Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Jorge Arbache (page 6 of 7)

Serviços e Bem-Estar das Famílias

Os serviços são componentes importantes do consumo das famílias. Serviços de saúde, educação, financeiros, alugueis, comunicação, restaurantes, transportes e comércio estão dentre os serviços mais consumidos por elas.

Tamanho da família, residência em região urbana ou rural, situação demográfica dos membros da família, preferências e renda são fatores que influenciam o padrão de consumo familiar de serviços.

A figura abaixo mostra a participação dos serviços na cesta de consumo das famílias de países emergentes selecionados. Por que as famílias brasileiras gastam proporcionalmente mais com serviços? São várias as causas, mas uma delas está associada a preços relativos. De fato, na última década os preços médios dos serviços subiram muito mais do que os de bens industrializados e agrícolas.

Indicador de preços do Conference Board mostra que, em 2011, os preços médios dos serviços no Brasil correspondiam a 59,3% dos preços médios dos serviços nos Estados Unidos. Na Índia, esse indicador era de 23,7%.

Dois itens da cesta de consumo da família brasileira se destacam. Um deles são despesas com serviços financeiros e o outro são despesas com serviços profissionais. Enquanto os serviços financeiros abocanhavam 7% das despesas das famílias brasileiras, na China eles respondiam por 4%, na Rússia por 2% e na Indonésia por 3%. Algo similar acontece com serviços técnico profissionais.

Dentre as explicações para essas discrepâncias entre o Brasil e outros países estão as elevadíssimas taxas de juros e as condições insatisfatórias de competição bancária e de serviços profissionais, que permitem a elevação exagerada de preços penalizando, desta forma, o bem-estar das famílias.

servicos_cesta

O Setor de Serviços é Protegido?

Este blog tem destacado que o setor de serviços do Brasil é pouco produtivo, caro e tecnologicamente defasado. Por detrás desse perfil está, dentre outros, a modesta competição em muitos de seus segmentos, que inibe a modernização, a inovação e o aumento da produtividade.

De fato, como mostram indicadores internacionais, segmentos tão variados como telecomunicações, aviação civil, bancos comerciais, construção civil, serviços legais, dentre outros segmentos e atividades profissionais, são altamente regulados e protegidos. Essa proteção não é neutra e, como consequência, mesmo provedores de serviços pouco eficientes seguem no mercado provocando impactos negativos nos consumidores finais, empresas e na competitividade sistêmica.

Curiosamente, porém, as estatísticas de comércio exterior não corroboram a visão de que o mercado de serviços seja fechado. Afinal, o Brasil é um dos maiores importadores de serviços do mundo quando examinamos indicadores como, por exemplo, importação/PIB. Não por acaso, os serviços são a principal fonte de constrangimento às contas externas – em 2014, o déficit da conta de serviços foi de nada menos que US$ 49 bilhões!

Há que se considerar, porém, que, como indica o gráfico abaixo com o saldo do comércio de serviços, os serviços importados são muito concentrados em aluguel de máquinas e equipamentos e em viagens internacionais, que respondem por 84% daquele déficit.

Como o setor de serviços é, e será ainda mais determinante para a geração de riquezas e de bons empregos, participação em cadeias globais de valor e para a competitividade das nações, ter um setor de serviços doméstico moderno e competitivo está se tornando requisito fundamental para a promoção do crescimento econômico e para redução do hiato de renda que separa países emergentes e avançados.

Desta forma, o desafio das políticas públicas vai muito além de simplesmente abrir o mercado. O grande desafio é, isto sim, encontrar o equilíbrio entre redução da proteção, promoção da competição e atração de investimentos em serviços, em especial naqueles segmentos mais críticos para o crescimento econômico sustentado.

Políticas de estímulo ao aumento da competição nos segmentos mais relevantes para as cadeias de produção de terceiros setores, como são os casos dos serviços de intermediação financeira, tecnologias de informação e comunicação e serviços comerciais, combinada com políticas de atração de empresas estrangeiras de serviços é exemplo de uma dobradinha que pode ajudar a virar o jogo.

 

post 1 de setembro

Por que a produtividade do setor de serviços é tão baixa no Brasil?

Há várias explicações para esta pergunta,  incluindo tamanho, nível tecnológico e acesso a crédito das firmas e o tamanho e a estrutura do setor de serviços.

De um lado, a produtividade do setor de serviços em geral é baixa em razão da natureza não escalável e não padronizável de muitos serviços, da forma fragmentada como eles são produzidos e fornecidos e da intensidade de uso de mão de obra.

