Economia de Serviços

um espaço para debate

Category: Serviços de agregação de valor e diferenciação do produto

O que traz a literatura sobre as classificações do setor de serviços?

Conforme já foi mencionado aqui no Blog, a abrangência de diversas esferas econômicas se encontram presentes nesse setor, entre elas estão os serviços de energia, serviços financeiros, de informática, serviços de transporte, entre outros. Com isso, o conjunto de categorias que compõem esse setor são heterogêneas (Baumol et. al, (1985), Eichengreen e Gupta (2011), Jorgensen e Timmer (2011), Arbache (2014)) o que dificulta a análise exata do setor.

Com a economia globalizada e o aumento do progresso tecnológico nas atividades de serviços, surgiu a necessidade de separar o setor, em decorrência da sua heterogeneidade. Os serviços se tornaram amplamente tecnológicos e, consequentemente, a literatura a respeito do tema se adaptou a nova demanda. Tal literatura costumava utilizar a divisão dos serviços como comercializáveis e não comercializáveis, confundindo os serviços de alto valor agregado com os demais. Dessa forma, alguns trabalhos buscam explicar empiricamente o aumento da participação dos serviços na economia, separando os serviços como tradebles e non-tradebles, justificando que a mão de obra do setor está aumentando significativamente (Jensen e Kletzer , 2005; Anderson et al (2012); Gervais e Jensen (2013)).

Duarte e Restuccia (2009) também analisaram o papel dos diferentes setores na produtividade do trabalho, ao explicar o processo de mudança estrutural, dando maior heterogeneidade ao setor de serviços. Para isso, foi utilizado um modelo de transformação estrutural, calibrado para os Estados Unidos, com o intuito de medir a diferença de produtividade entre os países. Os autores encontraram que, entre os países ricos e pobres, a diferença da produtividade se encontra mais evidente nos setores da agricultura e de serviços. Essa diferença é menor no setor industrial, apesar da agricultura e da indústria terem experimentado redução da produtividade com maior ênfase do que no setor de serviços.

Gonzalez, Meliciani e Savona (2015) tratam os serviços como non-tradables, o que os incluem em uma categoria de serviços de custos. Isso significa que eles também não perceberam que serviços e indústria caminham para uma mesma direção, convergindo a uma estrutura de fabricação conjunta, para atender as demandas do consumidor final. Em relação as mudanças estruturais, o autor também afirma que “essas mudanças também trouxeram ganhos de produtividade, mas há uma redução global do emprego”. Porém, para elevar a produtividade, especialmente no setor de serviços, é importante observar a forma como a inovação tecnológica é realizada (no sentido da qualidade do que está sendo produzido), pois o processo da economia digital traz graves consequências às distintas economias, em termos de economias desenvolvidas e em desenvolvimento. A qualidade do serviço tecnológico é fundamental para evitar a desigualdade que pode ser gerada entre os países.

Arbache (2012) traz uma análise direcionada ao setor que, ao longo da literatura clássica era tratado como o menos produtivo, passa a ser o setor mais importante a ser analisado, em termos de produtividade e renda. De acordo com Arbache (2014), os serviços estão separados em dois grupos: serviços de custo e serviços de valor, conforme post anterior.

Os serviços de custo são compostos por itens básicos de produção, já os serviços de valor são aqueles formados por atividades que contribuem para a produção e diferenciação dos produtos, conforme foi citado. Ao se referir aos serviços de valor, será utilizado referências sobre KIBS (Knowledge Intensive Business Services), ou Serviços Intensivos em Conhecimento (SIC) no Brasil, que são serviços de alto valor agregado e diferenciação de produtos. O pioneiro a tratar dessa nomenclatura foi Miles (1993)., possibilitando diversos conceitos de KIBS, aproximando a discursão a respeito do tema. O quadro 1 abaixo, apresentado em Teza et. al (2012), traz diversos conceitos de KIBS.

