Economia de Serviços

um espaço para debate

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Inovações tecnológicas e competição no setor bancário

Quando o banco concede um empréstimo, ele faz a seleção de clientes, canaliza recursos dos investidores para os clientes com melhor relação risco-retorno e, depois, os monitora. Os bancos são mais eficientes na seleção e monitoramento de clientes pela economia de escopo conferida por um relacionamento bancário. Uma única análise de crédito subsidia o oferecimento de diversos produtos, diluindo seus custos, e o próprio relacionamento torna mais barata a análise de crédito, pois gera, praticamente sem custos, informações úteis como o histórico de pagamentos e de uso de linhas de crédito.

No entanto, o custo de construção de um relacionamento bancário é afundado. Afinal, pela natureza das informações, sigilosas ou não-verificáveis, o banco não consegue ofertar um relacionamento com um cliente, mesmo que seus concorrentes se dispusessem a comprar e eles não o fariam. É um resultado clássico que se o preço refletir incertezas do comprador sobre a qualidade da mercadoria, o vendedor tem incentivo a vender as mercadorias da pior qualidade, levando o mercado a um equilíbrio em que só há mercado para as piores, mecanismo conhecido como seleção adversa.

Custos afundados são uma barreira à entrada e suavizam a competição. Um entrante potencial precisa de lucros no mínimo suficientes para cobrir os custos afundados – única forma de recuperá-los. Assim, quanto maior for o volume desses custos, maior o risco do entrante. Consequentemente, um mercado cujo acesso traz custos afundados é menos ameaçado por entrantes potenciais. No caso dos bancos, o custo afundado de construção de relacionamentos tem ainda um outro papel deletério ao spread.

Bancos criam liquidez, transformando ativos ilíquidos em instrumentos financeiros de maior liquidez. Naturalmente, para que se crie liquidez e que se cobre pelo serviço é necessário que o ativo não tenha liquidez originalmente. O ativo em questão são os empréstimos originados pelo banco e a iliquidez dos seus mercados secundários é causada pelo fato que o banco que os originou tem mais conhecimento sobre eles que os potenciais compradores. Outra vez, um mecanismo de seleção adversa entra em ação e o mercado perde liquidez, exigindo grandes descontos do vendedor.

Inovações tecnológicas têm o potencial de mitigar a seleção adversa e, portanto, intensificar a competição no setor bancário. Nesse sentido, cabe especular o potencial de uma análise de crédito que incorpore informações como o perfil nas redes sociais e o histórico de movimentação conforme dado pelo GPS do smartphone e gere um rating através de algoritmo desenvolvido com milhões de observações. É natural conjecturar que o gerente de relacionamento médio não teria vantagem frente a uma decisão automatizada, além de implicar em um custo maior ao longo do tempo.

Mesmo sem um serviço de análise de crédito tão abrangente, já é possível construir modelos competitivos de intermediação financeira menos dependentes de relacionamentos e, portanto, com menos custos afundados e menos barreiras à entrada. A proliferação de plataformas de distribuição é um exemplo. Hoje é possível aos bancos pequenos e médios captar recursos no varejo, mesmo sem qualquer outro tipo de relacionamento com o investidor. Da mesma forma, é possível investir em fundos lastreados em operações de crédito ou ainda conceder crédito diretamente em plataformas ditas peer-to-peer.

O relacionamento pode ser substituído por um rating. Afinal, parafraseando um esquete popular na crise, o banco regional alemão não compraria um derivativo de crédito vinculado ao mercado imobiliário americano se este não fosse endossado por um rating grau de investimento. A cobertura das agências de rating, por sua vez, depende do custo de se obter informações, que caiu enormemente graças à tecnologia. Os três maiores birôs de crédito nos EUA possuem mais de um bilhão de registros cada um, número difícil de se imaginar sem os avanços da informática.

Com mais informações, o mercado secundário de empréstimos fica mais líquido, o que diminui o spread bancário por dois canais. Parte do spread é a remuneração do banco pelo risco de liquidez que o cliente lhe transfere. Sendo o risco menor, menor o spread. Além disso, há o “efeito Tostines”: o mercado é líquido porque tem mais participantes ou tem mais participantes porque é líquido? Em outras palavras, a liquidez do mercado o torna atraente a uma gama maior de participantes, pressionando o spread via maior competição. O gráfico abaixo mostra como há uma relação negativa entre o percentual de ativos de instituições financeiras não bancárias como percentual do PIB e o spread bancário.

Para impulsionar essa dinâmica, políticas públicas podem ser vislumbradas em duas dimensões: desobstruindo o fluxo de informações para birôs de crédito, como foi feito com o cadastro positivo, e modulando a regulação, de modo que haja uma “caixa de areia” regulatória, na qual novos entrantes possam testar novos modelos de negócio em pequena escala antes de incorrerem integralmente nos custos de observância, que são necessários, mas afundados. Em relação a esse último ponto, medidas que imprimam segmentação e proporcionalidade ao arcabouço regulatório são muito bem-vindas.

Caio Praes é doutorando em economia pela Universidade de Brasília — UnB.

Os Serviços e a Indústria Química

Com o objetivo de se tornarem mais competitivos globalmente, segmentos da indústria brasileira começaram a implementar mudanças importantes nos últimos anos. Com a indústria química não foi diferente. Uma das principais mudanças foi a maior incorporação de serviços na comercialização de seus produtos.

A indústria química, segundo elo na cadeia de produção, tem como produto base commodities químicas utilizadas pelas empresas fabricantes de bens de consumo, como tintas, cosméticos, produtos de limpeza, etc. 

Figura 1 – Elos da cadeia da indústria petroquímica e química

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM) a indústria química brasileira é a 6ª colocada em faturamento no ranking mundial. Em 2015, o segmento, no Brasil, faturou US$ 54,9 bilhões, com exportação de US$ 13,1 bilhões e importação de US$ 39,6 bilhões. Pelo significativo déficit na balança comercial do setor, é possível observar a pouca competitividade internacional da indústria química nacional. Matéria-prima cara, cadeias produtivas não integradas e altos custos de produção tornam as commodities químicas brasileiras praticamente inviáveis no mercado externo.

