Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Jorge Arbache (page 4 of 7)

Serviços de logística e competitividade

Um dos argumentos mais populares para se explicar a baixa competitividade da economia brasileira é a infraestrutura defasada. De fato, a infraestrutura brasileira tem sido apontada como um dos principais obstáculos para a baixa competitividade das empresas. O indicador de competitividade do Fórum Econômico Mundial aponta o Brasil na 77ª posição dentre 140 países. No caso específico de indicadores de serviços de logística, o relatório mostra o Brasil na 111ª posição em infraestrutura de rodovias; 114ª posição em portos; e 93ª posição em transporte ferroviário. O relatório Doing Business do Banco Mundial mostra que a infraestrutura deficiente é um dos maiores empecilhos para se fazer negócios no Brasil.

As evidências empíricas sugerem que um dos principais problemas é o baixo investimento no setor. McKinsey (2013) mostra que enquanto o Brasil investe 2,2% do PIB em infraestrutura, os países em desenvolvimento investem, em média, 5,1% e a China 8,5%.  Mussolini e Teles (2010) mostram evidências de que uma das causas da baixa produtividade total dos fatores no Brasil desde a década de 1970 é o baixo investimento público em infraestrutura.

Todos os setores padecem da infraestrutura deficiente. Porém, os impactos diferem. De um lado, serviços de logística têm grandes impactos nas atividades com cadeias de produção mais longas e que requerem muita articulação e movimentação de cargas – este é o caso de muitos segmentos industriais. De outro lado, serviços de logística são importantes para atividades commoditizadas, como soja e ferro gusa, cuja competitividade é muito dependente de custos baixos.

Arbache (2014) mostra que as despesas com transportes e fretes respondem por 16% do total de serviços intermediários consumidos pela indústria manufatureira, o terceiro maior item, ficando atrás somente de serviços financeiros e serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros. Despesas com transportes e fretes no Brasil perfazem quase o dobro do que se observa internacionalmente a partir de matrizes de insumo-produto comparáveis.

São múltiplas as explicações dos elevados gastos com serviços de logística. Uma são as condições deficientes das infraestruturas, que elevam os custos operacionais das transportadoras e armadores. Mas há outras razões que também contribuem, incluindo a elevada carga tributária de 24% incidente sobre os serviços de transporte e a estrutura de mercado que, de um lado, é oligopolizada, quando se tratam de serviços mais sofisticados e, de outro, pulverizada, quando se tratam de serviços de cargas gerais.

De fato, Arbache (2015) mostra que as firmas de transporte rodoviário de cargas têm, em média, apenas 5,3 funcionários, sendo que 51,6% das firmas têm entre 0 e 2 funcionários, e que o setor é dominado por microempresas ou negócios individuais com pouco ou nenhum acesso a crédito e tecnologia. O setor de logística também padece de regulamentações que dificultam a competição em diversos segmentos do setor, o que reduz o espaço para inovações e aumento da eficiência.

Como resultado da limitação de oferta de infraestrutura e das características do setor de serviços de logística, os preços dos serviços são elevados, inflando a sua participação no consumo intermediário dos demais setores – no período 2007-2013, o custo do transporte de carga subiu pelo menos 50% mais que a inflação oficial.

Banco Mundial (2017) destaca que as deficiências de infraestrutura também se explicam pela baixa capacidade institucional e de planejamento, dificuldades de alocação de recursos orçamentários e problemas de execução e implementação de projetos.

A esta altura, como não é possível dar conta do enorme estoque de investimentos em infraestrutura não realizados no passado, será preciso priorizar. E a priorização deverá se basear tanto no modelo de intervenção pública no setor como nos objetivos econômicos e sociais que se quer atingir. A intervenção também deverá levar em conta a identificação dos maiores beneficiários diretos da infraestrutura e a capacidade deles pagarem pelos serviços (problema de ganhos públicos vs privados), de tal forma que haja uso mais eficiente dos recursos públicos e da participação privada na oferta e na operação.

A despeito da elevada importância, os serviços de logística servem primordialmente para reduzir custos e não para agregar valor e diferenciar produtos. Por isto, a melhoria desses serviços não deve ser vista como panaceia, mas sim como um dos requisitos para qualificar o país para entrar na competição global, e não para ganhar a competição.

Doença de custos de Baumol no Brasil?

