Economia de Serviços

um espaço para debate

Category: Competitividade (page 8 of 9)

Os serviços e a recuperação da indústria brasileira

A indústria brasileira passa por grave crise. Queda da competitividade, da participação no PIB, no emprego e por aí vai. Mas análises detalhadas mostram que tem algo de positivo fora do radar acontecendo no setor.

A figura abaixo mostra a decomposição dos serviços demandados pela indústria em 1996 e em 2012. Embora partindo de base pequena, cresceu significativamente a participação dos royalties e assistência técnica no total, o que sugere que a indústria estaria buscando agregar mais valor.

Serviços não industriais providos por terceiros, serviços industriais providos por terceiros e transporte e logística também tiveram crescimento expressivo. Tal crescimento sugere reestruturação do setor em favor da terceirização da produção.

Outro ponto que chama atenção é a queda da participação das despesas financeiras, o que, além do relativo avanço de outros serviços, pode estar associado aos juros reais mais elevados em 1996 com relação ao ano de 2012.

Políticas que facilitem o acesso à aquisição de royalties e assistência técnica, que modernizem os transportes e que facilitem a adoção de novas formas de produção terão, muito provavelmente, impactos positivos na competitividade das empresas e, portanto, na geração de valor e de empregos.

Este debate está associado às legislações na área da terceirização e outras que podem contribuir para colocar a nossa indústria em linha com o que já acontece na economia mundial.

Decomposição dos serviços demandados pela indústria – 1996 e 2012 –

participacao de servicos no CI

Fonte: cálculos do autor com dados da PIA-IBGE

Fonte: cálculos do autor com dados da PIA-IBGE

 

Em que apostar para 2016?

O ano de 2015 está sendo marcado pelo baixo crescimento, aumento do desemprego e inflação acima de patamares históricos recentes. Diante de uma previsão de contração do PIB de 3,7% em 2015 e de 2,8% em 2016, tempos como estes trazem à tona questionamentos sobre como impulsionar a economia nos próximos anos.

Um bom passo é olhar para os setores mais promissores. Atividades associadas à saúde, serviços tecnológicos e finanças estarão entre as mais rentáveis, conforme publicação da Forbes. De acordo com o gráfico abaixo, os serviços destacam-se dentre as atividades mais prósperas, especialmente aqueles associados à tecnologias de informação e serviços que são insumos para outros setores da economia.



Relatório
da Deloitte em parceria com a Exame mostra que, dentre as 200 pequenas e médias empresas (PMEs) que mais crescem em termos de receita líquida, 27% encontram-se em Serviços de Tecnologia da Informação e 15% em Serviços para Empresas.

Gráfico  – Distribuição das PMEs que mais crescem no Brasil, por setor de atuação

Deloitte

Fonte: Deloitte.

A conclusão é que as atividades mais rentáveis para os próximos anos compõem o grupo de serviços tecnológicos e intermediários na produção de outros setores. Por isto, incentivar o desenvolvimento de tais atividades parece ser uma boa aposta para a recuperação e modernização da economia brasileira. Na verdade, não é uma aposta só para 2016. É uma aposta para a recuperação do crescimento sobre uma base voltada para o futuro.

O papel estratégico do setor de serviços para o desenvolvimento e as políticas públicas

O setor terciário teve significativo crescimento nos últimos anos e, mesmo com a desaceleração recente, deve continuar como setor fundamental na dinâmica da economia brasileira. O desenvolvimento econômico e social recente na sociedade brasileira[1] tem sido importante para a evolução do comércio e dos serviços e deve sustentar, nos próximos anos, continuação da trajetória de aumento das vendas, expansão do mercado consumidor e diversificação dos negócios. A interação dos serviços com a indústria é importante no desenvolvimento produtivo das economias e deve estar na pauta da formulação de políticas públicas.