Atendendo basicamente ao mercado interno, a indústria química brasileira teve que se reinventar agregando valor aos seus produtos e focando na prestação de serviços para seus clientes. O que se observa neste setor é o desenvolvimento de especialidades químicas e químicos de fontes renováveis.

Aproveitando a biodiversidade brasileira e as pesquisas para combustíveis de fontes renováveis, a indústria química passou a desenvolver produtos que as serve, utilizando essas mesmas bases. Esses produtos, como o plástico verde e o eteno derivado de cana de açúcar, tornaram-se produtos específicos do Brasil, permitindo à indústria a entrada em um nicho de mercado, ligados aos valores de sustentabilidade. Os serviços nos elos da cadeia do setor também são, em geral, relacionados às questões ambientais, como a redução de emissões na fabricação e no uso pelo cliente e pelo consumidor.

Já nas especialidades químicas, a indústria tem agregado ainda mais serviços. As especialidades são produtos desenvolvidos a partir de demandas específicas dos clientes. O cliente demanda algo específico para seu produto e a indústria química faz a pesquisa e o desenvolvimento de matérias-primas que podem ser aplicadas. Além do desenvolvimento específico, a indústria presta assistência técnica para a aplicação correta da matéria-prima e a adequação do processo produtivo do cliente, visando otimizar a matéria-prima na produção.

As especialidades são produzidas em menor escala, em plantas multipropósitos, o que pode reduzir custos de produção, apesar de ter maior custo de desenvolvimento. Em geral, as empresas que demandam especialidades químicas estão dispostas a pagar pelo desenvolvimento específico.

As especialidades podem auxiliar a indústria brasileira a entrar de maneira mais substancial nas cadeias globais de valor. Indústrias químicas multinacionais podem atender outras indústrias em todo mundo, tornando-se fornecedores globais de determinadas especialidades, principalmente especialidades de fontes renováveis.

Uma das principais barreiras competitivas para essa indústria no Brasil é a infraestrutura insuficiente e de baixa qualidade, principalmente logística. Este é um gargalo que precisa ser resolvido o quanto antes, caso o Brasil queira se tornar um país com empresas globais no setor.

Observa-se a migração da indústria química fabricante de commodities para uma indústria química voltada cada vez mais para as especialidades, agregando mais serviços nos seus produtos. Esta agregação de valor por meio de serviços pode contribuir para aumentar a competitividade da indústria nacional no mercado internacional. É esperar para ver!

Por uma política nacional voltada para o desenvolvimento de capacidades

Por Adilson Giovanini, Janaína Führ e Marcelo Arend

Schumpeter (1939) mostra que o surgimento de novas combinações resulta na obtenção de lucros extraordinários. Elas retiram a economia do fluxo circular, fazendo-a crescer. Em adição, Perez e Soete (1988, p. 498) argumentam que o modo como as tecnologias evoluem e se difundem pode explicar grande montante das diferenças estruturais observadas entre os países. De forma mais rigorosa, pode-se afirmar que a capacidade de crescimento destes está diretamente ligada à sua capacidade de inovação. Novas combinações, por sua vez, dependem do conjunto de conhecimentos abarcados e sobre os quais os trabalhadores de cada país possuem domínio.

Para a literatura de inovação é clara a relação íntima existente entre o desenvolvimento de inovações e a ocorrência de mudanças estruturais nos países. A ocorrência de mudanças estruturais se deve, em grande monta, ao desenvolvimento de novas tecnologias que emergem na forma de paradigmas tecnológicos (DOSI, 1982). Ademais, a forma como cada paradigma tecnológico surge e se propaga para as demais economias explica a capacidade de realização de catching up dos países e a forma como estes se desenvolvem (PEREZ; SOETE, 1988, p. 498).

Conforme demostrado pela literatura de inovação, o desenvolvimento de novas tecnologias exige o surgimento de novas competências produtivas. Estas são particularmente relacionadas ao surgimento de funções inovadoras. O avanço tecnológico tende a ser cumulativo, favorecendo habilidades específicas.

Neste contexto, o crescimento das tecnologias digitais observado nas últimas décadas exigiu e continuará exigindo o desenvolvimento de novas capacidades entre os trabalhadores. Estas tecnologias provocaram perturbações no mercado de trabalho, que resultaram na necessidade de reestruturação profunda do sistema econômico. Como resultado, surgiu demanda crescente por profissionais com competências até então não demandadas (OCDE, 2012).

Atualmente, o setor de tecnologias da informação e comunicação (TIC) se encontra no meio de uma fase de crescimento e inovação. Este inclui a adoção de diversas tecnologias emergentes, entre as quais se destacam a computação em nuvem; o uso de dispositivos móveis; a análise de “Big Data”; a segurança em TI; a micro e a nano eletrônica; e a adoção de tecnologias sociais em ambientes pessoais e empresariais.

A difusão das tecnologias para novas áreas como software para impressão em protótipos 3D; sistemas “inteligentes” de energia, infraestrutura e transporte, fabricação de novos semicondutores energeticamente eficientes; gerenciamento de dados e serviços de cloud computing deve impulsionar a demanda por novas capacidades entre os trabalhadores.

Nos próximos anos a continuidade do processo de difusão das novas tecnologias de comunicação propiciará a disseminação de todo um novo conjunto de inovações. Conforme enfatizado por estudo da Deloitte (2014), diversas tecnologias estão transformando consideravelmente a indústria e o modo como esta se relaciona com o setor de serviços. Entre estas se destacam robôs inteligentes; drones autônomos; sensores, nanotecnologias e impressoras 3D. A adoção destas novas tecnologias resultará em modificações profundas na indústria.

O termo “indústria 4.0” é utilizado para definir este novo estágio do desenvolvimento industrial, que não se restringe apenas à indústria, englobando a gestão e organização de toda a cadeia de valor. Outros termos utilizados para definir este novo estágio são “internet das coisas” (internet of things), “internet de tudo” (internet of everything) e internet industrial (industrial internet). Eles são utilizados para mostrar que a fabricação industrial está passando por uma transformação digital.

Como resultado da emergência destas tecnologias, os setores que requerem maior quantidade de profissionais com conhecimento em TIC são setores de serviços: TIC, finanças/seguros e serviços profissionais. Ademais, gestores, técnicos e trabalhadores de apoio de escritório necessitam de montante mais elevado de conhecimentos em TIC do que outros grupos ocupacionais.