Trabalho Conceito de KIBS
Miles et al. (1995, p. 18) KIBS são serviços que envolvem atividades econômicas que se destinam a resultar na criação, acumulação ou divulgação do conhecimento;
Bettencourt et al. (2002, p. 100) Serviços empresariais intensivos em conhecimento (KIBS) são empresas cuja principal atividade de valor agregado consiste na acumulação, criação ou disseminação do conhecimento com a finalidade de desenvolver um serviço personalizado ou solução de produto para satisfazer as necessidades do cliente (por exemplo, consultoria em tecnologia da informação, engenharia técnica, design de software).
Miles (2005, p. 39) São serviços que fornecem insumos intensivos em conhecimento aos processos de negócios de outras organizações – serviços empresariais intensivos em conhecimento (KIBS), tais como serviços de informática, serviços de P&D, serviços jurídicos, de contabilidade e de gestão, engenharia, arquitetura e serviços técnicos de publicidade e pesquisa de mercado.
Miozzo e Grimshaw (2005, p. 1420) KIBS são os serviços empresariais que são baseados no conhecimento, baseados em ambos conhecimento social e institucional (como muitos tradicionais serviços profissionais, tais como contabilidade ou consultoria de gestão) ou mais conhecimento tecnológico (como computação, P&D e serviços de engenharia).
Simie e Stranback (2006, p. 27) KIBS são aqueles serviços demandados por empresas e instituições públicas que não são produzidos para consumo privado. Serviços de conhecimento intensivo são apenas uma parte dos negócios relacionados com serviços e são caracterizados por um alto grau de funcionários altamente qualificados.
Amara et al. (2008, p. 1530) Serviços empresariais intensivos em conhecimento (KIBS) que fornecem serviços baseados em conhecimento profissional.
Muller e Doloreux (2009, p. 65) KIBS se refere a empresas de serviços que se caracterizam pela alta intensidade de conhecimento e serviços para outras empresas e organizações, serviços que são predominantemente não-rotineiros.
Wenhong e Min, 2010 KIBS refere-se à indústria de serviço que tem o conhecimento como principal elemento de entrada, e apresenta investimentos em inovação e desempenhos elevados.

Dada a importância dos estudos baseados em serviços intensivos em conhecimento, estudos empíricos focam na relação da produtividade desses serviços (Bessant e Rush, 1995; Hales, 1997), e, para quantificar um difusor do conhecimento, aspecto fundamental para a inovação, KIBs passou a ser utilizada como variável representante da infraestrutura de diferenciação e agregação de produtos (Aslesen e Isaksen, 2007; Li e Chen, 2010; Muller e Doloreux, 2009; Muller e Zenker, 2011).

Desmarchelier et al (2012) buscaram compreender a relação existente entre os serviços intensivos em conhecimento e o crescimento econômico. Levando em consideração alguns conflitos existentes entre os serviços e crescimento, os autores construíram um multi-agente baseado em um sistema que envolve firmas industriais, consumidoras, intensivas em conhecimento e sistema bancário.

Assim como a mudança estrutural tornou-se evidente diante do crescimento da participação do setor de serviços nas economias, a literatura direcionada à estudos de serviços intensivos em conhecimento também tem se tornado mais relevante, tendo em vista a difusão do debate acerca dos serviços.

Os principais desafios das empresas na era da Economia Digital

Uma pesquisa realizada pela Accenture Strategy com o intuito de apresentar a importância e crescimento da Economia Digital no mundo, estima que, em 2015, a economia digital representou 22,5% da economia mundial, valor considerado muito baixo para o que ainda pode ser explorado.  O estudo concluiu que ainda há muito a ser explorado por governos e empresas e que o PIB dos países será maior se os investimentos forem direcionados às suas necessidades.

Um estudo feito pela OCDE (2016) mostra o crescimento do setor de serviços e a adaptação de algumas firmas, apresentando as mudanças dos serviços exigidos em cada época. Nesse estudo foi realizado uma comparação entre as principais empresas baseadas na Internet, por capitalização de mercado, em 1995, e as principais empresas de 2015. No início, a maioria das maiores empresas comercializavam hardwares, softwares ou realizavam serviços de provedores de internet e mídia, enquanto que em 2015 as maiores empresas eram desenvolvedoras e gestoras de plataformas digitais.