Existe reconhecimento da importância dos serviços na evolução recente da economia mundial[2]. Os serviços são a principal fonte de geração de empregos no mundo e o destino de parcela cada vez maior dos investimentos diretos estrangeiros greenfield. As indústrias de maior intensidade tecnológica têm maior intensidade de serviços empresariais. A indústria de transformação está-se combinando com os serviços em relação cada vez mais sinergética e simbiótica, o que impulsionará a produtividade e competitividade do setor industrial. Serviços avançados nas áreas de telecomunicações, serviços de internet, big data, internet of things, cloud computing e desenho de sistemas de computadores, por exemplo, estão na mira dos investimentos em P&D da indústria. A agregação de valor e a diferenciação e customização de produtos, elos centrais nas cadeias globais de valor, estão associados a serviços como P&D, design, projetos de engenharia e arquitetura, consultorias, softwares, serviços técnicos especializados, serviços sofisticados de TI, branding, marketing e comercialização, entre outros.

A relevância dos serviços na economia brasileira é decisiva para o desenvolvimento como um todo. A representatividade do setor terciário, de 2003 a 2015 (pelo acumulado em quatro trimestres até o 2º trimestre de 2015), passou de 65,8% para 71,7% do valor adicionado do PIB a preços correntes[3], segundo dados das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE. Os serviços representaram 73,4% do emprego formal em 2014, de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do MTE, sendo que apenas comércio e serviços privados (excluindo a administração pública) constituíram 54,6% do emprego formal total da economia brasileira neste ano.

Os setores de comércio e serviços são muito significativos para o tecido empresarial e produtivo brasileiro. De acordo com o Cadastro Central de Empresas (Cempre) do IBGE, em 2013, o setor terciário representou 84,7% das empresas e 74,6% do pessoal ocupado total, enquanto comércio e serviços tipicamente privados ou empresariais[4] corresponderam a 70,4% das empresas e 47,3% do pessoal ocupado total. A massa de salários e outras remunerações paga pelo setor terciário representou 72,1% em 2013, sendo que dessa massa salarial quase a metade adveio de comércio e serviços empresariais.

A heterogeneidade estrutural dos serviços constitui desafio para a formulação de políticas. O salário médio mensal dos serviços foi de 3,1 salários mínimos em 2013 (frente a 3,4 em 2007), mas existe grande variação salarial entre os setores de atividade, as seções CNAE, pelos dados do Cempre. Nota-se que setores como comércio representam 64,5% do salário médio total, ao passo que atividades profissionais, científicas e técnicas (129,0%) e informação e comunicação (174,2%) mostram salários mais elevados, acima mesmo da indústria de transformação (106,4%). Os serviços no Brasil são os maiores empregadores, mas apresentam produtividade mais baixa em relação a outros setores[5] e muita heterogeneidade. A produtividade de serviços voltados às famílias (R$28.736 por pessoa ocupada a preços correntes), por exemplo, é mais de cinco vezes superior à dos serviços de informação e comunicação (R$151.558), conforme os dados da Pesquisa Anual de Serviços, do IBGE.

A importância dos serviços, da diversificação produtiva e da interação desse setor em especial com a indústria não pode ser negligenciada e tem sido alvo de políticas públicas. Será fundamental para o desenvolvimento nacional a cooperação público-privada para acabar com gargalos e entraves ao funcionamento do comércio e dos serviços, buscando a melhoria da competitividade e da produtividade na economia como um todo.

Desse modo, evidencia-se a necessidade de fortalecer serviços relacionados a agregação de valor, maior produtividade e diferenciação de marcas e produtos, bem como intensificar a formação de novas competências para a prestação de serviços, em especial na interação com a indústria. O desenvolvimento de competências para aumentar a absorção tecnológica e a produtividade no setor de serviços torna-se essencial, em conjunto com a utilização de diversos mecanismos existentes, além do aprimoramento do ambiente institucional, visando ao atendimento de demanda interna, à consolidação e internacionalização de marcas brasileiras e ao aumento dos investimentos do setor de serviços.

