Economia de Serviços

um espaço para debate

Category: Uncategorized (page 6 of 8)

Comunicado

Prezados leitores do Blog Economia de Serviços, comunico que a partir de hoje, 15 de fevereiro, entrarei em licença do Blog em razão de função que exercerei no Governo.

Meus colegas Rafael Moreira, Anaely Machado e nossos colaboradores seguirão pilotando o Blog.

Abraço,

Jorge Arbache

As cinco temidas

O jornalista Farhad Manjoo,  do The New York Times, publicou um interessante artigo sobre o que ele chamou de as “cinco grandes temidas da tecnologia”.  Elas seriam a Google, Microsoft, Apple, Facebook e Amazon. Seriam as temidas, pois são cada vez mais dominantes em seus respectivos mercados e estão se consolidando sem ameaças previsíveis.

Farhad argumenta que as gigantes estão se estabelecendo de tal forma no funcionamento dos seus próprios mercados via efeitos de rede e de plataforma que elas são capazes de sufocar, ao menos neste momento,  praticamente quaisquer ataques vindos de potenciais concorrentes.

Não é coincidência que as cinco temidas são do setor de serviços. Afinal, já sabemos que os serviços vieram para dominar em definitivo a economia global. Mas também não é coincidência que essas empresas buscam cada vez mais, de um jeito ou de outro, a sua consolidação através da produção de um blend de serviços e de bens.

A Google, que começou produzindo serviços, se mete de forma crescente na produção de bens industriais, incluindo carros não motorizados, telefones e muitos outros equipamentos. A Amazon encoraja o desenvolvimento de equipamentos, incluindo leitores de livros, drones para entregas e outros. Já a Apple, que se concentrava mais na produção de bens, se tornou uma mega produtora de serviços. Já as “primas”, como a Uber, financia o desenvolvimento de carros não motorizados.

Devemos caracterizar as empresas de tecnologia como sendo do setor de serviços ou industrial? A resposta é de ambos. E isto ocorre porque a geração de valor está no amalgama entre bens e serviços e não apenas em ou outro, o que decorre da relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços.

As empresas de tecnologia foram, cada uma a seu modo, entendendo isto a ponto de se tornarem ameaças para  as empresas para quem supostamente elas deveriam fornecer soluções tecnológicas.  Hoje, as fabricantes de carros vêem as empresas de tecnologia como a sua maior ameaça.  Afinal, se os sistemas de navegação, segurança e entretenimento estão se tornando a parte de mais alto valor agregado do carro moderno, então o papel da montadora está se tornando, de certa forma, secundário.  E é este tipo de movimento que tem encorajado as empresas de tecnologia a buscar agregar elas mesmas valor complementar em torno das suas soluções tecnológicas. Isto ajuda a explicar a desesperada busca das montadoras por aquisição de empresas de tecnologia e de parcerias. De uma forma ou outra, o mesmo ocorre em outros segmentos.

É difícil prever o futuro da economia digital em razão da sua própria natureza. Mas é certo que o que quer que venha pela frente terá na relação entre bens e serviços o pilar da criação de riqueza.

 

Envelhecimento demandará grandes investimentos em hospitais

Além dos já conhecidos problemas de qualidade e eficiência dos serviços de saúde, o Brasil começa a enfrentar um desafio adicional nesta área em razão do envelhecimento populacional. Hoje, 7,6% da população têm 65 anos ou mais. Mas esta parcela será de 9,4% em 2020 e de 11,3% em 2025, padrão similar ao de alguns países ricos. Esta mudança vai requerer significativo aumento da oferta de infraestrutura de saúde, já que a população idosa usa muito mais intensamente aqueles serviços. Esta condição, juntamente com o reduzido espaço fiscal para investimentos públicos, requer que discutamos com urgência soluções que elevem os investimentos no setor.

