Economia de Serviços

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O que os serviços têm a ver com a primarização da economia brasileira?

A participação do setor primário nas exportações, investimentos e na agenda política brasileira avançou ferozmente desde o início da década passada. No caso das exportações, por exemplo, a participação dos primários e semimanufaturas (boa parte são bens intensivos em commodities) passou de cerca de 38% para 65% do total da pauta de exportações entre 2000 e 2014.

Explicações para isto não faltam, incluindo o boom dos preços das commodities, valorização cambial e mudanças nos termos de troca em favor daqueles bens e em desfavor dos produtos industrializados.

Mas há outros fatores. Um deles está associado ao preço, qualidade e disponibilidade da oferta de serviços comerciais, ou seja, de serviços que são insumos de produção. Arbache (2014) e Arbache e Aragão (2014) mostram que os serviços comerciais no Brasil são muito caros, subiram muito, têm baixa qualidade para padrões internacionais e que a sua oferta é deficiente.

O problema é que os serviços têm participação significativamente maior na matriz de custos da indústria do que no setor de commodities, o que decorre de as cadeias de produção da indústria serem bem mais longas.

Desta forma, as ineficiências e a baixa competitividade do setor de serviços intoxicam particularmente mais a indústria e a sua competitividade e, consequentemente, incentivam a transferência de recursos para outros setores, incluindo o  primário.

O gráfico abaixo ilustra o peso de dois serviços de infraestrutura, energia e transportes, no valor adicionado da indústria e da extração mineral. Enquanto o peso aumenta para a indústria, ele cai para o setor mineral, o que decorre da combinação de mudança de preços relativos industriais e de commodities com aceleração dos preços dos serviços comerciais.

Uma conclusão é que discussões sobre crescimento econômico, mudanças estruturais, soerguimento da indústria, inserção do país em cadeias globais de valor pela “porta da frente”, acordos comerciais e investimentos devem, necessariamente, incluir nas suas agendas a questão dos investimentos e da competitividade do setor de serviços.

 

Consumo de serviços de fretes e carretos e de energia em relação ao valor adicionado da produção

Estrutura de qualificação e o setor de serviços no Brasil

Independentemente do tipo de serviço que estejamos falando, não há dúvida de que o aporte de conhecimento é a chave para o processo de inovação e agregação de valor. E quando falamos em conhecimentos, logo vem à mente o tema qualificação.

As estatísticas nacionais disponíveis apresentam a escolaridade como praticamente a única proxy de qualificação. O problema é que ela tem grandes vieses, seja devido à expansão da cobertura da educação básica (efeito escolarização), seja devido à sua baixa qualidade.

Diante disso, utilizando as informações constantes na Classificação Brasileira de Ocupações, pode-se lançar outro olhar sobre como anda a qualificação do setor de serviços no Brasil e, a partir daí, discutir a causalidade (quem causa o que?) entre qualificação e competitividade.

Observando-se o mercado de trabalho formal, notamos que 57% dos vínculos são considerados de baixa qualificação. No caso dos serviços, como esperado, esta proporção é de 47% (RAIS/MTE) (ver gráfico abaixo).

Em outros países esta realidade é bem diferente. Na Coréia do Sul, aquela proporção está abaixo de 30%, na Alemanha, abaixo dos 20% e, no caso dos EUA, está na casa dos 25%.

Os dados da RAIS (2003-2013) do setor de serviços mostram situação de “equilíbrio de baixa qualificação”, uma vez que a estrutura de qualificação se mostrou estável da última década.  Projeções da estrutura de qualificações até 2018 sugerem que não deverá haver grandes mudanças no médio prazo.

Esse quadro reflete a baixa produtividade e competitividade da economia brasileira nos últimos anos e coloca em discussão o caminho a ser trilhado para se viabilizar o desafio da geração de riquezas com o crucial e inevitável apoio dos serviços, sejam eles de custo e/ou de agregação de valor.

É preciso repensar a estrutura de qualificação do país e, principalmente, a dos serviços, tanto pelo lado da oferta, quanto da demanda. Caso contrário, o sonho do aumento da competitividade ficará tão clichê quanto a frase “O Brasil é o país do futuro”.

Estrutura de qualificação dos serviços no Brasil – 2003 a 2018

qualificação de serviços

Fontes: RAIS/MTE (2003-2013). Mapa do Trabalho Industrial/CNI (2014-2018)

 

Márcio Guerra Amorim é Mestre em Economia pela Universidade Católica de Brasília e Gerente de Estudos e Prospectiva da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

 

Os pequenos negócios de serviços

No Brasil, a típica empresa do setor de serviços emprega pouco e é pouco intensiva em capital. Não por acaso, o setor tem larga predominância de pequenos negócios.

Segundo dados do Sebrae/DIEESE, 99% das empresas de comércio e serviços são micro e pequenas empresas. Como esses dados não consideram a maior parte dos microempreendedores individuais (MEIs), que já perfazem quase 4 milhões de unidades só no setor de serviços, pode-se afirmar que o setor é quase que inteiramente composto por pequenos negócios.

