a empresa ofertará o menor preço para obter o maior número de consumidores.

Já a nova economia apresenta a oferta qualificada como diferencial de conquista do consumidor, considerando o preço como já dado (igualmente à velha economia, mas visando a qualificação do consumidor e não da produção). Esse processo envolve elevada sofisticação de análise de dados e, para tanto, foram criadas empresas para atender esse mercado. Afinal, em um nicho novo, os primeiros entrantes tendem a ganhar as maiores margens.

O problema é que a tendência criada pela nova economia obriga as firmas a utilizar os serviços desses primeiros entrantes, em especial no que diz respeito às plataformas massificadas (commodities digitais), seja para venda, soluções de tecnologia ou geração e disponibilização de informações. Como essas plataformas são massificadas, dificilmente há um diferencial relevante entre todas as firmas que também farão uso delas. Atuar nessas plataformas tende a apenas garantir a sobrevivência dessas firmas via migração do consumidor para a “novidade personalizada”. Pense no caso das pequenas empresas que vendem em grandes plataformas como a Amazon ou o Mercado Livre: há poucas diferenças entre um ou outro vendedor.

A tendência natural é que haja maior concentração entre empresas que tenham capacidade de entrar na nova economia e necessitam de escala para utilizar as plataformas. Contudo, isso não necessariamente irá representar maior ganho de resultado para essas empresas, já que essas grandes plataformas não tendem a melhorar a produtividade das firmas, apenas tendem a garantir que elas sigam “no jogo”.

Nesse caso, há uma diferença significativa entre as empresas que criam e gerenciam as plataformas e as empresas que fazem uso delas. Enquanto as primeiras conseguem ganhar cada vez mais com sua escala internacional e usabilidade, as diversas empresas que fazem uso dessas plataformas não necessariamente apresentam melhores resultados, mas apenas não são excluídas do mercado devido a capacidade de atender ao cliente da forma personalizada e diferenciada que essas plataformas possibilitam.

Consequentemente, há um limite de renda que será possível transferir das firmas da velha economia (que ainda sustenta o sistema) para a nova economia. Ou seja, as empresas da nova economia também estão sujeitas à Lei dos Rendimentos Decrescentes. Quanto mais empresas estiverem inovando para atender uma demanda personalizada, mais estarão consumindo o mark-up de renda das empresas da velha economia e reduzindo o “estoque existente”.

Por exemplo, imagine que existe uma plataforma de pesquisa de clientes, outra plataforma que permite entregar algum produto via drone, localizada na Califórnia, outra plataforma de pagamento, etc. Em algum momento, uma empresa (restaurante, por exemplo) chegará ao seu limite no qual poderá continuar a custear os serviços disponibilizados pelas plataformas. A figura 1 ilustra esse exemplo. Já as plataformas tenderão, por conta dos efeito rede e plataforma, a ganha mais mercado, já que elas passam a ser infraestrutura necessária para outras empresas. Nesse processo, a tendência é que haja concentração de empresas tanto na velha economia, quanto na nova economia. E isso fica claro quando percebemos a compra de plataformas entrantes no mercado por outras já maiores e consolidadas.

Figura 1 – Gastos das firmas com plataformas e capacidade de escala da nova economia, valores hipotéticos

Fonte: elaboração própria

Essa capacidade de atuar em escala Mundial, podendo uma empresa estar localizada em qualquer lugar do mundo e com investimento em infraestrutura própria relativamente baixa, vem criando espanto sobre as empresas da nova economia (Google, Amazon, Airbnb, Uber, etc.). Elas estão mudando a geografia mundial de prestação de serviços, já que exigem toda uma estrutura especializada, com qualificação e capacidade de inovar e pensar além de sua fronteira. Consequentemente, acabam se localizando nos polos que melhor proporcionam esse ambiente educacional, intelectual e infraestrutura, como América do Norte, alguns países da Europa e Ásia. Já com relação às firmas da velha economia, elas sofrem naturalmente substituição de mão-de-obra não especializada, assim como um aumento na concentração de firmas devido à necessidade de escala e capacidade financeira para fazer uso dessas tecnologias.

Pode-se inferir que haverá cada vez mais perda de emprego para trabalhadores não qualificados pertencentes à velha economia. Assim como a necessidade de se fazer investimentos em educação formal de qualidade (especialmente nas áreas de exatas), ensinamento em linguagem de programação, língua estrangeira e desenvolver capacidade de inferência sobre dados, conforme vem sendo discutido neste blog. Pois, sem esse mínimo, o Brasil não corre o risco somente de ficar sem empresas da nova economia como desenvolvedor e distribuidor, que trazem consigo uma externalidade positiva, mas também de ficar sem empresas competitivas da velha economia.

Alisson Peixoto é Mestre em economia, com especialização em finanças de empresa. Trabalha como consultor na Caixa Seguradora.

Boletim de Serviços – julho de 2017

O Boletim de Serviços de julho de 2017 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços registrou leve aumento de 1,3% em abril na comparação anual, com destaque negativo para os serviços de valor (-6,9%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses registrou aumento, chegando a 5,3% em maio.
  • O setor de serviços voltou a apresentar resultado negativo na geração de emprego, tendo destruído 12,1 mil novas vagas.
  • O déficit na balança de serviços seguiu em US$ 2,5 bi. no mês de maio.