De outro lado, os custos do setor são elevados, dentre outros, em razão da doença de custos de Baumol (Baumol 1967) associada aos efeitos nos salários do setor decorrentes da formação de salários em setores com produtividade mais elevada.

Desta forma, quanto maior for a participação dos serviços de baixo valor agregado e de baixa produtividade dentro do próprio setor de serviços e na economia, mais baixa será a produtividade agregada e mais alto será o padrão de custos da economia (Arbache 2014).

O painel A da figura abaixo mostra a participação do setor de serviços no PIB no Brasil e em países avançados e emergentes para o ano de 2011. A participação no Brasil é elevada e comparável à de países avançados. Embora a elevadíssima participação dos serviços no Brasil seja uma anomalia , ainda assim ela não é per se um problema, já que os serviços poderiam ser majoritariamente de alta produtividade.

O problema é que, conforme mostram os painéis B e C, os serviços não comerciais (*), cuja produtividade média é bem mais baixa que a dos serviços comerciais (Arbache 2015) (**), são predominantes e têm participação desproporcionalmente grande na economia para padrões internacionais.

O aumento da produtividade agregada no Brasil requer, portanto, aumento da produtividade do setor de serviços não comerciais e expansão relativa dos serviços comerciais.

Políticas regulatórias, de crédito, tecnológicas, industriais, comerciais, de formação de capital humano e de investimentos devem se coordenar para que o objetivo acima seja alcançado e para que o setor de serviços se torne um aliado, e não um inimigo da transformação estrutural e do crescimento econômico.

painel

Fonte: cálculo do autor a partir da WIOD.

 

(*) Serviços comerciais (I64, J e K do ISIC, Rev. 3) são correios e telecomunicações, intermediação financeira, atividades imobiliárias comerciais, aluguel de máquinas e equipamentos, TI e atividades correlatas, P&D e outras atividades comerciais.

Outros serviços são as letras E, F, G, H, I60 a I63, L, M, N e O do ISIC, Rev. 3.

Classificação da OCDE.

(**) Produtividade no setor de serviços, in F. De Negri e R. Cavalcanti (orgs), Produtividade no Brasil – desempenho e determinantes, Brasília: IPEA, no prelo, 2015.

 

O Setor de Serviços Paga Bem?

A resposta é: não e sim. Não, porque o salário médio do setor é baixo. De acordo com a Pesquisa Anual de Serviços do IBGE, em 2011, o salário médio do setor era de R$ 861 em valores de 2013. Sim, porque, como o setor de serviços é muito grande (70% do PIB e 73% da força de trabalho) e muito heterogêneo, então encontraremos ali desde pessoas bem remuneradas a pessoas mal remuneradas. Logo, os rendimentos podem depender bastante do segmento de serviços em que a pessoa se encontra.

A figura abaixo mostra o impacto da filiação industrial no salário esperado por setor. Ou seja, descontamos os efeitos de gênero, etnia, escolaridade, idade, tempo de experiência no emprego, função desempenhada, localização geográfica, dentre outras variáveis importantes na formação de salários para isolar o efeito de se estar filiado ao setor “X” ou “Y”.

Encontramos que, de forma geral, trabalhar no setor de serviços implica receber um prêmio salarial negativo. Isto ocorre não apenas porque os segmentos de serviços estão concentrados do lado esquerdo da distribuição, mas, também, porque é naqueles segmentos que estão grande parcela dos trabalhadores do setor.

Ou seja, se duas irmãs gêmeas com mesma escolaridade, no mesmo posto de trabalho, na mesma unidade da federação dentre outras características trabalhassem, digamos, uma no setor de limpeza urbana e esgoto (extremo esquerdo da distribuição) e outra no setor de extração de petróleo (extremo direito da distribuição), então os salários delas seriam substancialmente diferentes.

São muitas as explicações para isto, mas, dentre as principais estão estrutura de mercado e de competição, regulação de mercados, relação capital-trabalho por setor e, claro, a produtividade.

Como o setor de serviços em geral concentra empresas pequenas e em segmentos pouco produtivos e sofisticados como, por exemplo, alimentação, limpeza, comércio e alojamento, então não surpreende encontrar que o prêmio salarial no setor tende a ser negativo. Mas, como mostra a figura, há segmentos de serviços que pagam relativamente bem, como transporte aéreo e intermediação financeira.

Diferencial de salários interindustriais

Qual é a Grande Novidade Trazida pelo UBER?

A polêmica, aqui e além-mar, associada ao UBER é própria de mudanças de paradigmas tecnológicos de gestão e de produção – lembre-se dos Luddites durante a revolução industrial inglesa, que destruíram teares por medo de perderem seus empregos.