Quase ¾ do corpo humano é composto de H2O. Se a água que ingerimos estiver contaminada, haveria possibilidade de boa saúde? Provavelmente, não. Agora, note que quase ¾ da economia brasileira é composta por serviços, incluindo o comércio, e que os trabalhadores e empresas desse setor são, em geral, pouco produtivos e relativamente caros para padrões internacionais. Haveria possibilidade de boa saúde econômica? Provavelmente, não.

De fato, o setor de serviços brasileiro é composto por uma vastidão de micro e pequenas empresas pouco produtivas e competitivas, voltadas para o consumo final e distanciadas do mundo das novas tecnologias e do crédito (Arbache 2015). As empresas formais do setor têm, em média, apenas 5,3 empregados que recebem salário mínimo ou salários que são majoritariamente influenciados pelo salário mínimo — a correlação entre a remuneração média real nesse segmento e o salário mínimo real é de 70%. Se, de um lado, o setor de serviços ajudou o país a fazer a transição do emprego do campo para a cidade, com elevação da produtividade média, por outro lado, aqueles empregos se concentraram em atividades pouco dinâmicas e de baixo crescimento da produtividade (Timmer et al 2014), o que viria a caracterizar o mercado de trabalho brasileiro.

O setor de serviços mostrou enorme capacidade de geração de empregos desde meados dos anos 2000. Seja em razão das políticas fiscais expansionistas, boom das commodities, expansão do crédito, ampliação dos programas sociais e estímulos ao consumo, o fato é que o setor gerou empregos de forma desproporcional à sua contribuição no PIB. Em vários anos, para cada 100 novos empregos formais gerados, 82 ou mais estavam nos serviços. O que resta saber é se aquela capacidade de gerar empregos era sustentada.

De 2012 a 2016, período que já considera a recessão, foram criadas, de acordo com a PNAD Contínua Trimestral, aproximadamente 5,1 milhões de postos formais e informais de trabalho nos serviços, com aumento praticamente contínuo do estoque. No mesmo período, porém, o CAGED apontou a criação líquida de apenas 700 mil postos de trabalho com carteira assinada. Esse número chegou a quase 2 milhões no 4º trimestre de 2014. Mas, de lá para cá, todos os trimestres registraram destruição de postos formais de trabalho. O setor de serviços seguiu gerando postos de trabalho no período, mas o fez majoritariamente via empregos informais ou precários.

Como explicar essa perda de dinamismo? Claro, as explicações possíveis são muitas, incluindo a própria crise econômica. Mas o descolamento entre produtividade e custos do trabalho deve, no mínimo, ter potencializado aquele movimento de destruição de empregos formais e de precarização. Num setor intensivo em trabalho que combina baixa produtividade com elevado e crescente custo relativo do trabalho — o custo da folha salarial por trabalhador perfaz mais de um terço do valor adicionado médio por trabalhador (Arbache 2015) – aquele descolamento pode ter sido especialmente impactante num contexto de desaceleração econômica. Temos, aqui, um provável quadro de doença de custos de Baumol.

A bem-vinda política de recomposição real do salário mínimo iniciada na década passada combinada com a crescente escassez de trabalhadores observada em fins dos anos 2000 e início dos anos 2010 certamente pressionaram os custos do trabalho no setor de serviços, vulnerabilizando as empresas do setor e, consequentemente, o próprio emprego.

Que solução haveria? O dinamismo e a sustentabilidade do emprego neste que é, de longe, a principal fonte de postos de trabalho do país, requer políticas que elevem a produtividade das empresas e, consequentemente, a produtividade dos trabalhadores. Acesso à tecnologia, acesso a mercados, fomento à competição, acesso a crédito e acesso a treinamento e qualificação são requisitos mínimos básicos para o fortalecimento das empresas do setor e para a criação sustentada de empregos.

O que é commoditização digital?

A era digital está rompendo tudo: a natureza dos mercados e dos produtos, a forma de produzi-los, as formas de entrega e de pagamento, a escala do capital para se operar globalmente e os requerimentos de capital humano. A era digital também está promovendo a produtividade ao expor as empresas a novas ideias, tecnologias, práticas operacionais e de gestão e ao criar novos canais de acesso aos mercados. E tudo isto a custos relativamente baixos. Não é exagero prever que as empresas dependerão cada vez mais da inteligência artificial para rotinas básicas e também para atividades mais complexas. Em breve, versões mais avançadas de assistentes virtuais como os Siris e as Alexas serão parte do nosso dia-a-dia no trabalho, na escola, em casa e no lazer.