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

Multa da Google, rendição da Nike e desenvolvimento econômico: o que há em comum?

Em 27 de junho, o órgão de defesa da concorrência da União Europeia (UE) anunciou uma multa recorde de € 2,42 bilhões para a Google. Trata-se da maior multa já aplicada pela UE para uma empresa por conduta anticompetitiva. A sanção se deveu por abuso de posição dominante em buscas na internet para favorecer o próprio comparador de preços para compras online, o Google Shopping. A Google também responde a dois outros processos na UE. Um relacionado à sua ferramenta de publicidade e outro relacionado ao Android, que já vem com diversos aplicativos próprios pré-instalados. Em ambos, a acusação é a mesma: prática anticompetitiva.

Por anos, a Nike se recusou a vender seus produtos no marketplace da Amazon por entender que este não seria o melhor caminho para a imagem da marca e para o seu modelo de negócios. Recentemente, porém, a Nike jogou a toalha e se associou ao gigante do e-commerce para comercializar os seus produtos.

O que essas duas estórias aparentemente dissociadas têm em comum? A explosiva importância da economia digital para determinar os contornos da economia no século XXI e os meios utilizados pelos grandes operadores para ampliar e manter o seu domínio.

Conforme indicou a UE, a Google usa e abusa de expedientes não competitivos para seguir ampliando a fatia da sua plataforma em vários segmentos da Internet. Ainda que isto possa lhe custar sanções, não é óbvio que a Google abandonará práticas competitivas questionáveis, já que os benefícios podem ser enormes. Já a Amazon, através de uma formidável capacidade de ação, ameaça sem cerimônia o varejo de rua não apenas dos Estados Unidos, mas, também, de outros países.

Há, definitivamente, uma transformação econômica em curso associada à economia digital e empresas com ambições globais sabem que é preciso se preparar para ela sob pena de ficarem pelo caminho. Ou de se tornarem dependentes da plataforma de alguma outra empresa.

Neste momento, observam-se plataformas segmentadas e plataformas mais amplas. Dentre as plataformas segmentadas incluem-se a PayPal, a SAP e outros serviços de propósitos específicos que se tornaram influentes em suas áreas, inclusive contribuindo para determinar padrões e regras.

Já as plataformas amplas atuam em frentes diversas e oferecem cada vez mais um leque de bens e serviços de A a Z . Ali estão as temidas superestrelas, como a Amazon e a Google. Os efeitos-rede e plataforma que essas empresas têm sido capazes de criar são de tal monta que tornou-se quase impossível contestá-las, ao menos no horizonte previsível. Isto explica, ao menos em parte, as práticas não-competitivas ousadas da Google e a capitulação da Nike.

Esse movimento também ajuda a explicar o definhamento dos unicórnios, startups que chegaram a valer US$ 1 bilhão ou mais e que, até recentemente, incomodavam as superestrelas. A PayPal, por exemplo, está perdendo clientes para a Amazon simplesmente porque uma plataforma de pagamentos segmentada tem menos condições de competir com um sistema de pagamentos próprio já “pré-embarcado” numa plataforma geral.

O que está em jogo nem sempre é a melhor prestação de serviços para o consumidor ou mesmo o melhor algoritmo, mas o modelo de negócios mais adaptado ao  agressivo ambiente que se desenrola. Por isto, o futuro da PayPal é incerto.

O que tudo isto tem a ver com o desenvolvimento?

Haverá um acelerado processo de consolidação de vários segmentos que estão direta ou indiretamente expostos à economia digital dando origem a conglomerados sem precedentes com enorme poder de ação e influência global.

A despeito da briga de foice que se trava entre empresas dos Estados Unidos e de outros países avançados pela dominância de mercados digitais, esta estória não é neutra do ponto de vista do desenvolvimento. Afinal, como temos reiterado neste blog, o mundo está sendo dividido entre usuários de um lado, e desenvolvedores, distribuidores e gerenciadores de commodities digitais de outro.  E neste último grupo estão países como Estados Unidos, Alemanha e Japão, e, correndo por fora, a China.

Esse movimento sugere fortemente a necessidade de governos e reguladores se atentarem para o canto da sereia das supostas belezas da convergência regulatória e da liberalização dos mercados digitais sem terem uma estratégia de longo prazo.  Diferentemente de mercados convencionais, como  automóveis, têxteis e produtos químicos, a economia digital não é mais do mesmo. Ao tempo em que é uma grande ameaça para aqueles que ficarem para trás em áreas variadas como perspectivas de crescimento econômico, criação de empregos, carga tributária, privacidade e proteção de dados e segurança nacional, a economia digital ainda oferece enormes oportunidades, justamente em razão da sua natureza tecnológica.

China e Índia já entenderam isto e trabalham com estratégias bem definidas tanto para protegerem seus interesses como para contestarem mercados e se tornarem players globais.

O caminho a seguir é o de desenvolver políticas públicas que identifiquem e removam obstáculos e criem oportunidades para o país participar da economia digital como desenvolvedor, distribuidor e gerenciador de commodities digitais e não apenas como usuário.