Nesse sentido, têm sido realizadas discussões para subsidiar a formulação de políticas públicas no setor terciário. A Agenda de Competitividade do Varejo, que vem sendo construída em conjunto com representantes do setor, marca importante articulação recente para a impulsionar a competitividade nessa atividade, em conjunto com a iniciativa privada. A realização, recentemente, pela SCS/MDIC e a ABDI do seminário “O papel estratégico do setor de serviços para o desenvolvimento da indústria”, em 09/09/2015, trouxe especialistas das áreas acadêmica, governamental e empresarial para apresentarem e debaterem temas fundamentais para políticas de competitividade do setor. Essa discussão se soma à comemoração dos dez anos de criação da Secretaria de Comércio e Serviços do MDIC, o que revela preocupação governamental crescente de promover as capacidades desses setores na economia brasileira.

 

Marcelo MaiaMarcelo Maia é Secretário de Comércio e Serviços do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Nascido em Brasília, é formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e tem especialização em Direito Econômico, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), MBA em Finanças, pelo IBMEC e tem certificado em Finanças e Administração pela University of California at Berkeley, nos Estados Unidos. Maia acumula experiência em gestão de grandes negócios, contabilidade, controladoria, relacionamento com fornecedores; marketing, logística e outras áreas.


Referências
 

ACATECH. National Academy of Science and Engineering. Securing the Future of German Manufacturing Industry: Recommendations for implementing the strategic initiative INDUSTRIE 4.0. Berlin: ACATECH, 2013. 

CNI. Confederação Nacional da Indústria. Serviços e Competividade Industrial no Brasil. CNI, 2014.

OECD. Organisation for Economic Co-operation and Development. OECD Perspectives on Global Development 2014: Boosting Productivity to Avoid the Middle Income Trap. Paris: OECD, 2014.

UNCTAD. United Nations Conference on Trade and Development. World Investment Report 2013 – Global Value Chains: Investment and Trade for Development. Geneva: UNCTAD, 2013.

 

[1] O mercado de consumo nacional e o crescimento da renda foram importantes para o comércio e os serviços em geral e devem continuar sendo significativos para a expansão do setor. O rendimento médio real do brasileiro em setembro de 2015, embora tenha caído 4,3% frente a setembro do ano passado, é 29,8% maior do que igual mês de 2003, conforme o IBGE. Em conjunto com a redução na desigualdade de renda, o crescimento do mercado de consumo foi evidenciado pela expansão da classe média no País, em que 53% da população (104 milhões de pessoas, do total de 200 milhões) já pertencia à classe média em 2012, frente a 38% em 2002, segundo a SAE/PR.

[2] Ver estudos como UNCTAD (2013), OECD (2014), ACATECH (2013) e, em especial, CNI (2014), este último preparado por Jorge Arbache.

[3] No setor terciário encontram-se atividades privadas e da administração pública. As atividades públicas somam 16,8% em 2015, não mostrando expansão muito significativa frente aos 16,3% de 2003.

[4] Considerando as seções CNAE: G Comércio; reparação de veículos automotores e motocicletas; H Transporte, armazenagem e correio; I Alojamento e alimentação; J Informação e comunicação; K Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados; L Atividades imobiliárias; M Atividades profissionais, científicas e técnicas; e N Atividades administrativas e serviços complementares.

[5] Ver, por exemplo, CNI (2014).

Mudanças disruptivas nas relações entre indústria e serviços nos aguardam

Imagine que você é um designer sentado à frente de uma tela de computador utilizando um software para desenvolver o projeto de um determinado produto. Imagine, agora, uma outra tela, ao lado da primeira, mostrando os impactos de cada alteração no projeto no tempo para lançar o produto no mercado, nos custos de produção em cada elo da cadeia de fornecedores, no consumo de energia, etc. Isso é o que a manufatura digital será capaz de fazer.