A demanda por profissionais ocorre, principalmente, nas áreas de programação de software; engenharia e integração; e operações de negócios. A demanda por cientistas de dados que podem extrair informações úteis de grandes conjuntos de dados também é crescente, assim como a demanda por profissionais capazes de desenvolver aplicativos móveis. Esta atividade se encontra entre as que apresentam taxas mais elevadas de crescimento e onde se escondem mais oportunidades. Ela surgiu em 2008 e, e se expande rapidamente (OCDE, 2013).

Paralelo a isto, a Application Developers Alliance mostra quais são as habilidades mais demandadas entre os profissionais que atuam em atividades relacionadas a estas novas tecnologias. Ou seja, quais as habilidades que os países precisam disseminar entre os seus trabalhadores para conseguirem ser competitivos na era digital.

Via de regra, os países desenvolvidos estão adotando políticas para tentar internalizar estas atividades. Em seu artigo Computer programming and coding in schools – an emerging trend, o School Education Gateway mostra que, em 2014, matérias de programação  e codificação já faziam parte do currículo escolar de 12 países europeus (Bulgária, Chipre, República Checa, Dinamarca, Estônia, Grécia, Irlanda, Itália, Lituânia, Polônia, Portugal e Reino Unido). Ademais, outros sete países deste continente também pretendiam integrar o tema em seus currículos no futuro.

Apesar de estar sendo amplamente explorada pelos países desenvolvidos, a janela de oportunidades introduzida pela emergência destas novas tecnologias ainda se encontra aberta. Existem amplos espaços para inserção dos países em desenvolvimento. A adoção de políticas de desenvolvimento das capacidades demandadas por estas novas tecnologias se coloca como condição sine qua non para que estes países consigam ingressar no atual paradigma tecnológico e aumentar a sua participação no comércio global de bens e principalmente de serviços relacionados a estas novas tecnologias.

Kearney (2011) e Stephenson (2012) mostram que a emergência das novas tecnologias de comunicação está resultando em comércio crescente de serviços e gerando novas oportunidades em países que apresentam menor nível de renda. Segundo os autores, nove países latino-americanos são competitivos internacionalmente na produção de serviços offshore: México, Chile, Brasil, Costa Rica, Argentina, Jamaica, Panamá, Uruguai e Colômbia.

Uma das grandes limitações enfrentadas por estes países se refere à ausência das capacidades necessárias entre os trabalhadores. Contudo, a melhoria nos sistemas de comunicação e os menores custos (salários mais baixos) indicam que a adoção de políticas de desenvolvimento das capacidades demandadas, se corretamente adotada, pode resultar em crescimento significativo da participação destes países no comércio internacional de serviços.

Dada esta contextualização, surge a seguinte pergunta: quais são as medidas que o Brasil está efetivamente adotando para ingressar neste novo cenário marcado pela crescente digitalização das economias? Ele está adotando postura proativa e incentivando a aquisição das capacidades demandadas ou está perdendo esta oportunidade?

Infelizmente quando comparado a outros países poucas são as iniciativas, adotadas em território nacional, voltadas para o desenvolvimento das capacidades necessárias entre os trabalhadores. Tome-se como exemplo o Plano Ceibal (Conectividade Educativa de Informática Básica para o Aprendizado Online), iniciativa adotada pelo Uruguai que garante um notebook para cada aluno e que fornece aulas de programação, robótica e edição de vídeos.

Argumenta-se que, em parte, a crise atual enfrentada pelo país deriva da falta de iniciativas voltadas para a disseminação das técnicas produtivas associadas a estas novas tecnologias, o que explica os baixos níveis de integração digital do Brasil e a sua dificuldade em manter a sua indústria competitiva.

Apesar destas limitações, observadas na política econômica implementada em nível nacional, o objetivo deste post é deixar uma mensagem positiva. A crise na qual o país se encontra não é marcada pela falta de alternativas. O incentivo à formação de profissionais com as capacidades demandadas pelo atual paradigma em emergência se coloca como caminho a ser trilhado para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Esta política, se corretamente conduzida, pode fazer com que o país volte a observar o crescimento da sua produtividade, retirando-nos da grave crise na qual nos encontramos atualmente.

 

REFERÊNCIAS

DELLOITE Making an impact that matters: 2014 Global Report.

Developer Insights Report: A Global Survey of Today’s Developers.

DOSI, Giovanni. Technological paradigms and technological trajectories. Research Policy, v. 11, p. 147–162, 1982.

KEARNEY, A. T. The A.T. Kearney Global Services Location IndexTM.  Offshoring Opportunities Amid Economic Turbulence. 2011.

OCDE. OECD Economic Outlook, Vol. 2013/1. OECD Publishing. 2013.

OCDE. OECD Skills, Better Jobs, Better Lives A Strategic Approach to Skills Policies. 2012.

PÉREZ, C. and L. Soete (1988): Catching up in technology: Entry barriers and windows of opportunity, in G. Dosi and others (ed.),  Technical Change and Economic Theory , London, Pinter Publishers.

STEPHENSON, SHERRY. Emergence of services, global value chains (GVC) and resulting implications for Latin America. II Inter-American Dialogue Of High-Level MSMEs Authorities Public Policies to Enhance the Competitiveness, Innovation and Internationalization of MSMEs New Orleans, September 10-11, 2012.

SCHUMPETER, Joseph Alois. Business cycles. New York: McGraw-Hill, 1939.

Quem perdeu e quem ganhou com a crise no setor de serviços

Pelo sétimo trimestre consecutivo, a economia brasileira registrou retração, dessa vez de 0,8% frente ao trimestre anterior. O setor de serviços, por sua forte dependência da demanda interna, também está no seu sétimo trimestre consecutivo de retração, desta vez, de 0,6%. Apenas dois segmentos do setor não registraram retração no terceiro trimestre de 2016: serviços de informação (+0,5%) e atividades imobiliárias (0,0%).