Fortalecer o conhecimento das crianças e jovens em matemática, ciências da vida, machine learning, programação e desenvolvimento de algoritmos e línguas estrangeiras; criar um ambiente favorável para o surgimento, crescimento e atração de startups; e colaborar com centros de pesquisa estrangeiros e com empresas multinacionais de economia digital devem ser parte de uma agenda mais extensa e ambiciosa que proteja os interesses do Brasil ao tempo em que otimiza o seu potencial de voos mais altos na economia global.

As cidades no contexto da transformação digital

No cenário de mudança da sociedade para a era da informação, duas forças estão em ação induzindo mudanças estruturais na economia, com potenciais efeitos espaciais. O rápido desenvolvimento das tecnologias digitais e o uso de informação nos processos produtivos estão transformando o mercado de trabalho, os modelos de produção e de negócios. Também, o declínio do crescimento demográfico impactará o crescimento econômico no futuro. Nesse contexto, cabe a pergunta sobre qual o papel do espaço na nova produção do século XXI e o seu impacto no desenvolvimento de cidades, regiões e países.

No fim do século XIX, o progresso tecnológico e a queda dos custos de distância – transportes de bens, informação e interpessoal – intensificou o comércio inter-regional e mundial e também a fragmentação da produção no espaço. Associados ao crescimento demográfico e à abundante oferta de mão de obra, esses fatores induziram o desenvolvimento de grandes cidades e regiões, aproveitando os ganhos de eficiência na produção, nos transportes, nos mercados de trabalho e no intercâmbio de informações, dando forma ao desenvolvimento da sociedade industrial que adquire feições mundiais no século XX.

No século XXI, novas tecnologias de comunicação e processamento de informações e a criação de novos produtos digitais estão redesenhando os sistemas produtivos e a natureza das atividades econômicas. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que existem duas tendências de transformação da produção causadas pelas tecnologias digitais: (i) custos decrescentes a partir da sua maior difusão e utilização, e (ii) combinação de diferentes tecnologias da informação e comunicação (TIC) e sua convergência com outras tecnologias.

Nos países avançados, a produção industrial tem se tornado mais complexa, adaptada a um número reduzido de trabalhadores de alta qualificação onde o setor de serviços, especialmente os serviços digitais, adquire mais importância. Hoje interessa não mais o produto em si, mas a solução – ou serviço – a ele integrado. Estamos passando de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional, de um consumo em massa de produtos padronizados para um consumo de produtos customizados.

Junto à transformação digital da economia outra questão que se apresenta é a do baixo crescimento demográfico. O crescimento econômico a partir de 1960 em 56 países que sustentaram uma taxa de pelo menos 6% durante uma década ou mais foi acompanhado por um crescimento da força de trabalho – população acima de 15 anos – de 2,7% ao ano. No entanto, observa-se uma queda cada vez mais acentuada do crescimento demográfico na Europa, Japão, Estados Unidos e também nas economias emergentes, indicando um maior envelhecimento da população mundial com potenciais reflexos para o crescimento no longo prazo da força de trabalho mais jovem, do consumo e das cidades.

Gráfico 1 – População mundial (em azul) e seu crescimento (em vermelho), 1750-2100

Fonte: Max Roser and Esteban Ortiz-Ospina (2017) – ‘World Population Growth’. Publicado online em OurWorldInData.org.

Em setores da Indústria 4.0, na qual os processos produtivos são intensivos no fluxo de informações e conhecimento, a proximidade física a matérias primas, oferta abundante de mão-de-obra ou mercados consumidores podem perder importância como forças de aglomeração, pois insumos e produtos podem ser transportados por via remota a custos próximos a zero. Isso implica que empresas e trabalhadores poderiam se dispersar no espaço, buscando áreas com mais amenidades e dotadas de infraestrutura adequada, longe dos grandes centros urbanos congestionados, com alto custo de moradia, poluição e alta criminalidade.

Contudo, na nova economia, as tecnologias digitais e a informação são os fatores críticos para a produtividade e a competição das empresas – devido à sua rápida obsolescência. Mesmo contando com a comunicação remota, empresas e trabalhadores tenderiam a se localizar uns próximos aos outros devido à maior interação física potencializada nas aglomerações, por exemplo, junto a universidades e centros de pesquisa. Devido à demografia e à natureza da economia digital, no entanto, provavelmente, não haverá, no futuro, condições para a formação de cidades muito grandes.

Na medida em que cidades menores podem não oferecer toda a gama de serviços demandados por trabalhadores e empresas tecnológicas, que necessitam de escala para se viabilizarem – serviços financeiros, empresariais (design, marketing, consultorias especializadas, etc.), cultura e lazer –, a proximidade aos grandes centros urbanos ainda será importante.