O Brasil despende cerca de 9% do PIB com saúde, média parecida com a da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Porém, esta comparação direta tem limitações. Primeiro, porque enquanto o Brasil gasta cerca de US$ 1100 per capita por ano com saúde, a OCDE gasta US$ 2800. Segundo, porque enquanto o número de leitos no Brasil era de 2,3 por grupo de mil habitantes em 2012, na OCDE era de 4,9. E, terceiro, porque as despesas com remédios, consultas privadas e outros itens não diretamente associados à remuneração da infraestrutura absorvem pelo menos 30% das despesas totais com saúde no Brasil, enquanto que na OCDE esse número é de aproximadamente 17%.

Para piorar, o número de leitos diminuiu nos últimos anos e a tendência é de mais redução. Se não forem tomadas providências que freiem esse movimento e, ainda mais importante, que encorajem novos investimentos, será praticamente inevitável que haja piora na oferta de serviços de saúde.

Nossas simulações sugerem que, se quisermos um padrão de oferta de leitos compatível com a nossa estrutura demográfica e que seja minimamente comparável ao padrão de países de renda média e alta, então teremos que criar cerca de 177 mil novos leitos até 2020 ao custo de pelo menos 20 bilhões de dólares (veja Figura abaixo).

figBRA20_v3

O maior desafio que temos à frente é o de aceitarmos rever conceitos e rediscutir, de forma desapaixonada, o desenvolvimento de um setor de saúde que seja realista e sustentável, sem abrir mão do SUS. Com a estrutura vigente o cenário é de piora acentuada da cobertura e atendimento à população. Portanto, reformas que melhorem a alocação e uso dos recursos, bem como gerem investimentos na infraestrutura hospitalar são urgentes e não podem esperar.

euVictor Gomes é Doutor em Economia. Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Foi Economista-Chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

 

Obrigado

Prezado(a)s leitore(a)s do Blog Economia de Serviços,

Chegamos ao final de 2015 com a grata satisfação de dever cumprido em nosso objetivo de contribuir para a discussão sobre o setor de serviços. Mas, para isto, você, leitor(a), foi fundamental. O número crescente de visitantes e um estoque de visitas bastante respeitável para um Blog novo sugerem que estamos no caminho certo.

Nesses seis meses de vida, publicamos, com a ajuda de valiosos colaboradores, 60 posts, e lançamos o Boletim de Serviços, com dados estatísticos inéditos, e que passou a ser divulgado também pelo Broadcast do Jornal Estado de São Paulo.

O nosso fôlego continua grande e esperamos seguir agregando valor à discussão. Planejamos, para 2016, novos produtos e serviços e esperamos ter uma relação cada vez mais estreita com os nossos leitores.

Obrigado, abraço e um exitoso 2016,

Equipe do Blog Economia de Serviços

O Setor de Serviços é Crítico para a Retomada do Crescimento Econômico

A figura 1 mostra estimativas do PIB per capita e de sua taxa de crescimento até 2023. Se as nossas estimativas de taxa de crescimento do PIB per capita para 2016 se realizarem, ou mesmo que algo um pouco mais brando se verifique, ainda assim teremos configurado um quadro técnico de depressão. Infelizmente, as estimativas sugerem que  recuperaremos o PIB per capita de 2014 somente por volta de 2022. Esta perspectiva dramática requer estratégias de política econômica incisivas para se evitar que a economia permaneça estagnada por tanto tempo. E, para isto, teremos que pensar “fora da caixa”.

PIBpc

Diferentemente de setores como a indústria, a agricultura e a mineração, o setor de serviços tem recebido historicamente pouca atenção das políticas de crescimento econômico. Embora o setor esteja atraindo um pouco mais atenção recentemente, ele ainda é visto como parte de uma agenda econômica secundária ou, se muito, complementar. De fato, nunca houve no país uma política para o setor de serviços ou algo que se assemelhe a isto.

Parte da explicação desta desatenção pode ser creditada à grande heterogeneidade do setor de serviços. Mas, ainda assim, o argumento pouco se sustenta à luz da experiência internacional – a União Europeia, por exemplo, reconhecendo a relevância da atividade, divulgou recentemente uma ampla estratégia para a modernização do setor visando competir globalmente. Estados Unidos, Nova Zelândia e outros países avançados também têm as suas estratégias. A China, por sua vez, reconhecendo a baixa competitividade dos seus serviços e a sua vital relevância para as suas aspirações de seguir crescendo velozmente, elegeu os serviços como uma das suas prioridades. E os resultados já começaram a surgir, seja no front da participação do setor no PIB, seja na capacidade de desenvolver tecnologias e agregar valor à indústria a partir de serviços.