Embora a disseminação e a popularização da era digital sejam valiosas para a produtividade e para a geração de riquezas, é preciso ter em conta os limites daquele benefício para a competitividade. A “commoditização digital” refere-se ao impacto decrescente que a popularização do acesso e uso de tecnologias digitais padronizadas e de uso geral têm na produtividade. Tudo o mais constante, é razoável assumir que o impacto da adoção de uma nova tecnologia digital na competitividade de uma empresa de determinado segmento seguirá trajetória tal como descrita na figura 1 abaixo.

Enquanto poucas empresas têm acesso à nova tecnologia, seu impacto na produtividade deve aumentar rapidamente. Mas, à medida que o acesso e uso da tecnologia se disseminam, seu impacto marginal diminui e, eventualmente, se torna nulo. À medida que o benefício marginal decresce, o uso da tecnologia passa a se tornar requerimento de entrada no mercado. Ou seja, a tecnologia ajuda a colocar a empresa “no jogo”, mas não a qualifica a “ganhar o jogo”.

Pense no choque de produtividade que os PCs tiveram em meados dos anos 80 em atividades básicas como edição de textos, controle de estoques e gestão contábil. Naquela altura, o acesso àquelas tecnologias era limitado em razão do custo das máquinas e das poucas qualificações das pessoas para operar computadores. As poucas empresas e universidades que tinham acesso provavelmente experimentaram melhoria em indicadores de eficiência de tempo e desempenho. Porém, com o tempo, o emprego de PCs em atividades básicas passou a fazer pouca ou nenhuma diferença, já que eles praticamente se tornaram commodities.

Equipamentos de tecnologia da informação em geral, softwares padronizados de várias aplicações, sistemas e, claro, acesso à internet estão sujeitos à commoditização digital. O efeito-rede e o efeito-plataforma devem acelerar a commoditização digital de aplicativos e outros recursos livres ou de baixo custo disponíveis na internet.

Figura 1: Relação entre commoditização digital e competitividade

Fonte: elaboração própria

A commoditização digital ajuda a explicar o suposto paradoxo da literatura de estagnação secular que relaciona a popularização da tecnologia da informação com a desaceleração da taxa de crescimento da produtividade.

A commoditização digital tem aspectos importantes para o desenvolvimento. Isto porque, de um lado, a grande maioria das empresas é usuária de commodities digitais, enquanto, do outro lado, parcela bem menor é desenvolvedora e gerenciadora daquelas tecnologias, padrões e plataformas nas quais as commodities digitais são usadas. São estas as empresas que, de fato, tendem a capturar a maior parte dos benefícios privados das commodities digitais. Pense na Google, Amazon, Apple, Microsoft, Facebook, Baidu, Alibaba, SAP, Uber, Tencent, Cisco, Oracle, Huawei e outras empresas que estão estabelecendo padrões, criando plataformas e gerenciando os ambientes em que operam os negócios de terceiros.

Aquelas empresas atingiram nível tão elevado de captura dos benefícios privados das commodities digitais que elas se tornaram “superestrelas” com baixas possibilidades de serem contestadas por entrantes. Esta, aliás, é uma das explicações da perda do brilho dos “unicórnios”, startups que em pouco tempo chegavam a valer cerca de US$ 1 bilhão ou mais.

O encurtamento cada vez mais intenso dos ciclos tecnológicos aliado ao efeito-rede e efeito-plataforma estabelecem condições altamente assimétricas de competição que garantem o hiato tecnológico e de desempenho entre empresas usuárias e empresas desenvolvedoras e gerenciadoras de commodities digitais.

De fato, estamos vendo crescente divisão entre aqueles que usam e aqueles que desenvolvem e gerenciam tecnologias, padrões, regras e plataformas digitais. O primeiro grupo é composto majoritariamente por empresas de países emergentes e de alguns países ricos, como Portugal e Grécia. O segundo grupo é composto majoritariamente por empresas sediadas em alguns poucos países avançados e na China. Essa divisão tem implicações adversas importantes para as perspectivas de convergência da produtividade e da renda entre países e tem implicações relevantes para as políticas públicas e privadas.

Os esforços que muitos países emergentes estão fazendo para mobilizar recursos para ampliar as redes e a velocidade da internet, treinar pessoal, adquirir softwares e computadores para escolas e universidades, reduzir impostos de importação de equipamentos de informática e softwares e alterar legislações da área digital não deverão ser suficientes para reduzir o hiato tecnológico e de renda entre países.

Ao tempo em que devem popularizar o uso de commodities digitais, as políticas públicas terão que abraçar agendas muito mais ambiciosas e sofisticadas na área inovação e tecnologia se quiserem melhorar os prospectos de convergência tecnológica e de renda.