UBER, Amazon, Hotel.com, Decolar.com, Netflix e muitos outros serviços disponíveis na internet seriam parte daquilo que vem sendo chamado por autores como Paul Mason de “infocapitalismo”, qual seja, negócios que se beneficiam das novas tecnologias de comunicação e da superconectividade para explorar falhas de mercado (pense nos serviços de taxi de qualidade duvidosa), mercados latentes associados à ociosidade de recursos produtivos e de ativos (pense no Airbnb) e mudanças nas necessidades e nas preferências das pessoas e empresas (pense no e-commerce).

Qual seria, então, a grande novidade trazida pelo UBER? O UBER não é propriamente uma novidade do ponto de vista tecnológico, já que há outras plataformas similares no mesmo setor e em outras áreas de negócios. O UBER também não é uma novidade do ponto de vista de proposta de compartilhamento e de modelo de negócios, já que o que ele busca é desafiar um modelo de monopólio no transporte público individual que beneficia somente os donos de licenças de taxis para, se deixar, instalar o seu próprio monopólio.

A novidade associada ao UBER é, isto sim, a profunda mudança na natureza da prestação de serviços. Serviços que até então eram tidos como convencionais e fornecidos localmente “face-to-face” pelo Seu João do ponto de táxi da esquina estão se transformando em commodities fornecidas internacionalmente. Afinal, o cliente interage e paga a um prestador de serviços que está na Califórnia.

De outra forma, até mesmo serviços que eram classificados pelos economistas de “não comercializáveis” (protegidos da concorrência internacional) estão passando à categoria de “comercializáveis” (expostos à concorrência internacional). Isto era algo impensável até muito recentemente e é revolucionário do ponto de vista conceitual e indica que a globalização está definitivamente atingindo a todos os mercados.

Os UBER da vida sinalizam as mudanças profundas que ainda estão por vir. As repercussões no funcionamento dos mercados, na competição, nas finanças públicas (pense na carga tributária), nas contas externas (pense na transferência de milhões de dólares entre países), no mercado de trabalho e nas relações entre consumidores e prestadores de serviços são grandes e requerem reflexão.

Independentemente do que vier a acontecer com o UBER, as mudanças que ele trouxe provavelmente vieram para ficar e teremos que nos preparar para elas. Ao Estado, caberá desenvolver e adaptar a sua capacidade regulatória aos novos desafios, ao tempo em que fomenta a competição e encoraja start-ups e novos modelos de negócios. Ao consumidor, caberá defender a competição e a qualidade dos serviços, sem perder de vista que o que está em jogo não é somente uma corrida de táxi até o shopping do bairro.

O que os serviços têm a ver com a primarização da economia brasileira?

A participação do setor primário nas exportações, investimentos e na agenda política brasileira avançou ferozmente desde o início da década passada. No caso das exportações, por exemplo, a participação dos primários e semimanufaturas (boa parte são bens intensivos em commodities) passou de cerca de 38% para 65% do total da pauta de exportações entre 2000 e 2014.

Explicações para isto não faltam, incluindo o boom dos preços das commodities, valorização cambial e mudanças nos termos de troca em favor daqueles bens e em desfavor dos produtos industrializados.

Mas há outros fatores. Um deles está associado ao preço, qualidade e disponibilidade da oferta de serviços comerciais, ou seja, de serviços que são insumos de produção. Arbache (2014) e Arbache e Aragão (2014) mostram que os serviços comerciais no Brasil são muito caros, subiram muito, têm baixa qualidade para padrões internacionais e que a sua oferta é deficiente.

O problema é que os serviços têm participação significativamente maior na matriz de custos da indústria do que no setor de commodities, o que decorre de as cadeias de produção da indústria serem bem mais longas.

Desta forma, as ineficiências e a baixa competitividade do setor de serviços intoxicam particularmente mais a indústria e a sua competitividade e, consequentemente, incentivam a transferência de recursos para outros setores, incluindo o  primário.

O gráfico abaixo ilustra o peso de dois serviços de infraestrutura, energia e transportes, no valor adicionado da indústria e da extração mineral. Enquanto o peso aumenta para a indústria, ele cai para o setor mineral, o que decorre da combinação de mudança de preços relativos industriais e de commodities com aceleração dos preços dos serviços comerciais.

Uma conclusão é que discussões sobre crescimento econômico, mudanças estruturais, soerguimento da indústria, inserção do país em cadeias globais de valor pela “porta da frente”, acordos comerciais e investimentos devem, necessariamente, incluir nas suas agendas a questão dos investimentos e da competitividade do setor de serviços.