No Brasil, a participação dos serviços no PIB e no emprego atinge padrões de países avançados – 72% e 74%, respectivamente. Para além desses números, o setor tem elevada participação nos custos das empresas industriais e de commodities e é parcela majoritária do consumo das famílias, com 64% da cesta de consumo. Logo, o setor é determinante para a competitividade setorial e agregada e é crucial para o bem-estar e para o combate à pobreza. Parece-nos, por isto, mais que razoável concluir que os serviços deveriam ser parte do “core” de qualquer estratégia de saída da crise.

Mas o que fazer? Por certo, há muito a se fazer nos âmbitos regulatório, de integração com outros setores para se fomentar uma relação sinergética e simbiótica, de desenvolvimento de capital humano e de gestão e de atração de investimentos, tal como já vem sendo discutido por este blog. Mas, dentre as chagas do setor que precisam ser atacadas com determinação, destaca-se a sua baixa competitividade.

A figura 2 mostra indicador de competitividade do setor de serviços construído a partir da razão entre preços relativos e produtividade do trabalho (ambos em relação aos EUA). O Brasil está na penúltima posição. Em razão da baixa eficiência e produtividade do setor, políticas inteligentes, bem desenhadas e focadas podem ter retornos elevados e podem ser determinantes para que o país possa abreviar a depressão em que está metido e retomar mais rapidamente o crescimento.

Pensar fora da caixa é atacar um setor esquecido, embora crítico para a economia.

competitividade

Empresas de alto crescimento no setor de serviços?

Em pesquisa recente divulgada pelo IBGE, o setor de serviços mais uma vez se destacou como sendo o setor com maior capacidade de expansão na economia. Os dados da pesquisa são baseados no Cadastro Geral de Empresas e abrangem as firmas de alto crescimento, as quais são definidas como aquelas que apresentam crescimento médio do pessoal ocupado assalariado de pelo menos 20% ao ano por um período de três anos consecutivos ou mais. Os dados por setores indicam que os serviços representam 77% das empresas de alto crescimento, tanto em número absoluto de empresas, quanto em pessoal ocupado (ver tabela abaixo).

 Empresas de alto crescimento por setor

tab

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

Conclusões menos óbvias podem ser obtidas com a análise dos dados desagregados por grupos de atividades de serviços conforme a metodologia de classificação das atividades. O gráfico abaixo mostra a participação dos serviços por tipo no grupo de empresas abrangido pela pesquisa. Os resultados indicam entraves ao estabelecimento de empresas de alto crescimento entre as atividades associadas à agregação de valor, as quais são essencialmente utilizadas como insumo na produção industrial. Em combinação com o gráfico de produtividade do trabalho (Valor Adicionado/Pessoal Ocupado), constata-se que as empresas de serviços de valor (que representam apenas 3% da pesquisa em questão) têm nível de produtividade do trabalho quase duas vezes maior que as dos demais serviços.

partc

Fonte: Estatísticas de Empreendedorismo 2013/IBGE. Elaboração própria.

Em conjunto, isso significa que as empresas que mais cresceram recentemente se concentraram em atividades com baixa capacidade de agregação de valor. O gráfico de teia abaixo detalha ainda mais esse resultado: as atividades que geram maior valor adicionado por pessoal ocupado encontram-se à esquerda e abrangem serviços para empresas e de valor (como Serviços de TI e Atividades Profissionais). No entanto, são as atividades localizadas no lado direito e, portanto, com baixíssimos indicadores de valor adicionado, que têm maior representatividade no grupo das empresas de alto crescimento.

Respondendo a pergunta do título: os números mostram que o setor de serviços, de fato, cresce em número de pessoal empregado. Mas, se concentra em atividades pouco produtivas e, portanto, com menor capacidade de contribuir para a competitividade econômica no longo prazo. Uma das possíveis razões para isso pode ser a interação ainda  incipiente entre os serviços de valor e os demais setores produtivos. Promover tal interação é um passo importante para gerar demanda por serviços mais produtivos e, ainda, contribuir para a dinamização das cadeias produtivas.