As 15 principais empresas de internet por capitalização de mercado em 1995 e 2015

1995 (Dezembro) Produto Principal ou Atividade 2015 (Maio) Produto Principal ou Atividade
Netscape Software Apple Hardware, serviços
Apple Hardware Google Informação (serviços de busca)
Axel Springer Mídia, publicação Alibaba Bens (e-com)
RentPath Mídia, aluguel Facebook Informação (social, P2P)
Web.com Serviços de internet Amazon.com Bens (e-com)
PSINet Internet Service Provider Tencent Informação (social, P2P)
Netcom On-Line Internet Service Provider eBay Bens (e-com, P2P)
IAC / Interactive Mídia Baidu China Informação (serviços de busca)
Copart Leilões de veículos Priceline Group Serviços
Wavo Corporation Mídia Uber Serviços (P2P)
iStar Internet Internet Service Provider Salesforce.com Serviços
Firefox Communications Internet Service Provider JD.com Bens (e-com)
Storage Computer Corp. Software de armazenamento Yahoo! Informação (serviços de busca)
Live Microsystems Hard- e Software Netflix Serviços (mídia)
iLive Mídia Airbnb Serviços (P2P)

   Fonte: Adaptado de OCDE (2016)

Onze das 13 plataformas digitais em 2015 eram mercados para serviços que operam em diversas áreas, se inserindo em diversos mercados, como o de transporte de passageiros (Uber) e serviços de hospedagem Airbnb, por exemplo. Dentre outros, isso sugere a importância da presença do setor de serviços nas economias e como eles foram expressivos nos últimos anos.

Dado que o mercado encontra-se cada vez mais global e as fronteiras estão reduzidas, um dos principais desafios das empresas é se adaptar às novas tendências globais. As firmas necessitam inovar constantemente para que se tornem cada vez mais competitivas. Parece algo simples, pois se o consumidor está sempre esperando que as empresas lancem novos produtos, com novos serviços embutidos, então é só as empresas tentarem inovar e produzir e pronto. Porém, na prática, isso não funciona bem dessa forma. O que as empresas precisam fazer é, isto sim, lançar algo que agrade o consumidor, observando as tendências para, a partir daí, buscar inovar.

Um exemplo de preferência do consumidor por inovação tecnológica é o iPhone. Os consumidores preferem um iPhone, que possui iCloud, iTunes, Apple Music, entre outros aplicativos, do que um celular simples que apenas serve para fazer ligações e enviar SMS, como os aparelhos comercializados na década de 90. Da comparação simples entre esses dois bens se pode perceber o motivo do sucesso de um sobre o outro. Porém, a diferença entre as preferências se encontra, na verdade, na inovação do produto. No caso do iPhone, à medida que o tempo vai passando, o consumidor vai ficando mais exigente e deseja algo que seja mais atrativo do que a versão anterior, como, por exemplo. Cabe à Apple ter a preocupação de inovar para seguir como tendência de mercado.

Do ponto de vista da indústria, atender a essa demanda não é tão simples assim. Na era da economia digital, para uma empresa se tornar competitiva, ela precisa ter a capacidade de criar “O Novo Serviço”. A indústria é direcionada a uma fase de desafios, onde é preciso descobrir um produto industrial novo, com maiores serviços inseridos nesse produto e, quanto mais serviços esse produto possuir, mais caro é o valor final do bem ofertado. Esses são produtos de alto valor agregado e que de fato contribuem para o desenvolvimento econômico dos países. Para ter sucesso na produção, é preciso que o novo modelo de indústria venha acompanhado de criatividade, mão de obra qualificada, investimento em inovação, estratégias de marketing e, principalmente, elevada competitividade.