O termo manufatura digital (também conhecido como Indústria 4.0) inclui desde avanços na produção de equipamentos, como impressão 3D e robótica; serviços de alto valor agregado, como softwares, design, computação na nuvem, inteligência artificial, simulação e mockups digitais (DMU); produtos inteligentes (conectados por meio da Internet das Coisas), até ferramentas avançadas de análise dos dados fornecidos por cada elo da cadeia produtiva. Assim, busca-se explorar, numa disruptiva relação entre indústria e serviços, a imensa quantidade de dados que a indústria, mais do que qualquer outro setor, é capaz de gerar.

Muitos setores e empresas já analisam dados para aperfeiçoar operações, melhorar o uso de equipamentos e a qualidade dos produtos e reduzir o consumo de energia. As indústrias de defesa e a aeroespacial utilizam ferramentas digitais para integrar sua densa e complexa rede de fornecedores, na qual pequenas mudanças no design de uma turbina a jato, por exemplo, impactam a produção de centenas de componentes.

A partir de ferramentas como computação na nuvem, já é possível compartilhar modelos tridimensionais com a rede de fornecedores, facilitando a troca de informações sobre qualidade, preço e entrega dos produtos e acelerando a capacidade de resposta dos fornecedores a mudanças de design. A Boeing desenvolveu duas fuselagens utilizando ferramentas de manufatura digital, o que reduziu o tempo de entrada em produção (time-to-market) em mais de 50%.

O que se vê, porém, é ainda certa desconexão entre os elos, os quais estão, muitas vezes, em diferentes partes do planeta. Plataformas para colaboração virtual fazem com que os elos absorvam mais informações sobre os demais parceiros, gerando um ambiente de maior colaboração e coordenação. Com isso, melhora-se a qualidade dos produtos e a produtividade e acelera-se o ritmo com o qual as firmas inovam na produção.

Há, porém, um longo caminho até que a manufatura digital se consolide entre as empresas das economias avançadas. Como mostra o gráfico abaixo, pesquisa feita pela Mckinsey&Company indica que apenas 13% das empresas têm alta “capacidade digital” em suas etapas industriais. Apesar disso, o que não se pode perder de vista é que muitos países já têm iniciativas para consolidar a manufatura digital.

A digitalização na manufatura

figura - post 2 Vanessa

Fonte: Mckinsey&Company, 2014

Na Alemanha, o Industrie 4.0 busca colocar o país como líder em soluções para a manufatura avançada. Nos Estados Unidos, a Digital Manufacturing and Design Innovation Iniciative (DMDII), formada pela parceria entre empresas, governo e universidades, é um hub voltado exclusivamente ao desenvolvimento da manufatura digital. A China, em 2015, anunciou a adoção da estratégia “Made in China 2025”, com o objetivo de aumentar a qualidade, a produtividade e a digitalização da sua indústria.

Os países que não conseguirem traçar a sua estratégia na direção da manufatura digital ficarão mais distantes de conseguir explorar seus benefícios em termos de ganhos de produtividade, de geração de valor e de crescimento econômico.

As identidades digitais e suas implicações para o Brasil

A Economist Inteligent Unity conduziu uma pesquisa com executivos de TI norte-americanos com o objetivo de avaliar o papel da identidade digital nas empresas. Até 2020, mais de sete bilhões de pessoas e 35 bilhões de dispositivos estarão conectados à internet, diz a pesquisa. As diversas – e dispersas – informações fornecidas a todo segundo pelo acesso a sites e aplicativos ou enviadas remotamente por vários dispositivos formam a identidade virtual de cada um desses usuários.

As empresas que não conseguirem tirar proveito desse fluxo de informações perderão a oportunidade de ampliar seu conhecimento sobre o mercado, fornecer produtos e serviços mais customizados e expandir seus negócios para atender à constante mudança nas preferências dos consumidores. Dos executivos entrevistados, 64% apontaram que os canais digitais são de grande importância para o faturamento das empresas.

grafico-EIU-2     Fonte: EIU, 2015

A construção das identidades digitais exigirá, todavia, a superação de uma série de obstáculos, como a segurança das informações compartilhadas virtualmente. Para 72% dos executivos entrevistados, esse é o principal desafio no uso das identidades digitais, sendo que apenas 19% deles disseram estar bem preparados para atender requerimentos de segurança.