 

Consumo de serviços de fretes e carretos e de energia em relação ao valor adicionado da produção

A participação do setor de serviços no PIB é elevada?

A figura abaixo mostra a renda per capita e a participação dos serviços em países desenvolvidos e emergentes. A relação positiva entre as variáveis resulta, dentre outros, da relação crescentemente simbiótica e sinergética entre bens e serviços, novas tecnologias de organização da produção e de produção, mudanças nas preferências dos consumidores e mudanças nos hábitos de consumo associados à renda e à demografia.

O caso do Brasil salta aos olhos. Isto porque combinamos renda per capita relativamente baixa com participação relativamente alta dos serviços no PIB. Jabuticaba? Como explicar esta anomalia?

São várias as explicações, sendo a mais importante a forte expansão das atividades de serviço a partir de meados da década de 1980, quando a indústria passou a experimentar processo lento e quase contínuo de contração. Por várias razões, os serviços ocuparam quase todo o espaço deixado e se tornou em definitivo a principal fonte de criação de emprego e renda. O problema é que o setor se tornou ainda mais caracterizado por ser composto por empresas pequenas, pouco produtivas, de baixa intensidade tecnológica e voltadas, sobretudo, para a provisão de serviços de consumo final.

Hoje, temos um setor de serviços imenso que é mais um problema do que solução. Mudar esta realidade deve ser parte fundamental de qualquer agenda de política de crescimento sustentado, combate à pobreza e aumento da competitividade e da produtividade.

A figura mostra que a África do Sul também tem situação parecida com a do Brasil. Mas, lá, a razão principal está associada às consequências econômicas do regime do apartheid, assunto que discutiremos num outro post.

Participacao dos servicos no PIB

Quais são os serviços mais consumidos como insumo de produção e por que isto é importante?

Quais são os serviços mais utilizados como insumos de produção? Esta questão é relevante, pois é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas e privadas eficazes de aumento da competitividade da economia.

O gráfico abaixo mostra, a partir dos dados da Pesquisa Industrial Anual, a distribuição percentual dos gastos com serviços na indústria de transformação e no setor de extração mineral. Na indústria, despesas financeiras lideram de longe as despesas com serviços, perfazendo 26% do total. Serviços industriais prestados por terceiros e fretes e carretos (logística) representam, juntos, outros 25%. Logo, esses três serviços respondem por 60% do total.

No setor de commodities, as despesas financeiras representam nada menos que 44% do total. Serviços industriais prestados por terceiros respondem por outros 20%, enquanto alugueis e arrendamentos e fretes e carretos perfazem outros 20%. Estes serviços totalizam 84% das despesas totais do setor com serviços.

Na indústria, as despesas com serviços representam 64,5% do valor adicionado, enquanto que na extração mineral elas representam 39,5%. Logo, os serviços têm peso muito grande na planilha de custos.

Podemos depreender que, primeiro, a reforma do setor financeiro para torná-lo mais competitivo é mudança importante a ser feita no setor de serviços com vistas a aumentar a competitividade agregada.

Segundo, a modernização das empresas prestadoras de serviços industriais e a atualização da legislação de terceirização também terão impactos importantes na competitividade agregada.

E, terceiro, embora bastante importante, a modernização da infraestrutura de transportes não é a panaceia que muitos alardeiam.

Por fim, note que a indústria despende parcela relativamente maior com serviços de agregação de valor (royalties, assistência técnica e despesas com propaganda) do que o setor primário. Para estes, os serviços de custos é que fazem toda a diferença, afinal, commodity é commodity. A modernização dos serviços de agregação de valor e diferenciação dos produtos será especialmente importante para a recuperação da indústria doméstica.

 

Figura post distribuicao dos servicos

Fonte: Arbache e Aragão (2014)

Por que a Apple vale mais que todas as empresas na Bovespa?

O Jornal O Estado de São Paulo de hoje informa que o valor de mercado da Apple fechou, ontem, 24/7/2015, a US$ 714 bilhões, US$ 29 bilhões a mais que todas as empresas de capital aberto na Bovespa.

Como isto é possível? Claro, são muitas as explicações, as quais incluem as condições atuais da economia americana e brasileira, taxa de câmbio, dentre outras. Mas tem um aspecto que merece destaque. Trata-se da natureza das empresas em questão.