Medidas alternativas do tamanho do setor de serviços

Este blog tem discutido diversas métricas — participação no PIB e no emprego total, contribuição para o valor adicionado da indústria manufatureira, destino dos investimentos diretos estrangeiros, entre outras – que comprovam que o setor de serviços se tornou o maior e o mais influente setor da economia. Tem discutido, ainda, que isto estaria ocorrendo não apenas nos países avançados, mas, também, em praticamente todos os países, incluindo até os mais pobres da África Subsaariana.

Mas variáveis menos convencionais também estão apontando evidências naquela mesma direção. Considere o caso das marcas. O mais recente ranking das marcas mais valiosas mostra que bancos, seguros, logística, comércio, entretenimento, sistemas de pagamento, tecnologia e telecom representavam 74% do valor total das 100 marcas mais valiosas do mundo em 2016. Das 10 marcas globais mais valiosas, nove eram dos setores de tecnologia e telecom — Google, Apple, Microsoft, AT&T, Facebook, Visa, Amazon, Verizon e IBM. McDonald’s quebrou a regra. Mas nem sempre foi assim (ver figura abaixo). Em 2006, aquelas mesmas categorias de serviços respondiam por 55% do valor das marcas mais valiosas.

Se, de um lado, marcas dos setores com a “cara” do século XXI estão ganhando relevância, de outro lado, setores convencionais e com a “cara” do século XX estão perdendo relevância. Em 2006, 13 marcas de carros listavam entre as 100 mais valiosas do mundo e respondiam por 11,6% do valor total. Em 2016, apenas seis marcas de carros figuravam dentre as mais valiosas e respondiam por apenas 3,5% do total.

Em 2006, as 100 marcas mais valiosas valiam US$ 1,44 trilhão. Em 2016, elas valiam US$ 3,36 trilhões, um incremento nominal de 132% — para referência, a inflação em dólar no mesmo período foi de 19%. A supervalorização das marcas é reflexo direto da consolidação e da globalização dos mercados e do aumento da parcela dos serviços na composição do valor final dos bens. É, também, um dos sintomas mais visíveis e mensuráveis das mudanças estruturais por que passam as economias em favor dos serviços.

O que explica o avassalador crescimento do valor das marcas de serviços? São muitas as explicações, mas, dentre elas, estão as mudanças nas preferências dos consumidores em favor de serviços, incluindo tecnologia, telecom e entretenimento, o aumento da participação dos serviços no valor adicionado de outros setores, o encurtamento do ciclo de vida das novas tecnologias, que dá elevado poder de monopólio às “superestrelas”, as novas tecnologias de produção e de gestão da produção, como as cadeias globais de valor, que aumentam a importância de serviços como seguros e logística, a ascensão da economia de plataformas e o caráter cada vez mais comercializável internacionalmente dos serviços. Esses fatores ajudam a garantir o crescimento e consolidar a posição dos serviços na economia mundial.

Ter marcas influentes e valiosas reflete a posição dos países na “cadeia alimentar” e sugere a conformação da estrutura das economias e as perspectivas de crescimento econômico. A China, que está passando por intensa reestruturação em favor de bens e serviços de mais alto valor adicionado e se lançando como competidor global em vários segmentos, já está se estabelecendo como país de marcas globais. Tencent, China Mobile, Alibaba, ICBC, Baidu, CRB e Huawei são algumas das suas marcas mais conhecidas. Hoje, a China já tem quase duas dezenas de marcas dentre as mais valiosas e domina largamente o ranking de marcas da Ásia.

Já o Brasil, ainda não se deu conta da importância e contribuição das marcas como instrumento de geração de emprego e renda e de inserção internacional “pela porta da frente”. Experiência, temos – pense nas sandálias Havaianas. A despeito de sermos, de longe, a maior economia da América Latina, o México tem marcas muito mais valiosas que as nossas. Potencial não falta. O Brasil poderia trabalhar para construir marcas globais em áreas como, por exemplo, cafés, rede de cafés, alimentos processados, alimentos com base em proteínas, moda praia, design, projetos de engenharia, dentre outras áreas em que já temos vantagem comparativa estática e dinâmica revelada. Enfim, precisamos de mais, muitas mais “Havaianas”.

 

Participação nas 100 marcas globais mais valiosas, por categoria (%)

O Fim do TPP?