Ainda, embora os consumidores estejam dispostos a responder questões básicas sobre seu perfil, há maior resistência em informar preferências, localização, relações interpessoais e dados financeiros, o que reduz as possibilidades de uso comercial dessas informações. Mostrar como estes dados estão sendo protegidos e de que forma eles poderão ser utilizados estão entre as estratégias mais empregadas pelas empresas pesquisadas. Outra forma é condicionar determinado serviço ao provimento de algumas informações – vários jornais, por exemplo, permitem a leitura gratuita de certa quantidade de artigos, mas sujeita ao registro prévio no site.

A pesquisa da EIU apontou, portanto, que há maior chance de se conseguir informações mais restritas quando há vantagens claras para o usuário. Observa-se, com isso, que o consumidor está cada vez mais consciente sobre o valor de sua identidade virtual e sobre a real possibilidade de que seus dados estejam sendo “monetizados” e de fato utilizados para explorar novos serviços.

As implicações dessa discussão para o Brasil são claras: como as empresas brasileiras estão se preparando para disputarem mercado em um ambiente digital que demanda a capacidade de absorver dados de milhares de usuários e unificá-los numa identidade virtual que possibilite extrair informações valiosas sobre seus perfis?

Também é preciso entender até que ponto haverá infraestrutura de rede e de comunicação necessária ao crescimento do volume de informações compartilhadas pelos diversos dispositivos que vão além dos tradicionais computadores e smartphones, e que alimentarão a identidade virtual de cada um desses usuários com informações sobre saúde, hábitos de lazer, trabalho e comportamento.

Como colocado pela pesquisa, a identidade digital é o passaporte para o mundo online de bens e serviços. Resta saber se as empresas brasileiras conseguirão navegar de forma satisfatória nesse universo ainda pouco desenvolvido no País, mas que mostra sinais claros de expansão global, com papel primordial para o desempenho e a liderança no mercado.

Vanessa SantosVanessa Santos é mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e Analista de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

Modernização dos Serviços e Marcos Regulatórios

Este blog tem insistido no argumento de que a baixa competitividade do setor de serviços compromete a competitividade de toda a economia brasileira.

Indicadores sugerem que, de fato, os nossos serviços têm preços relativamente altos e qualidade relativamente baixa. Não surpreende saber que estamos na penúltima colocação no ranking de competitividade internacional de serviços.

O Global Competitiveness Report 2015/2016 identifica que o Brasil está particularmente mal colocado em áreas críticas para o desenvolvimento dos negócios, como serviços financeiros, de telecomunicações, legais, de logística, de energia, de pesquisa e desenvolvimento e educacionais. A piora das condições de alguns desses serviços ajuda a explicar a significativa queda do Brasil no ranking do Global Competitiveness Report — passamos da 57ª para a 75ª posição do relatório anterior para o atual.

Mas de onde vem tão baixa competitividade? Claro, as causas são muitas, mas uma que se destaca é o marco regulatório. Os serviços em geral são excessivamente regulados para padrões internacionais, muitas vezes com provisões anacrônicas e de difícil justificação. Não por acaso, indicadores internacionais mostram  que a restrição à competição e a reserva de mercado são elevadas quando comparadas a outros países.

A consequência mais visível desse sistema regulatório, que parece ter sido erigido para atender a interesses específicos, é a elevada ineficiência e a baixa competitividade sistêmica.