Embora essas tendências possam sugerir que a formação de grandes cidades poderá perder força nas sociedades informacionais, os sistemas urbanos continuarão a atuar com força no progresso tecnológico e no desenvolvimento das inovações, mas agora sob uma nova ordem. Cidades hiperconectadas e integradas a uma produção centrada em serviços digitais e no intercâmbio de conhecimento estabelecerão uma dinâmica própria, formando redes globais de relacionamentos sem uma coordenação centralizada. Este é um cenário possível. Assim, não é irreal pensar em cidades como entidades discretas que competem e colaboram entre si, independentemente dos Estados a que pertencem.

Paulo C. Avila é Mestre em Planejamento Urbano pela Universidade de Brasília. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília. Atualmente é Coordenador do Programa Nacional de Capacitação das Cidades, do Ministério das Cidades.

A consolidação de Amazon, Google e outras grandes plataformas

Como extensivamente noticiado, a Amazon, terceira maior varejista dos Estados Unidos, anunciou a compra da rede Whole Foods, a maior varejista de produtos orgânicos e naturais do país, por US$ 13,7 bilhões. Essa compra é um indicativo de um movimento cada vez mais claro do avanço de grandes empresas de tecnologia em mercados mais tradicionais e da consolidação dessas empresas em grandes plataformas de serviços.

O Google, fundado em 1998, que por muito tempo foi uma mera ferramenta de busca, hoje forma um conglomerado (Alphabet) que oferece de serviço de e-mail a carros autônomos. O Facebook, que em 2004 era uma mera rede social para universitários americanos, hoje já conta com quase 2 bilhões de usuários, é dona do Whatsapp (que tem mais de 1 bilhão de usuários) e do Instagram (mais de 700 milhões de usuários), além de fabricar óculos de realidade virtual e aumentada, por meio de sua subsidiária Oculus.

Vale lembrar, também, que a Amazon, que começou vendendo livros em 1995, hoje é a maior provedora de serviços de hospedagem do mundo, além de ser uma grande plataforma para pequenas empresas venderem seus produtos internacionalmente, por meio do seu marketplace. Fora isso, a empresa fabrica bens físicos que entregam serviços da Amazon e seus parceiros, como leitores de e-books, assistentes virtuais como o Alexa, drones, leitores de e-books, etc.

Movimentos similares são observados em empresas como Microsoft e Apple, em um processo de consolidação das gigantes de tecnologia em grandes plataformas de serviços e até de produtos.

Com a demanda por serviços cada vez mais customizados, os dados e algoritmos que permitem conhecer melhor cada consumidor e se antecipar às suas demandas se tornam um diferencial competitivo quase imensurável. Nesse quesito, essas grandes plataformas, à medida que vão crescendo e expandindo seus serviços, vão progressivamente expandido a sua base de clientes, conhecendo-os mais profundamente e se tornando mais indispensáveis.

Por meio de um processo virtuoso, essa expansão permite que seus algoritmos sejam continuamente aperfeiçoados, o que torna cada vez mais difícil concorrer com essas grandes empresas. Ou seja, o efeito rede alimenta o efeito plataforma e vice-versa. Soma-se a isso a inteligente estratégia de fusão e aquisição dessas gigantes: a título de exemplo, assim que o Whatsapp começou a se tornar uma ameaça aos serviços do Facebook, o Facebook simplesmente comprou o serviço.

Para o consumidor, no curto prazo, os serviços mais customizados – e em sua maioria baratos ou gratuitos – dessas plataformas podem ser bem-vindos. No médio e longo prazo, porém, tamanha concentração pode trazer problemas.

O primeiro deles, já mencionado rapidamente, é o possível aumento das barreiras à entrada por conta da vantagem competitiva dessas grandes plataformas. Com o avanço dos algoritmos dessas gigantes da tecnologia, será que vão seguir surgindo empresas capazes de concorrer nos seus mercados?

O segundo problema se refere a questões regulatórias. Pelo caráter global dessas empresas, regular seus serviços é extremamente complexo. Exemplo disso são os casos de processos antitruste contra a Microsoft e o Google na Europa, ou as polêmicas com o Facebook por suas táticas de evitar o pagamento de impostos ao redor do mundo.

Além disso, mudanças nas políticas de uso de uma plataforma como o Alibaba ou a Amazon podem ter efeitos em mercados do mundo inteiro. Como o custo de estar fora dessas plataformas é muito alto, pequenas empresas em geral simplesmente têm que se submeter às regras estabelecidas por essas grandes empresas, de forma que estas acabam se tornando uma espécie de regulador de facto.

O terceiro, e talvez o maior problema, relacionado aos dois anteriores, refere-se ao efeito dessa grande consolidação nos países em desenvolvimento. Como tem sido extensivamente discutido neste blog, o futuro, em termos de oportunidades de crescimento econômico, será daqueles países que não apenas consomem tecnologias, mas, acima de tudo, que desenvolvem, essas tecnologias e plataformas. A maior parte dessas grandes plataformas são originárias de países industrializados e, por mais que elas criem oportunidades de acesso a conhecimento e negócios nos países em desenvolvimento, o grosso do valor criado fica no primeiro grupo de países, não no segundo. Isso pode levar a um aumento da desigualdade global e a uma maior dificuldade de convergência de renda.