O Presidente Trump cumpriu promessa de campanha e uma das suas primeiras medidas foi a retirada dos Estados Unidos daquele que é amplamente visto como o mais ambicioso e abrangente acordo comercial jamais desenhado, o Trans-Pacific Partnership (TPP). O principal argumento utilizado pela nova administração é o de que o TPP seria prejudicial para os trabalhadores americanos, notadamente os da manufatura.

Figura – Mapa de países que estariam no TPP

Mapa retirado de China-US Trade Law

A decisão é surpreendente porque as mudanças propostas pelo TPP, sob liderança americana, nos parâmetros que governam o comércio e o investimento seriam imensas, uma espécie de “game-changer“, o que levou muitos analistas a concluírem que o acordo inauguraria uma nova geração nas relações econômicas entre os países. De fato, o impacto potencial do acordo seria de tal monta que levou o Presidente Obama a dizer que “the TPP means America will write the rules of the road in the twenty-first century”.

A surpresa é ainda maior em razão de que os temas que mais profundamente seriam afetados pelo TPP são serviços, propriedade intelectual e economia digital, áreas que os Estados Unidos são supercompetitivos e, portanto, as que mais proporcionariam ganhos para o país, inclusive na forma de criação de muitos empregos.

Os principais exercícios econométricos sugerem que os ganhos comerciais do TPP para os Estados Unidos seriam modestos, o que pode ter contribuído para reduzir apoio ao acordo. No entanto, essas estimações não levam em conta benefícios diretos e indiretos de mais difícil mensuração, como aqueles proporcionados pela convergência regulatória e de padrões, novos mecanismos de soluções de controvérsias e economia digital, nem tampouco consideram os serviços “embarcados” nos bens. Por isto, parece bastante razoável considerar que os cálculos dos benefícios do TPP para os Estados Unidos estariam largamente subestimados.

O argumento de que o fim do TPP poderá redirecionar investimentos e criar empregos na manufatura americana é questionável. Há crescente consenso de que a expansão significativa de empregos na manufatura é objetivo pouco plausível nos dias de hoje, sobretudo para países em estágios avançados de desenvolvimento econômico e tecnológico. Isto se deve às novas tecnologias de produção e de organização da produção que são, por natureza, cada vez mais poupadoras de mão de obra. A popularização dos robôs e a internet das coisas são somente a ponta deste iceberg.

A crescente importância dos serviços como insumos de produção, a relação cada vez mais sinergética e simbiótica entre bens e serviços para criar valor, as mudanças demográficas e as mudanças nas preferências dos consumidores em favor de serviços fortalecem a ideia de que a relevância desse setor para a geração de riquezas e empregos deverá aumentar ainda mais ao longo das próximas décadas.

A decisão de retirada do acordo também surpreende em razão do hercúleo esforço negociador feito pela administração anterior para concluir e ratificar o TPP, naquela que seria uma das maiores realizações do Presidente Obama na área econômica e, certamente, a sua maior realização na área do comércio e dos investimentos.

Por fim, a mudança de planos também surpreende em razão de seus potenciais efeitos associados à China.  Países do TPP já estão até considerando outros arranjos de acordos regionais em detrimento dos interesses geopolíticos e econômicos dos Estados Unidos no Pacífico.

Se o acordo seria tão potencialmente benéfico para os Estados Unidos, como, então, explicar a sua retirada do TPP? O principal suspeito são insatisfações setoriais a itens específicos do TPP. Dentre os mais conhecidos estão a indústria farmacêutica, que se revoltou contra o período negociado de proteção intelectual para drogas biológicas, e a indústria do tabaco, que se revoltou contra a não inclusão do setor no mecanismo de solução de controvérsias em eventuais disputas entre a indústria e Estados soberanos. O significativo poder de lobby daqueles setores teria levado congressistas a reduzirem apoio ao acordo.

Será o fim do TPP? É muito improvável. O mais provável é que a arquitetura básica do acordo seja preservada e, eventualmente, ajustada para refletir as demandas setoriais americanas, servindo então como ponto de partida para novas negociações comerciais bilaterais e até regionais.

É difícil imaginar que um acordo que praticamente sedimentaria a liderança americana em nível global nas áreas que mais crescem e que mais influências terão no século XXI seja abandonado. O que provavelmente veremos é um TPP “repaginado” e, talvez, ainda mais alinhado com os interesses americanos.

Nota: as opiniões aqui expostas não necessariamente representam as visões das instituições às quais o autor está ligado.

Exportação de serviços – uma alternativa viável para os países em desenvolvimento?