VA

Nota: os valores foram normalizados, considerando-se a média da razão VA/PO das empresas da pesquisa igual a 100.

Fonte: Estatísticas de Empreendedorismo 2013/IBGE. Elaboração própria.

O Setor de TIC no Brasil e o Networked Readiness Index (NRI) do Fórum Econômico Mundial

O Fórum Econômico Mundial, em parceria com pesquisadores das universidades de Cornell e INSEAD, publica anualmente, desde 2001, uma série chamada Global Information Technology Report (GITR). O relatório apresenta um panorama global anual do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). São avaliados, sob o ponto de vista das tecnologias da informação, cento e cinquenta e dois países. O processo de avaliação é efetuado por meio de um índice desenvolvido para medir o nível de preparo tecnológico das economias avaliadas. Este índice é denominado Networked Readiness Index (NRI) e seu principal objetivo é avaliar o grau de propensão dos países analisados no relatório para explorar as oportunidades oferecidas pelo setor de TIC, possibilitando, com isso, identificar áreas de prioridade para alavancar o desenvolvimento.

Nesse sentido, o GITR é tido como a mais compreensiva avaliação de como as TICs impactam a competitividade e o bem-estar das nações e suas populações. O NRI, medido em uma escala que varia de 1 a 7, é composto por quatro categorias principais, dez pilares e cinquenta e três indicadores. Ele avalia não só o grau de desenvolvimento da infraestrutura dos países, mas também o cenário ambiental para o desenvolvimento de novas tecnologias, bem como o quanto elas estão integradas à vida e ao cotidiano da sociedade. As quatro categorias principais do NRI são:

  1. Categoria Ambiental: avalia as condições do ambiente de mercado e a estrutura regulatória dos países. Indicadores: efetividade do corpo legislativo, número de dias para se abrir um negócio;
  2. Categoria do Preparo: avalia a infraestrutura e se ela favorece a captação e o desenvolvimento do setor de TIC. Indicadores: cobertura da rede móvel celular, tarifas do setor de TIC (telefonia, banda larga);
  3. Categoria do Uso: avalia a adoção das TICs pelos principais stakeholders que compõem a sociedade. Indicadores: número de assinaturas de banda larga residenciais, índice de serviços de governo online;
  4. Categoria do Impacto: avalia a efetividade e o impacto econômico e social derivados do setor de TIC. Indicadores: Impacto das TICs no acesso a serviços básicos, acesso à internet nas escolas.

O Brasil ocupa atualmente a 84ª posição no ranking do NRI. A posição é bastante baixa, tendo-se em vista que o país está entre as dez maiores economias do globo. Comparando-o com seus similares, o Brasil aparece à frente apenas da Índia, quando comparado entre os BRICS. A Rússia, país com dimensões similares e com desafios de infraestrutura também parecidos, aparece consideravelmente à frente do Brasil, na 41ª posição do ranking.

Avaliando-se o NRI do Brasil aberto, percebemos que os maiores ofensores estão nos indicadores da categoria ambiental: a efetividade do corpo legislativo é avaliada como ruim, com 2,54 pontos de um total de 7. A Rússia possui 3,58 pontos neste quesito, enquanto a África do Sul possui 4,12. O indicador de número de dias para se abrir um negócio também é muito impactante para o Brasil: 83 dias, enquanto Rússia (11,2) e África do Sul (19) apresentam números abaixo de 20 dias. A alta carga tributária brasileira também desponta como um dos principais ofensores: por aqui, ela alcança 69% dos lucros das empresas; na África do Sul, 28,8%.

O Brasil também apresenta resultados ruins na categoria do impacto. Analisando-se os impactos econômicos, temos um número de patentes PCT (Patent Cooperation Treaty) no setor de TIC extremamente baixo, consequência direta do baixo incentivo à pesquisa e o baixo investimento em P&D no país. O percentual de empregos intensivos em conhecimento também é baixo no Brasil: 21% do total. A Rússia possui 43%. Esse resultado é consequência direta da queda da participação da indústria no PIB brasileiro, bem como da dominância do setor de serviços, formado basicamente por serviços de custo, pouco desenvolvidos. Hoje, o setor é responsável por mais de 70% do PIB e por 80% da mão de obra no Brasil.