Como já comentado aqui no blog, tamanho derretimento do setor de serviços decorre de questões conjunturais (principalmente, a fraca demanda interna) e estruturais (baixa produtividade, concentração em atividades de baixo valor adicionado, desigualdade de renda, etc.). Provavelmente, o setor só deverá se recuperar com a retomada do consumo interno e da produção dos demais setores. Pelas expectativas do mercado, essa recuperação não deve se iniciar antes do segundo ou terceiro trimestre de 2017. Ou seja, a economia como um todo e o setor de serviços, em específico, ainda deverão seguir sofrendo os efeitos da crise por mais alguns meses.

Mas, como se sabe, o setor de serviços é extremamente heterogêneo, e nem todos os seus segmentos sentiram os efeitos da crise na mesma medida. Alguns até conseguiram expandir suas atividades no período. Abrindo os dados da Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE de setembro de 2016, é possível verificar quanto cada segmento perdeu ou ganhou em termos de volume de serviços[1] desde o início da crise, no início de 2015.

O primeiro dado chocante é o tamanho da retração do setor como um todo: em setembro de 2016, o setor produziu 9,1% menos que em dezembro de 2014, recuando para o nível de atividade de março de 2012 (ver gráfico abaixo). Nesse mesmo período, dois segmentos se destacaram positivamente: serviços de tecnologia da informação (+20%) e transporte aéreo (+15%). Este dado é positivo pois essas são duas atividades de salários relativamente altos e de produtividade também relativamente alta[2].

Esses dois segmentos são certamente exceções no quadro do setor de serviços. Todas as demais 10 atividades pesquisadas apresentaram contração no período. Apresentaram queda maior que 10% os segmentos de transporte terrestre (-24%); serviços técnico-profissionais (-20%); transporte aquaviário (-16,5%); outros serviços prestados às famílias (-15,5%); serviços audiovisuais, de edição e de agência de notícias (-12,8%); serviços de alojamento e alimentação (-11,3%); e outros serviços (-10,6%). Esses resultados preocupam por mostrarem que a crise é quase generalizada no setor de serviços, afetando atividades voltadas para o consumo final e para empresas; de baixo e de alto valor adicionado.

Para voltar a crescer, o Brasil terá que colocar seu setor de maior importância econômica no centro de suas políticas de desenvolvimento. Nesse sentido, teremos que melhorar o ambiente de negócios do setor; atacar a desigualdade econômica, que é parte do problema do setor; pensar formas de aumentar sua produtividade; estimular as atividades de agregação de valor; e melhor integrá-lo às cadeias globais de valor e aos demais setores da economia, em especial àqueles nos quais temos vantagem comparativa.

Gráfico – Variação no volume de serviços

[1] “Volume de serviços” é o termo utilizado pelo IBGE para a receita do setor ou segmento em preços constantes, ou seja, sem os efeitos da inflação.

[2] Segundo dados da Pesquisa Anual de Serviços de 2014, os serviços de tecnologia da informação possuem o sétimo maior salário médio (de 44 segmentos) e o décimo quarto maior nível de produtividade. Já o segmento de transporte aéreo apresenta o segundo maior salário médio e o nono maior nível de produtividade.

A contribuição do setor de serviços para o aumento da competitividade industrial

Por Adilson Giovanini e Marcelo Arend

Seguindo Adam Smith (1983), Kaldor (1966) mostra que o aumento na demanda por produtos industriais resulta em maior divisão do trabalho. Esta, por sua vez, permite a maior especialização dos trabalhadores e a obtenção de ganhos de produtividade. Assim, o crescimento do setor industrial resulta no aumento da produtividade deste setor e em crescimento econômico. Com base nestas evidências, Kaldor defende a realização de políticas de aumento da demanda industrial como instrumento capaz de promover o crescimento econômico.

A partir da década de 1980, com a emergência das novas tecnologias ancoradas no novo paradigma tecno-econômico, a importância da indústria como proporção do PIB diminuiu na geração de emprego e renda, sobretudo nas economias avançadas. Mudanças tecnológicas, institucionais e geográficas transformaram o setor de serviços para níveis de complexidade econômica crescentes, tornando sua relação com o setor industrial moderno muito mais dinâmica do que no antigo padrão fordista de produção.

Este post explora esta contradição. Um modelo VAR em painel é estimado para verificar se o aumento da participação do setor de serviços no PIB resulta em aumento na produtividade do setor industrial. Os dados de produtividade industrial e participação do setor de serviços no PIB foram obtidos no Groningen Growth and Development Centre (GGDC) e o estoque de capital é extraído do Penn World Table. A amostra é composta por dados de oito países (Japão, Estados Unidos, Dinamarca, Espanha, França, Reino Unido, Itália e Holanda) para o período de 1980-2009.

O setor de serviços intermediários é definido como a agregação de dois dos cinco setores de serviços discriminados pelo GGDC: 1) Transportes, Armazenagem e Comunicação e 2) Intermediação financeira, arrendamento e serviços empresariais.

O valor encontrado para os coeficientes estimados corrobora a hipótese defendida. O valor adicionado do setor de serviços (gs,it) causa (“causa-Granger”) a produtividade industrial (em,it). Mais especificamente, a variação em 1% no valor adicionado do setor de serviços resulta em variação de 0,090% na produtividade industrial. Ademais, a variação em 1% na produção industrial (gm,it) resulta em variação de 0,294% na produtividade deste setor (em,it) e a variação de 1% na sua produtividade defasada resulta em variação de 0,424% nesta mesma série.

Tabela – Valor encontrado para o modelo VAR em painel estimado**

reg-serv

Fonte: Elaboração própria, todos os testes estatísticos recomendados pela literatura foram realizados.

**Todas as variáveis foram defasadas uma vez.

Estes resultados mostram que o setor de serviços contribui para o crescimento econômico através do aumento da produtividade industrial. Este resultado reconcilia as leis propostas por Kaldor com as evidências empíricas que apontam para o setor de serviços como principal responsável pelo crescimento econômico. Argumenta-se que o crescimento da indústria continua sendo responsável pelo desenvolvimento econômico. Contudo, a competitividade da indústria depende do grau de desenvolvimento do setor de serviços. O setor de serviços contribui para o crescimento econômico por meio do efeito positivo que ele exerce sobre o setor industrial.

Como conclusão, ressaltamos a necessidade de maior atenção ao setor de serviços por parte de pesquisadores, sobretudo aos dedicados a problemas contemporâneos de países em desenvolvimento como a “armadilha da renda média” e a “desindustrialização prematura”, ambos presentes na economia brasileira.