Está se tornando lugar comum nos círculos governamentais, acadêmicos, privados e diplomáticos a tese de que países em desenvolvimento deveriam perseguir políticas arrojadas de exportação de serviços com fins de promover o emprego e o crescimento econômico. A tese é mais que meritória, mas, infelizmente, carece de maior amparo empírico.

As exportações de serviços finais, que são aqueles que majoritariamente são exportados por países em desenvolvimento, são apenas uma fração das exportações totais de serviços quando contabilizados em valor adicionado. A maior parte dos serviços transacionados entre-fronteiras está, direta ou indiretamente, “embutida” em outros produtos, sejam eles bens industriais, agrícolas, minerais ou mesmo outros serviços. Tratam-se de serviços comerciais na forma de P&D, softwares, marcas, design, serviços técnicos especializados, serviços financeiros, seguros, logística dentre muitos outros que perfazem parcela crescente do valor final dos bens.

De fato, os serviços respondem por cerca de 20% do total do comércio global. Mas, quando contabilizados em valor adicionado, são 54% do total – estima-se que serão 75% até 2025.

A experiência americana, alemã e de outros países avançados mostra que o desenvolvimento e a exportação de serviços estão diretamente associados à estrutura econômica do país – quanto mais sofisticados forem a indústria e outros setores, mais sofisticado tende a ser o seu setor de serviços. A razão é que o desenvolvimento de serviços “responde” às demandas por novas soluções e desafios tecnológicos e de mercado. Não por outra razão, a indústria americana é o principal financiador do P&D do setor de serviços daquele país. As evidências empíricas sugerem que não devemos esperar que serviços comerciais sejam desenvolvidos de forma isolada ou autóctone num país.

Estamos aprendendo que a criação de valor está associada à relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços. Logo, o caminho mais promissor para países em desenvolvimento é associar exportações de serviços a uma agenda mais ampla de crescimento.

Países em desenvolvimento devem, sim, explorar alternativas econômicas na área dos serviços. Turismo, cassinos, call centers, serviços de manutenção, de contabilidade e mesmo serviços finais com algum grau de sofisticação, que são aqueles que hoje predominam nas exportações daqueles países, são mais que bem-vindos. Porém, não devem ser vistos como panaceia. Os serviços que devem estar no radar das estratégias de desenvolvimento econômico são aqueles que podem pavimentar o caminho para o avanço do conhecimento e para a inserção do país em cadeias globais de mais alto valor agregado, que é uma das fontes primárias de aprendizagem, interação, upgrade tecnológico e de acesso a mercados.

Um já testado caminho para adentrar no segmento de produção e exportação de serviços é o desenvolvimento de serviços associados aos setores em que o país já tem vantagem comparativa estática ou dinâmica.

O caso da pecuária do Uruguai é ilustrativo. Após ser afetado pela doença da vaca louca no início dos anos 2000, o país se impôs o objetivo de ser o primeiro a ter o gado bovino totalmente identificado e rastreado. Para tanto, teve que desenvolver conhecimento e tecnologias de rastreamento desde o nascimento do animal até a carne chegar às gôndolas dos supermercados dos países importadores. Hoje, para os rancheiros uruguaios, instrumento de trabalho tão importante quanto o cavalo são os laptops e os chips. O Uruguai não apenas passou a produzir carne em conformidade com os cada vez mais rigorosos padrões sanitários internacionais, mas, também, a desenvolver todo um setor de tecnologia de rastreamento que hoje já é vendido para o Brasil e outros países.

O caso do setor de flores ornamentais para exportação no Quênia também é ilustrativo. Para estar em condições de competir com outros países no mercado global de flores, o país teve que desenvolver serviços que viabilizassem a produção e a entrega competitivas na bolsa de flores da Holanda. Os vários segmentos de serviços desenvolvidos hoje contribuem para o potencial de negócios de outras atividades econômicas.

Muito pode ser feito para ampliar as exportações de serviços dos países em desenvolvimento. Mas o sucesso da empreitada será, provavelmente, tão maior, quanto mais ela estiver ancorada nos princípios fundamentais da geração de riqueza do século XXI.

Entrar na era da economia digital garantirá maior crescimento ao Brasil? Não

Já sabemos que o Brasil é uma economia relativamente fechada para o comércio. Indicadores de conectividade global, tais como o MGI e o DHL, que levam em conta fluxos financeiros, de dados, de conhecimento, de pessoas, de serviços e de comunicação sugerem que o Brasil também é fechado nessas áreas.