Por este motivo, preparar esta e as próximas gerações para as habilidades do século XXI, como programação, capacidade de trabalhar com machine learning, inteligência artificial, novos modelos de negócios, resolução de problemas complexos, etc, deveria ser prioridade das economias emergentes. Se não fizerem isso, estes países correm o risco de ficarem ainda mais despreparados para a corrida pelo desenvolvimento.

Outsourcing, shelfsourcing e netsourcing

A palavra outsourcing não é um desses anglicismos de modismo. Sua incorporação no linguajar empresarial/acadêmico brasileiro se presta a diferenciar a aquisição de serviços de custo de serviços de agregação de valor. Os serviços de custo são aqueles identificados com a terceirização.

A terceirização é decorre do acirramento da concorrência e da necessidade de cortar custos em toda sorte de atividades auxiliares – altamente padronizadas e raramente customizadas; são serviços de prateleira, simbolizando estágios cada vez mais radicais de um fenômeno que é tão antigo quanto o capitalismo: a divisão e especialização do trabalho. Portanto, o shelfsourcing não traz mudanças conceituais relevantes, pois a empresa compradora desse serviço apenas deixa de realizá-lo por conta própria e o adquire pronto e embalado nas prateleiras do mercado. Na contabilidade nacional, parte do crescimento do setor de serviços se deu pela mensuração do shelfsourcing (advocacia, contabilidade, transporte, limpeza, etc., são bons exemplos de atividades terceirizadas), que gerou uma “desindustrialização contábil” pela mudança de propriedade, mas dificilmente por mudanças estruturais reais.

Estudos[1] que investigam as razões que levam a organização empresarial para formatos mais centralizados ou descentralizados – no que diz respeito às suas atividades finalísticas – mostram que o alto nível de complexidade tecnológica de uma determinada atividade pode induzir à descentralização das decisões dentro de uma empresa. O aumento dessa complexidade proporciona estruturas de comando mais descentralizadas, na qual os gerentes das áreas finalísticas possuem maior autonomia decisória em virtude da elevação da assimetria de informações entre a direção central e os gerentes; um trade-off clássico do modelo principal-agente no qual os custos de delegação são comparados aos seus benefícios.

Se entendermos o outsourcing como o próximo passo após a descentralização empresarial, entenderemos que isso não trata da delegação externa de atividades avançadas previamente desempenhadas dentro da empresa; pelo contrário, elas representam o surgimento de soluções para desafios internos das empresas industriais, mas que, em face ao elevado grau de complexidade que tais desafios têm alcançado, não poderiam surgir internamente ou surgiriam a custos e esforços relativamente elevados. Mais do que isso, a multiplicação e o acúmulo de soluções disponíveis no mercado afrouxaram as fronteiras da capacidade inovadora de toda a economia, não apenas implicando em reduções de custo, mas tornando possível produtos e processos antes inimagináveis. Não se trata de uma empresa contratar um serviço de design industrial como ela contrataria um escritório de contabilidade. Nessa modalidade, a sinergia e a simbiose entre serviços e indústria não se manifesta apenas no design arrojado de um produto, mas na noção de que empresas operando em mercados distintos apenas conseguem evoluir em seus próprios negócios quando fornecem feedback mútuo. Nesse sentido, as empresas praticam netsourcing, pois a criação de soluções ocorre em redes, e é nelas que as empresas buscam e entregam tecnologias.

Esse momento de extrapolação dos limites da empresa em suas atividades finalísticas as coloca como conectores de um emaranhado de soluções que podem ou não ter sido elaboradas, inicialmente, para seus problemas específicos – essas soluções estão intimamente associadas aos serviços de agregação de valor. O netsourcing pode, sim, significar uma mudança conceitual relevante na forma como as empresas se organizam para a produção. No espaço-indústria a elevação da participação dos serviços na economia dos países desenvolvidos conjugada com o aumento da densidade industrial é consequência direta do netsourcing, e não do shelfsourcing – essas nações tornaram-se economias de serviços de agregação de valor, e não de custos. Muitos antigos centros de P&D internos de grandes corporações industriais abandonaram a pesquisa propriamente dita e tornaram-se membros colaborativos em redes de empresas, laboratórios governamentais e universidades, intercambiando agendas de pesquisa e soluções tecnológicas.

A maturidade e sofisticação industrial das últimas décadas estão na raiz do protagonismo do setor de serviços. O mundo moderno gerou uma vasta e complexa necessidade de novas soluções que estimulou a consolidação de uma rede de empresas especializadas em provê-las. Trabalhar em rede (o netsourcing) não é apenas o mantra do momento dos gurus da administração; é a verdadeira prática de organização empresarial que sustenta o domínio tecnológico e econômico das grandes corporações e das nações às quais pertencem.

[1] ACEMOGLU D. [et al.] Technology, information, and the decentralization of the firm [Artigo] // The Quarterly Journal of Economics. – Novembro de 2007. – pp. 1759-1799.

O que está havendo com as Operadoras de Telecomunicações na Era Digital?

A forma como consumimos produtos e serviços tem sido drasticamente alterada pelas mudanças trazidas pela revolução digital. Essa tendência tem desafiado vários setores da economia, com profundas consequências para os modelos de negócios tradicionais. Dessa forma, a sobrevivência das organizações no ambiente estruturado a partir da era digital exige que elas redefinam seus papeis.