Também não por acaso, o faturamento médio das empresas do setor é muito baixo. Ainda segundo o Sebrae, as microempresas de serviços (exclusive comércio) faturaram, em média, R$ 94 mil em 2012, ou R$7,8 mil por mês. Faturamento tão baixo reflete tanto a natureza das atividades realizadas que, em geral, são voltadas para o consumo final e são de baixo valor adicionado, quanto a modesta qualificação dos empregados e empresários do setor.

O problema de tão elevada participação de empresas com essas características é que temos um grande exército de unidades produtivas que pouco se beneficiam de ganhos de escala, têm pouco ou nenhum poder de negociação com fornecedores e têm pouco acesso a tecnologias.

Ao analisar os microdados da Pesquisa Anual de Serviços (PAS), do IBGE, Arbache (2015) encontra que, em média, quanto menor a empresa de serviços, maior é a produtividade (ver gráfico abaixo).

Infelizmente, esse resultado não deve ser motivo de comemoração. Primeiro, porque a amostra da PAS se baseia no Cadastro Central de Empresas, que não considera os MEIs. Se incluídos, muito provavelmente puxariam para baixo a produtividade média das empresas de 0 a 2 empregados.

Segundo, porque, embora a produtividade das empresas com 0 a 2 empregados seja relativamente maior que a das demais, em termos absolutos ela é baixa: cerca de R$ 70 mil por trabalhador/ano em 2011, menor do que a média de produtividade anual do trabalhador da indústria, que é de cerca de R$ 80 mil, segundo a PIA-IBGE.

Considerando que o setor de serviços já corresponde a 70% do PIB e que está cada vez mais presente nas cadeias de produção de outros setores, aumentar a produtividade agregada brasileira requer, necessariamente, elevar a produtividade e a competitividade dos pequenos negócios de serviços.

Inovação e Serviços Intensivos em Conhecimento

O debate sobre crescimento e competitividade tem dado importância cada vez maior para a inovação com o intuito de explicar o desenvolvimento de atividades de alto valor adicionado, o que tem levado à discussão de formas de se impulsionar o processo inovativo.

Nesse contexto, surge uma nova concepção acerca do papel dos serviços no processo de inovação tecnológica. Mais especificamente, ganham relevância na discussão os Serviços Intensivos em Conhecimento (SIC). Conforme definição da OECD (2006), os SIC são fontes ou portadores de conhecimento que influenciam a performance individual de organizações e de cadeias de valor. Dentro dessa classificação, destacam-se serviços relacionados com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Por aqui, há evidências da baixa competitividade na oferta desses serviços. O gráfico abaixo mostra déficit elevado e crescente da balança comercial do item de Serviços de Comunicação e Informação, o que indica aumento da dependência brasileira de importações para suprir a demanda dos serviços que compõem o conjunto dos SIC.

Em um cenário de baixo crescimento e câmbio desfavorável, o custo relativo dos SIC aumenta significativamente, impondo barreiras para a inovação no setor produtivo. Dentre os desafios que temos nesta área estão os de incorporar mais e melhores SIC no processo produtivo e o de ampliar e tornar mais competitiva a oferta nacional desses serviços.

Quais são os serviços mais consumidos como insumo de produção e por que isto é importante?

Quais são os serviços mais utilizados como insumos de produção? Esta questão é relevante, pois é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas e privadas eficazes de aumento da competitividade da economia.

O gráfico abaixo mostra, a partir dos dados da Pesquisa Industrial Anual, a distribuição percentual dos gastos com serviços na indústria de transformação e no setor de extração mineral. Na indústria, despesas financeiras lideram de longe as despesas com serviços, perfazendo 26% do total. Serviços industriais prestados por terceiros e fretes e carretos (logística) representam, juntos, outros 25%. Logo, esses três serviços respondem por 60% do total.

No setor de commodities, as despesas financeiras representam nada menos que 44% do total. Serviços industriais prestados por terceiros respondem por outros 20%, enquanto alugueis e arrendamentos e fretes e carretos perfazem outros 20%. Estes serviços totalizam 84% das despesas totais do setor com serviços.

Na indústria, as despesas com serviços representam 64,5% do valor adicionado, enquanto que na extração mineral elas representam 39,5%. Logo, os serviços têm peso muito grande na planilha de custos.

Podemos depreender que, primeiro, a reforma do setor financeiro para torná-lo mais competitivo é mudança importante a ser feita no setor de serviços com vistas a aumentar a competitividade agregada.

Segundo, a modernização das empresas prestadoras de serviços industriais e a atualização da legislação de terceirização também terão impactos importantes na competitividade agregada.

E, terceiro, embora bastante importante, a modernização da infraestrutura de transportes não é a panaceia que muitos alardeiam.

Por fim, note que a indústria despende parcela relativamente maior com serviços de agregação de valor (royalties, assistência técnica e despesas com propaganda) do que o setor primário. Para estes, os serviços de custos é que fazem toda a diferença, afinal, commodity é commodity. A modernização dos serviços de agregação de valor e diferenciação dos produtos será especialmente importante para a recuperação da indústria doméstica.

 

Figura post distribuicao dos servicos

Fonte: Arbache e Aragão (2014)

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