Se ser uma economia fechada para o comércio já era comprometedor para o crescimento, ser fechado para a economia digital pode ser ainda mais comprometedor. Afinal, a era digital está rompendo tudo: a natureza dos produtos, a forma de produzí-los, o universo dos produtores e consumidores, as formas de entrega de bens e serviços, a escala do capital para se operar globalmente e os requerimentos de capital humano.

De fato, estatísticas da McKinsey mostram que, enquanto o fluxo de comércio de bens e finanças está desacelerando, o de dados vem crescendo de forma exponencial – entre 2005 e 2014 esse volume cresceu nada menos que 45 vezes! O fluxo de dados adicionou US$ 2,2 trilhões ao PIB global em 2014 de forma direta e outros US$ 2,8 trilhões de forma indireta.

A economia digital promove produtividade ao expor as empresas a novas ideias, pesquisas, tecnologias, melhores práticas operacionais e de gestão e ao criar novos canais de acesso aos mercados globais, ao tempo em que ajuda a reduzir custos.

Embora tudo isto seja muito valioso e positivo, é preciso ter em mente o que venho chamando de “commoditização digital”, qual seja, a popularização de acesso e uso de tecnologias digitais. O conceito diz que, no final das contas, usar tecnologias digitais pode fazer pouca ou nenhuma diferença para a competitividade se aquela tecnologia ou prática estiver ao alcance geral. Logo, tecnologias digitais podem ser condição necessária, mas não suficiente para fazer a diferença em termos de competitividade em nível global.

Logo, por mais sofisticada que seja, os benefícios marginais do uso de tecnologias digitais tendem a ser decrescentes e, eventualmente, até nulos. Prevemos que, a partir do momento que tecnologias se tornam acessíveis e comuns, as vantagens comparativas clássicas voltarão a ser fator de competitividade.

As evidências empíricas estão nos mostrando que o que importa mesmo e faz a diferença para a criação de riqueza é a capacidade de desenvolver tecnologias digitais e de desenvolver e gerir novos modelos, plataformas e padrões de negócios digitais. O efeito-rede e o efeito-plataforma são evidências disto. Pense nos casos da Google, Amazon, Apple, Microsoft, Facebook e outras que “chegaram primeiro” e estabeleceram as bases de operação de negócios e segmentos que as tornaram superestrelas com poucas possibilidades de serem contestadas por entrantes, a não ser em razão de questões regulatórias. Esta é uma das principais explicações da desaceleração e perda de brilho dos “unicórnios”, as startups que rapidamente chegam a valer mais de US$ 1 bilhão.

Isto nos traz a um outro conceito relevante para os dias de hoje, o de “falácia da composição” na era da economia digital (Arbache 2015), qual seja, a ideia de que é improvável que haja lugar para todos na economia digital, em especial em razão do efeito-plataforma e da redução do ciclo de vida das tecnologias e dos serviços digitais.

Com o encurtamento cada vez maior dos ciclos tecnológicos, já não se pode mais falar de convergência de produtividade nos termos propostos por Dani Rodrik (QJE 2013).

Embora entrar na era da economia digital seja mais que relevante para um país como o Brasil, é preciso ter em mente que usar mais e melhor as tecnologias digitais não garantirá crescer a taxas mais elevadas nem gerar mais e melhores empregos.

O século XXI nos lembra todos os dias que o mundo já é, mas será ainda mais dividido entre aqueles que usam e aqueles que desenvolvem tecnologias, padrões e negócios digitais.

Neste momento, o segundo grupo está majoritariamente concentrado em alguns poucos países avançados. E é provável que assim continue, ao menos no horizonte previsível, com efeitos importantes em termos de aumento das diferenças de PIB per capita entre países e de perspectivas de desenvolvimento econômico.

Comunicado

Prezados leitores do Blog Economia de Serviços, comunico que a partir de hoje, 15 de fevereiro, entrarei em licença do Blog em razão de função que exercerei no Governo.

Meus colegas Rafael Moreira, Anaely Machado e nossos colaboradores seguirão pilotando o Blog.

Abraço,

Jorge Arbache

As cinco temidas

O jornalista Farhad Manjoo,  do The New York Times, publicou um interessante artigo sobre o que ele chamou de as “cinco grandes temidas da tecnologia”.  Elas seriam a Google, Microsoft, Apple, Facebook e Amazon. Seriam as temidas, pois são cada vez mais dominantes em seus respectivos mercados e estão se consolidando sem ameaças previsíveis.

Farhad argumenta que as gigantes estão se estabelecendo de tal forma no funcionamento dos seus próprios mercados via efeitos de rede e de plataforma que elas são capazes de sufocar, ao menos neste momento,  praticamente quaisquer ataques vindos de potenciais concorrentes.