A variável chave que permite o funcionamento dos diversos setores dentro desse novo contexto é a conectividade. Assim, seria de se esperar que o setor responsável pela infraestrutura essencial à conectividade ― as operadoras de telecomunicações ― estivesse em uma situação confortável. Contudo, ao observar os balanços desse segmento, nota-se justamente o contrário: apesar de deterem ativos essenciais à difusão da economia digital, essas empresas vêm sofrendo forte corrosão em suas margens.

Na realidade, a infraestrutura das operadoras, construída para suportar seus próprios serviços e produtos, também permitiu o surgimento e o crescimento de empresas que se baseiam na troca de serviços pela Internet ― apelidadas de over-the-top (OTTs). As OTTs, por sua vez, mudaram de maneira irreversível os modelos de negócios da oferta de serviços B2C e B2B. Elas inventaram as mídias sociais, a busca por informações, além de transformarem o mercado de hotelaria, de entretenimento e de transporte individual de passageiros. Elas inventaram as plataformas de trocas digitais, permitindo que seus usuários troquem valor por meio da rede. Alavancadas na infraestrutura de nuvem, elas são extremamente competentes em inovar em modelos de negócios. Assim, as mudanças disruptivas oriundas do surgimento das OTTs estão se alastrando por todos os mercados de serviços, atingindo, inclusive, a cadeia de valor de telecomunicações.

Durante esse processo, a participação das teles na agregação de valor em toda a cadeia tem sido reduzida. O maior valor não mais está em quem detém as redes, e sim em quem inova em serviços prestados por meio delas. De fato, como ocorre em outros setores, há uma espécie de “commoditização” desses ativos de infraestrutura, o que pode ser explicado essencialmente em quatro tendências.

A primeira consiste na migração dos serviços, antes restritos às redes proprietárias das operadoras, para serviços baseados 100% em dados. Esse movimento tem facilitado o aumento da presença de OTTs e fabricantes na cadeia de valor por meio do desenvolvimento de serviços que usam tecnologias inovadoras. As principais consequências para as teles foram, portanto, o aumento da competição e a diminuição considerável da capacidade de diferenciação de seus serviços tradicionais.

Puxada pela primeira, a segunda tendência corresponde à mudança nos modelos de negócios das operadoras, que passaram a centralizar o seu modelo em dados e a investir em redes de nova geração (ou all-IP). Na era da dominância de dados, os estímulos passam a se voltar puramente para o aumento da capacidade de banda larga ao menor custo possível. Contudo, em um cenário altamente competitivo com as OTTs, também marcado pelo forte crescimento na demanda por tráfego e pela predominância de estruturas tarifárias flat, justificar os investimentos das operadoras tem se tornado cada vez mais difícil.

Dissociação entre receitas e custo

De acordo com Cisco VNI, entre 2016 e 2021, o crescimento global do tráfego de Internet fixa é estimado em 26% ao ano, enquanto o crescimento do tráfego móvel está estimado em 46% anuais para o mesmo período. Mas esse aumento não é acompanhado pelo aumento da receita. Devido à predominância de estruturas tarifárias flat, o aumento do tráfego não traz nenhum benefício financeiro para as operadoras de telecomunicações. Na realidade, essas empresas vêm sofrendo grande corrosão em suas margens. Estudos da Junipter Reserch indicam que, entre 2013 e 2015, as receitas das operadoras de telecomunicações caíram 18,8%. Em 2016, a perda de receitas por substituição foi quantificada em 84 bilhões de dólares. Para 2017, a expectativa é que esse valor seja de 103,7 bilhões de dólares, 23% maior que o anterior e equivalente a 12% das receitas globais.

A terceira tendência consiste na evolução das gigantes OTTs em plataformas verticalmente integradas. Por meio delas, as OTTs prestam serviços de comunicação e entretenimento a partir de dispositivos que independem da operadora utilizada, com canais direto ao consumidor e plataformas extensíveis em nuvem que suportam constante inovação a custos marginais.

O que torna essa indústria única é o seu ritmo de mudança e seu impacto muitas vezes disruptivo sobre as indústrias tradicionais. Há um fenômeno de consolidação no mercado de serviços online, cada vez mais concentrado em grandes players globais. A natureza global desses serviços, por sua vez, permite às empresas alcançar economias de escala muito superiores às das operadoras de telecomunicações. Os serviços OTT têm audiência global porque enfrentam pouca ou nenhuma barreira regulatória e geográfica. Além disso, são serviços beneficiados por significativas externalidades positivas de rede (também chamada de “efeito-rede”): quanto maior a base de usuários, mais valioso é o serviço OTT para o seu usuário efetivo e, portanto, mais atrativo para os usuários em potencial.

Essa ideia nos leva à última tendência: a consolidação global dos grupos de telecom que, para fazer frente à nova realidade, precisam se tornar mais enxutos. Essas empresas estão buscando ganhos de escala oriundos do tamanho absoluto das suas redes, uma vez que deter uma rede massificada responsável por grande parte do volume global de dados terá um valor não desprezível na era digital. Dada a dificuldade de diferenciação capaz de fazer face às três tendências anteriores, essa também parece ser uma tendência crescente.