Referências bibliográficas:

SMITH, Adam. A riqueza das nações. Martins Fontes, 2003.

KALDOR, Nicholas. Causes of the slow rate of economic growth of the United Kingdom: an inaugural lecture. Cambridge University Press, 1966.

A economia digital e o agronegócio brasileiro

A economia digital, que há algum tempo vem transformando setores como serviços, indústria e comércio exterior, está gerando também uma revolução no agronegócio. As agtechs, empresas que desenvolvem tecnologias para o campo, promovem o uso de inovações com o objetivo de otimizar a produção de forma customizada e adaptada as necessidades de cada produtor. De acordo com a Boston Consulting Group (BCG), a rápida adoção dos diferentes serviços propostos por essas startups decorre das fortes evidências de custo-efetividade para os produtores.

Em relação ao desempenho do mercado, houve crescimento mundial no volume de investimentos em agtechs de 2010 a 2015 – nesse último ano os volumes chegaram a US$ 4,6 bilhões, segundo a AgFunder. Apesar disso, projeta-se pequena redução em 2016 em função do baixo desempenho do mercado de venture capital.

As tecnologias propostas incluem áreas como big data & analytics, segurança alimentar, rastreabilidade, biociência (como biopesticidas e bioestimulantes) robotização, automação, logística & distribuição e novos modelos de negócios, como mostra a pesquisa da BCG. O acesso e o uso de dados mais precisos, o processamento de imagens e o monitoramento das plantações, capazes de gerar insights valiosos sobre o desempenho da produção, estão entre as áreas mais promissoras para novos investimentos.

Áreas mais promissoras para investimentos em Agtechs, segundo a BCGagtech-rev-bcg

O Brasil já conta com uma leva consistente de agtechs, as quais têm conseguido atrair volumes crescentes de aportes nos últimos anos, como mostrado pela Istoé Dinheiro. É o caso da Agrosmart, startup que fornece monitoramento em tempo real, a partir de sensores no campo e por satélite, de diversas variáveis ambientais, possibilitando uma melhor tomada de decisão por parte dos agricultores.

Porque o fenômeno das agtechs é importante para o Brasil?

A revolução digital está chegando com força em diversos setores, e tenderá a gerar uma nova onda de investimentos em empresas e grandes benefícios em termos de uso ou geração de valor para seus distintos públicos-alvo, sejam eles consumidores ou empresas. Para uma economia como a brasileira, que possui a agricultura como um setor de grande dinamismo e responsável pela maior parcela da pauta de exportações, as agtechs podem contribuir sobremaneira para a geração de novas tecnologias, novos serviços e novas fontes de valor para o País.

Diversos posts anteriores já discutiram a importância do aumento da produtividade do setor de serviços, em função de seus efeitos positivos para a economia como um todo e para os demais setores da economia, que utilizam vários serviços nas etapas de produção, como é o caso da indústria. A formulação de políticas públicas para o setor de serviços perpasssa, portanto, duas questões essenciais: quais setores são elementos-chave para a elevação da produtividade e competitividade e quais possuem ligação com as vantagens comparativas dinâmicas e estáticas do País.

A melhoria dos serviços de custos forma uma importante agenda para resolução de entraves existentes há décadas pelo Brasil, como infraestrutura e logística. Todavia, conforme apontado por Arbache e Moreira (2015), são os serviços de agregação de valor os que mais contribuem para a elevação da produtividade na indústria, os quais também serão os protagonistas do desenvolvimento e crescimento econômico no futuro, a partir da demanda de uma indústria capaz de produzir bens de alto valor agregado. Raciocínio semelhante pode ser explorado para o setor de agricultura.

Conforme exposto em Arbache (2014) e também pelo blog, a industrialização das vantagens comparativas estáticas e dinâmicas apresenta-se como caminho já utilizado por outras economias, a qual destaca o papel do estímulo ao desenvolvimento de serviços ligados a setores em que o Brasil já possui vantagem comparativa, por meio de políticas que promovam a geração de conhecimento e de desenvolvimento tecnológico. Em relação à agricultura, destaca-se o papel dos serviços ligados à produção agropecuária, biodiversidade e florestas. Tais serviços poderiam contribuir para a ampliação da competitividade em indústrias intensivas em recursos naturais. É nesse contexto que o desenvolvimento das tecnologias pelas agtechs ganha relevância no debate sobre a elevação da produtividade da economia brasileira. A promoção de um ambiente capaz de estimular esse tipo de inovação contribuirá para a geração de serviços que consigam endereçar os problemas enfrentados pela indústria e pela agricultura, ao passo em que promovem serviços de agregação de valor no País, tão importantes para a geração de riqueza nas próximas décadas.

Um Panorama da Educação Superior no Brasil

Conforme apontado em post recente, a modificação no mercado de trabalho advinda do progresso tecnológico e da automação está se expandindo ao setor de serviços, requerendo profissionais ainda mais especializados e eficientes. Nesse cenário, educação é um assunto crítico para que as economias tenham condições de caminhar em direção ao desenvolvimento. Também já apontamos os atrasos da educação básica no Brasil, impondo obstáculos para a inovação. Em linha com essa análise, estudar o desempenho da educação superior brasileira também é um aspecto relevante para entender como esse nível educacional contribui para o aumento da competitividade do país.

Em termos globais, o Brasil apresentou significativo aumento dos gastos públicos com educação desde 2000, compondo atualmente 19% do total dos gastos do governo, acima da média dos países da OCDE cuja fração é de 13%. Há, no entanto, disparidades nesses gastos. No Brasil, o gasto público por aluno do ensino superior é quatro vezes maior do que o gasto por aluno do ensino fundamental, maior disparidade entre os países da OCDE e parceiros.

Chama a atenção também a comparação com estes países quanto ao percentual de pessoas com formação superior entre os 25 e 64 anos (ver gráfico 1), em que o Brasil se posiciona abaixo da média e com baixa presença de mestres e doutores.