Considere serviços como os financeiros, legais e de telecomunicações.  Como mostra o gráfico abaixo, os indicadores de restrititividade desses segmentos são superiores aos observados no resto do mundo. No caso dos serviços financeiros, destacam-se reservas de mercado de certos produtos para instituições de capital nacional, barreiras de entrada maiores para capital estrangeiro e outras medidas discriminatórias e elevadíssimos custos iniciais de entrada. No caso dos serviços legais, destacam-se as restrições ao movimento internacional de profissionais e ao exercício da profissão por estrangeiros licenciados em outros países. No caso das telecomunicações, destacam-se inúmeras barreiras que elevam sobremaneira os custos de entrada e restrições ao capital estrangeiro. O problema é que esses  serviços são importantes itens da cesta de insumos das empresas, sendo que os serviços financeiros são, de longe, o serviço com maior peso, com participação de 26% no total de serviços consumidos pela indústria.

A melhoria da competitividade da economia brasileira requer ampla revisão dos marcos regulatórios dos serviços em consonância com as melhores práticas internacionais de forma a que se estimule a modernização e os investimentos no setor e se encoraje a entrada de novos concorrentes.

STRI

 

O que a indústria tem a ver com a competitividade dos serviços?

Em post anterior, foi discutida a importância da sofisticação e incorporação dos serviços em produtos como fonte de competitividade na indústria. Em linha com essa argumentação, é possível inverter a análise e discutir a importância da indústria para o desenvolvimento de um setor de serviços maiscompetitivo.

O gráfico abaixo apresenta a participação dos serviços profissionais no consumo intermediário da indústria de transformação e o volume de exportações de serviços. Em termos absolutos, é possível notar que países com maior consumo intermediário de serviços por parte da indústria têm, em geral, maior participação nas exportações de serviços. O caso da indústria americana é especialmente contundente: além de apresentar o maior consumo intermediário de serviços profissionais na indústria de transformação (em valores absolutos), os Estados Unidos apresentam o maior volume de exportações.

gráfico

Fonte: WIOD e OECD. Elaboração própria.

O consumo de serviços pela indústria tem consequências importantes para o tipo de estrutura econômica que se desenvolve, já que a demanda por serviços mais modernos e com maior teor tecnológicoimpulsiona o crescimento dessas atividades.

Um exemplo disso é o desenvolvimento da indústria 4.0, caracterizada pela internet das coisas, que demandará uma nova gama de serviços na área de tecnologia da informação.

O debate incita ainda uma questão crucial: seria possível desenvolver um setor de serviços competitivo sem passar pelo desenvolvimento da própria indústria? Esse tipo de questionamento é ainda mais relevante em economias que passaram por processo de desindustrialização precoce. Vários autores discutem, por um lado, os entraves para o crescimento decorrentes desse processo e, por outro, as potencialidades do crescimento liderado pelos serviços (Rodrik, 2015; Dadush, 2015).

No entanto, o ponto mais significativo nessa discussão parece ser o apontado pela Comissão Europeia, que defende que o setor de serviços terá um papel importante na reindustrialização da Europa ao possibilitar a fabricação de novos produtos industriais resultantes da incorporação de serviços mais produtivos e inovativos. Nesse sentido, a demanda industrial teria um papel chave no desenvolvimento de um setor de serviços mais competitivo.

Essa discussão tem implicações cruciais para as políticas econômicas de longo prazo. Fica cada vez mais claro que será necessária maior coordenação entre as estratégias competitivas da indústria e do setor de serviços.

Serviços, capacidades produtivas e competitividade internacional

Com uma metodologia inovadora, Hausmann, Hidalgo et al. (2013) demonstram que países desenvolvidos têm vantagem comparativa em uma gama maior de bens e que, quanto mais bens sofisticados um país produzir, maior será a chance de ele produzir outros produtos sofisticados e, assim, gerar valor e renda.

A partir de dados de comércio internacional, os autores desenvolveram um método que busca identificar produtos que têm como requisitos capacidades produtivas similares. Na definição dos autores, capacidades produtivas são um conjunto amplo de características de um país que não são facilmente transferidas para outros, como conhecimento produtivo tácito espalhado em redes de pessoas e empresas, direitos de propriedade, regulação, infraestrutura e instituições em geral.