Analisando-se os impactos sociais, temos um número baixo de escolas públicas conectadas à internet no Brasil. Além disso, a qualidade da conexão das escolas já conectadas pode ser considerada ruim. Outro indicador de impacto social, o do uso das TICs para eficiência governamental, também deixa a desejar. Prova disso é o recente caso do site e-social, criado para simplificar a emissão de guias tributárias do simples doméstico para o cidadão, e que ganhou destaque na imprensa pelos problemas apresentados e pela ineficiência em prestar o serviço a que foi proposto.

Assim, por tudo que foi aqui exposto, podemos afirmar que o desenvolvimento do setor de TIC vai muito além da melhoria da infraestrutura como a expansão da banda larga e da cobertura móvel celular, por exemplo. Hoje, os principais ofensores brasileiros estão nas categorias ambiental e de impacto, o que demonstra claramente um problema de coordenação. O país precisa de reformas: política, para tentar reverter o quadro de inefetividade de seu corpo legislativo; administrativa, para rever a burocracia que hoje sufoca o empreendedorismo; tributária, para diminuir a alta carga de impostos que sufoca indústria, comércio e contribuintes; dentre outras.

De nada vai adiantar alcançar 100% do território nacional com fibras ópticas e cobertura celular se esta infraestrutura não for aproveitada pela sociedade como um vetor para o desenvolvimento e para a transformação social. O setor de TIC só pode ser considerado efetivamente desenvolvido se, além de alcançar a maior parte dos usuários, também for utilizado para melhorar o acesso da população aos serviços básicos, melhorar a disseminação da informação na sociedade e criar novas oportunidades de emprego, funcionando como um catalisador de inovação e retroalimentando o sistema em busca de novas tecnologias e novos serviços, formando assim um círculo virtuoso.

PAÍS RANKING 2015 NRI 2015
Cingapura 1 6,02
Finlândia 2 6,00
Suécia 3 5,84
Holanda 4 5,80
Noruega 5 5,76
Suíça 6 5,68
Estados Unidos 7 5,64
Reino Unido 8 5,62
Luxemburgo 9 5,62
Japão 10 5,60
Rússia 41 4,53
China 62 4,16
África do Sul 75 3,99
Brasil 84 3,85
Índia 89 3,73

 

Tiago XavierTiago Xavier é engenheiro eletricista graduado pela Universidade de Brasília em 2003. Com sua formação voltada para a área de telecomunicações, trabalha há mais de dez anos com Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), com atuação em diversas empresas privadas e públicas.

 

Um Mercado Global de Serviços?

Temos discutido neste espaço que o setor de serviços já é, de longe, a atividade predominante na economia mundial, tal como atestam indicadores de participação no PIB, no emprego, no comércio internacional, quando medido em valor adicionado, e no investimento direto estrangeiro.

Mas uma nova etapa já está se descortinando, a qual dará ao setor participação ainda maior e mais preponderante. E causas para isso não faltam.

Diferentemente do passado recente, os serviços estão se tornando cada vez mais comercializáveis como se fossem bens manufaturados. Pense nos serviços de compras de varejo, como o e-commerce, nos de entretenimento, como o Netflix e o Spotfy, nos de transporte local, como o Uber, nos de hospedagem e passagens, como o Airbnb e Decolar.com, nas atividades internas e externas de TI das organizações, como o AWS, nos de telefonia, de localização geográfica, de compartilhamento de dados, de educação, de saúde, de seguros e de tantos outros que fazem cada vez mais parte do nosso dia-a-dia.

De fato, os mercados de serviços estão se expandindo tão rapidamente que o impensável já começa a acontecer: empresas start-ups com poucos ativos e  receitas relativamente modestas já valem mais que as suas concorrentes há muito estabelecidas e até que lideram seus respectivos mercados – o Airbnb, por exemplo, vale mais que a Accor, maior operadora de hotéis do mundo!