Gráfico 1 – Percentagem de pessoas entre 25 e 64 com educação superior, por nível de educação superior (2005)

Fonte: OCDE – EAG 2014

Os dados do Censo da Educação Superior de 2015 foram divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, trazendo informações relevantes sobre a forma como a educação de nível superior se organiza e se desenvolve no país. As instituições de ensino superior (IES) brasileiras englobam universidades, centros universitários, faculdades e ensino técnico (Institutos Federais e Cefets)[1], categorizadas em relação à sua administração (privada ou pública). Nota-se que, no conjunto de IESs, o número de instituições privadas supera largamente as públicas, compondo 87,5% do total. Já quando se trata apenas das universidades, 54,9% são públicas, e elas respondem pela maioria das matrículas de graduação.

Gráfico 2 – Percentual de Instituições de Educação Superior por categoria administrativa

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015

O número de matrículas em cursos de graduação vem crescendo em todos os anos desde 2005. Na rede pública, o aumento no número de vagas nos últimos anos se deve, principalmente, ao programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Porém, a rede particular é, atualmente, a que mais recebe alunos de graduação – em 2015, respondeu por 75% das matrículas em cursos de graduação. O crescimento no número de matrículas na rede de ensino superior particular se deu principalmente pelo surgimento e o aumento de programas de financiamento subsidiado e bolsas para alunos de baixa renda, como o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) e o Prouni (Programa Universidade para Todos).

Gráfico 3 – Matrículas em cursos de graduação por categoria administrativa (1980-2015)

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015

Referente às grandes áreas de formação, a maior parte das matrículas se concentra em Ciências sociais, negócios e direito, seguida de Educação. Apesar da média nos países da OCDE ser mais distribuída entre as grandes áreas, nota-se que não é tão grande a dissonância no percentual de alunos que optam por Engenharia, produção e construção e Ciências, matemática e computação. Quando se observa o número de concluintes (Tabela 1), no entanto, fica clara a discrepância. Considerando-se aqui um período médio de cinco anos para que um aluno se forme na graduação, o Brasil forma menos da metade dos alunos que optam por estas duas grandes áreas. A Tabela 1 também permite observar o crescimento no número de matrículas em todas as áreas de 2010 a 2015.

Tabela 1 – Número de Ingressos e Concluintes em cursos de graduação por 10.000 habitantes, segundo a área geral do Curso Países da OCDE 2014 em comparação com o Brasil 2010-2015

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015. Grifos nossos.

Estes dados são preocupantes quando consideramos que as áreas de Engenharia, produção e construção e Ciências, matemática e computação são aquelas com formação de capital humano mais capacitado para a inovação, já que atuam mais diretamente com produção tecnológica e desenvolvimento de patentes. A inovação tem o poder de impactar positivamente a capacidade de um país em absorver tecnologias e desenvolver suas próprias, o que impulsiona seu o crescimento e desenvolvimento.

Em nível de pós-graduação, o Brasil titulou 50.206 mestres e 16.729 doutores em 2014, apresentando um crescimento linear do número de titulados de 1996 até hoje. Destes, menos de 20% obtiveram o título por instituições particulares. É interessante frisar que estes acadêmicos permanecem concentrados principalmente nas grandes áreas de ciências humanas e saúde, tendo havido inclusive declínio nas engenharias.

Nas instituições de ensino superior, a parcela de professores com mestrado e doutorado também vem crescendo. Assinala-se que a rede pública é composta principalmente de professores doutores, enquanto a particular tem maioria de mestres, o que indica que a produção acadêmica pode estar concentrada nas instituições públicas.

Gráfico 4 – Proporção de docentes da educação superior pública e privada de graduação por grau de formação (2005-2015)

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015

A qualidade da educação superior, seja pública ou privada, é responsável pela produção científica e acadêmica de um país, podendo mudar sua posição em nível global de um simples assimilador de inovações estrangeiras para o pioneirismo. Na economia de serviços do século XXI, uma educação ampla e de qualidade é condição necessária (mas não suficiente) para um país ser competitivo. A análise da educação brasileira, aqui focalizada no nível terciário, evidencia que temos problemas estruturais a serem superados indo muito além da simples falta de recursos. Sem superar esses desafios, nos manteremos pouco competitivos globalmente.

[1] Universidades são instituições pluridisciplinares, com produção intelectual institucionalizada e requisitos mínimos de titulação acadêmica e carga de trabalho do corpo docente. Os centros universitários são semelhantes às universidades, porém não estão definidos na Lei de Diretrizes e Bases e não necessitam de pesquisa institucionalizada, enquanto as faculdades são instituições que não apresentam autonomia para conferir títulos e diplomas. Por fim, o ensino técnico apresenta caráter mais simplificado, com vistas à atuação no mercado de trabalho (Fonte: Divisão de Temas Educacionais – MRE).

nathaliaNatália Sarellas é formada em administração pela Universidade de Brasília. Contribui para o Boletim de Serviços e tem artigos científicos publicados na área de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) e setor bancário e participa de grupo de pesquisa em inovação.

 

A contribuição das práticas de gestão para o desenvolvimento do setor de serviços

Por Adilson Giovanini e Marcelo Arend

No livro “The atlas of economic complexity: Mapping paths to prosperity”, Hausmann et al. (2014) argumentam que o grau de desenvolvimento dos países depende da quantidade de conhecimento produtivo possuído por eles. A forma encontrada pela sociedade para fabricar bens sofisticados é a divisão do conhecimento necessário em “pedaços”.

Deste modo, a capacidade produtiva de cada sociedade pode ser mensurada pela sua capacidade de reter, criar, modificar, organizar, distribuir e utilizar os conhecimentos possuídos pelos trabalhadores. As sociedades mais desenvolvidas conseguem gerir de modo mais eficaz os conhecimentos que possuem a sua disposição. De forma análoga, os países menos desenvolvidos não conseguem acumular, distribuir, gerir e reunir conjunto elevado de conhecimentos. Eles possuem menor quantidade de conhecimento produtivo, o que limita a sua capacidade produtiva fazendo com que eles não consigam fabricar produtos com elevada sofisticação tecnológica.

Diante deste contexto, surgem os seguintes questionamentos: será que as práticas de gestão internas adotadas pelas firmas influenciam no tamanho do seu setor e no seu grau de desenvolvimento? O comportamento das firmas é capaz de explicar a baixa sofisticação da estrutura produtiva brasileira?