Como resultado de todas essas tendências, apesar de fundamental, o setor de telecomunicações deixou de ser o protagonista da economia da Internet e sofreu forte redução em sua parcela na cadeia de valor da Internet. De acordo com estudo publicado pela GSMA, a economia da Internet valia o equivalente a 3,5 trilhões de dólares em 2015. Deste total, somente 17% (577 bilhões de dólares) correspondiam às receitas auferidas pelos provedores de acesso à Internet. Já as OTTs, com seus serviços online, respondiam por quase 50% da cadeia de valor.

Diante desse cenário, parece evidente que mesmo as empresas detentoras das redes que fazem a Internet funcionar precisarão se reposicionar na Era Digital. Tal como ocorreu em outros setores tradicionais, faltou visão e criatividade para fazer frente às inovações trazidas pelas empresas de serviços na Internet.  Em vez disso, ao perceberem seu terreno diminuindo, a solução aventada pelas operadoras parece bastante frágil: primeiro tentaram dificultar o acesso a serviços concorrentes e, mais recentemente, recorrem aos governos para que submetam as OTTs ao arcabouço regulatório de telecomunicações. Ora, se a chave para agregação de valor consiste em inovar, a estratégia “antifrágil” para os grupos de telecom passa pela criação de oportunidades para a gestão da inovação concentrada em nichos cujo domínio das redes gere ganhos convexos.

Por outro lado, se o ambiente competitivo estivesse bem estabelecido, as prestadoras de telecom poderiam mudar seus planos tarifários para ajustar o mercado. Como isso não está acontecendo, essa concorrência parece estar disfuncional. Como vimos, muitos serviços prestados por OTTs competem com serviços prestados pelas operadoras. Entretanto, as empresas da Internet não estão submetidas às pesadas regulamentações setoriais do setor de telecomunicações. No máximo estão sujeitas a regulações concorrenciais e consumeristas às quais também estão submetidas as operadoras. É preciso lembrar que muitas das inovações da Internet foram possíveis pela liberdade desse ambiente. O horizonte regulatório dos próximos anos precisa levar esse cenário em consideração e criar espaço para a inovação no setor de telecom.

A questão mais importante de todo esse contexto (e que deve ser considerada pelos tomadores de decisão) é: como garantir a sustentabilidade dos investimentos nas redes de banda larga, tão necessárias para suportar a Economia Digital?

Juliana Müller é Engenheira de Redes de Comunicação e Engenheira Eletricista com especialização em Gestão de Políticas Públicas. Atualmente é Assessora na Secretaria de Política de Informática do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

Investimentos diretos estrangeiros no setor de serviços

A UNCTAD publicou recentemente o Relatório Mundial de Investimentos 2017. O relatório oferece um rico conjunto de estatísticas e análises sobre o investimento global. Muitos assuntos chamam atenção no documento e dentre eles está o da participação dos serviços no investimento direto estrangeiro (IDE).

Do estoque global de IDE de US$ 25,6 trilhões em 2015, cerca de US$ 16 trilhões estavam alocados em serviços, o que perfazia algo como dois terços do total. Dentre os setores com maiores participações no estoque de IDE estão finanças, com US$ 5,6 trilhões, business services, com US$ 4,7 trilhões, atividades de comércio, com US$ 2,6 trilhões, e telecom, com US$ 1,8 trilhão.

Dos US$ 869 bilhões em fusões e aquisições (M&A) entre fronteiras registrados em 2016, US$ 383 bilhões destinaram-se ao setor de serviços. Em comparação com 2015, houve aumento de M&A em serviços de 25,4%, enquanto que nos demais grandes setores — manufatura e atividades primárias — o aumento foi de 13,5%. Dentre os setores que mais observaram aumento de negócios em M&A estão finanças, business services, entretenimento e transporte e armazenamento.

As estatísticas sobre valores anunciados de projetos de investimentos greenfield mostraram elevação de 14,8% entre 2015 e 2016 nos projetos em serviços , que passaram de US$ 419 bilhões para US$ 481 bilhões. No mesmo período, houve queda de 3% nos valores dos projetos greenfield anunciados em manufatura e em atividades primárias.

Esses números impressionantes refletem a crescente relevância dos serviços na economia global e a crescente atratividade dos negócios no setor. Mudanças do padrão de consumo em favor dos serviços, crescente participação dos serviços na matrizes de custos dos bens manufaturados e primários e avanço da economia digital  sugerem que os serviços provavelmente abocanharão parcela ainda maior do IDE nos próximos anos. Mais do que em outros setores, devemos esperar forte aumento  da consolidação dos mercados de serviços no mundo. Países emergentes devem mirar em como participar ativamente desse movimento na condição de investidores. Aqui, China e Índia já têm algumas interessantes experiências para inspirar outros países.

Inteligência artificial e automação vão mesmo destruir empregos?