Segundo os autores, para se desenvolver, um país deve ampliar suas capacidades produtivas. Uma forma de fazer isso seria expandindo a produção de bens menos para bens mais sofisticados que exijam capacidades produtivas parecidas. Os pares de produtos que exigem capacidades produtivas similares aparecem coligados e agrupados a outros pares em comunidades em uma rede, no chamado “Espaço Produto” (ver o Gráfico abaixo para o caso do Brasil).[1]

Um país que já possui vantagem comparativa na produção de, digamos, camisas terá mais facilidade para produzir calças do que turbinas de avião. Nesse sentido, não adiantaria estimular a instalação de uma fábrica de foguetes em uma região onde só se produz frutas. Essa região não terá a infraestrutura, o conhecimento tácito, o capital humano e todos os bens e serviços necessários para que o empreendimento tenha sucesso.

Berlingieri (2013) demonstra que quanto mais serviços “embarcados” um produto exportado tem, mais competitivo ele será no mercado internacional. Portanto, a presença de serviços sofisticados conectados com a indústria parece ser um tipo de capacidade produtiva importante para um país.

Como já visto aqui neste blog, o Brasil é muito pouco competitivo no setor de serviços. Assim sendo, aumentar a eficiência e a sofisticação dos nossos serviços é requisito fundamental para realizarmos nosso anseio de ser mais competitivo em produtos de mais alto valor agregado e participar pela “porta da frente” das cadeias globais de valor.

Gráfico – Espaço Produto do Brasil, 2012.

  Fonte: The Observatory of Economic Complexity (Hausmann, Hidalgo, et al., 2013).

 

[1] Os autores criaram uma ferramenta interativa, na qual é possível ver os detalhes para cada país, que pode ser acessada em https://atlas.media.mit.edu/pt. Usando a mesma metodologia, o DataViva faz um estudo de municípios, regiões e estados do Brasil em http://pt.dataviva.info/

Por que a Apple vale mais que todas as empresas na Bovespa?

O Jornal O Estado de São Paulo de hoje informa que o valor de mercado da Apple fechou, ontem, 24/7/2015, a US$ 714 bilhões, US$ 29 bilhões a mais que todas as empresas de capital aberto na Bovespa.

Como isto é possível? Claro, são muitas as explicações, as quais incluem as condições atuais da economia americana e brasileira, taxa de câmbio, dentre outras. Mas tem um aspecto que merece destaque. Trata-se da natureza das empresas em questão.

A Apple nasceu essencialmente uma empresa de hardware. Por anos, seguiu o caminho de tantas outras empresas americanas em busca dos louros do mercado de computadores. Mas, com o passar do tempo, a Apple aprendeu que, muito mais que produzir equipamentos, o que cria mesmo valor adicionado são os serviços embutidos nesses equipamentos e as funcionalidades dos mesmos. Não por acaso, a empresa é, hoje, acima de tudo, uma vendedora de serviços.

A Google também teve a mesma compreensão, mas seguiu o sentido oposto. Nasceu essencialmente uma empresa de serviços, desenvolvendo e fornecendo os mais diversos tipos de funcionalidades, muitos delas gratuitamente. Mas, com o tempo, entendeu que a verdadeira agregação de valor está em vender esses serviços e funcionalidades embutidos em equipamentos. Claro, ao invés de produzirem funcionalidades para, digamos, a GM oferecê-los em seus carros, porque não ela mesma não faria isto? Bingo! A empresa é, cada vez mais, sócia e desenvolvedora de hardwares, como os carros inteligentes, os quais serão, acima de tudo, passaportes para os serviços e funcionalidades que ela cria.

No século XXI, a criação de valor e de bons empregos já está, mas estará cada vez mais associada ao conhecimento e à capacidade de fomentar a relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços para se criar um terceiro bem que nem são serviços nem tampouco bens convencionais, mas um mix entre os dois. Por aqui passa uma das principais razões da Apple valer tanto.