Dentre as razões para a explosão dos serviços incluem-se a mudança do padrão de consumo das pessoas em favor do consumo de funcionalidades digitais e de novas soluções e a mudança dos modelos de negócios das empresas em favor da terceirização e da servicificação da produção – a GE, por exemplo, já não mais vende as suas turbinas de aviões, mas as disponibiliza como parte de um pacote de serviços.

Mas o grande salto ainda está por vir, que é a constituição do mercado global de serviços.

A semente para o mesmo já foi semeada e é provável que em breve já se colham seus frutos. A semente são os acordos plurilaterais ora em discussão, como o Trans-Pacific Partnership (TPP), o Trans-Atlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) e o Trade and Investment Agreement (TISA), que transformarão a economia mundial para sempre.

Uma vez em vigor, os acordos deixarão a Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o General Agreement on Trade in Services (GATS) para trás e novos padrões serão estabelecidos pelas vias da harmonização dos marcos regulatórios e técnicos e da remoção de muitos dos demais obstáculos que ainda restam para a formação de um amplo mercado de global de serviços.

Nesta etapa, que deverá decorrer algo em torno de cinco a dez anos, o comércio e os investimentos em serviços crescerão rapidamente e criarão milhões de empregos e trilhões de dólares em valor. Os países mais competitivos e os mais inovadores em serviços serão aqueles que mais se beneficiarão desse mercado.

Testemunharemos, desta forma, aquela que será uma das mais importantes transformações da história da economia mundial recente, com impactos sem precedentes e muito mais contundentes que a da globalização, tal como a conhecemos hoje.

 

GovernmentTrade-Small-400x235

Índices de serviços e a necessidade de novos dados para o setor

Em divulgação recente, o IBGE passou a publicar índices de volume de produção de serviços. Até então, apenas a série de receita nominal era divulgada mensalmente. Esse novo índice é obtido deflacionando-se as séries de índice de receita nominal. Conforme apontado pela nota metodológica do Instituto, para cada grupo de atividade e para cada estado, foram utilizados índices de preços específicos construídos a partir do IPCA. A nota metodológica esclarece, ainda, que para as atividades não abrangidas pelo índice, utilizou-se o IPCA serviços.

Com base nessa metodologia, cabe uma advertência sobre o uso do IPCA para deflacionamento de dados de serviços: o índice em si não captura adequadamente a inflação observada para os serviços consumidos pelas empresas, uma vez que é fundamentalmente construído para avaliar o nível de preços para o consumidor final. Assim, é provável que os preços dos serviços utilizados como intermediários na produção tenham um comportamento distinto daqueles de consumo final, seja pela existência de contratos, capacidade de negociação das empresas ou por outras particularidades dos serviços empresariais.

Desse modo, o IPCA não seria o melhor índice para deflacionamento de categorias que abrangem em grande medida serviços consumidos pelas empresas como, por exemplo, serviços técnicos-profissionais. É claro que nesse ponto cabe destacar que, no momento, inexistem índices de preços que captem a evolução dos preços dos serviços usados como insumo na produção, o que justifica o uso do IPCA.

Não obstante as fragilidades, o novo indicador é fonte de informações relevante para se entender a trajetória do setor, uma vez que a aceleração do nível de preços dos serviços pode afetar as conclusões sobre o seu desempenho econômico. Desse modo, os índices de volume contribuiriam para descrever o comportamento real do setor nos últimos anos.

Nesse sentido, os gráficos abaixo mostram que a inflação, de fato, superestima o desempenho do setor de serviços, uma vez que o índice de receita nominal se distancia do de volume devido à aceleração do IPCA. Complementarmente, é natural que se observe que a receita do setor apresente variações positivas (ainda que cada vez menores), enquanto em termos reais o setor contrai (o que é indicado pela variação negativa do índice de volume acumulada em 12 meses).

Por fim, é importante notar que a melhoria dos dados sobre o setor de serviços tem o potencial de enriquecer o debate. Tal como exposto, é conveniente que se avalie a inflação pertinente aos serviços-insumos, uma vez que esta afeta diretamente a competitividade e a capacidade produtiva da economia. Sob essa ótica, um índice de preços de serviços intermediários traria melhorias importantes para o tratamento de estatísticas sobre o setor.

indice volume

Fonte: PMS/IBGE. Elaboração própria.