Um dos assuntos que mais está atraindo as atenções nos dias de hoje são os efeitos da inteligência artificial e da robotização (AI&R) no mercado  de trabalho. De forma simplificada, analistas defendem que a AI&R tomarão o lugar das pessoas em muitas atividades econômicas — de atividades laborais com rotinas pré-definidas e mesmo com rotinas não repetitivas, mas previsíveis, a atividades que requerem capacidades cognitivas e que antes eram consideradas difíceis de automatizar.

Do ponto de vista da empresa, se a automação pode fazer a tarefa de forma mais eficiente e até com menor custo, inclusive de aprendizagem e de gestão, então parece razoável que trabalhadores venham a ser total ou parcialmente substituídos por tecnologias. A substituição já está acontecendo de forma generalizada, mas com especial intensidade em alguns setores – pense nas modernas fábricas de automóveis e de produtos eletrônicos.

Se, do ponto de vista da empresa, a substituição pode fazer sentido, do ponto de vista coletivo a questão tem levantado sinais de alerta, notadamente por seus efeitos sociais. Um dos temores é que a maior pressão sobre o mercado de trabalho causada pela substituição de robôs por trabalhadores leve ao aumento da desigualdade de renda e de riqueza, inclusive com impactos não negligenciáveis na política local. De fato, já há evidências de que o tema está contagiando as agendas políticas e muitos o consideram como um dos fatores a explicar, ainda que indiretamente, resultados eleitorais e de plebiscitos recentes em países avançados.

Que AI&R já tem e terá ainda mais impactos nos mercados de trabalho nacionais, disso poucos analistas discordam. O que não está claro nas diferentes visões sobre a questão são os prováveis efeitos daqueles impactos em nível de país e também em nível global.

Grosso modo, para exame dessa questão, podemos classificar os países em dois grupos. O primeiro é composto por países que partiram na frente no emprego de AI&R, como Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Japão e Coreia do Sul. Na Coreia do Sul, por exemplo, já há 500 robôs ativos para cada 10 mil trabalhadores. Tudo o mais constante, incluindo a queda da população em idade ativa em muitos países, a substituição de robôs por trabalhadores levará à destruição líquida de postos de trabalho em vários setores e regiões. No médio prazo, porém, o impacto é incerto.

O segundo grupo é composto por países emergentes e em desenvolvimento, e mesmo por alguns países avançados, nos quais a mão de obra ainda é relativamente barata, como Portugal e Espanha. Os efeitos de AI&R no emprego serão menores, porém, apenas no curto prazo.

No primeiro grupo, o impacto no médio prazo é incerto porque a destruição de empregos será ao menos parcialmente compensada pela farta criação de empregos nas áreas tecnológicas. Afinal, é naqueles países que está se desenvolvendo, gerenciando e distribuindo em nível global as tecnologias digitais. E é neles que estão sediadas as mais poderosas plataformas digitais que cada vez mais fazem parte do dia-a-dia das pessoas, famílias, empresas e governos. Pense no Google, Apple, Facebook, Microsoft, Amazon, Alibaba, AT&T, PayPal e SAP, ou em serviços como o Netflix e o Uber.

A convergência regulatória ora em curso e o tratamento alfandegário e tributário preferenciais dispensados para atividades da economia digital garantem que empregos em tecnologia e em e-commerce serão gerados basicamente nos países que sediam o desenvolvimento, gestão e distribuição daquelas plataformas.

Dessa forma, a geração de empregos tecnológicos associada à realização de altas taxas de lucro e de capacidade de coleta de impostos sobre esta renda poderão mitigar ao menos parcialmente os efeitos negativos da substituição de robôs por trabalhadores. Restará àqueles países desenvolver políticas fiscais, industriais e sociais adequadas para neutralizar o problema do desemprego associado à AI&R.

No segundo grupo, os prospectos de emprego de médio prazo são, infelizmente, menos promissores, ao menos até onde conseguimos antever. E isto decorre da combinação das novas tecnologias de produção e de gestão da produção com o efeito-rede e a commoditização digital, que estão tornando custos baixos de produção fatores cada vez menos relevantes para se ser competitivo internacionalmente. De fato, a banalização dos bens de capital está transformando radicalmente a forma como entendemos a atividade de produção e de distribuição da riqueza em nível global e mesmo a noção convencional de escassez de recursos produtivos. Mão-de-obra farta e barata, incentivos fiscais e outras formas convencionais de atração de investimentos para países em desenvolvimento requerem, portanto, revisão.

Sendo assim, há que se esperar aumento da pressão nos mercados de trabalho dos países em desenvolvimento e expansão de atividades non-tradable, especialmente serviços de baixa agregação de valor.

Com fins de alterar aquele destino, será preciso que se entenda a diferença entre usar e desenvolver, gerenciar e distribuir tecnologias e recursos digitais. E agir. Afinal, está cada vez mais claro que, no século XXI, a fonte primária da geração do emprego e da riqueza está na capacidade de se criar conhecimento e riquezas intangíveis e de “embuti-los” em bens industriais, agrícolas, minerais e mesmo em terceiros serviços, bem como em se desenvolver e gerenciar plataformas digitais.

A tarefa não será fácil, pois vai requer a gestação de toda uma nova geração de políticas públicas e privadas que mirem o conhecimento e a economia digital como a mola propulsora do desenvolvimento.

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