A Apple nasceu essencialmente uma empresa de hardware. Por anos, seguiu o caminho de tantas outras empresas americanas em busca dos louros do mercado de computadores. Mas, com o passar do tempo, a Apple aprendeu que, muito mais que produzir equipamentos, o que cria mesmo valor adicionado são os serviços embutidos nesses equipamentos e as funcionalidades dos mesmos. Não por acaso, a empresa é, hoje, acima de tudo, uma vendedora de serviços.

A Google também teve a mesma compreensão, mas seguiu o sentido oposto. Nasceu essencialmente uma empresa de serviços, desenvolvendo e fornecendo os mais diversos tipos de funcionalidades, muitos delas gratuitamente. Mas, com o tempo, entendeu que a verdadeira agregação de valor está em vender esses serviços e funcionalidades embutidos em equipamentos. Claro, ao invés de produzirem funcionalidades para, digamos, a GM oferecê-los em seus carros, porque não ela mesma não faria isto? Bingo! A empresa é, cada vez mais, sócia e desenvolvedora de hardwares, como os carros inteligentes, os quais serão, acima de tudo, passaportes para os serviços e funcionalidades que ela cria.

No século XXI, a criação de valor e de bons empregos já está, mas estará cada vez mais associada ao conhecimento e à capacidade de fomentar a relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços para se criar um terceiro bem que nem são serviços nem tampouco bens convencionais, mas um mix entre os dois. Por aqui passa uma das principais razões da Apple valer tanto.

E aqui entre nós? Bem, uma inspeção nas empresas listadas na Bovespa mostraria larga predominância de empresas de commodities ou fortemente dependentes de commodities, como siderúrgicas, empresas de consumo, empresas de serviços de baixo valor adicionado e empresas de ramos industriais de médio ou baixo conteúdo tecnológico. Ou seja, um rol de empresas que é a cara do século XX, se muito.

Claro que produzir commodities não é um problema. O problema é não agregar valor e não desenvolver conhecimentos e tecnologias que façam dessa vantagem comparativa um passaporte para o século XXI e para a geração de valor e de empregos de qualidade.

Uber

O Rio de Janeiro acordou hoje com manifestações dos motoristas de táxi contra o Uber. Essas manifestações não são próprias do Rio e algo similar acontece em outros países. Não é nosso objetivo comentar sobre aspectos de legalidade ou legitimidade da contenda. Nosso objetivo é comentar o que está em jogo.

Ao que tudo indica, a causa dos taxistas é perdida. Isto porque ela é parte de um movimento muito maior que está em curso no mundo, qual seja, a da crescente transformação da natureza dos serviços. Aprendemos na escola de economia que os serviços em geral são “non-tradable”, ou seja, não estão expostos à concorrência internacional. Este é o caso dos serviços de cabeleireiro, de jardineiro e de taxi e da loja da esquina. De outro lado, aprendemos que os bens industriais são “tradable” e, portanto, estão expostos à concorrência de produtos importados da China e de outros países.

Mas essa classificação está se tornando obsoleta. Isto porque os serviços são cada vez mais comercializáveis. Pense na Amazon, no Netflix, nos programas de TV a cabo, no Airbnb e em tantos outros serviços que consumimos no dia a dia. Pense também nos serviços de internet na nuvem, nos serviços de projetos e design adquiridos fora, softwares e tantos outros insumos do setor produtivo. Mas, acima de tudo, pense nos serviços embutidos nos produtos industriais que consumimos no dia a dia – no caso do iPad, nada menos que 93% do valor final remunera serviços, a maior parte deles sediados nos Estados Unidos. Os demais 7% remuneram peças e montagem.

O UBER é parte desta mudança. Mas, neste caso, o mais intrigante para os economistas é que até mesmo um serviço como o de taxi se tornou tradable. Afinal, uma empresa sediada milhares de quilômetros daqui controla um serviço de transporte individual local e fica com a maior parcela do valor adicionado.

Manifestações como as de hoje podem até adiar, mas é improvável que venham a impedir o avanço da nova geração de serviços.

Para consolo, a indústria também passa pela mesma situação – parte significativa de uma sonda da Petrobrás construída num estaleiro nacional remunera projetos, design, softwares, etc, todos eles vindos de fora.

A esta altura, o melhor a fazer é aceitar que já estamos no século XXI e desenvolver políticas e práticas que criem oportunidades para que se possa concorrer em melhores condições. Ao invés de bloquear a quase inevitável mudança, é preciso investir em conhecimento e empreendedorismo, incentivar o investimento e a produtividade e atrair empresas estrangeiras de serviços para o Brasil. Somente assim poderemos ter condições de gerar riquezas e empregos aqui.

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