Whatsapp e telefonia: serviços substitutos ou complementares?

Nos últimos meses, empresas de telefonia têm constantemente reclamado de suposta “concorrência desleal” de alguns aplicativos como Whatsapp, iMessenger e Facebook Messenger. O argumento das operadoras é que, por prover serviços de mensagem e de chamadas de voz, esses aplicativos estariam usando a infraestrutura das empresas de telefonia para atuar como operadoras. Logo, esses aplicativos seriam ilegais e deveriam ser proibidos ou regulamentados e taxados.

Reclamação similar já foi feita por operadoras de TV por assinatura (que costumam ofertar, também, internet) com relação ao Netflix. Em resposta às reclamações, o Governo já se manifestou favorável a regulamentar esses serviços “over the top“, de modo a diminuir, nas palavras do Ministro das Comunicações, “assimetrias regulatórias e tributárias”.

De fato, empresas de telecomunicações no Brasil são obrigadas a fazerem investimentos em infraestrutura que nem sempre são os mais interessantes economicamente — as operadoras de telefonia têm que instalar e manter os quase obsoletos orelhões, por exemplo. Por outro lado, o WhatsApp e o Netflix não têm acesso garantido a mercados que são quase oligopólios, como as operadoras.

Na microeconomia, há dois conceitos que ajudam nesta discussão: o de bens substitutos e o de bens complementares. Bens substitutos são aqueles que concorrem diretamente, como margarina e manteiga. Se o preço da margarina subir, ceteris paribus, espera-se que a demanda por manteiga cresça. Já bens complementares são aqueles que, quando o preço de um diminui, a demanda pelo outro aumenta. Carro e gasolina são um exemplo disso: se o preço de automóveis cai, a demanda por gasolina deverá aumentar.

Pelo menos no discurso, as operadoras de TV e telefonia tratam aqueles aplicativos como bens substitutos. Ou seja, concorrentes diretos de seus serviços. Em alguns pontos, elas parecem ter razão: já há registro de queda no uso de chamadas convencionais e os serviços de SMS têm se tornado cada vez mais obsoletos (ver Gráficos 1 e 2 abaixo).

Entretanto, esses serviços “over the top” são, também, complementares aos serviços de TV e telefonia. Hipoteticamente, se uma operadora bloqueasse o acesso ao WhatsApp, é provável que boa parte de seus clientes migrassem para operadoras concorrentes. Indicativo disso é que quase todas as operadoras oferecem acesso gratuito a esses serviços (o que, inclusive, parece constituir uma violação à neutralidade de rede, mas esse é um assunto para outro post). Nos dias de hoje, boa parte da experiência do consumidor com telefonia envolve justamente o uso desses aplicativos.

Logo, o que transparece em toda essa discussão é que, assim como no caso do Uber, a regulação vigente e os modelos de negócio se mostram ultrapassados. A maior revolução que os serviços “over the top” parecem estar promovendo é a mudança no modelo de negócios já estabelecidos pelas operadoras. Se antes elas lucravam principalmente com os serviços de voz e de mensagem de texto, atualmente é a internet móvel que parece ser mais relevante (e as operadoras têm quase que um oligopólio nisso!).

Nesse novo modelo, há espaço para ganhos das operadoras sem necessariamente punir o consumidor. Focar mais no provimento de uma rede de internet móvel mais confiável e rápida e oferecer planos mais atraentes pode ser um caminho.

Fazer mais do mesmo ou limitar o acesso a aplicativos não resolverá a questão nem para operadoras e nem para os reguladores. Para não perderem o bonde do Século XXI, ambos terão que  ser mais flexíveis e ágeis para não punirem nem ideias inovadoras nem os consumidores.

Gráfico 1 – Minutos de Uso mensal por Celular

Gráfico 2 – Receita de SMS da Operadora Vivo

 

PS: O assunto deste post me foi sugerido pelo amigo e também economista João Vítor Rego Costa, a quem agradeço.

Older posts Newer posts