Desde 2004 o World Management Survey aplica um questionário que mensura as práticas de gestão adotadas pelas firmas de 34 países. Entre outros aspectos, a pesquisa avalia a capacidade de formação, retenção e reconhecimento de talentos das firmas localizadas nestes países. Isto é, identifica se elas possuem cultura interna voltada para o desenvolvimento, expansão e adequada reunião dos conhecimentos detidos pelos seus funcionários.

O indicador global desenvolvido pelo World Management Survey apresenta correlação de 86% com o Índice de Complexidade Econômica (Gráfico 1). Isto pode ser um indicativo que as práticas de gestão interna contribuem para o aumento no nível de sofisticação da estrutura produtiva dos países.

Gráfico 1 – Correlação existente entre o índice do complexidade econômica e as práticas de gestão adotadas pelas firmas

gestao_interna_e_complexidade                          Fonte: Adaptado de The Observatory of Economic Complexity e World Management Survey

O indicador disponibilizado pelo World Management Survey também possui correlação de 81% com a participação do setor de serviços no valor adicionado (Gráfico 2). Este resultado pode ser um indicativo que as práticas de gestão interna contribuem para a participação do setor de serviços no PIB. A adoção de práticas de gestão interna que estimulam a expansão da base de conhecimentos possuída pelas firmas parece contribui para o aumento na demanda por serviços intermediários.

Gráfico 2: Relação existente entre as práticas de gestão interna e a participação do setor de serviços

gestao_interna_e_servicos                Fonte: Adaptado de The Observatory of Economic Complexity e World Management Survey

Conforme mostrado no Gráfico 3, o Brasil se encontra mal posicionado no indicador global de gestão interna desenvolvido pelo World Management Survey para o período 2004-2015. Ele está na 20ª posição entre os 34 países analisados, com escore global de 2,66. Ademais, a análise desagregada dos dados mostra que os quesitos nos quais o Brasil se encontra pior posicionado são: construção de uma cultura de alta performance (32ª posição), proposta de valor ao empregado (27ª), desenvolvimento de talentos (26ª) e retenção de talentos (24ª).

Gráfico 3- Comparação internacional das práticas de gestão interna adotadas pelas firmas no período 2004-2015

gestao_interna                   Fonte: adaptado de World Management Survey

Estes dados podem indicar que, em geral, as firmas brasileiras possuem políticas inadequadas ao desenvolvimento de talentos. Além, disso, a maior parte delas também não adotam medidas que buscam reter seus melhores talentos e não possuem cultura voltada para a valorização dos funcionários mais talentosos e com maior produtividade. A presença de práticas de gestão interna desfavoráveis à expansão da base de conhecimentos pode dificultar a migração da estrutura produtiva do país para produtos mais sofisticados em termos tecnológicos e talvez explique o baixo desenvolvimento do setor de serviços intermediários.

Como corolário se defende a adoção de políticas que incentivem as firmas nacionais a adotarem melhores práticas de gestão. Isto pode contribuir para o aumento do tamanho relativo do setor de serviços e para o aumento da sofisticação da estrutura produtiva nacional. Isto é, para o desenvolvimento econômico do Brasil.

Por que é importante financiar as exportações de serviços?

O setor de serviços no Brasil corresponde atualmente a mais de 70% do produto interno bruto.  Em 2014, o setor foi responsável por 73,4% dos empregos formais do país, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social. Como já exposto em diversas ocasiões pelo blog, o setor de serviços tem papel transversal na economia, afetando a competitividade do setor industrial, tendo em vista sua forte demanda por serviços nas etapas de produção, e também da agricultura. Os serviços também já são componente importante no valor adicionado das exportações, conforme dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE.

Atualmente o Brasil está negociando uma série de acordos no setor de serviços com países como Peru, Chile e México, bem como com União Europeia. Também tem se engajado em acordos específicos sobre comércio eletrônico, serviços financeiros e compras públicas de bens e serviços, além dos Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFIs) com diversos países. Tais acordos viabilizarão, portanto, uma inserção mais facilitada do Brasil no comércio de serviços, ampliando a transparência internacional do setor e o entendimento sobre sua regulação.

Como já explorado pelo blog, a balança comercial de serviços é historicamente deficitária. Em 2015, o déficit da conta de serviços atingiu US$ 35,9 bilhões de acordo com dados do Banco Central.  O Brasil possui uma das balanças de serviços mais deficitárias na comparação mundial, segundo a OCDE. De acordo com dados apresentados Arbache (2015), cada 1% de expansão do PIB vem acompanhado de aumento de 1,11% das exportações e 1,25% das importações. Assim sendo, há uma clara tendência de deterioração na balança de serviços, conforme análise do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços.

Gráfico – Evolução da Balança de Comércio Exterior de Serviços (US$ bilhões)

balanca-servicos

Fonte: Banco Central do Brasil.

Atualmente, o componente de serviços é chave para alavancar a competitividade dos produtos manufaturados para uso doméstico e para exportação. Uma maior exposição do setor de serviços brasileiro à competição internacional geraria, portanto, ganhos de eficiência e de qualidade ao setor, com consequente impacto nos setores industriais que demandam esses serviços.

A busca pela maior integração brasileira ao comércio exterior e às cadeias globais de valor passa pelo fortalecimento do setor de serviços. De acordo com a Organização Mundial do Comércio, o Brasil responde por apenas 0,7% das exportações mundiais de serviços, ocupando a 32ª posição neste ranking. O comércio de serviços também é pequeno quando se considera o tamanho da economia brasileira: a proporção exportação de serviços/PIB é de 1,9%. A exportação de serviços, em particular aqueles de maior valor agregado, representam uma inserção brasileira mais qualificada nas cadeias globais de valor, tendo em vista que serviços de maior valor agregado são as etapas que, de fato, geram valor na produção de bens.

Existem dois principais mecanismos de apoio a exportação de serviços no Brasil:

  1. Programa de Financiamento às Exportações – PROEX: principal instrumento do Governo Federal de apoio às exportações de bens e serviços, voltado principalmente às micro e pequenas empresas. É ofertado nas modalidades de financiamento e equalização.
  2. BNDES Exim: financia a produção de bens e de serviços brasileiros destinados à exportação e sua comercialização no exterior.