Não é coincidência que as cinco temidas são do setor de serviços. Afinal, já sabemos que os serviços vieram para dominar em definitivo a economia global. Mas também não é coincidência que essas empresas buscam cada vez mais, de um jeito ou de outro, a sua consolidação através da produção de um blend de serviços e de bens.

A Google, que começou produzindo serviços, se mete de forma crescente na produção de bens industriais, incluindo carros não motorizados, telefones e muitos outros equipamentos. A Amazon encoraja o desenvolvimento de equipamentos, incluindo leitores de livros, drones para entregas e outros. Já a Apple, que se concentrava mais na produção de bens, se tornou uma mega produtora de serviços. Já as “primas”, como a Uber, financia o desenvolvimento de carros não motorizados.

Devemos caracterizar as empresas de tecnologia como sendo do setor de serviços ou industrial? A resposta é de ambos. E isto ocorre porque a geração de valor está no amalgama entre bens e serviços e não apenas em ou outro, o que decorre da relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços.

As empresas de tecnologia foram, cada uma a seu modo, entendendo isto a ponto de se tornarem ameaças para  as empresas para quem supostamente elas deveriam fornecer soluções tecnológicas.  Hoje, as fabricantes de carros vêem as empresas de tecnologia como a sua maior ameaça.  Afinal, se os sistemas de navegação, segurança e entretenimento estão se tornando a parte de mais alto valor agregado do carro moderno, então o papel da montadora está se tornando, de certa forma, secundário.  E é este tipo de movimento que tem encorajado as empresas de tecnologia a buscar agregar elas mesmas valor complementar em torno das suas soluções tecnológicas. Isto ajuda a explicar a desesperada busca das montadoras por aquisição de empresas de tecnologia e de parcerias. De uma forma ou outra, o mesmo ocorre em outros segmentos.

É difícil prever o futuro da economia digital em razão da sua própria natureza. Mas é certo que o que quer que venha pela frente terá na relação entre bens e serviços o pilar da criação de riqueza.

 

O Setor de Serviços Está se Concentrando – E agora?

Você sabe qual é o principal destino dos investimentos diretos estrangeiros no Brasil? E sabe a qual setor pertencem os cinco segmentos de negócios de maior preferência de fusões e aquisições (M&A) no país? Se você arriscou serviços, acertou.

De fato, os serviços são o alvo predileto de mais de 60% dos investimentos diretos estrangeiros. E os cinco segmentos que mais passaram por M&A recentemente são, por ordem, tecnologia da informação, serviços auxiliares, serviços financeiros, varejo e serviços públicos (eletricidade,  gás, rodovias, etc) – juntos, eles respondem por mais de 50% das operações no Brasil. Os estrangeiros são responsáveis por ao menos metade daquelas operações de M&A.

Se, por um lado, os investimentos e M&A em serviços são mais que bem-vindos, por outro lado, é necessário evitar movimentos de concentração.

Na verdade, vários segmentos de serviços já são altamente concentrados e outros estão se concentrando. O gráfico abaixo mostra a participação de mercado das oito maiores empresas por segmento. Nos serviços de telecomunicação, segmento crítico para a competitividade de praticamente toda a economia, 64% do mercado pertence àquelas oito empresas; em transporte aéreo, 89%; e em serviços de audiovisual, 52%.

Evidências empíricas mostram que a produtividade não aumenta com a concentração; em alguns casos, até diminui. Desta forma, a concentração pode ser danosa para a alocação eficiente de recursos. A experiência internacional mostra que competição tende a ser acompanhada por menores preços, mais inovação, qualidade e outros indicadores importantes de desempenho.

Como o setor de serviços é cada vez mais determinante tanto para o consumo e o bem-estar das famílias, como para o consumo intermediário e a competitividade das empresas, seria importante aprimorar as políticas  de modernização dos marcos regulatórios setoriais de tal forma a estimular o investimento e a competição, inclusive com a entrada de novos competidores. Seria também importante o aprimoramento de políticas que  visem ampliar o acompanhamento e  o monitoramento do setor por parte dos órgãos reguladores e antitruste de tal forma a impedir ou mitigar os riscos da concentração.

Gráfico: Segmentos de serviços mais concentrados – participação das oito maiores empresas no mercado (%)

concentracao no mercado de serviços

Fonte: Pesquisa Anual de Serviços (PAS-IBGE)

Nota: Não estão incluídos nos dados o setor financeiro, de saúde e educação

 

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