Além da necessidade de inovar e de produzir bens e serviços de alto valor agregado, os principais desafios das empresas, para que se tornem competitivas na era da economia digital, são:

  1. Possuir mão de obra qualificada: é fundamental que as empresas possuam mão de obra suficientemente qualificada, que auxiliem no desenvolvimento de novos produtos, ampliando a inovação;
  2. Velocidade da evolução tecnológica: embora possa ter toda a estrutura para produzir, se a empresa não acompanhar com rapidez a evolução das tecnologias ela pode não conseguir se manter competitiva;
  3. Burocracias: as empresas, principalmente as que estão entrando no mercado, podem ter que lidar com burocracias como, por exemplo, regras de importação e exportação;
  4. Ataques cibernéticos: esses crimes podem ser caracterizados como uma das consequências geradas pela globalização, que talvez possa ser sanada com a ampliação dos investimentos em tecnologia.

Apesar da disposição e vontade das empresas de se beneficiarem da economia digital para que elas se tornem competitivas, é fundamental que elas consigam vencer as dificuldades acima listadas.

Quais serviços merecem mais atenção das políticas públicas?

Como este blog tem discutido, o Brasil tem grandes deficiências em serviços e o setor está entre as principais causas da nossa baixa produtividade e competitividade.

Posto isto, a pergunta relevante é: como não há recursos humanos e financeiros para tratar das deficiências de todo o setor de serviços ao mesmo tempo, que segmentos deveríamos priorizar?

Esta talvez seja uma das questões mais relevantes em política pública de serviços. Obviamente, a resposta a esta pergunta depende do foco e do método de análise que se utiliza.

Se a preocupação é o bem-estar das pessoas, então deveríamos atacar os serviços com maior participação na cesta de consumo de bens e serviços das famílias, tal como refletido pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF-IBGE). Dentre os serviços com maior importância na cesta estão educação, saúde, serviços sociais, serviços financeiros, transportes e comércio de varejo.

Se a preocupação é com o impacto dos serviços na inflação, que historicamente tem aumentado mais que a inflação geral, então deveríamos focar nos itens cujos preços mais têm subido. Ali incluem-se serviços de utilidade pública, transportes, educação, saúde e serviços técnicos especializados.

Se a preocupação é o impacto dos serviços nas contas externas, então, de acordo com os dados da balança comercial divulgados pelo MDIC, deveríamos focar nos itens mais inclinados a déficits comerciais e com maior peso nas contas externas. Ali estão fretes, seguros, royalties, licenças, aluguel de equipamentos, serviços de comunicação e computação e viagens internacionais.

Se a preocupação é atacar as pressões de custos na indústria, então, de acordo com a Pesquisa Industrial Anual (PIA-IBGE), deveríamos focar nos serviços mais utilizados pelas empresas, dentre os quais estão os serviços de intermediação financeira, serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros, royalties e assistência técnica, despesas com propaganda e alugueis e arrendamentos.

Finalmente, se a preocupação é com a participação da economia brasileira na economia global, então deveríamos focar as nossas atenções em e-commerce, plataformas digitais, P&D, desenvolvimento de marcas, design, inteligência artificial, desenvolvimento de softwares customizados, serviços de marketing e distribuição, dentre outros serviços que fazem a ponte entre o hoje e o amanhã.

É provável que este post tenha desapontado alguns leitores, já que não indicou resposta única, mas várias. Mas isto se deve à natureza do setor. De fato, serviços se tornaram algo tão grande, abrangente, diversificado e heterogêneo que apresentar uma só resposta seria um desafio.

Agora, se o leitor gostaria mesmo de saber qual seria a prioridade deste blog, então lá vai: serviços digitais e serviços de agregação de valor e diferenciação de produto, tal como indicado dois parágrafos acima. Afinal, como tanto temos debatido neste espaço, são eles que mais influenciarão o padrão da nossa inserção na economia internacional e a nossa capacidade de crescer de forma sustentada no futuro próximo.

E você, leitor, que setor priorizaria e por quê? Dê a sua opinião!