Caso o Brasil almeje se inserir de forma mais qualificada no comércio internacional, explorando cada vez mais o potencial do mercado internacional de serviços, será necessário o aumento na participação do setor nos instrumentos de financiamento, com maior adequação as suas necessidades, tendo em vista que a maior parte dos volumes de financiamento por ambos os instrumentos destinam-se à exportação de bens, e não de serviços.

Os dados expostos acima demonstram, portanto, uma ampla necessidade de se apoiar o comércio de serviços brasileiro, no sentido de aumentar a produtividade do setor de serviços, garantir maior competitividade para os bens produzidos nacionalmente, qualificar a integração às cadeias globais de valor e reduzir o déficit da balança comercial de serviços.

Dinâmica comparada: A evolução da produtividade setorial no período 1950-2011

Por Marcelo Arend, Guilherme Singh, Julimar da Silva Bicharra e Adilson Giovanini

Segundo Rodrik e MacMillan (2011), a teoria das vantagens comparativas defende que uma maior abertura comercial leva os países a especializarem as suas estruturas produtivas, ou seja, aprofundar as vantagens comparativas. Os autores frisam que os países periféricos têm vantagem comparativa em bens primários, predominantemente agrícolas. Logo, um impulso em direção a uma economia mais aberta e globalizada, sem contrapartes, diminuiria o incentivo para mudanças estruturais. Nesse caso, os países incorreriam em aprofundamento da especialização agroexportadora, não gerando significativo transbordamento tecnológico para outras atividades.

Esse tipo de especialização está normalmente associado a um padrão em que fração pequena do pessoal ocupado da economia ganha salários acima da produtividade. Apesar disto, o aumento da renda tende a fomentar postos de trabalho no setor de serviços, mas de perfil tradicionalmente improdutivo. Esta mecânica e canais de transmissão reforçariam uma trajetória de baixo crescimento da produtividade e, por conseguinte, do produto de longo prazo da economia.

Dada esta problemática, este post verifica o modo como evoluiu a produtividade setorial brasileira no período 1950-2011. Isto é, examina se a produtividade do setor de serviços se reduziu frente ao processo de globalização observado nas últimas décadas.

O Gráfico 1 apresenta a evolução da produtividade do trabalho dos setores agropecuário e de serviços em relação ao industrial, que é usado como referência (1950=100). Ele mostra que a produtividade do trabalho do setor agropecuário está convergindo lentamente para o nível de produtividade do setor industrial. Todavia, a distância entre os setores segue elevada no transcurso do tempo.

Gráfico 1 – Evolução da produtividade do trabalho em relação ao setor industrial no período 1950-2011.

g1Obs: produtividade industrial, 1950 = 100.

Fonte: GGDC. Elaboração própria.

Importa observar que a produtividade média do trabalho do setor de serviços tem diminuído em relação à produtividade do setor industrial. Em 1980, a produtividade média do setor de serviços era equivalente à produtividade do setor industrial. Entretanto, a partir daquele ano, iniciou-se um movimento acentuado de queda relativa.

Em 2010, a produtividade do trabalho no setor de serviços era somente 58% da produtividade do setor industrial, situação inversa à do período de industrialização, quando a produtividade do setor de serviços era superior à do setor industrial. Esta situação revela que, até a década de 1980, os trabalhadores que abandonavam o setor agropecuário e encontravam emprego nos demais setores produziam mais, em média, que os trabalhadores que ficavam no campo. Os trabalhadores que migravam do setor industrial para o setor de serviços também produziam mais, contribuindo para a elevação da produtividade agregada da economia. Assim, o processo de mudança estrutural percebido pela transferência de trabalhadores para os setores industrial e de serviços, até o final da década de 1970, sempre implicou em aumento da produtividade. Porém, a partir da década de 1980, a transferência de trabalhadores da indústria para os serviços esteve associada à queda da produtividade total da economia.

Ao que parece, o processo de desindustrialização brasileiro e, ao mesmo tempo, de crescimento da participação do setor de serviços na geração de emprego e renda, levou a um processo de mudança estrutural redutora de produtividade. O Brasil retirou recursos da indústria, seu setor relativamente mais produtivo, e transferiu para o setor de serviços, com tendência de queda acentuada de produtividade relativa nas últimas décadas.

Esse processo de mudança estrutural sugere que o Brasil depende cada vez mais do desempenho do setor de serviços para elevar a sua produtividade agregada, já que o setor de serviços tem maior peso na produtividade total da economia. A importância do setor de serviços reside notadamente no seu tamanho. Já o crescimento da produtividade do setor agropecuário, apesar de relevante, produz efeitos reduzidos na produtividade agregada, pois seu tamanho é bem menor.

A situação é mais problemática ao se comparar o nível de produtividade do trabalho do setor de serviços brasileiro com o seu congênere norte-americano. Conforme mostra o Gráfico 2, durante a década de 1970 constata-se um processo de convergência da produtividade do setor de serviços brasileiro com o norte-americano. Entretanto, a partir da década de 1980, a produtividade do trabalho no setor de serviços brasileiro cada vez distancia-se mais da produtividade média dos serviços dos EUA. Este fato revela que o setor de serviços brasileiro, além de comprometer a produtividade agregada nacional nas últimas décadas, também exerceu efeito importante para o fenômeno do falling behind brasileiro em nível internacional, já que, em termos comparativos, o seu setor com maior peso na estrutura produtiva é cada vez menos produtivo em relação à fronteira produtiva internacional.

Gráfico 2 – Nível de produtividade do trabalho relativa do setor de serviços brasileiro ao dos Estados Unidos da América.

g2Fonte: Unctadstat. Elaboração própria.

Estas evidências dão suporte à hipótese do post. O aumento da produtividade do setor agropecuário não estaria contribuindo suficientemente para o aumento da produtividade agregada. Ademais, a mudança estrutural no caminho da desindustrialização e elevação do setor de serviços na ajudaria a explicar o processo de estagnação relativa do nível de renda e de produtividade nas últimas três décadas.

Dado o elevado peso dos setores industrial e de serviços, seria premente a adoção de políticas de mudança estrutural centradas naqueles setores como forma de garantir o crescimento da produtividade agregada e do nível de renda nacional.

 

MCMILLAN, Margaret S.; RODRIK, Dani. Globalization, structural change and productivity growth. National Bureau of Economic Research, 2011.

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