E aqui entre nós? Bem, uma inspeção nas empresas listadas na Bovespa mostraria larga predominância de empresas de commodities ou fortemente dependentes de commodities, como siderúrgicas, empresas de consumo, empresas de serviços de baixo valor adicionado e empresas de ramos industriais de médio ou baixo conteúdo tecnológico. Ou seja, um rol de empresas que é a cara do século XX, se muito.

Claro que produzir commodities não é um problema. O problema é não agregar valor e não desenvolver conhecimentos e tecnologias que façam dessa vantagem comparativa um passaporte para o século XXI e para a geração de valor e de empregos de qualidade.

Por que as empresas terceirizam suas atividades?

O tema da terceirização tem sido bastante discutido na imprensa, principalmente por conta do projeto de lei 4330/2004, que está tramitando no Congresso. Sem entrar no mérito do projeto de lei, cabe a pergunta: por que as empresas terceirizam suas atividades? O que isso tem a ver com serviços?

Em seu clássico artigo sobre a natureza das firmas, Ronald Coase (1937) argumenta que, para uma empresa, há ganhos em verticalizar e expandir a produção, mas estes são decrescentes. Se não fossem, uma única empresa fabricaria tudo internamente. Verticalizar demais traria custos crescentes de organização, o que faria com que a empresa não alocasse seus recursos da maneira mais eficiente. Logo, à medida que uma empresa cresce, haveria um ponto no qual seria mais vantajoso terceirizar parte de seu processo produtivo do que fabricar internamente.

Em trabalho mais recente, Berlingieri (2014) levanta três motivos pelos quais uma empresa decide terceirizar:

  • contratar atividades antes realizadas internamente, de maneira a economizar em custos trabalhistas e ter mais flexibilidade;
  • substituir insumos produzidos internamente por outros fabricados por empresas especializadas mais eficientes;
  • contratar serviços de mercado em resposta a novas necessidades, de maneira a economizar em custos de P&D e aprendizado.

Cabe notar, também, que, com o aumento da complexidade da economia e com a redução dos custos de transporte e comunicação, houve um crescimento tanto da demanda quanto da oferta por serviços especializados. Além disso, as empresas foram se especializando em tarefas cada vez mais específicas e, como os custos de transação diminuíram, terceirizar se tornou mais atraente. Esses fenômenos, conjuntamente, contribuíram para o aumento expressivo da terceirização nas últimas décadas, levando ao extremo, em alguns setores, de empresas que apenas projetavam seu produtos, sem fabricar praticamente nada internamente (STURGEON, 2002).

Analisando dados da economia americana, Berlingieri calcula que serviços profissionais respondem, sozinhos, por 40% do crescimento da participação de serviços no emprego entre 1947 e 2002. No período, os serviços aumentaram sua participação no PIB americano de 60% para 80%; já a participação no emprego passou de 60% para 85%.

O Brasil, de maneira menos intensa, também passou por esse processo de descentralização da produção. A questão é: se os serviços são importantes componentes do aumento da terceirização, mas estes são pouco eficientes, qual o impacto disso para a economia? O gráfico abaixo mostra que os serviços brasileiros têm 19% da produtividade do trabalho dos serviços americanos. “Aluguel de máquinas e equipamentos e outros serviços empresariais” apresenta uma produtividade do trabalho relativa de 13%. Logo, é bem provável que, por mais que possa trazer ganhos, o processo de terceirização da produção, em países como o Brasil, traga algumas perdas de eficiência.

Produtividade do trabalho no Brasil em atividades selecionadas relativa à dos Estados Unidos, 2011 em US$.

Fonte: Moreira (2015), a partir de dados da World Input-Output Database (TIMMER, 2012).

Fonte: Moreira (2015), a partir de dados da World Input-Output Database (TIMMER, 2012).

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